176 A coordenação do trabalho da UNMISS e das agências humanitárias [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 2, 2019, p. 172-195
outras regiões do país, principalmente a Nordeste, predominantemente Nuer, onde
o exército rebelde se posicionou (STAMNES, 2015).
Nesse contexto, a população Nuer, residente em Juba, em massa buscou
proteção dentro das bases da UNMISS, obrigando os peacekeepers a abrirem
os portões para alojá-los. Tal exemplo seguiu-se em outras cidades: Bor,
Bentiu e Malakal. Em uma semana, 35.000 deslocados estavam abrigados nos
recém-criados POC Sites, demandando segurança sanitária, alimentar e física
(BRIGGS; MONAGHAN, 2017).
A violência cometida por militares, tanto do governo como do exército rebelde,
contra a população civil, levou o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)
a suspender o mandato da UNMISS, de Construção de Capacidades
11
, contido
na Resolução 1996 do CSNU, vigente no país desde sua independência, em 9 de
julho de 2011, e o substituísse por outro, focado na proteção de civis. Tal medida
tinha a finalidade de afastar a percepção de que a UNMISS estaria auxiliando um
governo que cometia atos de violência contra sua própria população e que, além
disso, ainda era uma das partes do conflito (SHARLAND; GORUR, 2015). Com
isso, a UNMISS continuaria a obedecer a um dos princípios básicos das missões
de manutenção da paz da ONU
12
, a imparcialidade
13
(UNITED NATIONS, 2008).
Dessa forma, o CSNU emitiu a Resolução 2155, em maio de 2014, instituindo
o mandato de Proteção de Civis para a UNMISS. Além da prioridade na segurança
da população não combatente, o Mandato determinava o monitoramento dos
direitos humanos, a criação de condições para o acesso de ajuda humanitária e
11 O Mandato de Construção de Capacidades, corroborado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas
(INTERNATIONAL REFUGEE RIGHTS INITIATIVE, 2015), consiste em apoiar um Estado na consolidação da
paz e segurança, estabelecimento de condições para desenvolvimento, governança eficiente e democrática e
estabelecimento de boas relações regionais (STAMNES, 2015).
12 Há diferentes tipos de missão que podem ser conduzidas pela ONU: i) prevenção de conflitos (conflict prevention),
que “envolve a aplicação de medidas estruturais ou diplomáticas para evitar que tensões e disputas intra-estatais
ou interestatais evoluam para um conflito violento” (UNITED NATIONS, 2008, p. 17, tradução nossa); ii) processo
de pacificação (peacemaking), busca resolver conflitos em andamento e envolve ações diplomáticas para realizar
um acordo negociado entre as partes hostis; iii) imposição da paz (peace enforcement), que envolve a aplicação,
com a autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de uma série de medidas coercitivas (incluindo
o emprego de força militar) objetivando a restauração da paz e da segurança internacionais;iv) construção da
paz (peacebuilding), processo complexo e de longo prazo; as medidas de consolidação da paz procuram reforçar
a capacidade do Estado para exercer eficaz e legitimamente suas funções essenciais e, v) manutenção da paz
(peacekeeping), que é designada para manter a paz, mesmo que frágil, em um local onde houve uma cessação
de hostilidades e as partes em conflito buscam implementar acordos (UNITED NATIONS, 2008, p. 18).
13 Apesar de as missões de manutenção da paz da ONU terem evoluído nas últimas seis décadas, há três princípios
básicos que se mantêm imutáveis, como ferramentas para o processo de paz e segurança internacionais: o
consenso das partes do conflito; a imparcialidade, e o não uso da força, exceto em legítima defesa ou defesa
do mandato. Para maiores informações, ler: (UNITED NATIONS, 2008).