Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
159Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
O processo de integração regional como um jogo de
coordenação: uma análise comparada para o setor
hidroelétrico da ECOWAS, SADC, CAN e MERCOSUL
The regional integration process as a coordination
game: a comparative analysis for the hydroelectric
sector of ECOWAS, SADC, CAN and MERCOSUR
DOI: 10.21530/ci.v15n1.2020.933
Taiane Las Casas Campos
1
Fátima Anastasia
2
Resumo
Neste artigo são analisados comparativamente quatro processos de integração regional de
países em desenvolvimento: Comunidad Andina de Naciones (CAN), Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL), Southern African Development Community (SADC) e Economic Community
of West African States (ECOWAS). Argumenta-se que as negociações regionais se pautam na
consolidação de agendas, para as quais a estratégia dominante dos atores é a cooperação. Tais
processos ocorrem por meio dos jogos de coordenação, com vistas a definir um “ponto de
coordenação” entre as preferências dos Estados-membros dos acordos regionais. Discute-se
a conformação dos acordos regionais para o tema da energia elétrica, nos quatro casos,
visando demonstrar que as preferências dos Estados-membros acabam por estabelecer
diferentes formatos relativamente à integração regional e à regulação estatal.Seu objeto
centralé a integração regional e suas variações. O tema da energia elétrica
3
entra apenas
como referente empírico para a análise em tela.
Palavras-chave: Integração Regional; Jogos de Coordenação; Países em Desenvolvimento; Energia.
1 Possui mestrado em Teoria Econômica pela Universidade Federal de Minas Gerais (1998); doutorado em
Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003) e pós-doutorado pelo IUPERJ. Atualmente
é professor adjunto IV do Departamento de Relações Internacionais- Programa de Pós-Graduação Relações
internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2740-0640;
email: lascasas@pucminas.br
2 Possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1977), mestrado
em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1985) e doutorado em Ciência Política (Ciência
Política e Sociologia) pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (1992). Atualmente é professora
adjunto IV do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5839-9155; email: fatima.anastasia@gmail.com.
3 Ressalte-se que, neste artigo, a menção ao tema energia refere-se sempre à energia elétrica.
Artigo submetido em 04/04/2019 e aprovado em 05/03/2020.
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160 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
Abstract
In this article four regional integration processes of developing countries are comparatively
analyzed: Andean Community (CAN), Southern Common Market (MERCOSUR), Southern
African Development Community (SADC) and Economic Community of West African
States (ECOWAS). It is argued that regional negotiations are based on the consolidation
of agendas, for which the actors’ dominant strategy is cooperation. Such processes occur
through coordination games, with a view to defining a “point of coordination” between the
preferences of the member states of the regional agreements. The conformation of regional
agreements regarding electric energy is discussed in the four cases, aiming to demonstrate
that the preferences of the Member States end up establishing different formats in relation
to regional integration and state regulation. Its central object is regional integration and
its variations. The electric energy theme is only an empirical reference for the analysis
on screen.
Keywords: Regional Integration; Coordination Games; Developing Countries; Energy.
Introdução
Como variam os acordos regionais celebrados por países em desenvolvimento?
Esta é a pergunta que informa a construção deste artigo. As pesquisas empíricas,
bem como as proposições teóricas acerca do processo de integração regional, são,
ainda, a despeito do crescente número de casos, uma das grandes lacunas no campo
das Relações Internacionais. O paradigmático caso europeu tem fundamentado
tanto as proposições teóricas quanto a prescrição de políticas para a integração,
o que acaba por conferir a esse processo condição de parâmetro para a construção
de outros processos de integração regional (Schmitter 2010).
Sabe-se, no entanto, que nem sempre as teorias de integração regional,
construídas a partir do caso europeu, viajam bem (Malamud 2011). As especificidades
de processos de integração ocorridos em outras regiões não são apreendidas
adequadamente por teorias eurocêntricas e variáveis importantes para a explicação
de tais processos podem estar ausentes de tais modelos, como, por exemplo,
a variável sistema de governo, crucial para o entendimento da configuração
imprimida ao MERCOSUL (Malamud 2011).
A proposição central deste artigo é a de que processos de integração regional
devem ser analisados tendo por referência a lógica que informa os problemas de
ação coletiva (Kurrild-Klitgaard 1997) referentes a temas de interesse dos países-
membros. Agendas como preservação ambiental, integração energética, segurança
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161Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
pública e externa, comércio, dentre outras, trazem aos Estados diferentes dilemas de
ação coletiva. No que se refere ao objeto deste artigo, o dilema em tela relaciona-se
às dificuldades e, no limite, à impossibilidade de cada país prover o bem público,
energia elétrica, especialmente de fonte hídrica, sem o recurso à cooperação.
A superação desses dilemas significa que os Estados viabilizaram a cooperação
e, como resultado, celebraram acordos formais relativos a essas agendas. Assim,
o processo de integração regional é o somatório de acordos formais referentes a
cada uma dessas agendas.
A estratégia analítica escolhida no âmbito deste artigo privilegiou a análise
comparada dos quatro agrupamentos, uns com os outros, em detrimento de
descrições pormenorizadas de cada um desses blocos, tendo em vista os objetivos
de, a partir de parâmetros bem definidos, realizar uma comparação sistemática
que permita identificar semelhanças e diferenças nas estruturas institucionais
desenvolvidas pelos quatro blocos, com vistas a construir acordos referentes à
agenda de energia elétrica, a partir de condições de acesso muito distintas a esse
recurso. Por este motivo, o artigo toma como referencial empírico, exclusivamente,
os documentos formais que resultam do processo decisório voltado para
a integração regional no setor da energia elétrica. O que interessa analisar
é a capacidade estatal construída, a partir da celebração de tais acordos e
tratados, de institucionalizar, no nível regional, a cooperação entre os Estados
sob análise.
Vale ressaltar ainda que, por contraste com a integração europeia, que tem
avançado na construção de instituições supranacionais e multitemáticas, como a
Comissão Europeia e o Parlamento Europeu, os processos de integração examinados
neste artigo se traduzem em instituições intergovernamentais e recortadas em
áreas temáticas específicas. A construção de um eficiente e moderno setor de
infraestrutura é uma agenda importante para países em desenvolvimento, tanto
internamente quanto no âmbito regional. Nos últimos anos, as elevadas taxas de
crescimento econômico obtidas por muitos países desses blocos incrementaram a
demanda por energia, sem o correspondente aumento da oferta. Contudo, o aspecto
comum ao setor de infraestrutura se refere aos elevados níveis de investimento,
sua demanda por escala, seja de produção ou consumo e, acima de tudo, sua
importância estratégica para o desenvolvimento.
O artigo contém quatro seções, além desta introdução e das considerações
finais. A primeira apresenta o modelo de análise utilizado. A segunda descreve a
configuração dos blocos em termos de estruturas institucionais responsáveis pelos
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162 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
processos decisórios. A terceira seção examina as estruturas regionais relativas
à agenda de energia. A conjugação dessas duas últimas seções permite analisar,
na quarta seção, similaridades e diferenças entre esses blocos e as relações entre
as particularidades de cada um deles e os designs específicos, encontrados em
cada bloco, para a integração no setor de energia elétrica. As considerações finais
apontam os achados deste artigo e sugerem novos desdobramentos desta agenda
de pesquisa.
Integração Regional e Dilemas de Ação Coletiva
Processos de integração regional envolvem necessariamente dilemas de
ação coletiva. As agendas levadas às mesas de negociação são traduções dos
interesses/preferências dos países membros, relativamente a cada tema em
discussão, bem como de seus recursos materiais e políticos, os quais — interesses/
preferências e recursos — são apresentados e confrontados no âmbito do processo
decisório relativo a cada issue-area. Inicialmente, poder-se-ia supor a presença
de similaridades socioeconômicas e políticas entre países em desenvolvimento
do continente sul-americano e da África Subsaariana e, daí, derivar a existência
de semelhanças nos processos de integração regional da Comunidad Andina de
Naciones
4
-CAN-, do Mercado Comum do Sul — MERCOSUL
5
—, da Southern
African Development Community
6
— SADC — e da Economic Community of West
African States
7
— ECOWAS — no que se refere aos tópicos a serem negociados e
à evolução desse processo para cada bloco.
No entanto, em se tratando de interconexão hidrelétrica, empiria em tela,
pode-se observar a presença de diferenças marcantes entre os países membros
dos diferentes blocos. A tabela 1 mostra as variações no acesso à eletricidade que
atravessam esses países. Tais variações justificam a escolha dessa empiria — a
interconexão hidrelétrica — para a averiguação das diferenças entre os processos
de integração regional aqui estudados.
4 Bolívia, Colômbia, Equador e Peru.
5 Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
6 África do Sul, Angola, Botsuana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagascar, Malawi, Maurícia,
Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.
7 Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, Guiné, Libéria, Mali, Níger,
Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo.
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163Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
Tabela 1 — Acesso à eletricidade (% da população)
8
Ano Ecowas Sadc Can Mercosul
1990 12,48 23,65 73,86 90,44
1995 18,32 27,53 77,97 91,52
2000 25,61 31,88 82,77 95,02
2005 29,02 36,40 84,52 97,10
2010 34,07 40,69 91,67 98,59
2015 41,50 46,16 95,60 99,64
2016 43,65 47,81 96,71 99,60
Fonte: Elaborado pelas autoras com dados do World Bank. n.d.
Argumenta-se, aqui, que as diferenças de acesso à eletricidade (Tabela 1)
decorrem, fundamentalmente, de variações nas capacidades estatais dos países
membros de tais agrupamentos. Segundo Evans (1993), capacidade estatal é
a capacidade de ação do Estado
9
. Interessam a este artigo, especialmente, as
capacidades fiscal/alocativa
10
e administrativa/de implementação
11
. Os países com
menores capacidades estatais para a provisão independente dos serviços de energia
para as suas populações terão interesses/preferências mais intensas por soluções
regionais desses problemas, ainda que renunciando ao exercício de regulação
estatal da provisão de tais serviços. Por consequência, o problema será tratado
no âmbito dos agrupamentos regionais, cujas instituições ficarão responsáveis
pelo controle e acompanhamento da provisão do serviço por atores do mercado.
Não obstante, apesar das diferenças entre os membros desses acordos regionais
relativamente ao acesso de suas populações à eletricidade, eles enfrentam os mesmos
problemas de ação coletiva. A escassez de tais recursos, nos países membros do
ECOWAS e do SADC, expressiva da baixa capacidade desses Estados em resolvê-la,
agudiza tais problemas, colocando o tema do acesso a recursos energéticos em um
ponto elevado na hierarquia de prioridades dos decisores desses agrupamentos.
8 O Banco Mundial não especifica, na base de dados, quais as fontes de energia foram consideradas para compor
a variável “acesso a eletricidade”. A definição dessa variável na base de dados é “is the percentage of population
with access to electricity. Electrification data are collected from industry, national surveys and international
sources”. (World Bank n.d.)
9 Há uma extensa literatura sobre capacidades estatais. Ver, a respeito, Cigolani 2013.
10 Fiscal Capacity emphazises the state's power to extract resources from the society, mainly in the form of tax.
Occasionally, it also refers to the eficiency of government spending (e. g. Dincecco 2011) (Cingolani 2013, 28).
11 The administrative capacity of the state is rooted in the Weberian tradition regarding the modern state and the
existence of a professional and insulated bureaucracy (e. g. Weber 1978). (Cingolani 2013, 28).
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164 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
Problemas de ação coletiva são objetos da “Teoria dos Jogos” (Martin 1992,
1998; Mello 1997), verificando-se duas situações clássicas para definir esses
dilemas: jogos de coordenação e jogos de colaboração. No primeiro caso, supõe-
se que atores preferem cooperar, sendo essa a estratégia dominante. Como suas
preferências não são coincidentes, a cooperação é resultado da barganha política
visando converter um “eixo de coordenação” em um “ponto de coordenação”, ou
seja, na celebração do acordo (Snidal 1985; Stein 1982). Nos jogos de colaboração,
do tipo dilema do prisioneiro, relativos a agendas como comércio e segurança,
as preferências dos atores são pela não cooperação e a celebração dos acordos
só se torna factível se houver incentivos seletivos (Olson 1999) que alterem esse
comportamento, seja pela punição aos dissidentes, seja pela oferta de recompensas.
Se o problema de ação coletiva é similar, as estruturas institucionais desenhadas
para enfrentá-lo podem ser diferentes. Conforme mencionado, o caso europeu tem
sido considerado um paradigma em função das estruturas institucionais criadas.
Muitas vezes, a não observância desse “modelo” tem sido interpretada como
“falha” no processo de integração. Defende-se, neste artigo, que essas estruturas
variam, para cada agenda e para cada bloco, conforme os interesses dos países
membros, a partir de suas condições históricas, econômicas, políticas e sociais.
A ratificação de um acordo regional sobre eletricidade pode dar a segurança
jurídica necessária para que empresas públicas e privadas, governos e demais
atores invistam em projetos transfronteiriços, de forma a possibilitar, por exemplo,
que a eletricidade gerada em um país seja consumida em outro, que haja acesso
irrestrito de pessoas e empresas ao território alheio, compatibilidade técnica
entre geração e distribuição, dentre outros, sendo necessária, para sua efetivação,
a celebração, pelos participantes, de acordos formais.
Essa configuração do problema de ação coletiva permite avaliar as contribuições
e o formato que as instituições regionais apresentam para a cooperação entre
Estados, especificamente no setor hidrelétrico. O primeiro aspecto institucional a
ser analisado se refere aos mecanismos que contribuiriam para alcançar o ponto de
coordenação dos participantes. Como a estratégia dominante é cooperar, a estrutura
institucional precisa, sobretudo, prover informações aos Estados. Snidal (1985)
considera ser a convenção o design ideal para equacionar o jogo de coordenação
e afirma que a estrutura deve ter baixos níveis de institucionalização, já que suas
funções básicas visam facilitar as escolhas, interpretações e a observância de
uma convenção particular. Além disso, essa estrutura deve prover informações
sobre preferências e políticas dos Estados e ser um fórum para a resolução dos
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165Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
problemas de barganha. Não há, assim, incentivos para criação de instituições
supranacionais ou de mecanismos de enforcement, já que, alcançado o ponto de
convergência das preferências, nenhum ator tem motivações para desertar.
Cabe ressaltar, ainda, seguindo Martin e Simmons (1998), que instituições
internacionais são simultaneamente causa e efeito das escolhas dos Estados. Os
Estados escolhem o design institucional que melhor se adequa à solução de seus
dilemas de ação coletiva. Uma vez escolhidas, as instituições moldarão seus
comportamentos (Martin e Simmons 1998). O design institucional é, portanto,
o resultado de escolhas dos Estados nas agendas de cooperação.
Essa adequação do design institucional às preferências dos atores pode levar
os Estados a formalizarem diferentes tipos de acordos internacionais: memorandos
de entendimento, acordos-quadro, protocolos ou tratados. O formato a ser utilizado
depende das preferências e, mais importante, dos estágios de negociação ao longo
do “eixo de coordenação”. Um memorando de entendimento pode ser o formato
institucional possível e desejado pelos atores diante de preferências dadas. Em
contrapartida, é possível que um tratado, que implica maior grau de compromisso
dos participantes, seja ratificado nas fases iniciais das negociações.
A partir desses elementos, o argumento ora desenvolvido reside na compreensão
de que as agendas de saúde, educação, infraestrutura em geral, e eletricidade em
particular, são claramente configuradas nos moldes de um jogo de coordenação,
sendo o processo de negociação política elemento essencial para fazer convergirem
as preferências dos participantes para um determinado ponto de coordenação.
Essas preferências determinam as estruturas institucionais constituídas por cada
um dos blocos que, por um lado, negociam os termos dos acordos e por outro
dão prosseguimento na condução e consolidação da agenda.
Vale ressaltar, ainda, que as preferências — e os recursos — dos atores em
interação estratégica estão relacionados a dois diferentes, ainda que entrelaçados,
eixos de coordenação. O primeiro se refere ao grau de institucionalização que
tais atores estão dispostos a conferir à cooperação entre eles, em cada agenda
específica, mais institucionalização significando mais regulação pelo Estado. E,
inversamente, menos institucionalização significando maior escopo para a ação não
regulada das forças de mercado. O segundo eixo se refere ao grau de regionalização/
harmonização da política pública objeto da cooperação, o que implica consideração
obrigatória do conceito de soberania, que, segundo Locke (1978), é absoluta,
porém divisível em áreas. Tal questão, então, remete ao desafio de encontrar, para
cada agrupamento regional, o ponto de coordenação que expresse a combinação
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166 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
adequada, para cada contexto, entre o grau de institucionalização e o grau de
regionalização acordados para o tema da energia elétrica. A figura 1 apresenta
graficamente o modelo de análise aqui desenvolvido:
Figura 1 — Modelo de análise
- reguamentação estata
l+
reguamentação estatal
+ regionalização
- regionalização
Fonte: Elaboração das autoras
Estruturas Institucionais e processos decisórios
As posições dos países nos eixos institucionalização e regionalização/
harmonização da política pública serão utilizadas como parâmetros para a
análise comparativa em tela, considerando o ponto de coordenação que viabiliza
a cooperação. No eixo institucionalização, as variações serão observadas a partir
das seguintes categorias analíticas: 1) agências regionais com poder de agenda,
ou seja, aquelas constituídas, em geral, por Chefes de Estado e/ou de governo,
no primeiro nível, e por ministros de Relações Exteriores, no segundo nível
12
;
2) agências regionais de negociação entre os países membros, ou seja, aquelas
constituídas, em geral, por ministros da área temática específica, no caso a de
eletricidade.
12 O arranjo institucional do MERCOSUL é a exceção relativamente a esta regra já que, geralmente, as reuniões
das agências do primeiro nível são compostas por ministros das Relações Exteriores e as do segundo nível por
ministros da Fazenda e presidentes de Bancos Centrais. Não obstante, os chefes de Estado podem se reunir ou
participar destas agências e determinar as agendas em discussão.
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Os graus de institucionalização das agências e das regras decisórias variam
entre os agrupamentos investigados. Relativamente:
1) às agências regionais com poder de agenda, interessa verificar o protagonismo
de Chefes de Estado e de governo: maior a presença de chefes de Estado
e de governo, maior o grau de institucionalização;
2) às agências regionais de negociação, mais específica a estrutura de
negociação, para cada agenda, maiores as chances de incremento nos
graus de regionalização/harmonização da política.
Seguem-se a descrição e a análise de cada agrupamento regional à luz dessas
categorias analíticas. Ao final desta seção, será realizada a comparação entre os
graus de institucionalização dos agrupamentos relativamente à política estudada.
No acordo constitutivo da Ecowas (1975), a instância máxima decisória é a
Autoridade de Chefes de Estado e Governo, seguida pelo Conselho de Ministros,
a Secretaria Executiva, o Tribunal da Comunidade e quatro comissões técnicas
especializadas: 1. Comércio, aduana e pagamentos; 2. Agricultura, indústria e recursos
naturais; 3. transporte, telecomunicações e energia e 4. questões sociais e culturais.
Essa estrutura se manteve até 1996, quando os membros da ECOWAS
redefiniram as comissões especializadas, estabelecendo, assim, as prioridades do
bloco. Destaque-se a comissão de agricultura, indústria e recursos naturais que
agora se divide em duas: uma para tratar de alimentação e agricultura e outra
para questões relativas à indústria, ciência, tecnologia e energia. Ressalte-se que
o tratado de 1975 e sua revisão (1993) detalham os compromissos assumidos
pelos Estados membros relativamente à cooperação nessas agendas e que essas
comissões especializadas tratariam de operacionalizar os compromissos assumidos
naqueles tratados (Ecowas 1993). Assim, para cada área temática foi designada
uma comissão e definido um conjunto de compromissos assumidos. No caso da
energia, tem-se a Reunião de Ministros de Energia, instância de monitoramento
e proposição de ações cooperativas (Ecowas 2003).
Conforme estabelecido no acordo, cada Comissão deverá submeter suas
propostas ao Conselho de Ministros e, mais importante, “assegurar a harmonização
e coordenação de políticas nacionais e a promoção de programas, projetos e
atividades de integração” (Ecowas 199 3, 5)
13
. Em 2007, a Secretaria Executiva foi
transformada na Comissão da ECOWAS, composta por departamentos responsáveis
13 (…) ensure the harmonisation and co-ordination of national policies and the promotion of integration programmes,
projects and activities (…).
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168 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
pelas áreas temáticas definidas no acordo constitutivo do bloco e sua revisão,
sendo um desses departamentos o de energia, responsável por fornecer a expertise
técnica em energia e pelo desenho e implementação de projetos técnicos para
a região, conforme decidido pelo Presidente (Ecowas, n.d.) Esse departamento
disponibiliza informações sobre projetos de energia em execução entre os países
membros e estabelece prioridades a serem avaliadas.
Além dessa estrutura institucional, os membros da ECOWAS criaram, nos
anos 1980 e 1990, diversas agências especializadas, duas delas relativas ao setor
de energia: West African Power Pool (WAPP — 1999), ECOWAS Regional Centre
for Renewable Energy and Energy Efficiency (ERERA — 2008). Essas agências
compõem a estrutura do bloco e, portanto, têm suas regras, princípios e metas
definidos pelo Conselho de Ministros da ECOWAS. O ministro encarregado dos
assuntos da ECOWAS do país cujo chefe de Estado foi nomeado presidente da
Autoridade de Chefes de Estado e Governo é automaticamente o Presidente do
Conselho de Ministros, da Comissão e preside as demais reuniões estatutárias do
bloco, como os comitês técnicos.
A estrutura institucional da SADC é composta por: Cúpula de chefes de Estado
e governo, que se reúne pelo menos uma vez por ano; Órgão sobre Política, Defesa
e Segurança, o Tribunal da SADC; Conselho de Ministros (relações exteriores,
economia e correlatos) responsável pela supervisão e monitoramento da agenda
regional; e Comitês Ministeriais Setoriais, compostos pelos ministros dos países
membros, nas respectivas áreas temáticas, sendo uma delas a de Infraestrutura e
Serviços, que trata da energia. Finalmente, tem-se a Secretaria Executiva, cujas
funções são propor, planejar e executar as agendas da SADC. Seu Secretário
Executivo Adjunto tem a função de promover, executar e avaliar os acordos
regionais relativos à infraestrutura em geral e à energia em particular (Sadc, n.d.).
Esse Secretário Executivo Adjunto é responsável pela Diretoria de Infraestrutura e
Diretoria de Serviços, e é o “presidente” da Southern African Power Pool- SAPP-,
criada em 1995, que atualmente é composta por 16 empresas, estatais e privadas,
que geram e distribuem energia para os países da SADC. Mensalmente, essa
agência reporta as condições do mercado regional de energia, com os volumes e
preços comercializados.
Na América do Sul, o MERCOSUL foi constituído em 1991, por Argentina,
Brasil, Paraguai e Uruguai. A Venezuela aderiu ao bloco em 2011 e a Bolívia está
em fase de ascensão ao bloco. A estrutura institucional do bloco é composta por:
1. Conselho do Mercado Comum — CMC — órgão máximo de decisão, composto
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pelos ministros das relações exteriores dos países membros; 2. Grupo do Mercado
Comum — GMC — órgão decisório executivo, responsável por fixar os programas
de trabalho, e por negociar acordos com terceiros em nome do bloco, por delegação
expressa do CMC. O GMC se pronuncia por Resoluções, e está integrado por
representantes dos Ministérios de Relações Exteriores e de Economia, e dos Bancos
Centrais dos Estados Parte; 3. Comissão de Comércio do MERCOSUL; 4. Comissão
Parlamentar Conjunta; 5. O Foro Consultivo Econômico Social; 6. Comissão de
Representantes Permanentes do MERCOSUL (CRPM), 7. Secretaria do MERCOSUL.
Tanto o CMC quanto GMC contam com instâncias especializadas em diferentes
agendas. Por exemplo, a Reunião de Ministros de Minas e Energia é vinculada
ao CMC e os Sub- Grupos de trabalho vinculados ao GMC, este último composto
por especialistas nas áreas temáticas em discussão.
A estrutura institucional da CAN (1969) é composta por: Conselho Presidencial
Andino; o Conselho Andino de Ministros de Relações Exteriores; a Comissão da
Comunidade Andina; a Secretaria Executiva; o Tribunal, o Parlamento, dentre
outros. A Comissão Andina é composta por um representante de cada país e trata
essencialmente das questões relativas ao comércio entre os membros.
A proposição e o acompanhamento das iniciativas no âmbito regional são
realizados pela Comissão e pela Secretaria Geral, que podem propor a criação de
comitês e conselhos, compostos por especialistas, dos governos ou não, de forma
a ter assessoria técnica. Os Comitês Assessores são compostos por ministros ou
secretários de Estado dos países membros, têm caráter permanente e subsidiam o
Conselho de Ministros de Relações Exteriores, a Comissão e a Secretaria. Por fim,
a Secretaria pode constituir Grupos Assessores ad hoc ou Reunião de Especialistas,
de caráter temporário, para subsidiar suas decisões.
A estrutura de governança para o setor de energia da CAN é composta pelo
Comité Andino de Organismos Normativos y Organismos Reguladores de Servicios
de Electricidad — CANREL —, que propõe as normativas para o setor, a serem
ratificadas pela Comissão da Comunidade Andina. A Comissão é composta por um
representante de cada país (normalmente ministros de comércio ou de integração),
cuja presidência é exercida pelo representante do país que exerce a presidência
da CAN. Aprovada uma resolução, cabe à secretaria executiva da CAN criar as
condições para implementar e monitorar o que foi acordado.
Considerando que a estratégia dominante dos Estados nas negociações de
energia é a cooperação, e que as negociações se prestam a converter o eixo de
coordenação em um ponto de coordenação, torna-se relevante analisar como os
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170 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
Estados, em um primeiro momento, decidem iniciar o processo de negociação e, em
um segundo momento, estabelecem os termos dos acordos que dão prosseguimento
na condução e consolidação da agenda.
Pode-se considerar que a decisão relativa a quais agendas serão negociadas é
atribuição da instância máxima de cada um dos blocos. À exceção do MERCOSUL,
nos demais blocos essa instância é composta por chefes de Estado e de governo,
que se reúnem pelo menos uma vez ao ano.
Quadro 1 — Estruturas institucionais regionais voltadas à agenda de energia elétrica
ECOWAS SADC MERCOSUL CAN
Agências
regionais
com poder de
agenda
1º. nível
1. Autoridade dos
chefes de Estado
e governo;
1. Autoridade
dos chefes
de Estado e
governo
1. Conselho
do Mercado
Comum,
composto
por ministros
de Relações
Exteriores
1. Conselho
Presidencial
Andino
2º. nível 2. Conselho de
Ministros
2. Conselho de
Ministros
2. Grupo do
Mercado
Comum
2. Conselho Andino
de Ministros de
Relações Exteriores
Agências
regionais de
negociação
entre os
membros do
agrupamento
1. Comissão
de indústria,
ciência,
tecnologia e
energia
2. Comissão da
ECOWAS
3. Departamento
de Infraestrutura
4. WAPP
5. ERERA
1. Comitês
Ministeriais
Setoriais —
Infraestrutura
e serviços
2. Secretaria
executiva
3. Secretaria
Executiva
Adjunta:
Integração
Regional
4. SAPP
1. Reunião de
Ministros
de Minas e
Energia
2. Sub-Grupos
de trabalho —
(SGT.9)
1. Secretaria
Executiva
2. Comitês
Assessores —
Ministros de
Energia
3. Comité Andino
de Organismos
Normativos y
Organismos
Reguladores
de Servicios de
Electricidad —
CANREL
4. Grupo Assessores
ad hoc ou Reunião
de Especialistas
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de diversos documentos dos blocos referenciados no texto acima.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
171Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
A classificação dos graus de institucionalização será feita considerando-se
três posições: ALTA, MÉDIA e BAIXA. O exame do Quadro 1 permite classificar
os quatro agrupamentos no eixo respectivo da seguinte forma: ECOWAS, SADC e
CAN contam com agências com poder de agenda formadas por chefes de Estado
e de Governo e, no segundo nível, por ministros de Relações Exteriores. Porém,
no MERCOSUL, as agências dos níveis um e dois são compostas por Ministros de
Relações Exteriores.
Estabelecidas as agendas, é necessário que especialistas da área sejam
convocados para iniciar o processo de negociação e construir as bases dos acordos.
Nos quatro blocos existe essa instância institucional formada por especialistas na
área de energia. Contudo, na ECOWAS e na SADC essa estrutura é permanente e
está definida nos acordos constitutivos dos blocos. No MERCOSUL e na CAN essa
instância está presente, mas tem caráter de assessoria às instâncias superiores,
sendo que, no MERCOSUL, as reuniões podem (porém não são compulsórias)
ocorrer por ocasião das reuniões do CMC e, na CAN, quando solicitadas. Vale
sublinhar que essas instâncias são compostas pelos ministros de Minas e Energia
dos países membros. Novamente, à exceção do MERCOSUL, os demais blocos
têm uma Secretaria Executiva com poder de agenda, a despeito do fato de que
também executam e monitoram o desenvolvimento da agenda.
Na ECOWAS e na SADC, a institucionalização da agenda é mais efetiva na
medida em que, subordinados à Secretaria Executiva (Comissão da ECOWAS),
encontram-se o Departamento de Infraestrutura (ECOWAS) e a Secretaria Executiva
Adjunta: Integração Regional (SADC). Suas funções são propor, monitorar e
viabilizar a implantação de acordos regionais de energia elétrica. Por fim, nesses
dois blocos há também as organizações — WAPP e SAPP — que agregam as
empresas de energia públicas e privadas dos países membros, viabilizando o
monitoramento do setor. Observe-se que ambas estão sujeitas às regras da ECOWAS
e da SADC e que seus presidentes são nomeados pelo Conselho de Ministros.
Portanto, considerando as características das agências regionais com poder
de agenda e, também, aquelas agências de negociação, pode-se afirmar que
ECOWAS e SADC apresentam ALTO grau de institucionalização, CAN apresenta
MÉDIO grau de institucionalização e o MERCOSUL, BAIXO grau de instituciona-
lização.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
172 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
A agenda de energia nos blocos regionais
À exceção da CAN, o mais antigo dos quatro blocos, os demais, já no início
do processo de integração regional, contemplaram em suas negociações a agenda
de energia.
Quadro 2 — Os acordos de energia
Acordo Regional Normativa para o setor de energia Ano
ECOWAS
Energy Policy of ECOWAS 1982
Protocol of Energy 1993
Master Plan 1999
ECOWAS Energy Protocol 2003
Revised Master Plan 2005
SADC
Protocol of Energy 1996
SADC Energy Cooperation Plan and Strategies 1996
SADC Energy Action Plan 1997 e 2000
MERCOSUL
Diretrizes de política energética- GMC 1993
Pauta negociadora 1996
Memorando de entendimentos 1998
Reunião de Ministros 2000
Acordo-Quadro 2005
CAN
Marco General 2002
Suspensão do Marco Geral 2009
Autorização acordos bilaterais 2011
Marco Regulatório para a Interconexão Sub-regional de Energia 2017
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de diversos documentos dos blocos referenciados no texto abaixo.
Os membros da ECOWAS ratificaram seu Protocolo de Energia em 2003,
cujo objetivo é extremamente claro e visa “[…] estabelecer um quadro legal para
promover a cooperação no longo prazo no domínio da energia,… objetivando
aumentar o investimento no sector da energia e aumentar o comércio de energia
na região da África Ocidental”
14
(Ecowas 2003, 9). O preâmbulo do protocolo
se baseia no reconhecimento da necessidade de investimentos no setor. Assim,
14 establishes a legal framework in order to promote long-term co-operation in the energy field, … with a view
to achieving increased investment in the energy sector, and increased energy trade in the West Africa region”
(Ecowas 2003, 9).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
173Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
o eixo central do Protocolo é estruturado com vistas a dar condições para que
empresas multinacionais e investidores desenvolvam suas atividades nos países
membros do bloco. Entre os oito capítulos do Protocolo, o primeiro trata das
definições e do propósito do acordo, o segundo, mais longo, trata do comércio,
definido como o compromisso de que “todos trabalharão para promover acesso
ao mercado internacional de material de energia e produtos e equipamentos de
energia relacionados em termos comerciais e, em geral, para desenvolver um
mercado de energia aberto e competitivo” (Article 3, Ecowas, 2003). As cláusulas
desse capítulo e do subsequente são relativas às garantias de trânsito de pessoas,
materiais e produtos, promoção e proteção aos investimentos, compensação por
perdas, expropriação, taxação, empresas estatais, dentre outras, visando atrair e
dar garantias a empresas e investidores internacionais. Por fim, esse protocolo
prevê a constituição e define as atribuições da Reunião de Ministros de Energia da
ECOWAS, como a instância de implementação dos termos acordados no protocolo.
Observe-se que os membros da ECOWAS formularam planos de desenvolvimento
do setor elétrico regional antes mesmo de ratificarem esse protocolo em 2003. Já
em 1999, os ministros de energia entendiam que o setor deveria se pautar pelos
mecanismos de mercado e propuseram: 1. um plano diretor para o desenvolvimento
de instalações de produção de energia e interconexão de redes elétricas; 2. criação
de uma estrutura de coordenação para energia na região; 3. elaboração de um plano
de ação para o desenvolvimento de projetos energéticos economicamente viáveis;
4. maior participação do setor privado no desenvolvimento de infraestruturas
de produção e transmissão (Ecowas 1999). Como se verá, em linhas gerais, tais
sugestões foram acatadas pela cúpula do bloco. A criação do West African Power
Pool- WAPP aconteceu ainda em 1999 e sua estruturação, funcionamento e o
reconhecimento como agência especializada da ECOWAS aconteceram em 2006.
Já o acordo constitutivo da SADC, de 1992, estabeleceu que seu principal
objetivo é promover o desenvolvimento de seus membros, os quais acordaram
cooperar em um amplo leque de agendas como segurança alimentar, agricultura,
infraestrutura e serviços, ciência e tecnologia, dentre outros (Sadc 1991). Com essa
diretriz, cinco anos depois, os membros da SADC ratificaram o Energy Protocol
(1996). Os princípios gerais do protocolo explicitam a importância estratégica da
energia para promover o desenvolvimento e viabilizar o crescimento econômico
dos membros do bloco. O acordo se baseou no compromisso dos membros de se
empenharem para harmonizar as políticas, estratégias e programas de energia da
esfera nacional e regional e de cooperarem para desenvolver programas conjuntos
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
174 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
de pesquisa, transferência de tecnologia, de recursos humanos e materiais entre os
membros, além de buscar uma padronização no desenvolvimento e na aplicação de
métodos comuns de utilização de energia. Ademais, e mais importante, os países
membros se comprometeram em criar um ambiente propício para o setor privado
participar integralmente no desenvolvimento do setor na região (Sadc 1996).
Para além desses compromissos genéricos, esse Protocolo tem seu eixo central
(artigo 4) na formatação da estrutura institucional responsável por propor planos,
programas e demais estratégias para a consolidação dos termos acordados, ou
seja, harmonizar políticas, desenvolver tecnologias e recursos humanos e materiais
para uma “política energética regional”. Essa estrutura seria formada por uma
Comissão, composta pelo Comitê de Ministros, um Comitê de Altos Funcionários
e subcomitês técnicos e de ministros de energia dos países membros. Grande parte
das cláusulas restantes do Protocolo se refere às funções e organização dessa
estrutura institucional (Sadc, 1996).
Em dimensão mais pragmática, já em 1996, a SADC estabeleceu a SADC
Energy Cooperation Policy and Strategy, que buscava definir parâmetros para a
ação dos membros. Em 1997, o Departamento de Infraestrutura e Serviços da
SADC elaborou o Energy Action Plan. Em 2001, ocorreu a refundação da SADC,
com a repactuação de novas metas para o agrupamento e o Regional Indicative
Strategic Development Plan — RISDP — (Sadc 2001). Esse plano contempla todas
as áreas envolvidas na integração regional e traz metas e estratégias para cada
uma delas, inclusive a de energia. Os projetos e metas para o setor de energia,
alterados, foram incorporados em revisão do plano regional de desenvolvimento
Regional Infrastructure Development Master Plan — RIDMP — (Sadc 2012).
Esse plano estava em elaboração desde 2007, quando a Cúpula de Chefes de
Estado reconheceu a grave crise elétrica da região, ampliando as metas a serem
atingidas, o que fundamentou o Energy Sector Plan, em 2012.
A Southern African Power Pool- SAPP (1995) — monitora as condições do
mercado regional de energia. Ela é composta por 16 empresas estatais e privadas,
que geram e distribuem energia para os países da SADC. Mensalmente, essa
agência reporta as condições do mercado regional de energia, com os volumes e
preços comercializados.
No âmbito do MERCOSUL foi ratificado, em 2005, um Acordo-Quadro,
instrumento genérico que possibilita aos seus membros celebrarem acordos
sub-regionais ou bilaterais definidos a partir dos parâmetros nele estabelecidos.
Esse documento contém apenas três capítulos. O primeiro define o propósito de:
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
175Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
contribuir para avançar na integração energética regional em matéria de
sistemas de produção, transporte, distribuição e comercialização nos Estados
Partes, a fim de garantir os insumos energéticos e de gerar as condições para
minimizar os custos das operações comerciais de intercâmbio energético
entre os mencionados Estados” (Mercosul 2005).
O segundo capítulo trata da “Cooperação Regional” e prevê: 1) que as partes
buscariam identificar atividades de intercâmbio, projetos e obras de infraestrutura
energética a serem executadas de forma conjunta; 2) a execução de acordos
regionais, sub-regionais ou bilaterais de interconexão no segmento de energia. Com
esse formato, o acordo não prevê nenhum mecanismo ou instituição incumbido
de operacionalizar ou propor alteração na estrutura do setor de energia na região.
Ações nesse sentido seriam conduzidas de forma bilateral ou sub-regional pelos
governos dos países interessados.
A conformação desse acordo se inicia em 1993, dois anos após a criação do
MERCOSUL, quando foram aprovadas as Diretrizes de Políticas Energéticas no
MERCOSUL (Mercosul 1993). As negociações dessas Diretrizes não lograram êxito,
de forma que, em 1996, o Grupo do Mercado Comum aprovou Pautas Negociadoras
do Subgrupo Nº 9 — Energias (Mercosur 1996). Em 1998, o Conselho de Mercado
Comum (CMC) aprovou um memorando de entendimento, que traz as bases
de um mercado regional de energia (Mercosul 1998). Em 2000, o CMC criou a
Reunião de Ministros de Minas e Energia (Mercosur 2000), para propor os termos
do Acordo-Quadro sobre Complementação Energética Regional, aprovado em 2005.
Não foram identificados projetos de cooperação energética regional entre
os membros do MERCOSUL. Os projetos de cooperação são majoritariamente
bilaterais, mas não fazem referência ou se enquadram nos termos do Acordo-
Quadro previamente estabelecido neste espaço de coordenação.
A CAN tem claramente explicitado o objetivo de construir um “Marco General
para la Interconexión Subregional de Sistemas Eléctrico” visando organizar um
mercado regional de eletricidade. Esses esforços se iniciaram em 2002, com a
Resolução 536, que estabeleceu as regras para o intercâmbio de eletricidade entre os
países membros, por meio de uma interconexão regional (Can 2002). Essas regras
se referem à criação de mercado para o setor de energia na esfera sub-regional,
com os compromissos de que os países membros “assegurariam as condições
competitivas para o mercado de eletricidade, com preços e tarifas que reflitam
os custos econômicos eficientes, evitando práticas discriminatórias e abusos da
posição dominante” (Can 2002, 3). Os países membros se comprometeriam a
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
176 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
alterar suas normativas nacionais, de forma a promover uma harmonização em
matéria de operações de interconexões e de transações comerciais de eletricidade.
Essa resolução foi suspensa em 2009, e em 2011 a questão energética se torna
regulada por acordos bilaterais
15
. Enfim, em 2017, diferentemente dos demais
blocos analisados, os membros da CAN definiram um Marco Regulatório para
a Interconexão Sub-regional de Energia, sinalizando a existência prévia de um
mercado de energia e a necessidade de apenas criar as bases para o que denominam
“Mercado Andino Elétrico Regional” (MAER), visando otimizar excedentes
elétricos de cada país, aproveitar a complementaridade e a disponibilidade de
recursos energéticos, o acesso livre, transparente e recíproco das informações do
mercado e daquelas necessárias para o planejamento dos demais países. Essa
Decisão da CAN estruturou o chamado “Mercado Andino Regional de Curto
Prazo” para estabelecer as regras, ou seja, preços, (baseados nas curvas de oferta
e demanda regional por energia), os operadores regionais, responsáveis por
coordenar e viabilizar as Transações Internacionais de Eletricidade — TIR. Além
disso, tal decisão estabelece que a secretaria geral da CAN deveria, mediante
proposições da CANREL, elaborar o Regulamento Operativo, o Regulamento
Comercial e o Regulamento de designações, funções e responsabilidades do
Coordenador Regional.
Também no caso da CAN, há um longo processo de negociação com avanços
e retrocessos visando um acordo regional de energia. No início dos anos 2000,
delegados dos organismos reguladores dos países membros fizeram uma primeira
proposta de harmonização dos marcos normativos existentes em cada país (Can
2002), da qual derivaram os “Principios normativos necesarios para armonizar
los marcos legales y regulatórios” (Can 2002). Surpreendentemente, algumas
semanas depois, os ministros de energia já tinham uma proposta de acordo e em
dezembro de 2002, o Conselho Presidencial Andino ratificou o Marco General para
la Interconexion Subregional de Sistemas Electricos e Intercambio Intracomunitario
de Electricidad,(Decisão 536, 2002), para abrigar a execução de projetos já definidos
bilateralmente por Colômbia e Equador. Contudo, o CANREL propôs suspender
esse e aprovar um regime transitório capaz de abrigar as atividades existentes
entre Colômbia e Equador. Esse regime transitório foi oficializado pela Decisão 720
(2009) da Comissão da Comunidade Andina e deveria durar dois anos. Esperava-se
que, nesse período, fosse possível estabelecer novas bases para a revisão do Marco
15 Não estão explicitados no sítio da CAN os motivos da suspensão do acordo.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
177Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
Geral, o que não ocorreu e suscitou a necessidade de prorrogação do regime
transitório (Decisão 757 2011), que deveria abrigar os projetos desenvolvidos pela
Colômbia. Como discutido acima, somente em 2017 se tem um novo marco geral,
voltado para regulamentar os projetos bilaterais existentes e dar base jurídica a
outras iniciativas.
Por fim, há indicativos de que a CAN tenha alterado sua estratégia relativa ao
setor de energia. Em 2011 criou uma estrutura institucional — SINEA — Sistema de
Interconexão Energética Andino, para consolidar um corredor energético andino,
ou seja, analisar a viabilidade real e as necessidades de adequação técnica para a
interconexão energética de toda a sub-região andina. De conformação mais técnica,
essa iniciativa recebeu recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento
e visava subsidiar esses estudos técnicos. Contudo, a revisão do Marco Geral —
Decisão 536 — ainda é o objetivo a ser alcançado, sendo essa meta explicitada
em todos os documentos relativos à energia no âmbito da CAN.
É interessante observar que não há, em nenhum desses acordos, a especificação
do tipo de fonte de energia, se hidrelétrica, eólica, solar, dentre outras. Os
negociadores provavelmente preferiram estabelecer acordos de caráter mais
genérico, para abrigar as mais diversas formas de gerar energia, conforme as
possibilidades dos membros dos blocos.
A partir da conformação desses Protocolos — ECOWAS e SADC — Acordo
Quadro — MERCOSUL — e Marco Regulatório — CAN, pode-se avaliar os graus
de regionalização/harmonização da política pública em cada um dos blocos. No
caso dos dois blocos africanos, os protocolos explicitam o entendimento de que
caberia aos Estados-membros viabilizar as condições para a atuação de agentes
de mercado, bem como estabelecer diretrizes, através dos planos estratégicos
e suas revisões, para o aumento da oferta de energia na região. Uma vez que
esses Protocolos foram definidos ainda nos anos 1990, pode-se considerar que
os membros entenderam que alterações não seriam necessárias, uma vez que
as bases para a conformação da agenda de energia estavam suficientemente
explicitadas naqueles Protocolos e os membros tinham seus interesses/preferências
contemplados nesses instrumentos formais. Há, assim, uma compreensão
compartilhada e estruturada ao longo de décadas de que o setor se estruturaria a
partir dessas bases estabelecidas. No caso da CAN, a constituição de um Marco
Geral e sua revogação logo em seguida indica que o ponto de coordenação tinha
bases frágeis. Contudo, a Consolidação do Marco Regulatório em anos recentes
demonstra que, depois de provavelmente anos de negociação, chegou-se ao que
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
178 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
seria o formato da agenda para a região. Por fim, o MERCOSUL se limitou a um
Acordo Quadro, sem regras específicas para os membros e que trata apenas de
“princípios gerais” do que seria a agenda para a região.
Assim, ECOWAS e SADC apresentam um ALTO, a CAN um MÉDIO e o
MERCOSUL um BAIXO nível de regionalização da agenda de energia.
Estruturas Institucionais regionais e os acordos
de energia elétrica
Esta seção se propõe a identificar similaridades e diferenças nos arranjos
institucionais da agenda de energia elétrica, nos quatro blocos. Com isso, busca-se
evidenciar que não há um modelo a ser seguido — como o europeu, por exemplo,
mas que a configuração da agenda resulta, tão somente, da coordenação dos
interesses e preferencias dos países-membros, em determinada área de política,
sob certas condições institucionais, o que resulta em importantes diferenças
entre eles.
Os quatro blocos ratificaram, ao longo das últimas décadas, acordos relativos
à energia elétrica. Esses acordos possuem diferentes características jurídicas e
impactos econômicos e resultam de processos de negociação, se configurando,
portanto, como o “ponto de coordenação” da agenda em cada momento histórico.
Nada impede que se renegociem o formato e os termos desses acordos. Contudo,
não parece ser essa a prática mais recorrente, já que somente a CAN estabeleceu
nova normativa após anulação da anterior. Esse pode ser um indicativo de que:
1. o ponto de coordenação estabelecido, em alguns casos há mais de uma década,
foi negociado de tal forma que não se identificou a necessidade de alteração;
e/ou 2. a agenda de energia não é prioritária, não interessando aos Estados rever
os termos da cooperação estabelecida.
O segundo e mais importante aspecto a ser ressaltado se refere aos termos
dos acordos. Os dois blocos africanos entenderam que a cooperação entre seus
membros se pautaria no sentido de regulamentar a atuação de agentes de mercado.
Esse é um resultado esperado, uma vez que, sendo compostos majoritariamente
por países em desenvolvimento, os investimentos necessários para viabilizar a
consolidação do setor superariam a capacidade dos Estados em realizá-la. Tais
Estados não dispunham das capacidades fiscais/alocativas e administrativa/de
implementação requeridas para solucionar os problemas de escassez de acesso à
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
179Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
energia elétrica que assolavam seus cidadãos. Ademais, fica clara a necessidade
de estabelecer um marco regulatório robusto, no âmbito regional, tendo em vista
o déficit de energia elétrica na região, as limitações dos Estados em resolvê-lo e o
caráter estratégico deste recurso como insumo para a promoção do desenvolvimento
e do bem-estar das populações desses países.
A SADC pautou suas ações na construção de estruturas institucionais, conforme
estabelecido no protocolo de 1996, para conduzir a agenda. Entre os blocos
analisados, a SADC é a que tem o maior número de instâncias burocráticas, a
que elabora e revê planos para o setor e, mesmo contando com uma organização
como a SAPP (2012), tem apresentado fracos resultados em termos de projetos
“regionais” de energia elétrica. É importante observar que, na média, menos da
metade da população da região da SADC tem acesso à eletricidade, sendo que na
República Democrática do Congo e em Malawi, por exemplo, menos de 10% da
população, ainda hoje, têm acesso à eletricidade.
Por fim, na ECOWAS, a cooperação entre os participantes visa superar as
fragilidades dos países membros relativamente às capacidades de investimentos
dos governos em energia diante do fato de que, na média, menos da metade da
população daqueles países tem acesso à eletricidade. Os termos do Protocolo de
2003 dão as bases para a constituição desse mercado e a WAPP viabiliza essas
condições, seja estruturando projetos possíveis, captando investidores e/ou
gerando informações. No caso da ECOWAS, a estrutura institucional criada visa
reduzir incertezas e custos de transação a que estão sujeitos os atores de mercado
e regulamentar suas operações relativamente a recurso tão estratégico.
A carência de energia elétrica não constituía exatamente uma questão central
para os membros dos blocos sul-americanos. Nas fronteiras entre Brasil, Argentina
e Paraguai estão instaladas duas das maiores hidrelétricas do mundo — ITAIPU
e Yacyretá. No caso desses dois blocos, MERCOSUL e CAN, as negociações
regionais não tinham o objetivo de ampliar a oferta de energia, mas tão somente de
viabilizar uma estrutura normativa capaz de abrigar eventuais atividades do setor
entre seus membros. Esse é o caso das operações que já existiam entre Colômbia
e Equador e entre Equador e Peru. Não se trata de criar um mercado regional
de energia elétrica e, por isso, não há necessidade de estruturas institucionais
que deem configuração a esse mercado. O acordo da CAN trata de regulamentar
as atividades já existentes entre seus membros e para tal conta com o Comité
Andino de Organismos Normativos y Reguladores de Electricidad. O MERCOSUL
não estruturou instituição alguma e mantém a Reunião dos Ministros de Minas e
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
180 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
Energia como fórum de discussão da agenda. Portanto, nos casos do MERCOSUL
e da CAN, a questão relacionada à provisão de serviços de energia elétrica para as
populações foi resolvida pelos Estados dos países que compõem os agrupamentos,
de forma independente ou por meio de acordos bilaterais.
Considerando-se, então, a intercessão entre os dois eixos analíticos de
regionalização e de regulação estatal, tendo em vista a empiria estudada neste
artigo, a provisão de energia elétrica, pode-se localizar os pontos de coordenação
dos quatro agrupamentos regionais investigados de acordo com sua distribuição
na figura 2, abaixo:
Figura 2: Pontos de coordenação dos quatro agrupamentos regionais
+ regionalização
- regionalização
- reguamentação estata
l+
reguamentação estatal
ECOWAS
SADC
CAN
MERCOSUL
Fonte: Elaboração das autoras
Considerações finais
Este artigo apresenta um modelo analítico relativo a acordos regionais que,
através da pesquisa comparada, permitisse descrever e analisar as negociações
realizadas por países em desenvolvimento. O artigo se propôs a oferecer duas
contribuições: a primeira e mais importante examinou como são negociadas as
agendas que têm a cooperação como estratégia dominante. Há escassa literatura
acerca desse dilema da ação coletiva, no qual prevalece a lógica dos jogos de
coordenação. A produção tem se voltado mais para os jogos do tipo dilema do
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
181Taiane Las Casas Campos; Fátima Anastasia
prisioneiro, nos quais a deserção é a estratégia dominante, na ausência de incentivos
seletivos. Em contrapartida às poucas pesquisas sobre os jogos de coordenação,
há diversas agendas com essa configuração negociadas diuturnamente pelos
Estados, especialmente ali onde os Estados não dispõem de capacidades fiscais/
alocativas e administrativas/de implementação para garantir a provisão, de forma
independente, para suas populações, de serviços essenciais, como é o caso da
energia elétrica.
A segunda contribuição se refere à análise do processo de regionalização
como resultado das preferências por agendas, definidas nas Cúpulas de Chefes
de Estados e Governos e consolidadas em níveis burocráticos. O objetivo dos
atores, neste caso, é o de converter um eixo de coordenação em um “ponto de
coordenação”. Muitos analistas consideram serem essas estruturas institucionais
“fracas”, dada a ausência de instituições supranacionais e de mecanismos de
monitoramento ou enforcement, que garantam que as políticas negociadas no
âmbito regional se convertam em políticas domésticas dos Estados-membros.
Buscou-se argumentar, neste artigo, que a análise da integração regional nessas
agendas não precisa necessariamente se basear em critérios de “força/fraqueza”
das estruturas institucionais.
Se a constituição de um acordo-quadro ou de um marco geral ou, ainda, de
um protocolo for suficiente para viabilizar trocas de conhecimentos, tecnologias
ou para criar bases para a consolidação de um “mercado regional” de energia, os
objetivos das negociações regionais já terão sido alcançados e esse será o ponto
de coordenação encontrado. O artigo apresentou, ainda, um modelo para a análise
de agendas temáticas específicas. Tal modelo apresenta dois eixos analíticos,
o da regionalização e o da regulação estatal, como parâmetros para a análise
comparativa, a partir de uma classificação composta por 3 tipos, em ambos os
eixos: alta, média e baixa. Espera-se que, para além da análise da cooperação no
segmento da energia elétrica, tal modelo possa contribuir para investigações de
outras agendas, que foram e são negociadas por países-membros de diferentes
blocos regionais. As análises relativas à convergência temporal das agendas que
são negociadas no âmbito desses e de outros acordos regionais apresentam outro
importante elemento para esse campo de pesquisa. As similaridades e diferenças
tanto das estruturas institucionais quanto do processo de negociação das agendas
que são objeto de negociação regional também podem esclarecer acerca dos
objetivos e da consolidação dos acordos regionais.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 159-184
182 O processo de integração regional como um jogo de coordenação: uma análise comparada [...]
Referências
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measures. Maastricht: IPD. (Working Paper Series, n. 13).
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