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A coordenação do trabalho da UNMISS e
das agências humanitárias na mitigação
da crise humana no Sudão do Sul
1
Coordination of UNMISS and humanitarian
agencies’ work in mitigating the human crisis
in South Sudan
DOI: 10.21530/ci.v14n2.2019.923
Joel Henrique Fonseca de Ávila
2
Luiz Rogério Franco Goldoni
3
Resumo
Objetiva-se analisar o trabalho conjunto entre a Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul
(UNMISS) e as agências humanitárias, destacando os óbices logísticos. Foram utilizados,
como metodologia, a revisão bibliográfica e a análise documental. Argumenta-se que a
guerra civil, que eclodiu no Sudão do Sul no final de 2013, levou a UNMISS a criar os
chamados Protection of Civilian sites (POC sites), que são campos de deslocados internos
localizados, pela primeira vez na história da ONU, dentro das bases militares de uma missão
1 Este artigo faz parte dos esforços do projeto de pesquisa "Perspectivas da Logística de Defesa Brasileira: Análise
da Logística Humanitária Brasileira no Haiti", financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico – CNPq – Brasil, Chamada Universal 01/2016, coordenado pelo Prof. Dr. Luiz Goldoni..
Os autores agradecem a Prof. Dr.Karina Furtado Rodriguespela revisão e apontamentos, que ensejaram reflexões
que impactaram na elaboração do texto.Os autores igualmente agradecem os comentários elaborados pelos
pareceristas da Revista Carta Internacional. Por fim, os autores eximem a revisora e os pareceristas de qualquer
falha, porventura presente no artigo, e se responsabilizam integralmente pelo conteúdo aqui apresentado.
2 Doutorando em Ciências Militares pelo Instituto Meira Mattos, da ECEME. Major do Exército Brasileiro, com
experiência em campo na Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (UNMISS), de 2014 a 2015, como oficial
do Estado Maior, na seção de Treinamento (J7). Mestre Profissional em Operações Militares, pela Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO), em 2010.
3 Doutor em Ciência Política (UFF), professor da disciplina “Logística de Defesa” no PPGCM/ECEME e coordenador
da Linha de Pesquisa “Gestão de Defesa” do Programa. Coordena o projeto “Perspectivas da Logística de Defesa
Brasileira: Análise da Logística Humanitária Brasileira no Haiti”, aprovado pela Chamada Universal MCTI/CNPQ
no. 01/2016.
Artigo submetido em 23/03/2019 e aprovado em 02/08/2019.
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de manutenção da paz. Esses campos, que possuíam condições precárias devido à restrição
de espaço gerada pelo imenso afluxo de deslocados, necessitaram de considerável esforço
logístico humanitário para suprir as demandas que cresciam vertiginosamente. Além disso,
os POC sites demandaram elevado nível de cooperação e coordenação entre peacekeepers e
diversos agentes humanitários, o que gerou lições que poderão ser utilizadas em missões
de paz que passarem por crises semelhantes.
Palavras-chave: POC sites; Sudão do Sul; Logística Humanitária.
Abstract
The aim of this paper is to analyze the joint work of UNMISS and the humanitarian agencies,
highlighting the logistical obstacles, through literature review and documentary analysis.
The civil war which has taken place in South Sudan, in the end of 2013, led the United
Nations Mission in South Sudan (UNMISS) to create the so called Protection of Civilian
sites (POC Sites) – internally displaced person camps which are located, for the first time
in the History of UN, inside military bases of an UN peacekeeping mission. These camps,
which had poor conditions, due to restriction of space, generated by the sharp inflow of
displaced persons, has needed a substantial humanitarian logistical effort, in order to meet
the demands, which had grown rapidly. Moreover, the POC sites demanded a huge level of
cooperation and coordination among peacekeepers and the various humanitarian agents in
the field, which brought together several lessons that can be used in peacekeeping missions,
which may cope to similar crisis.
Keywords: POC sites; South Sudan; Humanitarian Logistics.
Introdução
O Sudão do Sul, país mais jovem dentre os signatários da Organização das
Nações Unidas (ONU), é palco de uma grande crise gerada pela guerra civil, iniciada
em 15 de dezembro de 2013, e que já afetou diretamente mais de 8 milhões de
pessoas (STODDARD; JILLANI, 2016). Tal situação criou imensas demandas por
segurança humanitária, que pressionaram os recursos humanos e materiais da
Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (UNMISS) (TURNBULL, 2016).
Como resposta a essa contingência, as bases da UNMISS precisaram abrir seus
portões e permitir a entrada de milhares de civis sul-sudaneses, que escapavam
dos massacres nas cidades. Eram criados, dessa forma, os Protection of Civilian
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Sites (POC Sites)
4
, campos de deslocados internos dentro de bases militares da
UNMISS. Tal fato não tinha precedentes na história da ONU (ARENSEN, 2016).
O efetivo de deslocados internos (IDP)
5
em cada campo variava entre cerca de
2 mil até mais de 100 mil pessoas (UNMISS, 2017). Tal população, semelhante à de
municípios de pequeno a médio porte, gerava uma grande demanda humanitária.
Para suprir essa demanda, houve a necessidade de que os peacekeepers
6
da
UNMISS e os humanitários
7
de várias Organizações Não Governamentais (ONG)
trabalhassem em conjunto, dentro dos POC sites.
Os humanitários possuem princípios fundamentais tais como a neutralidade, a
imparcialidade, a humanidade e a independência (UNMISS, 2014), que os impedem
de trabalhar em áreas que têm seus perímetros defendidos por elementos armados.
Porém, a crise humana e as condições de segurança do Sudão do Sul conduziram
a uma quebra desse paradigma, levando UNMISS e humanitários a trabalharem
juntos e de forma coordenada, dentro dos POC sites.
Este artigo objetiva analisar a coordenação dos trabalhos e a cooperação entre
os peacekeepers da UNMISS e as diversas agências humanitárias na gestão da crise
humana, no interior dos POC sites, durante os primeiros meses da guerra civil
sul-sudanesa de 2013. Pretende também discutir as necessidades logísticas e os
óbices que decorreram desse esforço conjunto. Para isso, a abordagem escolhida
foi a qualitativa, empregando como metodologia o estudo de caso, além de revisão
bibliográfica e análise documental.
Como instrumento de coleta de dados em fontes primárias, realizou-se uma
análise de documentos oficiais e jurídicos, que permitiu compreender a relação
entre as normas vigentes e a realidade demonstrada pelos acontecimentos no
Sudão do Sul. Em relação às fontes secundárias, conduziu-se a revisão bibliográfica
em teses, publicações acadêmicas e relatórios de agências humanitárias, que
4 Tradução dos autores: Campos de Proteção de Civis. Eram campos de deslocados internos no interior ou
adjacências das bases da UNMISS, protegidos pelos militares e policiais da missão (CAPARINI, 2016).
5 Internally Displaced Person: “Deslocados são pessoas ou grupos compelidos a fugir de seus domicílios ou locais
em que residiam habitualmente, de maneira súbita e imprevista, em consequência de conflitos armados, tensões
internas, violações massivas dos direitos humanos ou desastres naturais ou provocados pelo homem, e que não
atravessaram uma fronteira reconhecida internacionalmente” (BRASIL, 2011, p. 25).
6 São as pessoas que fazem parte de uma Missão de Manutenção da Paz da ONU. São compostos por militares,
policiais e civis, de diversos países. Para maiores detalhes, ver: UN (2009a).
7 São os agentes que trabalham para organizações de assistência humanitária, regionais ou internacionais,
geralmente sem fins lucrativos e não governamentais. Não fazem parte da estrutura da ONU, mas têm seu
trabalho coordenado pela Missão, por meio do Sub Representante Especial do Secretário-Geral (DSRSG) da ONU
no país, que, também, é o Coordenador Humanitário. Para maiores informações, ver: UN (2009b).
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tratavam sobre a problemática da coordenação das ações entre os peacekeepers e
os humanitários que atuaram nos POC sites.
As referências documentais foram obtidas nos Mandatos da UNMISS, Relatórios
do Secretário-Geral da ONU, Resoluções do Conselho de Segurança, estudos de
agências da ONU e de Organizações Não Governamentais (ONG), relatórios de
situação da UNMISS e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(ACNUR) e mapas do serviço geográfico da UNMISS.
O acesso a tais referências se deu por meio de documentos eletrônicos já de
posse do autor, fruto do período em que foi Staff Officer Training no Sudão do Sul
(março de 2014 a março de 2015), por meio de solicitações a militares, policiais e
humanitários que compuseram o efetivo da UNMISS, no período de 2013 a 2015,
e por consultas a sites oficiais e acadêmicos. O recorte temporal da pesquisa foi
o período de 2013 (ano no qual se iniciou a guerra civil que motivou a criação
dos POC sites) até os dias atuais.
O mandato de proteção de civis da UNMISS
A Guerra Civil sul-sudanesa, que eclodiu em 15 de dezembro de 2013, foi
fruto da disputa pelo poder entre o presidente Salva Kiir, da etnia Dinka
8
, e seu
vice-presidente, Riek Machar, da etnia Nuer
9
. Essa rivalidade gerou um conflito
de proporções nacionais, que dividiu o exército sul-sudanês em duas forças
beligerantes, uma majoritariamente Dinka, constituída pelo exército regular sul-
sudanês, o Sudanese People Liberation Army (SPLA)
10
, e a outra Nuer, comandanda
por Machar (SANTOS, 2018).
O estopim ocorreu na capital do país, Juba, onde foram constatados traços
de limpeza étnica dos Dinka do SPLA contra os militares e civis Nuer. A elevada
escalada de violência nas ruas da cidade levou a UNMISS a uma situação de
insegurança extrema, acarretando, inclusive, a evacuação de civis da missão e
das agências humanitárias. Nos dias seguintes, as hostilidades se espalharam por
8 Os Dinka são o maior grupo étnico do Sudão do Sul, composto por cerca de 20% da população do país
(SANTOS, 2018).
9 Os Nuer são maioria nos estados do Nordeste do Sudão do Sul (SANTOS, 2018). A rivalidade política entre
Kiir e Machar gerou a rivalidade étnica entre os Dinka e os Nuer, intensificada após a demissão de Machar em
meados de 2013 (LEFF; LEBRUN, 2014).
10 Tradução do Autor: Exército de Libertação do Povo Sudanês (SANTOS, 2018).
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outras regiões do país, principalmente a Nordeste, predominantemente Nuer, onde
o exército rebelde se posicionou (STAMNES, 2015).
Nesse contexto, a população Nuer, residente em Juba, em massa buscou
proteção dentro das bases da UNMISS, obrigando os peacekeepers a abrirem
os portões para alojá-los. Tal exemplo seguiu-se em outras cidades: Bor,
Bentiu e Malakal. Em uma semana, 35.000 deslocados estavam abrigados nos
recém-criados POC Sites, demandando segurança sanitária, alimentar e física
(BRIGGS; MONAGHAN, 2017).
A violência cometida por militares, tanto do governo como do exército rebelde,
contra a população civil, levou o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)
a suspender o mandato da UNMISS, de Construção de Capacidades
11
, contido
na Resolução 1996 do CSNU, vigente no país desde sua independência, em 9 de
julho de 2011, e o substituísse por outro, focado na proteção de civis. Tal medida
tinha a finalidade de afastar a percepção de que a UNMISS estaria auxiliando um
governo que cometia atos de violência contra sua própria população e que, além
disso, ainda era uma das partes do conflito (SHARLAND; GORUR, 2015). Com
isso, a UNMISS continuaria a obedecer a um dos princípios básicos das missões
de manutenção da paz da ONU
12
, a imparcialidade
13
(UNITED NATIONS, 2008).
Dessa forma, o CSNU emitiu a Resolução 2155, em maio de 2014, instituindo
o mandato de Proteção de Civis para a UNMISS. Além da prioridade na segurança
da população não combatente, o Mandato determinava o monitoramento dos
direitos humanos, a criação de condições para o acesso de ajuda humanitária e
11 O Mandato de Construção de Capacidades, corroborado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas
(INTERNATIONAL REFUGEE RIGHTS INITIATIVE, 2015), consiste em apoiar um Estado na consolidação da
paz e segurança, estabelecimento de condições para desenvolvimento, governança eficiente e democrática e
estabelecimento de boas relações regionais (STAMNES, 2015).
12 Há diferentes tipos de missão que podem ser conduzidas pela ONU: i) prevenção de conflitos (conflict prevention),
que “envolve a aplicação de medidas estruturais ou diplomáticas para evitar que tensões e disputas intra-estatais
ou interestatais evoluam para um conflito violento” (UNITED NATIONS, 2008, p. 17, tradução nossa); ii) processo
de pacificação (peacemaking), busca resolver conflitos em andamento e envolve ações diplomáticas para realizar
um acordo negociado entre as partes hostis; iii) imposição da paz (peace enforcement), que envolve a aplicação,
com a autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de uma série de medidas coercitivas (incluindo
o emprego de força militar) objetivando a restauração da paz e da segurança internacionais;iv) construção da
paz (peacebuilding), processo complexo e de longo prazo; as medidas de consolidação da paz procuram reforçar
a capacidade do Estado para exercer eficaz e legitimamente suas funções essenciais e, v) manutenção da paz
(peacekeeping), que é designada para manter a paz, mesmo que frágil, em um local onde houve uma cessação
de hostilidades e as partes em conflito buscam implementar acordos (UNITED NATIONS, 2008, p. 18).
13 Apesar de as missões de manutenção da paz da ONU terem evoluído nas últimas seis décadas, há três princípios
básicos que se mantêm imutáveis, como ferramentas para o processo de paz e segurança internacionais: o
consenso das partes do conflito; a imparcialidade, e o não uso da força, exceto em legítima defesa ou defesa
do mandato. Para maiores informações, ler: (UNITED NATIONS, 2008).
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o apoio à implementação dos acordos de cessação de hostilidades (STAMNES,
2015; UN SECURITY COUNCIL, 2014). Tal forma de mandato ocorreu em diversas
missões de paz do final do século XX e início do século XXI, desde os massacres
em Ruanda e na Bósnia, em meados da década de 1990
14
.
A estratégia de proteção de civis surgiu no contexto dos ambientes complexos
de conflitos intra-estatais, nos quais havia graves violações de direitos humanos,
principalmente contra a população civil. A primeira missão de manutenção da
paz com esse tipo de mandato ocorreu em Serra Leoa, em 1999 (MANTON;
LANGHOLTZ, 2012). Naquela ocasião, foram tomadas todas as medidas necessárias
para garantir a segurança e liberdade de movimento do pessoal e, dentro das
capacidades e nas áreas de atuação, foi providenciada proteção para os civis sob
iminente ameaça de violência física (UN SECURITY COUNCIL, 1999)
15
.
A partir de maio de 2012, 13 operações de manutenção da paz tiveram o mandato
de proteger civis. Elas foram: UNAMSIL (Serra Leoa), MONUC (DR Congo),
UNTAET (Timor Leste), UNMIL (Libéria), ONUB (Burundi), MINUSTAH (Haiti),
UNOCI (Costa do Marfim), UNMIS (Sudão), UNIFIL (Líbano), UNAMID (Darfur),
MINURCAT (República Centro Africana), UNMISS (Sudão do Sul) e UNISFA
(Abyei) (MANTON; LANGHOLTZ, 2012, p. 12, tradução nossa)
16
.
O caráter dos conflitos intra-estatais é um grande desafio para as missões
de Proteção de Civis. Os combates podem causar altas taxas de violência contra
civis (GORUR; VELLTURO, 2017 ). Segundo Caparini (2016), 40% dos conflitos
africanos, em 2015, envolveram violência dirigida diretamente contra civis. Ao
invés de usar a força apenas para destruir o oponente, os beligerantes procuram
atingir seus objetivos utilizando a população, por meio de deslocamento forçado,
14 No ano de 1994, durante 100 dias, cerca de 800.000 civis ruandeses foram mortos no maior genocídio da
história. Em 1995, dois anos após ser designada pela ONU como Safe Area, a cidade de Srebrenica sofreu o
maior massacre do conflito da Bósnia. Após essas atrocidades, o CSNU determinou ações para que nunca mais
a comunidade internacional ficasse inerte, enquanto genocídios e assassinatos em massa ocorressem no mundo
(MANTON; LANGHOLTZ, 2012).
15 A UNAMSIL, Missão das Nações Unidas em Serra Leoa, foi instituída pela Resolução 1270, do Conselho de
Segurança, de 22 de outubro de 1999, que determinou, pela primeira vez, uma missão com o Mandato de Proteção
de Civis. A UNAMSIL teve seu mandato revisto pela Resolução 1289, de 7 de fevereiro de 2000, e também pela
Resolução 1346, de 30 de março de 2001, que reforçaram o uso de todos os meios necessários para proteger o
mandato e os civis.
16 No original: “As of May 2012, 13 peacekeeping operations have been mandated to protect civilians. They are:
UNAMSIL (Sierra Leone), MONUC (DR Congo), UNTAET (Timor Leste), UNMIL (Liberia), ONUB (Burundi),
MINUSTAH (Haiti), UNOCI (Cote d‘Ivoire), UNMIS (Sudan), UNIFIL (Lebanon), UNAMID (Darfur), MINURCAT
(Central African Republic), UNMISS (South Sudan) and UNISFA (Abyei)” (MANTON; LANGHOLTZ, 2012, p. 12).
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recrutamento compulsório e até atrocidades, com o intuito de causar terror ao
adversário. O ataque deliberado a civis passou a ser considerado uma tática de
guerra, utilizada por guerrilheiros e até por soldados convencionais (MANTON;
LANGHOLTZ, 2012).
A violência direta contra civis, em forma de atrocidades, visa causar o terror,
punir o apoio ao adversário ou ainda causar o extermínio de um grupo étnico. Além
disso, há ainda o uso de violência sexual sistemática, como o estupro e escravidão
sexual de mulheres e crianças de etnias ou comunidades rivais, causando infecção
por HIV, prostituição e gravidez forçadas. Tais ameaças ocasionam o aumento no
fluxo de refugiados e deslocados internos (MANTON; LANGHOLTZ, 2012).
Nesse ambiente de conflito intra-estatal, no qual os civis tornam-se alvos
militares, identificou-se falta de direção e de esclarecimento aos componentes das
missões da ONU. Este vácuo operacional tornava a proteção de civis totalmente
ignorada ou cumprida de forma incipiente (MANTON, LANGHOLTZ, 2012). Para
que fosse preenchida tal lacuna, o Departamento de Operações de Manutenção da
Paz (DPKO) produziu, em 2010, a Política para Proteção de Civis nas Operações
de Paz das Nações Unidas (UNITED NATIONS, 2015). Tal material, atualizado
em 2015, criou o conceito operacional de Proteção de Civis, que foi organizado
em três “tiers”, ou camadas: “proteção por meio do processo político”, “proteção
contra violência física” e “estabelecimento de um ambiente de proteção” (UNITED
NATIONS, 2015; SEBASTIÁN, 2015 ). Tal material passou a ser adotado por todas
as operações de paz da ONU (MANTON; LANGHOLTZ, 2012).
O nível de proteção por meio do processo político, segundo Sebastián (2015),
é intimamente ligado ao uso do diálogo, focando em ações de caráter mais político,
como negociação e mediação, diálogo com os perpetradores, além de divulgação
das violações e também das ações que foram tomadas para mitigá-las.
O segundo nível trata da proteção de civis contra a violência física iminente,
incluindo o trabalho dos componentes militares e de policiais no uso da força para
prevenir, deter e reagir a situações nas quais os civis sofram ou sejam ameaçados
de sofrer violência física. Este nível, portanto, foca no esforço policial e militar para
evitar que os civis sejam acometidos pelos perigos do conflito armado (UNITED
NATIONS, 2015).
O terceiro nível busca o estabelecimento de um ambiente de segurança e
proteção. É mais abrangente do que somente o combate à violência física, pois
envolve a proteção contra qualquer perigo, como a fome, a injustiça e a falta de
condições mínimas de saúde e educação. Assim, o terceiro nível aborda programas
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como proteção dos direitos legais dos civis, provimento de ajuda humanitária e apoio
às instituições legais para o estabelecimento da lei e da ordem (SEBASTIÁN, 2015).
Portanto, para proteger os civis de forma abrangente, a UNMISS necessitava das
ações conjuntas e coordenadas no âmbito interno da missão, entre seus militares,
policiais e civis, e também no âmbito externo, principalmente com as diferentes
agências humanitárias, sejam elas do United Nations Country Team (UNCT)
17
ou de outras ONG
18
, todas sob diferentes mandatos e cadeias hierárquicas. Essa
variedade de atores, necessários para cumprir os três níveis da proteção, é uma
das características das chamadas missões multidimensionais
19
de manutenção da
paz da ONU (UNITED NATIONS, 2008).
Nesse contexto de múltiplas agências, toda a complexidade da segurança
humana pode ser encarada sob seus diversos vieses, desde o da proteção contra
ameaças físicas, até o combate ao flagelo da fome e o fornecimento de condições
sanitárias básicas. No entanto, a crise instaurada pela guerra civil no Sudão do
Sul, com combates ocorrendo próximos às bases e o aumento abrupto do número
de deslocados, colocou à prova a capacidade de uma missão de manutenção da
paz multidimensional, como a UNMISS, de proteger os civis de forma eficaz, no
âmbito de um conflito armado.
O trabalho das agências humanitárias no Sudão do Sul
As principais funções de uma missão de manutenção da paz multidimensional
da ONU são: criar um ambiente seguro e estável, propício para que o Estado
17 O Time de Campo das Nações Unidas (tradução nossa) é composto por todos os fundos, programas e agências
da ONU que podem operar em um país (UNITED NATIONS, 2009b). O UNCT atua diretamente nas demandas
humanitárias e, por isso, normalmente já está com suas agências desdobradas no país em conflito, antes da
chegada dos componentes da missão de paz, e é desmobilizado somente após o término da missão. O UNCT
não faz parte da constituição de uma missão de manutenção da paz, mas é um dos principais parceiros dela.
Para mais informações, consultar: (UNITED NATIONS, 2009b), p. 90.
18 São agências, regionais ou internacionais, que trabalham em causas humanitárias, prestando auxílio direto à ONU.
Interagem com as missões de paz por meio de troca de informações e em projetos de assistência humanitária,
recebendo, em contrapartida, proteção e até apoio de transporte (UNITED NATIONS, 2009b).
19 Missões de manutenção da paz que, ao contrário das tradicionais – que somente fiscalizam a obediência dos
beligerantes a um acordo de paz – estabelecem, também, atividades para dar à nação anfitriã ferramentas para
restabelecer a governabilidade, auxiliando na construção das capacidades políticas e institucionais, para que o
Estado tenha a estabilidade garantida pela governabilidade e respeito aos Direitos Humanos. Envolvem ampla
gama de atores, agrupados nos componentes militares, policiais e civis da missão. Suas ações coordenadas e
cooperativas abrangem, ainda, o monitoramento dos Direitos Humanos (UNITED NATIONS, 2008; RODRIGUES;
MIGON, 2017).
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forneça as condições de segurança à sua população, nos limites da lei e dos
Direitos Humanos, facilitar o processo político no período pós-conflito e prover
uma atmosfera que garanta que a ONU e outros atores internacionais cumpram
suas tarefas de uma maneira coerente e coordenada (UNITED NATIONS, 2008).
Uma missão de manutenção da paz raramente é encarregada de prestar
assistência humanitária. Essa ajuda, normalmente, é realizada por outras agências
da ONU, ou por ONG. Assim, usualmente, uma missão de manutenção da paz
não possui, em sua composição, atores civis encarregados de prestar qualquer
tipo de alívio humanitário (UNITED NATIONS, 2009a). Fiel a essa premissa, antes
da eclosão da Guerra Civil de 2013, a UNMISS não realizava qualquer auxílio
humanitário, que era responsabilidade exclusiva das agências do UNCT. Apesar de
atuarem sob a mesma visão estratégica da liderança da operação de paz, dentro de
uma abordagem integrada, tais agências tinham seus próprios mandatos, cadeia
hierárquica, finanças e agendas (UNITED NATIONS, 2009b).
No Sudão do Sul, além do UNCT, estavam em campo, também, organizações
não-governamentais humanitárias. Cada uma delas tinha uma missão específica e
não possuía vínculos de subordinação com a UNMISS ou com o UNCT. Contudo,
seus trabalhos eram coordenados pela missão, para que houvesse sinergia nas
ações e se evitasse a duplicidade de esforços
20
.
Os atores humanitários, antes do início da crise, buscavam obedecer aos
princípios humanitários da independência e da neutralidade
21
(STAMNES, 2015).
Embora dividissem com a UNMISS o objetivo de melhorar as condições de vida
da população do Sudão do Sul, eles tinham total independência nos processos
estratégicos e de planejamento. Usavam a estratégia da coexistência, para que
trabalhassem em uma mesma área com o mínimo de interferência, mantendo
sempre distinção clara entre os objetivos humanitários, militares e políticos
(UNMISS, 2013b).
20 As principais agências humanitárias presentes no interior dos POC sites são: Organização Internacional para
Migração (IOM), Comitê Internacional de Resgate (IRC), Mentor Initiative, USAID, CARE, World Relief, Mercy Corps,
Concern, OXFAM, Acted, War Child, Hold The Child, International Medical Corps (IMC), Women Development
Group (WDG), Nonviolent Peaceforce, THESO, além de agências da UNCT, como a UNICEF, WFP e ACNUR. Elas
atuam em um ou mais dos seguintes setores ou clusters: gestão e coordenação de campos, abrigos, educação,
alimentação, emprego, limpeza, saúde, nutrição, proteção e proteção de crianças (REACH, 2015a; Id, 2015b;
Id, 2015c; Id, 2015d).
21 O princípio da independência consiste em não depender da infraestrutura político-militar de qualquer ator,
mesmo da ONU, para que os agentes realizem a promoção do alívio humanitário. Já o princípio da neutralidade
significa que a agência humanitária não tomará qualquer partido no conflito, nem se engajará, de qualquer
forma, em divergência de cunho político, racial, religioso ou ideológico (UNITED NATIONS, 2008).
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Havia, também, a preocupação com o respeito ao espaço humanitário, que é
o local no qual os atores humanitários desenvolvem suas atividades. Nessas áreas,
não deve haver qualquer ação de agentes que possam ser, de alguma forma, ligados
a uma das partes em conflito, incluindo-se aqueles que buscam traçar um acordo
de paz ou implementar o desenvolvimento nacional. No espaço humanitário há,
tão somente, assistência apolítica, baseada exclusivamente na resposta imparcial
às demandas levantadas, buscando salvar vidas, aliviar o sofrimento ou restaurar
a dignidade das pessoas afetadas pelo conflito (UNITED NATIONS, 2008).
A manutenção dessa distinção garantiria às agências humanitárias o acesso seguro
às zonas de conflito pois, ao prestar assistência a qualquer ator envolvido, essas
agências teriam sua legitimidade respeitada pelos contendores. Dessa maneira,
o trabalho das agências humanitárias, antes do início dos embates no Sudão
do Sul, focava no alívio humanitário à população, que tinha recém adquirido
sua independência. No entanto, a guerra civil mudou abruptamente a trajetória
desse auxílio e das atividades da UNMISS (INTERNATIONAL REFUGEE RIGHTS
INITIATIVE, 2015).
O grande aumento do número de sul-sudaneses, que buscavam refúgio nas
bases militares para se proteger dos massacres que ocorriam nas ruas dos principais
centros urbanos (TURNBULL, 2016), impactou diretamente na elevação da demanda
da UNMISS por espaço e recursos. Em cidades como Bentiu, no estado de Unity,
o número de IDP chegou a 120 mil (BRIGGS, 2017). Uma das consequências do
conflito foi a existência de aproximadamente 2 milhões de IDP e mais de 6 milhões
de pessoas com necessidade de ajuda humanitária, demandando urgentemente
fundos e recursos para o país (STODDARD; JILLANI, 2016).
Nos dias iniciais da guerra civil, várias agências humanitárias retiraram seu
efetivo do Sudão do Sul. A insegurança e a incerteza do ambiente reduziram
drasticamente o alívio humanitário, nos primeiros meses do conflito. Essa
diminuição ocorreu, em parte, pela baixa aceitação de risco das agências. As
condições de insegurança, aliadas à falta de infraestrutura logística, tornaram as
agências humanitárias mais dependentes da proteção da UNMISS (STODDARD;
JILLANI, 2016).
Segundo Sharland e Gorur (2015 ), a criação dos POC sites gerou ilhas
de segurança, no âmbito de uma violenta guerra civil, para que as agências
humanitárias pudessem executar seu trabalho. Elas precisaram, então, flexibilizar
seus princípios fundamentais de neutralidade e independência, ao dependerem
da segurança dos militares e policiais da UNMISS, para que pudessem prestar
182 A coordenação do trabalho da UNMISS e das agências humanitárias [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
seu apoio com o nível de segurança exigido. Portanto, os agentes humanitários
passaram a confinar seu trabalho, em grande parte, aos POC sites.
Porém, conforme o conflito evoluía, o afluxo de deslocados para o interior dos
campos de proteção crescia vertiginosamente. Em um mês, oito dos dez estados
do Sudão do Sul já estavam afetados. Conforme Turnbull (2016), estima-se que
nesse período houve 395 mil pessoas deslocadas, sendo 352 mil IDP e 43 mil
refugiados
22
. Grande parte desses deslocados buscou proteção no interior das bases
militares da UNMISS, nos principais centros urbanos do país como Juba, Wau,
Malakal, Bentiu e Bor (TURNBULL, 2016), ampliando fortemente a necessidade
de ajuda humanitária.
Tal cenário mostrou-se um grande desafio para as ONG e para o UNCT. O
aumento inesperado das demandas logísticas exigiu um grande aporte de recursos
e financiamentos, além da dependência da proteção prestada pela UNMISS. Tal
fato conduziu a um aprofundamento na cooperação e interdependência entre a
UNMISS e os humanitários.
As particularidades dos protection of civilian sites
Apesar de a criação dos POC sites ser um fato único na história da ONU, já
houve situações semelhantes e precedentes, dentro do próprio Sudão do Sul. De
acordo com o agente da UNMISS, Damian Lilly (apud ARENSEN, 2016, p. 16),
entre outubro de 2012 e novembro de 2013, mais de 12 mil civis buscaram
proteção nas bases da UNMISS, em várias partes do país, em 12 diferentes
ocasiões. Contudo, tais casos tiveram curta duração, permitindo que a UNMISS
e os agentes humanitários suprissem as demandas decorrentes. Todavia, tal fato
já evidenciava uma tendência da população sul-sudanesa em buscar refúgio no
interior das bases militares da UNMISS, quando se sentissem ameaçados. Prova
disso é que, antes mesmo da criação dos POC sites, a UNMISS já possuía um guia
procedimental sobre como lidar com civis que procurassem refúgio nas suas bases
chamado “Diretrizes sobre Civis que Buscam Proteção nas Bases da UNMISS”
(UNMISS, 2013b).
22 Refugiados são pessoas que tiveram de deixar ou permanecer fora do seu país ou cruzar uma fronteira reconhecida,
pelo fato de que sua vida e sua liberdade se encontravam ameaçadas em virtude de um conflito armado. Nesse
caso, os refugiados sul-sudaneses buscaram proteção nos países vizinhos (BRASIL, 2011).
183Joel Henrique Fonseca de Ávila; Luiz Rogério Franco Goldoni
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
O estabelecimento de áreas protegidas pela ONU já havia ocorrido cerca de 20
anos antes, no caso dos “safe heavens”, da Missão da ONU na Bósnia-Herzegovina,
nos anos 1990. Tais regiões protegidas envolviam toda uma localidade, com grandes
áreas planejadas, designadas para oferecer segurança aos civis (STAMNES, 2015).
Ou seja, não foram criadas dentro das instalações da Missão da ONU, como foi
o caso dos POC sites, mas em cidades preparadas previamente para proteger
seus habitantes. Assim, a cidade de Srebrenica, na Bósnia, tornou-se uma “área
segura” da ONU.
No entanto, apesar de a missão da ONU e dos membros do Estado bósnio
terem o mandato de impedir ataques por meio do uso da força, para proteger
essa “safe area”, a localidade de Srebrenica foi palco de uma carnificina em 1995.
Cerca de 8 mil bósnios muçulmanos foram mortos pelos servo-bósnios, durante
cinco dias, em um dos maiores genocídios da história recente da humanidade
(GILBERT;RÜSCH, 2017). Tal fato evidenciou inépcia da ONU em proteger civis
naquela época, tornando-se um dos principais motivos para a criação da estratégia
de Proteção de Civis por meio, inclusive, do uso da força, que teve influência no
formato de resposta gerado no Sudão do Sul, 20 anos depois.
Além de apresentarem conceitos diferentes em relação aos “safe heavens”,
os POC sites também não podem ser confundidos com os campos de deslocados
internos (IDP camps) convencionais (STAMNES, 2015). Conforme Briggs e
Monaghan (2017), a primeira diferença entre os dois reside no aspecto legal.
O status de inviolabilidade das instalações da ONU leva a concluir que todos
aqueles que procurarem refúgio em um POC site terão a proteção física garantida
e não poderão ser retirados pelo governo, ou por qualquer partido, sem o
consentimento da ONU. Em um campo de IDP comum, tal inviolabilidade não
é garantida pela ONU e, além disso, em seu interior não há qualquer proteção
fornecida por militares ou policiais.
Outra importante particularidade dos POC sites está na segurança interna,
garantia da lei e da ordem e outras funções estatais. Em um campo de IDP
comum, as funções administrativas e de justiça são normalmente exercidas pelas
autoridades locais. Já no caso dos POC sites, são exercidas pela própria ONU
(BRIGGS; MONAGHAN, 2017).
Diferença peculiar se encontra no controle da entrada dos IDP. Em um IDP
camp tradicional, não é comum haver limitações à entrada de qualquer um que
queira permanecer no campo. Já no caso dos POC sites, a própria UNMISS é quem
184 A coordenação do trabalho da UNMISS e das agências humanitárias [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
autoriza o acesso ao site, dependendo das condições (BRIGGS; MONAGHAN,
2017). Segundo a UNMISS (2014), nas localidades onde não houver conflitos
ou qualquer ameaça de violência física, não haverá novas admissões de IDP no
interior dos campos.
A quarta diferença reside na liberdade de movimento. Os campos de IDP
convencionais normalmente são instalados em áreas nas quais a população
deslocada se sente segura para se movimentar livremente. São comumente
localizados longe de cidades. Já os POC sites constituem-se em ilhas de segurança,
no interior de áreas hostis e conflagradas, próximas ou no interior de centros
urbanos, repletas de forças armadas do governo, que são percebidas como um
perigo pelos IDP (BRIGGS; MONAGHAN, 2017).
Os principais POC sites do Sudão do Sul são os de Bentiu, Juba, Wau, Malakal,
e Bor, que são, também, os principais centros urbanos do país. Em agosto de
2017, Bentiu possuía 114.683 IDP; Juba possuía 38.448, nos seus POC sites I e
III; Wau continha 32.596, somados os 169 abrigados no interior da base, com os
32.427 nas áreas adjacentes a ela; Malakal tinha 24.402; e Bor abrigava 1.940 IDP
(UNMISS, 2017). Tais números podem ser comparados à população de pequenas ou
médias cidades. E, como em qualquer cidade, os POC sites também necessitavam
de defesa e segurança, além de água, alimento, saúde, e saneamento básico.
Para sistematizar e amparar o funcionamento dos POC sites, a UNMISS criou
o documento “Orientação Adicional: Complemento às Diretrizes sobre Civis que
Buscam Proteção nas Bases da UNMISS” (UNMISS, 2013a). Tal documento, de
29 de dezembro de 2013, complementava as instruções do documento original
“Diretrizes sobre Civis que Buscam Proteção nas Bases da UNMISS” (UNMISS,
2013b), divulgado em abril do mesmo ano. O documento de abril determinava
que a admissão de civis dentro da base seria feita somente em situações extremas
e, preferencialmente, não mais que por 72 horas. Já a Orientação Adicional
tratou sobre a improbabilidade de cumprimento desse prazo fosse, devido ao
início da guerra civil, determinando que a UNMISS e os agentes humanitários
trabalhassem em conjunto para mitigar a possível crise humanitária que se instalaria
(UNMISS, 2013a).
185Joel Henrique Fonseca de Ávila; Luiz Rogério Franco Goldoni
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
Figura 1 – Número de IDP por POC site, de 14 a 27 de novembro de 2015
Fonte: INTERNATIONAL REFUGEE RIGHTS INITIATIVE, 2015, p. 8.
A cooperação e o trabalho coordenado entre UNMISS e agências
humanitárias
A coordenação entre humanitários e peacekeepers
A rápida escalada da crise nos POC sites forçou a UNMISS a responder, de
forma oportuna e eficaz, às demandas criadas, enquanto também requeria atores
humanitários para auxiliar no salvamento de vidas, dentro de suas bases militares,
combinação considerada improvável (ARENSEN, 2016). A situação caótica forçou,
portanto, ao aprofundamento da coordenação de organizações distintas, porém de
objetivos semelhantes e missões compatíveis (IDRIS; SOH, 2014), como a UNMISS
e as ONG que atuavam no Sudão do Sul.
Nos primeiros meses do conflito, as agências humanitárias haviam cessado suas
atividades quase que completamente. Somente poucas organizações continuaram
seus programas nas áreas diretamente afetadas, sendo que a maioria da comunidade
humanitária, por questões de segurança, estava confinada nos POC sites e em
suas áreas periféricas. Cabe ressaltar que, em 2014, apenas cerca de 10% da
186 A coordenação do trabalho da UNMISS e das agências humanitárias [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
população sob risco estava abrigada dentro dos POC sites; os outros 90% estavam
espalhados por diversas áreas do país, muitas delas tomadas por conflitos e com
acesso controlado pelos beligerantes, que cometiam graves abusos aos direitos
humanos (STODDARD; JILLANI, 2016).
Porém, como já se previa na Doutrina Capstone
23
(UNITED NATIONS, 2008),
quando há pouca ou nenhuma paz a ser mantida, a integração entre a missão de
manutenção da paz da ONU e as agências humanitárias pode criar dificuldades
para os humanitários. Isso ocorre, particularmente, caso fique clara sua ligação
com os objetivos políticos e de segurança da missão. No pior cenário, como o do
Sudão do Sul, a integração poderia pôr em risco a operação e a vida do pessoal
das agências empregado em campo, pois se uma das partes do conflito verificasse
a quebra dos princípios de neutralidade e independência, poderia atacar ou
restringir o acesso dos humanitários.
Assim, o cenário de guerra civil do Sudão do Sul acabou por limitar a
independência das agências humanitárias e restringir seu acesso a algumas áreas
que necessitavam de seu auxílio. A opção que a maior parte das ONG encontrou
foi a de se integrar de forma mais abrangente à UNMISS, mantendo suas atividades
confinadas preponderantemente dentro dos POC sites.
Inicialmente, os atores humanitários ficaram reticentes quanto à associação
mais direta com as forças militares da UNMISS, ao prestar ajuda dentro dos campos
de proteção. Entretanto, conforme as demandas por esse auxílio aumentavam,
em virtude do grande aumento do número de deslocados, diversos atores foram
compelidos a realizar seus trabalhos dentro das bases militares (STAMNES, 2015).
Segundo Arensen (2016), com exceção dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) e do
Comitê Internacional da Cruz Vermelha (ICRC), um grande número de agências
humanitárias demonstrou preferência por instalar bases no interior dos POC sites
da UNMISS, ao invés de buscar estabelecer as capacidades operacionais nas áreas
mais isoladas, onde as necessidades humanitárias eram bem maiores.
Aprofundou-se, assim, a cooperação entre humanitários e peacekeepers, dentro
dos POC sites. As atividades humanitárias eram coordenadas pelo Time Humanitário
23 A Doutrina Capstone foi criada para ser um guia para os peacekeepers compreenderem os princípios básicos e
os conceitos que norteiam as operações de paz da atualidade. Tem como objetivo fortalecer e profissionalizar o
planejamento, gerenciamento e condução de operações da paz, fruto das experiências adquiridas pela existência
da ONU, desde o fim da 2ª Guerra Mundial (UNITED NATIONS, 2008).
187Joel Henrique Fonseca de Ávila; Luiz Rogério Franco Goldoni
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
de Campo
24
e pelos clusters
25
, sob a liderança do Coordenador Humanitário e
com o apoio do Escritório para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA)
26
(UNMISS, 2014).
Foi instituído um cluster para gestão dos POC sites, com as responsabilidades
divididas entre peacekeepers e humanitários. Enquanto estes cuidavam da provisão
de auxílio humanitário, aqueles eram responsáveis pela segurança interna e
proteção externa dos campos (UN SECURITY COUNCIL, 2016). No entanto,
quando a situação se tornava muito perigosa para a atuação dos humanitários,
a UNMISS assumia algumas responsabilidades, como a distribuição de água e
comida, gerenciamento dos campos e construção de latrinas. Algumas instalações
de saúde da missão também prestaram cuidados médicos a um número substancial
de civis (STAMNES, 2015).
A cooperação e coordenação entre os mecanismos eram asseguradas pelo
cluster de gestão dos campos, por reuniões de coordenação diárias e pela ação do
Coordenador Humanitário. A UNMISS e seus parceiros humanitários estavam, dessa
forma, aprofundando o nível de cooperação em uma escala que poderia servir de
modelo para missões que encarassem desafios semelhantes (STAMNES, 2015).
A Logística Humanitária nos POC Sites
Em 24 de dezembro de 2013, o CSNU emitiu a Resolução 2132, que autorizou
o incremento de mais 5.500 militares e 423 policiais à UNIMISS, necessários para
garantir a segurança nos POC sites (UN SECURITY COUNCIL, 2013). Tal aumento
no efetivo pressionou os recursos disponíveis para garantir os requisitos logísticos
de equipamento, acomodação e suprimentos (ARENSEN, 2016). Além disso, ainda
havia 200.000 IDP espalhados pelas principais bases da UNMISS, que acabaram
exacerbando a pressão por recursos (UN SECURITY COUNCIL, 2014).
Houve, portanto, um enorme aumento no número de pessoas dentro das bases
da UNMISS. Além dos peacekeepers e IDP, havia, também, o aumento do efetivo
24 Humanitarian Country Team. Eram as agências do UNCT que atuavam no Sudão do Sul.
25 Cluster: são grupos de trabalho de todas as agências humanitárias, incluindo as do UNCT, governamentais e
não governamentais, que trabalham em um setor particular. Pode haver clusters de educação, saúde, proteção,
telecomunicações, água e saneamento básico, dentre outros (UNITED NATIONS, 2009b).
26 UN Office for Coordination of Humanitarian Affairs. Apoia o Coordenador Humanitário e pode incluir Oficiais
de Coordenação Civil-Militar das Nações Unidas, para reforçar as relações entre a comunidade humanitária e
o componente militar da missão de paz (UNITED NATIONS, 2009b).
188 A coordenação do trabalho da UNMISS e das agências humanitárias [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
de humanitários, necessitando-se, assim, coordenar a divisão de espaço e tarefas
de várias agências, dentro de uma área bem restrita (SHARLAND; GORUR, 2015).
As condições de espaço nos POC sites eram muito precárias. Segundo Briggs
e Monaghan (2017), existem padrões mínimos para um campo de deslocados
internos: espaço mínimo de 30 m
2
por pessoa, uma latrina para cada 20 pessoas
e um suprimento diário de água de 15 litros por pessoa. No entanto, alguns POC
sites da UNMISS, nos seus primeiros anos, estavam ofertando, em média, um
espaço de somente 4 m
2
por pessoa (ARENSEN, 2016). Ressalta-se que a presença
de humanitários e peacekeepers impacta no cálculo de latrinas e consumo de água,
por exemplo. Em outras palavras, além da logística para atender aos vulneráveis, a
ajuda humanitária requer sua própria logística para manter seu pessoal deslocado
no teatro de operações (HEASLIP; SHARIF; ALTHONAYAN, 2012; IDRIS; SOH,
2014; MAKEPEACE; TATHAM; WU, 2017).
Além da restrição de espaço e escassez de recursos, outro efeito complicador
era o clima. A falta de planejamento e infraestrutura dos POC sites acabava por
deixar os IDP nas partes inundáveis das bases. As fortes chuvas, que ocorriam
principalmente no verão, transformavam os POC sites em grandes lamaçais.
Segundo Arensen (2016), durante cerca de dois terços do ano, áreas destinadas à
população desalojada sofriam inundações. Tal fato contribuía para o aumento de
surtos de cólera e de outras doenças causadas pela falta de saneamento básico.
A solução para tal problema foi atender IDP em hospitais da UNMISS, além
de construir POC sites planejados e em áreas elevadas, com melhor drenagem
(STAMNES, 2015).
No tocante à situação logística das agências humanitárias, muitas delas
acabaram por restringir seu apoio somente ao interior dos POC sites. Isso ocorreu
porque, mesmo antes da crise, era muito difícil estabelecer a presença humanitária
no Sudão do Sul, pois as condições precárias do país demandavam um grande
investimento logístico e financeiro para garantir necessidades fundamentais para
os humanitários, como acomodação, água, comida, veículos e rotas de evacuação.
Portanto, a realidade da infraestrutura, aliada à segurança precária, criaram baixo
nível de confiança para operar em campo. Dessa maneira, somente as grandes
agências humanitárias, como os Médicos Sem Fronteiras e o Comitê Internacional
da Cruz Vermelha, que possuem fundos independentes, mecanismos de segurança
interna robustos ou grandes modelos de distribuição de suprimentos, estavam
preparadas para agir fora dos POC sites. Todas as outras não possuíam recursos
suficientes para a construção de novas bases (STODDARD; JILLANI, 2016).
189Joel Henrique Fonseca de Ávila; Luiz Rogério Franco Goldoni
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
Além disso, as condições dos transportes no Sudão do Sul eram muito
precárias. O país contava com poucas redes de estradas, todas em péssimo estado,
intransitáveis na época das chuvas (UN SECURITY COUNCIL, 2016). Quanto ao
modal fluvial, os comboios de balsas que navegavam pelo rio Nilo costumavam
atrasar por semanas. Os suprimentos ficavam acumulados, competindo por espaços
nos comboios terrestres ou nas balsas (UN SECURITY COUNCIL, 2016).
Nessas condições, a UNMISS e as agências humanitárias dependiam muito do
transporte aéreo, aumentando drasticamente os custos operacionais e limitando
o movimento de suprimentos
27
. Essa dependência ocorria não só pelas condições
das estradas e dos rios, mas também por questões de segurança: mesmo quando as
estradas estavam transitáveis, havia restrição de movimento em grande parte dos
trechos, devido a existência de minas terrestres ou milícias armadas (STODDARD;
JILLANI, 2016). Quanto ao transporte fluvial, havia o risco de saques de piratas
que assaltavam embarcações no rio Nilo, além do ataque de tropas armadas, como
o executado por militares rebeldes à balsa de suprimentos da UNMISS, que se
deslocava de Juba para Malakal, em 2014 (ARENSEN, 2016).
A logística humanitária no Sudão do Sul foi um grande desafio. A dificuldade
de acesso a várias localidades limitou o auxílio humanitário, na sua maior parte, ao
interior dos POC sites. De acordo com o Plano de Resposta Humanitária do Sudão
do Sul (apud STODDARD; JILLANI, 2016), as principais necessidades consistiam
no fornecimento de alimentos, seguido pelos serviços de saúde, saneamento
básico e proteção física dos civis afetados pelo conflito. Tais necessidades foram
um grande fator de pressão para o trabalho conjunto da UNMISS e das agências
humanitárias, gerando, muitas vezes, divergências no modo de solucioná-las.
As divergências entre humanitários e peacekeepers
As principais divergências existentes entre humanitários e peacekeepers
se relacionavam à dinâmica de funcionamento dos campos. Ou seja, questões
sobre como e quando a missão deveria aceitar novos civis na área de proteção,
quando e como os campos deveriam ser criados ou fechados e, principalmente,
qual o mínimo de condições de conforto que a missão deveria fornecer aos civis
(SHARLAND; GORUR, 2015).
27 Conforme Davids, Beeres e Fenema (2013), a utilização do transporte aéreo deve ser restringida ao envio de
insumos com elevada relação peso/volume X custo. Assim, justifica-se, por exemplo, a utilização desse modal
para a expedição de medicamentos e vacinas, enquanto que alimentos, água e roupas, quando possível, devem
ser transportados por outras vias.
190 A coordenação do trabalho da UNMISS e das agências humanitárias [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
O trabalho conjunto gerou diversos atritos. A maioria dos funcionários da
UNMISS não tinha experiência humanitária e a coordenação inicial foi muitas
vezes antagônica. De acordo com os humanitários, a estrutura hierárquica militar
da missão e seu sistema burocrático limitavam o processo decisório dos assuntos
humanitários, que deveria ser rápido e oportuno. Havia falta de entendimento entre
a maioria dos indivíduos sobre como o outro sistema funcionava, com crescentes
frustrações e ineficiência (ARENSEN, 2016).
Outra divergência foi sobre a realocação de IDP para novos campos, para que
se alcançassem os padrões mínimos de fornecimento de água, saneamento básico
e abrigos. Para os humanitários, as ações tomadas pela UNMISS foram muito
lentas, produzindo um severo impacto nas condições de saúde dos residentes dos
campos (MEDECINS SANS FRONTIERES, 2016). Além disso, a missão, por muitas
vezes, conduzia a realocação sem obter o consentimento dos IDP (SHARLAND;
GORUR, 2015), contrariando o que os humanitários pregavam.
Muitas ONG tinham a percepção de que o fechamento dos campos era de
alta prioridade para a missão. Enquanto os humanitários desejavam criar uma
infraestrutura de apoio e recreação mais permanente nos POC sites, a UNMISS
buscava manter os campos em condições tais que permitissem fornecer somente
o mínimo necessário à sobrevivência dos deslocados. A missão evitava tornar os
campos um fator de atração cada vez maior para os IDP, pois isso pressionaria a
necessidade de recursos. Os humanitários, ao contrário, buscavam prover-lhes o
máximo de conforto, nas melhores condições possíveis (ARENSEN, 2016). Enquanto
a UNMISS priorizava o emprego de materiais de menor durabilidade e preço mais
baixo, raciocinando que os POC sites logo deixariam de existir, os humanitários
planejavam o emprego de materiais de melhor qualidade e resistência, pois tinham
a premissa de que os campos ainda iriam existir por muito tempo (SHARLAND;
GORUR, 2015). Tal divergência gerava atritos entre as diferentes lideranças.
Dessa forma, a convergência de esforços dessas duas estruturas de trabalho
completamente distintas gerou inúmeros desafios na cooperação, pois as formas
de abordagem dos problemas, assim como os conceitos e princípios, eram, muitas
vezes, antagônicos. Cabia, portanto, aos coordenadores dessas duas estruturas
identificarem qual tipo de abordagem seria a mais adequada para cada problema.
Assim, a despeito das divergências de ideias, a cooperação levou ao aumento
do conhecimento mútuo entre peacekeepers e humanitários, favorecendo a
ampliação da experiência de trabalho conjunto, no transcorrer de uma grande
crise humanitária.
191Joel Henrique Fonseca de Ávila; Luiz Rogério Franco Goldoni
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
Conclusões
A UNMISS e as agências humanitárias são os atores que assumiram a
responsabilidade de proteção de civis na crise humana do Sudão do Sul.
A responsabilidade da UNMISS é prover a proteção física, enquanto a dos
humanitários é fornecer serviços de alívio para as condições extremas dos civis.
A necessidade de colaboração foi vital. Peacekeepers e humanitários buscaram
articular seus papéis e responsabilidades, engajando-se sempre em discussões
cooperativas e na avaliação de desempenho. As enormes demandas logísticas dos
POC sites precisaram ser supridas por meio de um ambiente de trabalho sinérgico,
no qual se buscou o aprendizado e melhoria constantes.
Apesar das diversas diferenças de métodos e procedimentos para a solução
de problemas entre peacekeepers e humanitários, avançou-se na maneira de
prover segurança humana em um ambiente complexo de conflito intra-estatal.
A liderança da missão buscou cooperar com os humanitários, além de coordenar
as ações que deveriam ser realizadas. As divergências foram muitas, mas, mesmo
no âmbito de múltiplas agências, houve sinergia de propósitos, com a consequente
melhoria da situação dos campos de proteção de civis. Por conta do esforço
conjunto, houve melhor planejamento e construção da infraestrutura dos POC
sites, para dar condições mais dignas aos IDP. Campos como o de Juba e Malakal
foram realocados para áreas com melhor drenagem, infraestrutura mais planejada,
buscando atingir o sphere standard humanitário.
Dessa forma, consolidou-se o papel complementar entre a UNMISS e as agências
humanitárias. A missão, tradicionalmente planejada para prover um ambiente
seguro para a assistência humanitária, passou a promover o monitoramento dos
Direitos Humanos (UNMISS, 2014). Já as agências, usufruindo dessa proteção,
passaram a ter liberdade de executar suas ações.
No caso do Sudão do Sul, ficou evidente que o alívio humanitário chega
preponderantemente até onde se alcança a segurança propiciada por uma operação
de manutenção da paz. Enquanto os POC sites se tornaram uma concentração de
agências humanitárias, áreas mais afastadas, nas quais não havia presença de
tropas da UNMISS, permaneceram sem o auxílio humanitário.
Tais fatos permitem concluir que os princípios humanitários de neutralidade e
independência devem ser revistos, em contextos de atuação conjunta com operações
de paz multidimensionais. Afinal, seria realmente prejudicial que agências
humanitárias atuassem sob a segurança de tropas das Nações Unidas? O caso do
192 A coordenação do trabalho da UNMISS e das agências humanitárias [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
Sudão do Sul evidenciou que tropas militares não retiraram a independência e
neutralidade das agências, nem colocaram em risco a legitimidade de suas ações.
Apenas mostrou que, em certas situações, como em violentos conflitos armados,
tal proteção é necessária para que as vidas dos humanitários não estejam expostas
a um risco inaceitável.
Crises como a guerra civil sul-sudanesa possuem problemas inéditos.
Cabe àqueles que se propõem a mitigá-las unir esforços e buscar um diálogo
compreensivo, para alcançar soluções multifocais para os desafios, com ações
rápidas que considerem o maior número possível de fatores. Assim, vidas
humanas serão salvas. E salvar vidas é o que UNMISS e agências humanitárias
mais possuem em comum. Essa é a missão primordial, tanto de humanitários
quanto de peacekeepers.
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