236 A ZOPACAS como a manifestação de um projeto de construção regional Brasileiro para o Atlântico Sul: [..]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 234-257
Anderson (1983) sobre nacionalismos, defende que regiões sejam interpretadas
como comunidades imaginadas, cuja existência é precedida por um ator que,
como parte de um projeto político, passa a defender uma identidade cronológica
e espacial associada a determinado território — a Região — e procura disseminar
tal ideia para o maior número de pessoas (Neumann 2003).
Essa lacuna acaba por se refletir nos estudos empíricos sobre o fenômeno
regional e, especificamente, nos estudos voltados para a suposta região do Atlântico
Sul. Suposta, pois, independente de qual foco seja dado às dinâmicas sul-atlânticas,
não são feitos questionamentos sobre a natureza regional do Atlântico Sul ou sua
origem como tal
5
. Isto posto, dois trabalhos emergem como exceções, sendo ambos
amparados pela base teórica proposta por Neumann e com análises centradas
na Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), a saber: (1) o artigo
“O Brasil e a cooperação em defesa: a construção de uma identidade regional
no Atlântico Sul”, de Adriana Abdenur e Danilo de Souza Neto, publicado em
2014 na Revista Brasileira de Política Internacional; e (2) a dissertação de Luísa
Calvete Portela Barbosa, intitulada “A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul
(ZOPACAS): Criação, Projeção e Dimensão Político-Estratégica”, apresentada em
2015 no programa de Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS.
No que toca à genealogia do Atlântico Sul enquanto região, o argumento
dos trabalhos é semelhante, defendendo que a ZOPACAS é a materialização de
um projeto de construção regional brasileiro. Contudo, diferem-se no foco que
conferem à questão. Por um lado, Barbosa (2015) desenvolve um estudo cuja
ênfase recai especificamente na ZOPACAS, utilizando uma abordagem histórica
e entendendo a iniciativa como “a materialização de um discurso, cujo objetivo é
[a] busca por autonomia e autodeterminação da região sul-atlântica por parte de
seus integrantes” (Barbosa 2015, 16). Por outro, Abdenur e Souza Neto (2014) tem
como foco analisar o suposto projeto regional sul-atlântico defendido pelo governo
brasileiro, argumentando que o Estado estaria buscando construir um “cinturão
de boa vontade”
6
, que permitiria promover “a criação de uma identidade regional
sul-atlântica, na qual o Brasil assegura para si uma posição de destaque” (Abdenur
e Souza Neto 2014, 6). Assim, os autores argumentam que, embora a ZOPACAS
5 Exemplos incluem trabalhos focados nas dinâmicas de segurança no oceano (Aguilar 2013; Amorim 2013;
Flemes and Costa Vaz 2011), políticas do governo brasileiro para promover o interesse pelo Atlântico Sul no nível
doméstico (Wiesebron 2013) e os esforços brasileiros para promover a expansão de sua plataforma continental
(Costa 2012; Trentini, Novelli, e Breda 2016).
6 Em alusão ao termo utilizado pelo Ministro da Defesa na abertura do II Seminário de Defesa Nacional, realizado
na Escola Superior de Guerra em 15 de fevereiro de 2012.