Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 137-162
145Marina D’Lara Siqueira Santos; Matheus de Abreu Costa Souza; Geraldine Rosas Duarte
violência pelos atores envolvidos ou por atos violentos esporádicos, que levam
os conflitos a uma situação de congelamento, em que as partes não se enfrentam
com muita constância, mas também não estão dispostas a negociar. No caso de
conflitos violentos, o recurso de uso da força, quando utilizada em demasia,
aumenta a intratabilidade de um conflito. Nesse sentido, quando a violência é
utilizada como forma de repressão, é possível identificar que as partes adotam
posturas ainda mais antagônicas. A última característica dos conflitos intratáveis
é que apresentam altos níveis de antagonismo, o que leva as partes a terem uma
autoimagem de que elas são as vítimas, excluindo suas responsabilidades como
perpetradoras da violência. Além disso, esse antagonismo pode estar relacionado
a aspectos identitários, como religião, cultura, etnia, dentre outros (Crocker,
Hampson e Aall 2004).
Todas as características dos conflitos intratáveis são identificáveis no conflito
Israel-Palestina. Primeiramente, observa-se que, em 2018, o conflito completou
setenta anos de duração, tendo início em 1948 com a declaração e independência
de Israel. Analisando a segunda e terceira características da intratabilidade,
percebe-se que, de modo geral, elas caminham juntas no conflito: em um primeiro
momento houve um congelamento das negociações, e quando elas começaram de
fato, a partir de 1993, com o reconhecimento mútuo das partes
10
, grande parte das
futuras negociações foram antecedidas ou sucedidas por episódios de violência
11
(Massoulié 1996).
A última característica dos conflitos intratáveis, relacionada à construção
dos antagonismos e à vitimização das partes, também está presente no conflito
Israel-Palestina. Além dos fatores de antagonismos já discutidos, a vitimização é
característica fundamental da construção mútua de mitos fundacionais. Para os
israelenses, a vitória em 1948 contra os árabes é considerada um milagre, criando
uma analogia da Guerra de 1948 com o confronto bíblico de David e o gigante
Golias, ignorando a superioridade bélica que os israelenses tinham em relação aos
árabes e focando na superioridade quantitativa do inimigo. Para eles, a vitória de
10 Como Peter Wallensteen (2007) esclarece, o processo de resolução de um conflito consiste em uma situação na
qual as partes entram em acordo para resolver suas incompatibilidades. Tal acordo indica que cada oponente
aceita que o outro continue existindo enquanto uma “parte”, no sentido de que aceitam que o outro lado seja,
no futuro, um ator com o qual tenham que negociar. Isso significa que nenhum dos lados vence totalmente,
ganhando tudo o que é possível, mas significa, também, que nenhuma das partes perde tudo, de modo que
ninguém se torna o único perdedor.
11 Exemplos: Acordos de Oslo (1993), que sucedeu a Primeira Intifada (1988-1993); Acordos de Camp David (2000),
que antecederam a Segunda Intifada (2000-2005); e The Road Map for Peace (2005), que antecedeu diversas
operações militares de Israel na Faixa de Gaza (Harms e Ferry 2017).