208 Os think tanks brasileiros e a agenda de política externa de Lula da Silva e Rousseff para a África
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
Os think tanks brasileiros e a agenda de política
externa de Lula da Silva e Rousseff para a África
Brazilian think tanks and the foreign policy
agenda of Lula da Silva and Rousseff to Africa
DOI: 10.21530/ci.v15n1.2020.964
Camille Amorim
1
André Luiz Reis da Silva
2
Resumo
A fundamentação teórica sobre os think tanks segue arraigada à experiência pioneira
estadunidense como tipo ideal, embora estudos de caso, vide Reino Unido, França e mesmo
Brasil, mostrem situações distintas. Este trabalho propõe, considerando o objetivo de tais
instituições de influenciar e modelar ação de atores políticos com base em sua expertise,
adentrar na produção ideacional contemporânea dos think tanks brasileiros sobre as relações
Brasil-África durante os governos Lula da Silva e Rousseff
3
. Uma revisão teórica sobre os think
tanks é seguida da apresentação do conteúdo das produções de CEBRI, BPC, Igarapé e IPEA
acerca da agenda brasileira para África. A pesquisa está centrada em produção escrita, artigos,
relatórios mais detalhados sobre o continente, considerando como ponto de convergência
entre as produções os tópicos de cooperação sul-sul e oportunidade de internacionalização
para as empresas brasileiras. Apesar da importância da África para o período analisado, o
tema aparece restrito a poucos think tanks, que apontam para continuidade discursiva entre
as gestões de ambos os governos, sendo, este último, responsável pelo redirecionamento
estratégico, prevalecendo as relações empresariais a despeito da cooperação sul-sul.
Palavras-chave: Análise de Política Externa; Relações Brasil-África; Think Tanks.
1 Doutoranda pelo PPG em Estudos Estratégicos Internacionais/UFRGS. Mestre em Estudos Estratégicos
Internacionais e especialista em Estratégia e Relações Internacionais Contemporâneas pela UFRGS. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5918-835X; email: camille.amorim@gmail.com
2 Doutor em Ciência Política. Pós-doutorado na School of Oriental and African Studies/University of London.
Professor dos PPGs em Estudos Estratégicos Internacionais e Ciência Política da UFRGS/Brasil. Bolsista
de Produtividade em Pesquisa do CNPq (PQ2). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2593-1189; email:
reisdasilva@hotmail.com
3 Essa pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Brasil
(CAPES) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Artigo submetido em 14/06/2019 e aprovado em 06/03/2020.
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Abstract
The academic literature of think tanks has been related to the United States experience as
an ideal type, despite case studies about the United Kingdom, France or even Brazil show
distinct but feasible accommodations. This paper aims to discuss the ideational production
of Brazilian think tanks about Brazil-Africa relations during the governments of Lula da
Silva and Rousseff, considering the main purpose of these institutions on influencing and
modelling the action of political actors based on intellectual expertise. A theory review is
followed by an exposition of intellectual production of CEBRI, BPC, Igarapé and IPEA about
the foreign policy agenda for the continent, considering two topics of convergence: south-
south cooperation and internationalization of Brazilian companies. Despite the importance
of Africa for the foreign policy agenda during these governments, the field of research still
restricted to very few think tanks. The studies point out the discursive continuity between
both presidencies, being the last one responsible for a strategic adjustment, prevailing
companies’ internationalization emphasis over the south-south cooperation.
Keywords: Foreign Policy Analysis; Brazil-Africa Relations; Think Tanks.
Introdução
Os think tanks ainda carecem de maior atenção dentro da academia, uma
vez que a fundamentação teórica segue vinculada à experiência estadunidense
como um tipo ideal, embora estudos de caso de países distintos mostrem outras
acomodações. Este trabalho tem como objetivo, através de uma análise qualitativa
de conteúdo, adentrar na produção ideacional dos think tanks brasileiros sobre
as relações Brasil-África durante as gestões Lula da Silva e Rousseff (2003-2016).
É pressuposto para isso o propósito dessas instituições em influenciar e modelar
a ação de atores políticos e a própria política pública com base em sua expertise.
Igualmente, parte-se do entendimento, difundido na academia, que no referido
período ocorreu um aprofundamento sem precedentes no eixo de relacionamento
entre o país e o continente africano (Oliveira 2015). Dessa forma, esse trabalho
busca, além de contribuir para a literatura de análise de política externa brasileira
refletindo acerca do papel dos think tanks para o processo decisório, promover
maior discussão acerca dos interesses brasileiros nas relações com o continente
no século XXI a partir da perspectiva dessas instituições.
De forma a operacionalizar o estudo, percorreu-se um processo metodológico
que não busca esgotar as possibilidades de think tanks e de conteúdo disponíveis
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para análise. Na verdade, é proposta interpretação qualitativa plausível, a partir
da análise codificada e triangulação entre relatórios e literatura (Gibbs 2009).
A amostragem de think tanks foi selecionada a partir da listagem das Américas
Central e do Sul, de acordo com o Global Go To Think Tank Index Report de 2017
(McGann, 2018), publicado pela Universidade da Pensilvânia, edição essa que
abarcou as produções do recorte temporal dos governos estudados. O ranking
não compreende uma série de think tanks brasileiros conhecido do público
especializado em política externa, contudo, foi uma ferramenta pragmática
para não incorrer em preferências ou possíveis parcialidades. O ranking, cabe
mencionar, é a principal listagem internacional de instituições dessa natureza. Essa
preocupação em encontrar uma referência científica e internacionalizada
4
para
coletar a amostragem se faz pertinente diante da dificuldade em conceituar tais
instituições, visto que elas tomam as formas mais diversas, conforme o sistema
político e cultura de cada país (Denham e Garnett 2004).
A análise proposta neste artigo se restringe às publicações escritas em formato
de policy briefing, relatórios de pesquisa ou artigos de think tanks que apresentaram
grupos de trabalho especializados na temática África, institucionalizados ou ad hoc.
Cabe, contudo, enfatizar que esses think tanks possuem vasta gama de estratégias
para divulgar suas ideias que ultrapassam o formato escrito. Porém, optou-se pela
delimitação, uma vez que é esse tipo de material que reúne mais informação, ou
as principais, e que transita diretamente entre interessados na agenda e o núcleo
decisório, além de pautar também outras ações dessas mesmas instituições. Dito
isso, observou-se que onze, dentre quatorze listados no ranking, abordavam
assuntos relativos à política internacional. Contudo, a política externa brasileira
para África apareceu explicitamente em conteúdo escrito apenas em quatro,
a saber: BRICS Policy Center (BPC), Centro Brasileiro de Relações Internacionais
(CEBRI), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Instituto Igarapé.
Como ficará claro mais adiante, foi notável entre as publicações a
convergência de agenda dos think tanks no que se refere à cooperação sul-sul
para o desenvolvimento e às potencialidades mercadológicas para o empresariado
4 É necessário, ademais, elucidar como ocorre o desenho dos rankings anualmente publicados. Em geral, há uma
combinação de nomeações oriundas de personalidades e especialistas ligados às agendas e às mais diversas
regiões geográficas. Cerca de 7500 think tanks e 8500 jornalistas, doadores públicos, privados e policy-makers
de todo o mundo participam desses processos, que incluem, ainda, uma revisão das nomeações e classificações
por pares e especialistas. Diante das tantas faces de um think tank, o ranking é um mecanismo satisfatório,
embora não seja perfeito, visto que fornece caminhos transparentes para o mapeamento de tais instituições,
a despeito de quaisquer elementos subjetivos e contraditórios naturais aos think tanks.
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brasileiro. Essa divisão norteou a análise, antecedida por uma primeira unidade
de revisão teórica, com o intuito de entender como as ideias podem influenciar a
formulação de políticas públicas e como outros estudos de caso podem fornecer
elementos para discutir a conformação dos think tanks brasileiros, o que é feito em
sequência. Posteriormente, o conteúdo das produções dos think tanks acerca da
política externa brasileira para África é tratado especificadamente (são detalhados
os tópicos de cooperação sul-sul e o continente africano como oportunidade de
internacionalização para as empresas). Por fim, há considerações finais sobre os
think tanks e agenda para África.
O debate sobre os think tanks: uma revisão da literatura
O conceito de “comunidades epistêmicas”, reconstruído por Haas (1992),
pode ser de grande utilidade para se pensar os think tanks. Haas (1992) utiliza o
conceito para estudar o controle sobre o conhecimento e a informação e como estes
são usados como dimensão de poder. Nesse sentido, o conceito de comunidade
epistêmica é tido como mais que uma comunidade científica conectada pela
preocupação com a ciência no sentido natural, mas sim como rede pautada em
expertise, na qual níveis políticos são alcançados por meio do reconhecimento
de tamanha capacidade. Ademais, definem-se como profissionais de distintas
origens e multidisciplinares, que compartilham um conjunto de crenças e princípios
e que fornecem uma lógica baseada em valores para ação social dos membros
(Haas 1992).
Essas características se tornam visíveis pela observação da história dos
think tanks. O surgimento desses organismos remonta ao início do século XX,
nos Estados Unidos, sob uma base social de estima à importância das ideias que
embasavam e influenciavam atores políticos. Fortaleceram-se ao prover serviços
diversificados, a exemplo da RAND Corporation, que presta serviços tanto de
engenharia naval, quanto análises políticas com recursos humanos altamente
especializados. Assim como a atividade acadêmica, o produto final do trabalho de
um think tank é o conhecimento, a produção intelectual e o grau de especialidade,
que oferece legitimidade para atuação da organização. Porém, há uma divergência
entre os dois organismos: enquanto a universidade obedece à missão principal do
avanço de conhecimento, os think thanks se preocupam mais com a ação política
(Abelson 2006).
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Ao inserir tais organizações sob aparato da disciplina de análise de política
externa, Abelson (2006) ressalta que é impossível seguir restringindo o processo
decisório à esfera estritamente pública e que observar a atividade dessas
instituições é construir uma ponte entre a opinião pública e os decisores, ambos
focos diretos dessas produções ideacionais. Sob esse viés, os think tanks podem
ser pensados como atores que auxiliam os líderes, fornecendo suporte para que
levem em conta com precisão os custos e benefícios das ações a serem tomadas,
reduzindo a margem para incertezas e desenvolvendo um ambiente de tomada de
decisão estável. Sob outra perspectiva, os think tanks são também responsáveis
por, principalmente durante os estágios iniciais da política pública, ajudar a
forjar parâmetros para o debate na sociedade (Abelson 2006). Ademais, não é
possível esperar que todos think tanks participem igualmente durante os estágios
da política, por um princípio básico de não compartilharem interesses e metas
iguais, ou mesmo porque, embora sejam especialistas, não possuem as mesmas
aptidões. Por essas características, generalizações são problemáticas no estudo
dessas instituições.
A literatura existente não avança no sentido de mitigar ou simplesmente
explicar as ambiguidades decorrentes da impossibilidade de generalizações sobre
o papel exercido pelos think tanks. Há de se reconhecer tamanha abstração, se
comparado ao lobby, como algo inerente ao produto específico dessas organizações:
ideias dificilmente são quantificáveis, sendo impossível mapear, com precisão, o
momento de concepção e o caminho levado até sua vocalização. No caso brasileiro,
tais instituições ainda são um fenômeno recente e em vias de amadurecimento.
Contudo, atentar para a importância dos think tanks junto ao processo decisório
pode oferecer um caminho alternativo para pensar as relações entre Estado e
atores interessados em política externa, no caso específico da agenda para África.
É um exercício para identificar a conexão entre ideias, atores, e política externa
em um contexto em que as pesquisas acadêmicas ainda esbarram nas limitações
da diplomacia pública do Itamaraty.
Da literatura internacional sobre think tanks ao caso brasileiro
Entender o caso estadunidense é uma preocupação de muitos autores
(Smith 1991; Abelson 2006; Desmulins 2000; Parmar 2004). Há convergência de
abordagens no sentido de atribuírem aos Estados Unidos uma posição próxima
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à de tipo “ideal Weberiano”, norteador para análise de outras experiências no
mundo. Assume-se, aqui, parcialmente essa afirmação, já que os Estados Unidos
são, de fato, a experiência pioneira e, consequentemente, melhor mapeada pela
literatura. Entretanto, é impossível dimensionar em termos de o que seria uma
experiência perfeita, exemplos disso são os casos britânico, francês e brasileiro.
A depender de cada sistema político os think tanks se acomodam em formatos
diferenciados, apesar da existência dessas instituições ser uma tendência global.
Sobre ultrapassar o caso americano, é possível de início lembrar que a
combinação entre conselheiros políticos e líderes é uma prática antiga. É o objetivo
de um dos livros mais conhecidos do ocidente: O Príncipe, de Maquiavel. Smith
(1991), a exemplo dessa prática, cita o relacionamento de Aristóteles e Alexandre,
de Sêneca e Nero, de Hobbes e o Príncipe de Gales, e, mais recentemente, de
Tugwell e Franklin Roosevelt ou de Walter Heller e Kennedy. O hábito de recorrer
a especialistas privados e sem perfil burocrático define um relacionamento
responsável por expor nitidamente a incapacidade de governar alheio à produção
intelectual extra-estatal (Smith 1991), demanda favorecedora do florescimento
dos think tanks.
Desde a origem estadunidense no início do século XX, os think tanks foram
delineados como institutos de pesquisa política sustentados pela filantropia (Abelson
2006; Smith 1991). Sua nomenclatura própria de “tanques de conhecimento” veio
na sequência, após serem reconhecidos pelo serviço prestado durante a Segunda
Guerra. Suas bases se solidificaram entre 1946 e 1970, conforme passaram a se
beneficiar de contratos com o governo, prevendo produção de conhecimento técnico
nas áreas mais diversas (desde as ciências sociais até engenharia), necessidade dos
Estados Unidos no contexto de Guerra Fria. Após 1970, os think tanks ganharam
um novo perfil: abraçam ideologias, são envolvidos em ativismo político e passam a
pautar suas atividades em um misto de propaganda e de pesquisa acadêmica. Para
Abelson (2006) é nesse momento que institutos — vide o CFR
5
— e especialistas
em política externa ganham maior visibilidade, pela preocupação dos decisores
em encontrar munição ideacional para nortear as responsabilidades hegemônicas
e para alimentar a crescente burocracia de política externa, além da demanda
por mobilizar a opinião pública como legitimadora da atuação internacional da
Grande Potência.
5 Council on Foreign Relations, fundado no início do século. Fortalecido, segundo Abelson (2006) no período
em questão.
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Ademais, alguns exemplos de outros países podem contribuir para se pensar
o Brasil. O caso francês, conforme esquematizado por Desmulins (2000), se afasta
do padrão americano pelos think tanks surgirem dentro de um contexto de maior
competitividade. As atividades que seriam restritas às tais organizações já eram
historicamente exercidas por instituições de natureza muito diversa, como o
caso dos clubes políticos, gabinetes ministeriais ou mesmo a figura personalista
do intelectual francês. Esse último, tradicionalmente simbólico, não precisa ter
conhecimento técnico para políticas públicas, pois é percebido pela opinião
pública como exemplo de conhecimento por si. Para Desmulins (2000), no país é
relevante, também, uma lacuna entre esferas acadêmica e política e o padrão de
financiamento majoritariamente público dessas instituições. Analogamente, de
acordo com Denham e Garnett (2004), o caso britânico contou com determinantes
para o surgimento e consolidação dos think tanks, diante do espaço modesto
destinado às ideias e intelectuais em um sistema político elitizado e tradicionalista.
Alta coesão partidária, dominância do executivo sobre o legislativo e a ausência
de assembleias regionalizadas até pouco tempo atrás, concentraram o debate
ideacional sobre a política do país entre poucos atores aglutinados em Londres.
A consequência foi um aumento das instituições que pleiteiam a denominação
de think tanks, acompanhando tendência global que atribui peso ao termo por
“marketing”, mas limitadamente influentes (Denham e Garnett 2004).
Os casos francês e britânico fornecem aparato conceitual ao caso brasileiro
no sentido de constatar o surgimento dos think tanks como tendência difundida
em nível internacional, com sistemas políticos diversos, constrangimentos e
motivações nacionais. O Brasil seria, em alguma medida, convergente ao caso
francês dada a importância do financiamento público para desenvolvimento de
pesquisas, ou por terem burocratas em seu corpo técnico — como é o caso do
IPEA, dentre a amostragem escolhida e cujos funcionários são concursados ou
contratados temporariamente pelo governo, é, inclusive, um instituto vinculado
ao Ministério do Planejamento.
O caso britânico remonta ao brasileiro quanto à predominância do poder
Executivo sobre o Legislativo e sobre o fato de ambos poderes estabelecerem
comunicação direta, restando pouco espaço para terceiros (como intermediários),
tampouco para que ideias sejam usadas como pontes. Há no Brasil um sistema
presidencialista de coalizão predominante, respaldado por um presidente
institucionalmente forte, com amplos poderes legislativos de agenda e para
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nomeações executivas. O presidente é o ator central, capaz de conformar maiorias
no congresso, garantindo estabilidade e governabilidade ao sistema político
(Figueiredo e Limongi 1999).
Adicionalmente, no presidencialismo brasileiro há todo o debate acerca do
insulamento do Itamaraty, pasta do poder Executivo responsável pela política
externa. Há os que entendem que o ministério se conformou historicamente alheio
aos demais poderes e também afastado da sociedade, constituindo, em si, uma
força autônoma, coesa, altamente educada e profissionalizada (Cheibub 1985),
capaz, não apenas de implementar a política externa, mas também de formulá-
la. Parmar (2004), sob o mesmo viés, disserta sobre os casos dos think tanks
australianos, canadenses, neozelandeses e sul-africanos: a melhor acomodação de
tais organismos às realidades nacionais dependeu do quão carente a burocracia
estava de receber informação especializada para suportar suas tarefas. Em condição
análoga, no Brasil, não houve, por parte do Itamaraty, necessidade de recorrer à
diplomacia informal que os think tanks poderiam representar para complementar
sua atuação. Ao contrário, através do Instituto Rio Branco constituíram recursos
para autonomia e autossuficiência intelectual. Isso acabou por retardar o
fortalecimento dos think tanks.
Cabe ponderar, ainda, que a partir da década de 1990 o Itamaraty foi envolto
em uma série de demandas por políticas responsivas e democratizadas que tomou
o Estado brasileiro de maneira mais ampla (Faria 2012; Belém Lopes 2013; Milani
2012). Assim, o Ministério encaminhou uma série de medidas para aproximação
de outros atores estatais e não estatais, buscando adaptação e preservação de sua
posição ideacional privilegiada, ao passo em que construía uma face de política
pública para a política externa, também nominada de diplomacia pública (Milani
et al., 2015). Nessa lógica adaptativa, foi atribuído progressivamente à Fundação
Alexandre de Gusmão papel estratégico como um think tank, com propósito de
popularizar a política internacional. Para ilustrar isso, Faria (2012, p. 341) recorda
a ironia de a newsletter da FUNAG, até 2009, vir acompanhada da imagem do
afresco “A Criação de Adão”, de Michelangelo, famoso pela ‘mão divina’ tocando
a mão humana.
Limitações dos diversos sistemas políticos não impossibilitaram o surgimento
dos think tanks, contudo, afetaram de forma determinante o aprofundamento
e desenvolvimento ao molde do tipo ideal estadunidense. Onde o Estado não
careceu de complementação ao seu know-how, os think tanks encontraram
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menor espaço. No Brasil, isso é nítido pelo caráter ainda recente dos institutos
de pesquisa identificados como tal. Dentre as organizações aqui estudadas a mais
antiga foi o IPEA, criada em 1964, que passou a ser reconhecida como um think
tank somente no século XXI. Já o CEBRI, fundado em 1998, enquanto o Instituto
Igarapé e o BPC, foram ambos criados após os anos 2000. Além desses, há o caso
da Fundação Getúlio Vargas (FGV), criada em uma instituição de ensino superior
e que mais recentemente — além de ser reconhecida como universidade e de
realizar consultorias para o governo — foi também ranqueada pela Universidade
da Pensilvânia como um dos think tanks mais influentes do mundo
6
. Essa recente
conversão de institutos” em think tanks expõe um ponto também abordado
no caso inglês, sobre possíveis vantagens de marketing em aderir ao que seria
titulação contemporânea.
Dito isso, é pertinente enquadrar os think tanks aqui estudados conforme
a classificação de Weaver (1989): Universidades sem estudantes, think tanks de
contrato governamental e os de advocacy. A despeito das tipologias, cabe pontuar
a cautela de Abelson (2006) sobre a complexidade desse tipo de instituição.
Um think tank pode trafegar entre mais de uma classificação simultaneamente,
ou mudar conforme o tempo. É necessário reconhecer também que esta é uma
divisão não exaustiva, excepcionalmente centrada entre balizar pesquisa versus
defesa ideológica.
Os think tanks enquadrados como universidades sem estudantes são
caracterizados pelo esforço mais purista de pesquisa, com staff composto por
acadêmicos com compromisso profissional de produzir e disseminar conhecimento.
Eles diferem, todavia, das instituições de ensino superior pelo público alvo de
suas capacitações serem os formuladores de políticas públicas. Foi possível
enquadrar três, dos quatro think tanks, nessa classificação: BPC, Igarapé e CEBRI,
cada um com suas especificidades. Essa tendência majoritária na amostra, aliada
à juventude dos institutos, remonta aos primeiros think tanks estadunidenses,
que acreditavam ser a legitimidade fruto de suposta pesquisa mais rigorosa — e
menos explicitamente comprometida — com vínculos ideológicos ou partidários
(Abelson 2006).
O BPC, apesar de enfatizar o teor independente das suas pesquisas, é um
projeto da PUC-Rio que conta com alunos e professores em seu quadro de
6 Cabe recordar que a FGV não foi inserida nesta análise devido à ausência de estudos publicados acerca das
relações Brasil-África de acordo com os parâmetros aqui estabelecidos.
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pesquisadores. Este think thank possui vasta gama de parcerias com universidades
de todo o mundo e dentre os modelos de publicação utilizados está o Policy
Brief, que se propõe disponibilizar conteúdo para atores políticos de maneira
didática. O CEBRI, por outro lado, promove amplamente publicações — desde
livros, artigos, dossiês, teses, entre outros —, além de realizar encontros mensais
com atores políticos para debater temas de seus grupos de estudo. O Igarapé,
sob o mesmo viés, também adverte sobre o compromisso com a academia, preza
pela alta qualificação de seus pesquisadores e pelo formato de seus artigos.
Além disso, expõe, em seu website, seus parceiros, centros de pesquisa das
Universidades Federais de Santa Catarina, Cândido Mendes, de Brasília, do Chile e
de Chicago.
Outra classificação possível é a de think tanks de contrato governamental
(Weaver 1989). Essa classificação corresponde a instituições que, apesar de
fazerem pesquisa independente, se distinguem por terem no governo sua principal
fonte de financiamento e, assim sendo, por não buscarem influenciá-lo — é mais
adequado pensá-los como conselheiros. Inclusive, alguns destes think thanks já
são criados com a finalidade de servir ao governo, consequentemente, gozam de
privilégios especiais em relação às agências do Estado (Abelson 2006). O IPEA
pode ser identificado dessa forma pois sua natureza jurídica é de fundação pública
e sua existência tem a finalidade de prestar apoio técnico ao governo quanto às
políticas públicas.
Advocacy, a última classificação, é caracterizada pela aproximação com uma
ideologia, sob propósito de influenciar debate político corrente para um partido
político, movimento social ou uma causa específica. Esses think thanks valorizam
o acesso à mídia como forma de legitimação perante a opinião pública. Dentre
os analisados, esse foi o perfil mais ambíguo para ser identificado. Entretanto,
propõe-se uma reflexão acerca do CEBRI, que possui dois pontos a serem
considerados: staff e presença na mídia. O presidente de honra da instituição é o
ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Dentre os conselheiros estão
Celso Lafer, Rubens Ricupero, Marcos Azambuja, Sergio Amaral e Armínio Fraga,
personalidades que se destacaram no cenário político brasileiro por defenderem
posturas econômicas neoliberais e a verticalização das relações exteriores, tiveram
participação ativa na presidência de FHC e próximos do PSDB. O quadro a seguir
resume a classificação dos institutos.
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Quadro 1 — Classificação dos think tanks analisados de acordo com Weaver (1989)
BPC INSTITUTO IGARAPÉ CEBRI IPEA
Fundação 2011 2011 1998 1964
Classificação
Universidade sem estudantes Think tank
governamental
Advocacy
Fonte: elaboração própria com base em (Weaver 1989).
O Brasil na África durante as gestões PT
A tentativa de reconfiguração da geografia mundial foi ambiciosamente definida
como estratégia de política externa brasileira e, nesse contexto, para além do
multilateralismo potencializado e da expansão de mercados, a Cooperação Sul-Sul
tornou-se elemento fundamental (Lima 2005). Sob esse cenário, o Brasil se colocou,
sobretudo, como um parceiro, exportador de políticas sociais bem-sucedidas,
com um discurso permeado de forte teor de solidariedade (Munanga 2018: Milani
et al. 2015). Burges (2013) defende que foi evidente na política externa brasileira,
nesse período, a ambição em reformular sua posição relativa de poder no sistema
mundial, tendo o Brasil atuado como um intermediador entre norte e sul.
A fundamentação desse posicionamento foi pautada no engajamento do MRE em
posicionar o país como liderança, enquanto enquadrava o Sul-global como área
de oportunidades.
Assim, a África pode ser considerada um elemento muito particular, tanto para
o pensamento doméstico sobre o engajamento global, quanto para a construção
de uma coalizão política — por trás das ambições de liderança — diante da
comunidade internacional. Burges (2013) também aponta a importância de
considerar os esforços brasileiros para gerenciar o fluxo norte-sul, com ênfase para a
formação da coalizão e engajamento em prol de novas regras de governança global,
notoriamente por meio das negociações pela OMC. Por último, considerando já
construído o perfil de intermediador entre os polos e isso já em atividade, o autor
enxerga o Brasil como coordenador de diversos fóruns voltados para construção
de vínculos com outras áreas de desenvolvimento, no qual a África surge como
relacionamento estratégico (Burges 2013).
As relações entre Brasil e o continente passaram por múltiplos contextos,
desde a colonização, escravidão até o estreitamento de laços políticos, sociais e
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econômicos. Costa e Silva (2003) lembra que os soberanos do Benin e de Lagos
foram os primeiros a reconhecer a independência brasileira, além da movimentação
que o 7 de setembro de 1822 ocasionou em Benguela para uma suposta união
entre Brasil e Angola. Diante de um recorte histórico mais alargado, há quem
reconheça movimentos oscilantes entre o Brasil e a África, com ênfase para o
ensaio durante o período da Política Externa Independente (Munanga 2018). Mais
adiante, na década de 1970, esse eixo de relacionamento foi recuperado com a
erosão do conceito de comunidade luso-brasileira (Cervo 2009). Como marco
do relacionamento desse período, há o reconhecimento da independência de
Angola, fato realizado com notória antecipação à comunidade internacional (tal
qual os soberanos africanos e a independência brasileira) e, também, os pontos
de Azeredo da Silveira para a ‘nova política externa brasileira’: incremento da
cooperação sul-sul, respeito aos princípios de soberania e autodeterminação e
repulsa ao colonialismo e à discriminação racial (Cervo 2009).
O século XXI é marcado por uma reoxigenação das relações (Saraiva 2015),
após o afastamento do perfil seletivo com o continente, que pautou a década
de 1990 e cuja narrativa foi permeada por representações da África como um
continente repleto de pobreza, conflitos e autoritarismo (Filho 2018). No novo
momento, os números chamam atenção, com o aumento da quantidade de postos
diplomáticos e abertura de novas embaixadas no continente, que atingiram
patamares expressivos, totalizando 34 Embaixadas e 2 Consulados — os quais
impulsionaram o Itamaraty a reorganizar internamente sua estrutura. Essa revisão
de orientação para o continente só foi possível, também, por ter encontrado
respaldo do outro lado do atlântico, por intermédio das elites africanas, que
reconheceram no Brasil suporte para elevação de sua autonomia.
As elites africanas identificaram, no Brasil, um espelho que refletia a imagem
que pretendiam projetar: de ex-colônia que conseguiu construir um novo contexto
em termos culturais e econômicos (Saraiva 2015). Ambos os polos dessa relação
vivenciaram, no início do século XXI, um renascimento em termos culturais e
identitários (Munanga 2018). Assim, agendas do Sul Global relacionando apoio
ao desenvolvimento, fortalecimento cultural e questionamento do protecionismo
das grandes potências permearam o relacionamento. Para o Brasil o incremento
significativo no comércio foi apenas um dos aspectos (Oliveira 2015), apesar de
ainda encontrar em outros países emergentes, como Índia e China, concorrência
difícil por conta do gigantismo de suas políticas para o continente (Visentini 2013).
220 Os think tanks brasileiros e a agenda de política externa de Lula da Silva e Rousseff para a África
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
Sobre as gestões PT, predomina na literatura uma crítica, embora em tons
e formatos diferenciados, contrapondo o quanto Lula e Dilma divergiram ou
se aproximaram, seja em termos discursivos ou práticos. Cervo e Lessa (2014)
assumem postura mais dura, alegam que a dificuldade em dialogar com a sociedade
encaminhou a gestão Dilma para a inércia. Em tom mais moderado, Saraiva (2014)
ressalta que fora deixada herança positiva em termos de estratégias bem definidas
para condução da PEB, preservação da corrente autonomista frente ao Itamaraty e
envolvimento de outras agências governamentais na política externa. Entretanto,
o resultado final foi de retração de protagonismo ante cenário mundial, resultante
de proatividade restrita a “movimentos espasmódicos” e sem continuidade, sem
projeto de inserção estratégica a longo prazo. Cornetet (2014) se contrapõe em
termos gerais à ideia de declínio e defende apenas uma contenção, tom esse
identificado também em Silva (2018) ao atentar para as dificuldades impostas
por uma conjuntura internacional mais difícil e uma crise interna que limitou a
anterior altivez da política externa.
O trabalho de Milani, Pinheiro e Lima (2017) é um exercício para condensar
todas essas percepções. Os autores entendem que alguns posicionamentos e
contradições nas diretrizes de política externa durante os governos do PT podem
ser melhor entendidos utilizando o argumento do dilema de graduação, ou
seja, se espera que a potência graduada exerça sua função de rule-maker, tenha
ambição de proeminência, uma visão geopolítica do estratégica do Sul e atue
pelo aprofundamento da relação com a região. É inquestionável que, no período
analisado, o Brasil foi muito ativo em fóruns internacionais, defendeu seus
interesses econômicos em instâncias globais e regionais e trabalhou em favor do
aprofundamento da integração da América do Sul e da cooperação sul-sul. Foi
reconhecido pelos pares e angariou apoio da bancada africana em ocasiões na
FAO e na OMC.
Todavia, fissuras existiram em diversos sentidos, algo comum à potência
de segunda linha, principalmente diante de críticas feitas pela oposição, mídia
e respaldadas por setores estratégicos. Mesmo com relativo consenso, tornou-se
difícil realizar a ambição da graduação, considerando que estratégia é justamente
a balança entre interesses de agentes domésticos e externos. Em outras palavras, o
Brasil teria atingido um ‘teto’ de atuação diante de seus limites políticos domésticos
e dificuldades de projeção internacional mais fortes que a ambição (Milani, Pinheiro
e Lima 2017). No caso em questão, o fortalecimento das relações com a África,
221Camille Amorim; André Luiz Reis da Silva
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
impulsionado no governo Lula, provocou reações diversas no Brasil, de apoio e
de crítica, e gerou intenso debate sobre os interesses estratégicos brasileiros para
a região.
A PEB para África na visão dos think tanks:
considerações iniciais
Após a leitura dos relatórios, foram elaboradas codificações qualitativas de
caráter descritivo-analítico para analisar o conteúdo disposto nos documentos.
Conforme sugerido por Gibbs (2009), privilegiou-se para codificar o conteúdo
a repetição de temáticas que eram retomadas ao longo das produções de
diferentes think tanks, disso foram gerados dois códigos: i. cooperação sul-sul
e ii. Internacionalização de empresas brasileiras. Essa estratégia metodológica é
importante para encontrar ênfases nos textos que funcionem como evidências de
pesquisa e sugiram interpretação textual plausível (Gibbs 2009). A combinação
entre a codificação e a seguinte triangulação dos achados com a literatura sobre
política externa brasileira para África foram importantes para legitimar com
rigor interpretativo os dados e os resultados analíticos. Os dois códigos são
abordados pelos think tanks em termos de avaliação do passado e recomendações
para o futuro, elementos estes que complexificam os códigos para além de
descritivos, também com peso analítico
7
. Abaixo segue a lista de relatórios sob
escrutínio.
7 Optou-se por isolar da análise uma produção sobre aspectos técnicos das operações de paz que o Brasil participa
no continente, produzida exclusivamente pelo Instituto Igarapé. Necessidade de cunho metodológico visto que
não encontra respaldo entre os demais think tanks.
222 Os think tanks brasileiros e a agenda de política externa de Lula da Silva e Rousseff para a África
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
Quadro 2 — Lista de fontes primárias utilizadas para análise qualitativa
de conteúdo ideacional
Relatório Think Thank Autores Ano
1 Cooperação brasileira para o desenvolvimento
internacional (2005–2009)
IPEA IPEA 2010
2 Ponte sobre o Atlântico — Brasil e África
Subsaariana — Parceria para o desenvolvimento
IPEA Carrilho et al. 2011
3 Cooperação brasileira para o desenvolvimento
internacional (2010)
IPEA IPEA 2013
4 O Brasil e a cooperação Sul-Sul: como responder
aos desafios correntes
BPC Renzio et al. 2013
5 Solidarity among brothers? Brazil in Africa: trade,
investment and cooperation
BPC Renzio et al. 2013
6 Brasil-África: a ótica dos empresariados brasileiros CEBRI Silberfeld 2013
7 Brazil's south-south cooperation with Africa
2003–2013: a decade of Brazilian outreach towards
its Atlantic neighborhood
CEBRI Stolte 2014
8 Brazilian Health and Agricultural Cooperation in
Angola: an overview
BPC Fonseca et al. 2015
9 Brazil and francophone Africa: opportunities and
challenges
BPC e Igarapé Tinasti 2016
10 Brazilian Cooperation for International
Development (2011-2013)
IPEA IPEA 2017
11 Cooperação brasileira para o desenvolvimento
internacional (2014–2016)
IPEA IPEA 2018
Fonte: elaboração própria.
Assim como é explicitado o potencial do relacionamento delineado entre o
Brasil e a África, é notável a preocupação das instituições em justificar o porquê
de o país optar por tal eixo. Os autores se esforçam para expor a aproximação
histórico-cultural que data do período colonizatório, tanto com o fluxo de
indivíduos trazidos para o Brasil como escravos, quanto pelo mesmo eixo colônia-
metrópole entre Brasil e África portuguesa. Há nos textos um reconhecimento
tácito da dificuldade dos brasileiros, tomadores de decisão ou opinião pública, em
recordar esse compartilhamento de raízes e a entender isso como um terreno fértil
para maximizar os propósitos de projeção internacional, ou mesmo considerar os
benefícios financeiros para o setor privado (Tinasti 2016; Silberfeld 2013).
O governo Lula da Silva é reconhecido por unanimidade como ponto de inflexão
na política externa ao explorar, consistentemente, o relacionamento com atores
223Camille Amorim; André Luiz Reis da Silva
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
africanos e consolidar o país sob a imagem de parceiro para o desenvolvimento
através da cooperação sul-sul. Aliado a isso, Lula foi capaz de mobilizar a
elite brasileira, mapeando um caminho para internacionalização das empresas
nacionais. Críticas são feitas a aspectos pontuais dos projetos de cooperação e a
promoção comercial, contudo, não desmerecem a relevância do legado da gestão
(Silberfeld 2013).
Para o CEBRI, o governo Lula, preocupado em estabilizar a presença brasileira
na África, conciliou políticas domésticas para os afrodescendentes, caracterizando-
se como o perfil de doador emergente e fomentador de comércio. Era reconhecida a
importância dessa combinação de frentes para alavancar a imagem do Brasil como
player internacional. A presidenta Dilma Rousseff (2011-2016), em contrapartida, já
recebe essa imagem estabilizada e, quiçá pela sua formação economista, ressalta
Stolte (2014, p. 14), opta por abordagem mais direcionada para a “África como
novo mercado”. Isso explicaria, em alguma medida, escolhas da gestora, como
o corte de orçamento da ABC (Agência Brasileira de Cooperação) e o perdão da
dívida de quase 900 milhões dólares para propiciar linhas de crédito via BNDES
(Stolte 2014).
Os Relatórios COBRADI (2010; 2013, 2017; 2018) são uma série do IPEA
em parceria com a ABC e MRE, com o propósito de mapear o levantamento da
cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional. Devido à importância
estratégica para a cooperação, sendo a segunda região prioritária, abaixo apenas
da América Latina, a África é abordada pelos relatórios, embora não de maneira
central. Além disso, a mesma instituição lançou, especificamente sobre o eixo
Brasil-África, o relatório “Ponte sobre o Atlântico — Brasil e África Subsaariana:
parceria sul-sul para o crescimento”, no primeiro ano da gestão Rousseff (Carrilho
et al. 2011). A discussão estabelecida perpassa a história nos termos aqui já
abordados, a nova arquitetura mundial a partir da emergência do BRICS, cooperação
e comércio. É uma pesquisa financiada pelo Banco Mundial com a proposta de
mostrar como o financiador pode aprender com o modelo de relacionamento
contemporâneo entre Brasil e o continente africano. Essa ideia da cooperação
brasileira como modelo para organizações internacionais e países desenvolvidos
retorna no Relatório COBRADI que avalia o período de 2014 a 2016, no qual o
IPEA ressalta que os 9 anos de pesquisa ininterruptas que resultaram em tais
informes tornaram o think tank referência em estudos de cooperação para o Banco
Mundial, FMI e OCDE (IPEA 2018).
224 Os think tanks brasileiros e a agenda de política externa de Lula da Silva e Rousseff para a África
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
É possível entender o objetivo do relatório Ponte sobre o Atlântico de duas
formas não excludentes: primeiramente, o think tank governamental presta
serviço de mapear como a cooperação sul-sul proporcionou aos africanos maior
margem de barganha para recusar os termos de relacionamento menos vantajosos
e neocoloniais, em que o Banco Mundial é representante (Nkrumah 1967).
A produção evidencia o papel dos emergentes no cenário internacional e o quanto
os agentes tradicionais precisam rever suas políticas na África. Uma segunda
avaliação também expõe que, por recomendar ao Banco Mundial maior ênfase
em prover informações sobre mercados emergentes e intensificação da avaliação
de projetos sul-sul em andamento, deixa implícita a impressão de que o governo
brasileiro estaria, em termos muito sutis, assumindo a incapacidade de seguir
como financiador da relação com o continente, seja pela alteração de interesses
por parte dos formuladores, seja por questão conjuntural.
Os relatórios seguintes são de 2013, marcando o início de uma série de
pesquisas a respeito das relações Brasil-África. O BPC foi o maior publicador sobre
essa temática (2013a) (2013b) (2015) (2016), além de, em 2016, desenvolver um
relatório em parceria com o Instituto Igarapé. A produção do BPC aconteceu por
meio do Projeto “Brazilian South-South Cooperation and the BRICS: Changing
Strategies in Africa” (Brazil — SSC), com financiamento principalmente do
DFID — Department for International Development do Reino Unido. Esse interesse
de atores como o Banco Mundial e o Reino Unido em financiar pesquisas
brasileiras pode apontar que atores tradicionais notam o sucesso da experiência
dos emergentes e a necessidade de aprender com eles para moldar e atualizar
suas práticas.
O CEBRI, por outro lado, subdivide suas pesquisas entre regiões, no caso em
questão “África e Oriente Médio”. As pesquisas de 2013 e 2014 foram financiadas
por atores relevantes das relações Brasil-África: BNDES, Caixa, Banco do Brasil
e Odebrecht. Além deles, a Veirano Advogados (escritório brasileiro membro de
redes internacionais de prestadores de serviço, segmento este que contempla
o maior número de empresas atuando internacionalmente) e que também
foi responsável pelo financiamento de projetos (Milani et al. 2015 71). Pela
identificação dos financiadores, é possível aferir que os artigos do CEBRI são bom
recurso para entender qual o suporte ideacional está presente entre os decisores
brasileiros, afinal, há uma combinação de apoiadores tanto privado quanto
públicos
225Camille Amorim; André Luiz Reis da Silva
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
A cooperação Sul-Sul: da exportação de modelos nacionais à
pavimentação para internacionalização empresarial
A cooperação é parte importante de um plano maior para o Brasil como player
internacional de peso. Está atrelada à estratégia de exportar modelos nacionais
de políticas sociais, diante da demanda de parceiros internacionais (IPEA 2018).
Todavia, um decréscimo significativo na execução orçamentária dos projetos
na África via ABC a partir de 2011 foi frequentemente mencionado pelo CEBRI,
BPC e Igarapé como algo preocupante para a sustentabilidade desse processo,
bem como para garantir a total execução e qualidade dos projetos. Essa redução
financeira se insere no corte de gastos mais amplo do Governo com a cooperação,
conforme aponta o IPEA (2018) no último Relatório COBRADI. Embora sem
realizar avaliação crítica dessa questão, é apontado que o montante destinado
em 2010 era de $ 2.428.489.947,00 e em 2015 estava em R$ 389.488.759,00. Em
2016 os valores subiram vertiginosamente para além de R$3.177.090.270,00, com
a única justificativa de arcar com os compromissos atrasados com organismos
internacionais de mais de três bilhões de reais em dívidas que ameaçavam a
participação e o poder de voto do Brasil nessas instituições.
Além de apontar que os principais parceiros brasileiros para cooperação estão
na África lusófona, em particular Angola e Moçambique, autores do CEBRI, Igarapé
e BPC identificam dificuldade de transbordamento dessas fronteiras. O primeiro
afirma que os projetos em Botswana, Sudão, Burkina Faso, Benin, Gâmbia, Guiné
Equatorial, Tanzânia e Zâmbia não ultrapassaram os países da Comunidade
de Países de Língua Portuguesa em termos de valores financeiros destinados à
cooperação, mas tiveram sucesso significativo para os fundos limitados (Stolte
2014). Já Igarapé e BPC complementam que a África Francófona pode representar,
para o Brasil, dedicação a projetos de infraestrutura e fortalecimento de instituições
que possam formar bases para a atuação empresarial a longo prazo (Tinasti 2016).
São ressaltadas as atuações da EMBRAPA, SENAI e Fiocruz, como agentes
institucionais promotores de cooperação, em parceria com a ABC. Contudo,
há diferentes ênfases em suas atividades. O IPEA reitera a capacidade dessas
instituições em reproduzir positivamente experiências domésticas de sucesso,
por exemplo, como o agronegócio, ensino profissionalizante, medicina tropical,
tratamento de HIV, Malária e anemia falciforme, além da proteção social e energia
sustentável. Para o mencionado think tank governamental, o caráter ainda recente
226 Os think tanks brasileiros e a agenda de política externa de Lula da Silva e Rousseff para a África
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
dos projetos, uma vez que todos foram iniciados a menos de dez anos, seria
impedimento para avaliação adequada (Carrilho et al., 2011), anulando potenciais
críticas vistas em maior escala nos demais. Nos Relatórios COBRADI (2010; 2013;
2017; 2018) o IPEA reitera a ideia de exportação da experiência nacional: a expertise
no plano nacional seria a grande base da participação de instituições burocráticas
extra-MRE na agenda africana, enviando técnicos para o continente, com diversas
atribuições. Contudo, mesmo oito anos após a divulgação do relatório de Carrilho
et al. (2011), o IPEA seguiu se isentando de avaliações críticas e recomendações
para o futuro, colocando, por exemplo, o objetivo dos relatórios aqui citados
simplesmente como promoção da transparência e da sistematização de informações
necessárias para a formulação de políticas públicas.
Em contrapartida ao IPEA, o BPC, cuja pesquisa se desenvolveu por meio de
entrevistas com atores políticos africanos, define em termos de baixo desempenho
a cooperação Brasil-África e os projetos como subexecutados, pela dificuldade
de relacionamento com entidades locais, baixo poder de decisão dos órgãos
executores e altas taxas de rotatividade de profissionais. Há críticas pontuais ao
Projeto de Fortalecimento do Sistema de Saúde de Angola (PROFORSA), dentro
da preocupação com medidas top down vindas do Brasil, vide a exigência em
estabelecer regras de gestão de saúde inviáveis para a realidade local, ou, por
exemplo, a recusa brasileira em aceitar mães portadoras de HIV para amamentar
seus filhos, enquanto Angola reitera que esse é o único alimento para muitas
crianças que passam fome (Fonseca, Zocal e Esteves 2015).
Para o BPC, existe importante limitação para os agentes brasileiros executarem
funções básicas, como o caso do pagamento dos trabalhadores do projeto da
construção do laboratório farmacêutico em Moçambique, em que indivíduos são
remunerados pelo pagamento de diárias, devido a limitações burocráticas no Brasil.
O think tank deixa duas recomendações claras: é necessário aprovar um marco
regulatório abrangente para a cooperação, assegurador da desburocratização de
processos de compras e aquisições de bens e serviços e também para contratação
de recursos humanos e transações financeiras, o que motivaria aceleração de
resultados junto às populações locais. Além disso, há de se considerar que o
governo ainda carece de maior levantamento e sistematização de dados, para
isso se reflete sobre maior inserção do IPEA, sugere o BPC (Renzio et al., 2013a).
É claro o enquadramento da cooperação sul-sul nos relatórios como tema
necessário a ser abordado, já que é interpretado como mecanismo garantidor
de elementos chave para a subsequente instalação do setor privado brasileiro.
227Camille Amorim; André Luiz Reis da Silva
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
É por meio da cooperação Sul-Sul que se pode fornecer infraestrutura adequada,
recursos energéticos e mesmo profissionais devidamente capacitados para que
empresas se sintam mais propensas a encarar o desafio de se internacionalizar via
continente africano. Dentro desse contexto, a cooperação entre países africanos
e outras potências emergentes também são importantes para a iniciativa privada
brasileira, apesar de os relatórios não abordarem possíveis temáticas como
complementaridade ou competitividade entre os emergentes, ou papel da liderança
entre atores como Índia e China além do Brasil, temáticas estas que poderiam
trazer um debate mais denso e mais segurança ao setor privado.
O olhar pragmático: a África estratégica para o empresariado
As empresas brasileiras presentes na África são majoritariamente do setor da
construção civil, além dos setores de mineração e petróleo. Odebrecht e Petrobrás
são os atores de maior destaque, por possuírem operações vultosas no continente
desde a década de 1980. Dentre as demais estão Vale, Camargo Corrêa, Engevix,
Queiroz Galvão, Asperbras, Fidens e Stefanini (Renzio et al. 2013: Silberfeld 2013;
Stolte 2014). Estas, por sua vez, expandiram suas atividades a partir da gestão
Lula da Silva, período em que imperou o entendimento do governo que promover
o setor privado é também promoção do soft power brasileiro. Tal engajamento
do governo é avaliado positivamente por todos os think tanks. Nesse sentido, de
acordo com o CEBRI, a mudança de perfil entre Lula e Rousseff não representou
grandes transformações para as empresas brasileiras. As iniciativas como perdão
de débitos de países africanos em quase US$ 900 milhões de dólares em 2013
(devido às exigências do BNDES para financiamento,) e também a facilitação
de mecanismos de crédito, a criação do departamento África no BNDES e do
escritório do mesmo em Johanesburgo atestam a continuidade entre ambos os
presidentes (Stolte 2014).
IPEA e CEBRI interpretam positivamente uma série de medidas de Lula da
Silva e Rousseff em favor da internacionalização de empresas via continente, como
a promoção de missões comerciais, reestruturação da APEX, financiamento por
meio do BNDES, instalação de sucursais dos principais bancos estatais — Caixa
Econômica e Banco do Brasil — além do Bradesco, banco privado. Isso, associado
ao escopo de projetos de cooperação sul-sul, forneceu aparato para convencimento
do empresariado quanto às benesses da empreitada (Silberfeld 2013; Carrilho et al.
228 Os think tanks brasileiros e a agenda de política externa de Lula da Silva e Rousseff para a África
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
2011). Sob a ótica dos empresários, o relatório do CEBRI ressalta que tal conjunto
de iniciativas, aliado à promoção de seminários e capacitações, foi elemento
propulsor de mudança de paradigmas entre setores estratégicos, entidades como a
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, que entendiam como custosas,
ou não demonstravam conhecimento acerca das oportunidades no continente
(Silberfeld 2013).
Há um entendimento comum entre o CEBRI, BPC e Igarapé sobre existir
oportunidades ainda não esgotadas pelo empresariado na África, muito pela
concentração de incentivos do governo brasileiro em países da CPLP e pela ênfase
nas campeãs nacionais (Silberfeld 2013; Renzio et al. 2013b). Mesmo nesses locais,
o setor de comércio de bens e serviços não é explorado a contento e sequer visitas
exploratórias são feitas. Isso é reflexo, criticam os três think tanks, de ênfase
exagerada nos setores de mineração, construção e petróleo, nos quais o Brasil
insiste, mas não consegue estar à frente de outros emergentes como a China
(Tinasti 2016). Essa lacuna quanto aos bens e serviços poderia ser preenchida
por pequenas e médias empresas, para ultrapassar uma mera “experiência de
gigantes nacionais” (Silberfeld 2013; Renzio et al. 2013b).
A resposta do governo pode ser vista no relatório do IPEA (2011), o qual sugere
que o Banco Mundial auxilie a entrada de empresas de médio e menor porte por
meio da promoção de conhecimento. Como incentivo a essa ampliação, CEBRI e
BPC recomendam que o governo se preocupe mais com a transparência de gastos,
algo atrativo ao setor privado. Ademais, seria importante o incremento do diálogo
com atores das mais diversas naturezas, como forma de atrair legitimidade (Renzio
et al 2013a) e com os empresários, os quais, por sua vez, devem prestar melhores
justificativas para o eixo governo e sociedade civil local acerca de comportamentos,
a exemplo dos fluxos forçados para projeto de mineração da Vale em Moçambique
ou a diferença entre salários de brasileiros e africanos de cargos iguais, algo muito
comum (Renzio et al 2013b). Os relatórios se mostram limitados no sentido de
comparar ação do Brasil em relação aos demais emergentes no continente.
Considerações finais
Os think tanks brasileiros de política externa aqui avaliados são um fenômeno
recente se comparado ao caso mais avançado dos Estados Unidos. A classificação
de Weaver (1989) como “universidades sem estudantes” é amplamente adequada
229Camille Amorim; André Luiz Reis da Silva
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
para os institutos selecionados, tendência que remonta à preocupação dos primeiros
think tanks estadunidenses em serem associados muito mais à academia do que
aos possíveis vínculos ideológicos ou partidários, como estratégia para atrair
credibilidade (ABELSON, 2006). É importante atentar para essas organizações pelas
redes em que estão envolvidas, pela proximidade com atores sociais interessados
em influenciar o processo decisório pelas ideias. Além disso, há também a tese
acerca de sua atuação como ponte entre a opinião pública e o círculo decisório.
Esse trabalho propôs, portanto, motivar o debate sobre a relação entre think tanks
e a política externa.
Os think tanks atuam de maneira semelhante em suas pesquisas, reconhecem
méritos e criticam aspectos pontuais para apontar recomendações. As críticas não
anulam a avaliação positiva da gestão Lula da Silva em termos gerais haja vista
os esforços pela cooperação sul-sul e em fomentar a ida do empresariado para o
continente. Isso é visto, por mais que o CEBRI, especificamente, seja enquadrado
em uma tipologia de advocacy de um partido distante do PT. O mesmo se entende
quanto ao governo Dilma, embora ajustes sejam apontados pelo equilíbrio entre
continuidade discursiva e ênfase na atuação do empresariado. Em outras palavras,
tais estudos destrincham a natureza da discussão acadêmica já existente acerca
de rupturas e continuidades entre ambas gestões no caso da política brasileira
para África ao identificar rupturas no que se refere à cooperação, a despeito de
continuidades da pauta de internacionalização.
É possível pensar como a produção dos think tanks brasileiros reflete um
momento marcado pela convergência de interesses domésticos como elemento
facilitador da política externa para África. Tendo em conta que o olhar para
o continente pode adquirir múltiplas facetas, seja em sentido mais romântico
ligado ao compartilhamento de uma identidade negra, ou olhar mais pragmático
quanto à identificação de oportunidades vantajosas para os objetivos do Estado
em maximizar sua projeção internacional e da iniciativa privada em lucrar, é
possível dizer que o olhar para África se reflete nos escritos aqui estudados de
forma pragmática, sem que o recurso ao argumento identitário seja totalmente
invisibilizado, mas assumindo aspecto secundário.
Essa pesquisa não objetivou esgotar as possibilidades sobre o caso brasileiro.
Existem mais elementos teóricos e empíricos para seguir mapeando o fenômeno
dos think tanks no país. Exemplo disso está no reconhecimento de Abelson (2006)
quanto à importância de atualização das classificações de Weaver (1989), com
a adição das categorias candidate-based e think tanks de legado. O propósito da
230 Os think tanks brasileiros e a agenda de política externa de Lula da Silva e Rousseff para a África
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 208-233
primeira é tanto contornar legislações de campanha nos Estados Unidos quanto
propor mais um canal de comunicação entre candidato e eleitor — é possível
refletir se essa tendência alcança também o Brasil. O segundo tipo corresponde a
institutos de pesquisa criados por políticos que pretendem deixar sua marca pública
após o mandato. O Instituto Lula, Instituto FHC e outras fundações partidárias
podem ser terreno fértil para o aprofundamento desse estudo.
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