Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 111-136
113Natali Hoff; Ramon Blanco
do crescimento das cidades ao redor do globo
3
, e sua frequente associação com
o aumento da desigualdade econômica e da violência nesses espaços
4
, são cada
vez mais compreendidos como questões que não se encerram nas fronteiras
nacionais dos Estados e que, portanto, devem ser analisadas desde perspectivas
que considerem a segurança e estabilidade internacionais. Essa tendência analítica
é fortalecida pela consolidação da percepção de que existem cidades que podem
ser classificadas como cronicamente violentas — tais como Abidjan, Baghdad,
Rio de Janeiro, Guatemala, Mogadishu, Grozny (Savage; Muggat, 2012). Sob este
entendimento, essas cidades supostamente afetam as instituições domésticas dos
Estados nos quais estão inseridas e, em consequência, terminam por exportar
insegurança e ameaças à comunidade internacional. Para esse tipo de interpretação,
a violência nas cidades está, frequentemente, relacionada a uma “nova forma de
conflito”, que se desenvolve no perímetro urbano e envolve a disputa pelo poder
entre autoridades do Estado e atores violentos não-estatais (Graham, 2009, 12).
Nesse contexto analítico sobre as cidades e os seus impactos para a segurança
internacional, o conceito de cidade falida emerge como nova categoria social,
que buscaria unir as temáticas voltados ao desenvolvimento das cidades com a
preocupação com a segurança no espaço urbano. Por conseguinte, tal conceito
acaba por produzir um novo quadro epistêmico de sustentação às técnicas de
governo das cidades. De modo geral, pode-se afirmar, que esse conceito se destina
a explicar as cidades, nas quais a dificuldade das autoridades em manter o
monopólio do uso legítimo da força leva ao rompimento do contrato social entre
Estado e população e, em casos extremos, conduz ao colapso total dos sistemas
de governança e dos aparatos de segurança municipais (Muggah, 2012). Esse
enquadramento, inevitavelmente, acaba por possibilitar a ascensão de novas formas
de ingerência política sobre as cidades e sobre suas populações, direcionadas a
gerenciar, controlar e modificar os processos sociais inerentes a elas.
3 De acordo com o Relatório “World Urbanization Prospects”, publicado em 2018 pelo Departamento dos
Assuntos Econômicos e Sociais (DESA), a população urbana mundial tem crescido rapidamente, passando de
aproximadamente 750 milhões em 1950 — 30% da população mundial — para 4,22 bilhões em 2018 — 55,3%
da população mundial. O relatório ainda traz uma projeção na qual aponta que a população urbana no mundo
deve chegar à 6,8 bilhões em 2050, isto é, a 60% da população mundial (DESA, 2019).
4 O relatório “Urban Violence and Humanitarian Challenges”, elaborado conjuntamente pelo Comitê Internacional
da Cruz Vermelha (CICV) e pelo Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (EUISS) apresenta como
causas para a violência urbana a ampla negligência e marginalização, por parte dos Estados, para com as
populações que vivem em assentamentos urbanos ou favelas (Apraxine et al, 2012). De acordo com o relatório,
isso ocorre porque, além desses espaços serem ocupados por grupos economicamente vulneráveis, a ausência
do Estado torna possível a ocorrência diária de violência armada envolvendo confronto entre gangues, facções
criminosas e/ou narcotraficantes com agentes da lei para o controle do território (Idem).