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Marcos Costa Lima; Deisiane Valdevino; Pedro Fonseca
A geopolítica asiática e seus desdobramentos
globais: a Organização para Cooperação de Xangai
Asian geopolitics and its global developments:
the Shanghai Cooperation Organization
DOI: 10.21530/ci.v14n2.2019.911
Marcos Costa Lima
1
Deisiane Valdevino
2
Pedro Fonseca
3
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar a Organização para a Cooperação de Shangai (SCO), sua
história e evolução. Além de analisar as questões relativas ao alargamento da Organização,
e com base na contribuição teórica de Susan Strange, a partir de suas estruturas de poder,
busca-se avaliar, em particular, os papéis preponderantes exercidos pela China e pela Rússia
nessa Organização. A hipótese defendida é que a SCO é parte de um leque de ações que a
China vem realizando para consolidar sua liderança na Ásia. A SCO é fruto de um acordo
estabelecido em 1996, quando Cazaquistão, China, Quirquistão, Rússia e Tajiquistão fundaram
os Cinco de Shangai, e foi criada em 2001, com a entrada do Uzbequistão, agregando, em
2017, a Índia e o Paquistão. A princípio, e primordialmente, a Organização tinha por foco
questões de segurança, visando o que chamavam de “três males”: terrorismo, separatismo e
extremismo. Atualmente, a Organização ampliou suas preocupações para questões econômicas
e de infraestrutura. Finalmente, o artigo discute a relação entre a SCO e o projeto One Belt
One Road, que insinua a projeção chinesa na região da Eurásia.
Palavras-Chave: Organização para Cooperação de Xangai; Regionalismo; China; Rússia;
Ásia Central.
1 Professor do Departamento de Ciência Política da UFPE e atualmente coordena o Instituto de Estudos da Ásia – UFPE.
2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política – UFPE e pesquisadora associada ao Instituto
de Estudos da Ásia – UFPE.
3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política – UFPE e pesquisador associado ao Instituto de
Estudos da Ásia – UFPE.
Artigo submetido em 14/03/2019 e aprovado em 15/05/2019.
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A geopolítica asiática e seus desdobramentos globais: a Organização para Cooperação de Xangai
Abstract
This article aims to present the Shanghai Cooperation Organization (SCO), its history and
evolution. In addition to examining the issues surrounding the enlargement of the Organization
and based on the theoretical contribution of Susan Strange and her structures of power, to
assess the preponderant roles played by China and Russia. The hypothesis put forward is that
SCO is part of a range of actions that China has been developing to consolidate its leadership
in Asia. The result of an agreement established in 1996 when Kazakhstan, China, Kyrgyzstan,
Russia and Tajikistan founded the Shanghai Five, to be created in 2001 with the entrance of
Uzbekistan. In 2017, they enter India and Pakistan. At first and foremost, the Organization
focused on security issues, targeting what they called “three evils”: terrorism, separatism
and extremism. Today the Organization has expanded to economic and infrastructure issues.
Finally, we discuss the relationship between SCO and the One Belt One Road project, which
implies Chinese projection in the Eurasian region.
Keywords: Shanghai Cooperation Organization (SCO); Regionalism; China; Russia;
Central Asia.
History is the way of thinking critically about the present and the future”.
Robert Cox (2010)
Introdução
Entre os dias 9 e 10 de julho de 2018, foi realizada em Qingdao, na China, a
18º Cúpula da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX/SCO). A reunião
chamou a atenção não apenas pela presença dos principais líderes da região, que
vêm tendo cada vez mais peso nas decisões globais, como Xi Jinping e Vladimir
Putin, mas, também, pelo fato de que, no Canadá, ocorria a reunião do G7. Esta
última demonstrou falta de sintonia entre os seus membros, com a retirada de
apoio do Presidente norte-americano à declaração do grupo (CARAZZAI, 2018),
enquanto na cúpula dos países asiáticos se observou comportamento mais
integrado, proativo e com resultados consistentes.
A Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), em inglês, também
identificada como Shanghai Organization Cooperation (SCO), criada, a princípio,
para a resolução de conflitos de fronteiras entre China e países da Ásia Central, vem
apresentando uma dinâmica que vai além dos objetivos que foram apresentados
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inicialmente. A Organização tem ampliado seu escopo de atuação, antes na área
de segurança, para questões relacionadas ao comércio, infraestrutura e cultura.
Além disso, aumentou sua lista de membros para fora dos contornos da Ásia
Central, incluindo outros importantes atores regionais, como Paquistão e Índia.
Assim, contando com oito países membros, a Organização para a Cooperação de
Xangai abrange 80% da massa de terra da Eurásia, seus países membros reúnem
43% da população mundial e 1/4 do PIB mundial. A partir desses números, no
que tange à cobertura geográfica e populacional, a SCO é a maior organização
regional do mundo (IISS, 2018).
Na edição de junho da The Diplomat Magazine, Alexander Cooley (2018)
escreveu:
A organização, apesar de seu foco principalmente regional na Ásia Central,
é muitas vezes referida como a organização multilateral mais populosa do
mundo, pioneira no surgimento de arenas não-ocidentais para a governança
global e até mesmo um novo paradigma das relações internacionais. No
entanto, muitas das iniciativas de alto nível da organização continuam
sendo por demais ambiciosas e não realizadas – especialmente na área de
cooperação econômica e energética.
Apesar dessas considerações, as leituras que temos feito não correspondem
às análises de Cooley (2018), pelo que detalharemos a seguir.
A partir desse contexto, dada a crescente importância da região asiática na
conjuntura global, este artigo tem como objetivo identifica como a Organização para
Cooperação de Xangai (SCO) se insere na geopolítica asiática. A hipótese defendida
é de que a SCO faz parte de um leque de ações que a China vem realizando para
consolidar sua liderança na eurásia. Para isso, Pequim busca aliar seu ambicioso
projeto de infraestrutura, a Rota da Seda, com a SCO e, paralelamente, com outros
projetos regionais de infraestrutura.
O artigo está estruturado da seguinte maneira: além desta introdução, a
segunda parte apresenta o referencial teórico. A terceira parte traz o histórico e
a estrutura organizacional da Organização para a Cooperação de Xangai, na qual
se descreve a gênese e os avanços da instituição. Em seguida, a quarta parte é
destinada à apresentação da relação sino-russa, os principais motores da SCO e
o palco geopolítico asiático em que a SCO se insere. Por fim, as conclusões, onde
apresentamos alguns achados e possíveis agendas de pesquisa.
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A geopolítica asiática e seus desdobramentos globais: a Organização para Cooperação de Xangai
Referencial teórico
A primeira questão que podemos aqui levantar é, por que interessou à China
partir para uma aliança, a princípio com a Rússia e os demais países da Ásia
central, e construir um Bloco Regional? Uma parte da resposta está contida no
extraordinário protagonismo que a China veio a ter, não apenas em sua economia,
mas nas radicais transformações em aspectos relacionados à saúde de sua gente:
a expectativa de vida, que, em 1950, era de 42,2 anos para os homens, alcançou
66,4 anos em 1982 (DUNFORD, 2015); a baixa escolaridade e a pobreza, que atingia
84% da população em 1981 e passou para 13,1%, em 2008 (COSTA LIMA, 2015).
Outra parte da resposta se encontra nos ambiciosos projetos lançados, a exemplo
da Comunidade China-ASEAN, do novo Banco de Investimentos em Infraestrutura,
a nova Rota da Seda terrestre e, certamente, a criação da Organização para
Cooperação de Xangai (SCO), que ora analisamos. Para Dunford (2015), a China
reemerge como um ator global, desenvolve ativamente novas redes de relações
internacionais e se afirma como um país que, doravante, tem que ser consultado
e que constrói um mundo multipolar com outras sinalizações.
Quadro 1 – Estruturas de Poder
Estruturas de Poder Definição
Estrutura do Conhecimento Poder de influenciar as ideias dos outros.
Estrutura Financeira
Acesso a crédito, que hoje toma a liderança do capitalismo,
a partir das Grandes corporações.
Estrutura de Segurança
Perspectivas de defesa interna e externa, hoje associada às
inovações tecnológicas.
Estrutura de Produção
Melhor qualidade de vida para produtores e consumidores,
produção de riqueza.
Fonte: Elaboração própria com base em Strange (1998).
Muito embora Strange (1998) reforce a ideia cartesiana de estruturas de poder
diferenciadas, evidentemente essas quatro estruturas não funcionam de forma
isolada, mas conformam uma totalidade na qual as partes se articulam intensamente.
Aplicando o modelo de Strange para o caso da China, que aqui estudamos,
percebe-se que o país partiu de um Estado centralizado nas mãos do Partido
Comunista, que definiu, em primeiro lugar, as estruturas da produção (Quadro 1),
com a China se transformando na fábrica mundial, para só em seguida caminhar
na direção da estrutura do conhecimento (centros de pesquisa e universidades).
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Ao mesmo tempo, partiu para a estrutura de segurança, que recebe a contribuição
do conhecimento e, finalmente, uma aceleração da estrutura financeira, ainda
controlada pelo Estado. Parece-nos que a SCO é mais uma peça importante na
engrenagem do projeto chinês de hegemonia global.
Como está dito em Costa Lima (2018), nós ainda vivemos o impacto da crise
de 2008, com fortes repercussões em escala global, que tem gerado aumento das
desigualdades sociais e aceleração das políticas neoliberais, sobretudo no Ocidente.
Uma segunda mudança de envergadura é representada pela ascensão chinesa.
E hoje, são constantes as dúvidas sobre se o retorno à normalidade mudará as
expectativas da China de caminhar para um projeto de disputa hegemônica com
os EUA (ARRIGHI, 2008). Como Tsang e Honghua (2016) afirmaram:
A década de liderança de Xi Jinping de 2012 a 2022, vai ser crucial, pois ele
está determinado a liderar a China em direção ao rejuvenescimento nacional,
numa época em que sustentar uma taxa rápida de crescimento está se tornando
cada vez mais desafiador. Xi pretende transformar a retórica do Sonho Chinês
(Chinese Dream) em realidade. O que significa converter a China em uma
sociedade moderadamente próspera, acompanhando o novo contexto global
de mudanças rápidas e preparando o país para se transformar de um poder
regional em uma superpotência, ou pelo menos em um poder global.
Assim, a China desenvolveu uma influência capaz de permitir a estabilidade,
numa região com vários players, que historicamente possuíam/possuem diferenças.
Desse modo, aliando com outros projetos, como o OBOR (One Belt, One Road),
pressupõe-se que a China tem buscado mecanismos para estabilizar seu entorno.
Já Índia e Paquistão mesmo não estando localizados na Ásia Central, representam
um hot spot na região. Primeiro, por serem países com conflitos fronteiriços e, por
parte da Índia, haver uma disputa com a China, tanto fronteiriça, quanto hegemônica.
Enquanto a Rússia tem a Ásia Central como zona de influência histórica.
A Organização para a Cooperação de Xangai (SCO): Histórico e
estrutura organizacional
Histórico
A Shanghai Cooperation Organization (SCO) é uma organização intergover-
namental internacional fundada em 15 de julho de 2001, integrada por Cazaquistão,
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A geopolítica asiática e seus desdobramentos globais: a Organização para Cooperação de Xangai
China, Quirquistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão. O quinto Estado da Ásia
Central, o Turcomenistão, resolveu não aderir à nova política e permanecer neutro,
devido a uma política de “neutralidade permanente”, aprovada pela ONU em
Assembleia Geral em 1995 (ZAFAR, 2017).
Atualmente a SCO conta, além dos países membros iniciais, com Índia
e Paquistão, efetivados como membros permanentes em Astana, capital do
Cazaquistão, na 17
a
Cúpula da Organização, em 2017. Foi um avanço decisivo
para o desenvolvimento do bloco para o Sul da Ásia, uma vez que os dois países
mais populosos da região se juntaram àqueles da Ásia Central.
Foi também em Astana que, em 2005, os dois países mais o Irã passaram a
assistir as reuniões como observadores. Essa adesão plena deu maior conteúdo
à Organização, representando o fortalecimento da SCO em termos geopolíticos,
econômicos e demográficos. Como assinalou Zafar (2017), a organização se estende,
a partir daí, do Oceano Índico à região do Ártico e do Oceano Pacífico ao Mar Negro.
Cabe destacar que a participação do Irã é geopoliticamente interessante,
tendo em vista que o país persa possui sérias animosidades com os EUA. Teerã,
dentre outros pontos, tem o desejo de operar um programa nuclear. Desse modo,
uma relação mais próxima entre China, Rússia e Irã em uma instituição regional
multilateral poderia vir a ser um grande transtorno para os EUA e para a sua
estratégia política na região da Eurasiática.
Além dos oito membros efetivos, a SCO conta com quatro países com status de
observadores: Afeganistão, Bielorrússia, Irã e Mongólia. E seis países com o status
de parceiros: Azerbaijão, Armênia, Camboja, Nepal, Turquia e Sri Lanka (Figura 1).
Figura 1 – Países membros, observadores e parceiros da SCO
Fonte: Center for Security Studies (2018).
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É válido pontuar que, apesar da SCO ter sido fundada em 2001, seu processo
de formação remete a 1996 quando Cazaquistão, China, Quirquistão, Rússia e
Tajiquistão fundaram os Cinco de Xangai para buscar a resolução de questões
fronteiriças.
4
As diferenças entre a China e esses outros países advêm da época da União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que, em meados da década de 1980,
tinham sido parcialmente resolvidas. No entanto, com a dissolução da União
Soviética e o surgimento de novos Estados nacionais, voltaram ao debate.
Ao todo ocorreram cinco reuniões da cúpula da Organização, em que os
acordos firmados ajudaram a evitar potenciais conflitos ao longo das fronteiras entre
os países (QUINGGUO, 2001). De modo geral, cada reunião teve sua importância
na construção de um ambiente mais harmonioso entre as nações, mas, segundo
Quigguo (2001), a 3
a
Cúpula, realizada em 3 de julho de 1998 em Almaty, no
Cazaquistão, representou dois aspectos importantes. O primeiro é relativo à
ampliação do escopo da organização para áreas como a promoção da cooperação
econômica; o segundo, é relativo a quanto a discussão entre os cinco estados se
tornou verdadeiramente multilateral, diferentemente das situações anteriores em
que a China conduzia de um lado e os outros quatro países do outro.
É a partir da entrada de um novo membro, o Uzbequistão, em 2001, que os
Cinco de Xangai tornam-se a Organização para a Cooperação de Xangai. Como
estabelecido em seu estatuto, a organização funciona como um fórum para
fortalecer a confiança e as relações de vizinhança entre os países membros, além
de promover a cooperação nas áreas política, comercial, econômica, científica,
técnica, energética, ambiental, cultural e educativa. Destaca-se a pobreza como
um dos temas fortes e relevantes entre os países membros e potencialmente
geradora de instabilidade na Ásia Central. Assim, com a reunião de Cúpula em
Moscou 2003, a SCO expandiu sua área de atuação para incorporar o comércio,
o investimento e a infraestrutura para o desenvolvimento.
4 A questão das fronteiras entre a China e esses países advém desde a época da União Soviética, tendo em vista que
Cazaquistão, Quirquistão, Rússia e Tajiquistão fizeram parte a União da Repúblicas Socialista Soviéticas (URSS).
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A geopolítica asiática e seus desdobramentos globais: a Organização para Cooperação de Xangai
Estrutura organizacional da SCO
Além dessas duas sedes, a SCO é composta também pelo Conselho de Chefes
de Estado, sendo este o órgão máximo da Organização (Figura 2). O órgão se
reúne uma vez por ano e adota decisões e diretrizes sobre todos os assuntos
importantes da Organização. Outro importante órgão é o Conselho de Chefes de
Governo, que busca debater, dentre outras questões, estratégias de cooperação
multilateral e áreas prioritárias da SCO.
Além das reuniões dos conselhos de Estado e Governo, há também reuniões
em diversos níveis dos governos como dos chefes de Parlamento; secretários dos
Conselhos de Segurança; Ministros das Relações Exteriores, da Defesa, da Ajuda
de Emergência, da Economia, Transporte, Cultura, Educação e Saúde; chefes de
agências de aplicação da lei e tribunais supremos e de arbitragem.
Figura 2 – Organograma da SCO
Fonte: Elaboração própria com base nos dados de Aris (2013).
Foi na 6
a
Cúpula do Conselho dos Chefes de Estado, realizada em 2006, que
os chefes de Estado indicaram a existência de uma base legal e uma estrutura
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Marcos Costa Lima; Deisiane Valdevino; Pedro Fonseca
organizacional para a realização da cooperação econômica. O produto desta reunião
de Cúpula foi a de avaliar e consolidar a estrutura e as realizações da SCO, além de
lançar a SCO Business Council para incentivar investimentos privados nos Estados
membros. Foi acordado, além disso, o estabelecimento do Conselho Empresarial
e a Associação Interbancária, que incrementaria grandemente o desenvolvimento
da cooperação econômica da Organização.
Outro importante ponto foi a criação de um fundo de crédito de US$ 900
milhões encabeçado pela China, o que evidenciou não apenas a liderança desse
país, mas também o espírito de expandir a cooperação regional. Todos os Estados
membros concordaram em dar prioridade à cooperação nos campos de energia,
tecnologia da informação e transporte, que entraram na fase de execução de
projetos-piloto e com um significado especial para o aprofundamento da cooperação
econômica no âmbito da estrutura da SCO.
Os chefes de Estado presentes assinalaram sua satisfação com a iniciativa,
endossada pelo Conselho de Chefes de Estado, tomada em Tashkent, em 2004,
de estabelecer relações cooperativas entre organizações na Asia Pacífico. Eles
saudaram a assinatura de acordos entre a SCO e a Associação das Nações do
Sudeste da Ásia (ASEAN); a Comunidade dos Estados Independentes (CIS) e a
Comunidade Econômica da Eurásia (EURASEC). Além de reiterarem que a SCO
estava pronta para formalizar novos acordos com organizações Internacionais e
instituições financeiras baseadas na igualdade e respeito mútuo.
A Organização para a Cooperação de Shangai (SCO) tem ampliando seu
escopo de atuação, transformando-se de uma organização exclusivamente dedicada
a segurança, para uma organização multifacetada. Esse maior relacionamento
entre os países membros resulta em aprofundamento das relações entre eles,
desenvolvendo laços de confiança, permitindo que a resolução de questões não
necessite de um ator externo.
Conforme Chung (2006), o processo de Institucionalização é importante
para o estudo de uma organização multilateral regional como a SCO por diversos
motivos: seja porque fornece um ponto de partida a partir do qual se pode examinar
questões e processos de políticas; por ajudar a identificar os papéis, interesses
e normas dos atores envolvidos, auxiliar na compreensão de como esses atores,
juntos, determinarão a forma e a velocidade da integração regional, e permitir
especular sobre o futuro da instituição. Poderíamos ainda mencionar que um
processo dessa natureza também interfere nos Estados ao largo do Bloco, tanto os
mais próximos quanto os mais distantes. Chung (2006) também pontua que, após
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quinze anos, a preocupação central destes países foi mudando progressivamente,
de inicialmente estabelecer a demarcação de fronteiras, para medidas regionais
de fortalecimento da confiança, de combate ao que os formuladores regionais
de políticas denominaram os “três males” do terrorismo, extremismo religioso e
separatismo.
Para além da SCO, nas últimas décadas, a região asiática também testemunhou
a institucionalização de diversos outros regimes regionais multilaterais, nos quais
a China desempenha um papel central, a exemplo das negociações de seis partes
sobre a desnuclearização da Coreia do Norte; o fórum cooperativo envolvendo a
Associação do Sudeste da Ásia com a China, o Japão e a Coréia do Sul (ASEAN+3),
e o estreito mecanismo de diálogo entre a Associação das Nações do Sudeste
Asiático e a China (ASEAN + China).
Por definição, um regime multilateral é um conjunto de mútuas expectativas,
de regras e regulações; de planos organizacionais; de esforços e compromissos
assumidos, aceitos por um grupo de Estados com interesses compartilhados:
I) o compromisso de remover conflitos, promover a cooperação e II) além de reduzir
custos de transação e pesquisa, estabelecer padrões básicos de comportamento
(CHUNG, 2006).
Como parte da política oficial de Beijing de projetar sua “Boa Vizinhança”,
a China está tornando ativo, dando um uso pragmático e habilidoso à SCO, no
sentido de acelerar a integração regional e a cooperação com os Estados vizinhos
na Eurásia pós-comunista. Os oficiais do Partido Comunista Chinês (PCCh)
assistem regularmente aos encontros de cúpula da SCO, às reuniões ministeriais e
conferências de trabalho. Esse engajamento internacional crescente é o resultado
de uma política externa com base no consenso entre os líderes chineses e experts
internacionais asiáticos, conquistada no final do século XX, no sentido de que a
China venha a ter um ambiente pacífico conducente à estabilidade política interna
e ao desenvolvimento econômico. Para tanto, ela precisa ser mais proativa na
formação de sua vizinhança.
Para Chung (2006), é difícil tocar na questão da idade do “Bloco”, uma vez
que tanto a SCO quanto o Shangai Five, que foi o precursor, foram criados há
pouco mais de vinte anos, embora revele o entusiasmo Chinês para estabelecer,
desenvolver e estruturar essa organização regional multilateral. Para o autor citado,
o acordo regional tem sido progressivamente institucionalizado.
Para além de discutir o processo de institucionalização da SCO, em seu artigo
de 2006 Chung pretendeu refutar uma noção muito popular sobre a política
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externa chinesa, segundo a qual o país tem muito interesse em fazer avançar
os fóruns econômicos os quais cria e participa, mas não aqueles relacionados
com a Segurança. Para ele, a SCO teve como primeiro foco e, em larga medida,
o enfrentamento das dificuldades tidas pela Rússia, China e os Estados da Ásia
Central, com relação a assuntos não tradicionais em segurança, que seriam aqueles
relacionados ao crime transnacional e ao terrorismo.
A China, ainda segundo Chung (2006), considera seu envolvimento noa
SCO como um ponto chave de sua política externa. O primeiro objetivo da SCO
é o de obter cooperação dos governos da Ásia Central para reduzir a ameaça dos
muçulmanos da etnia Uigur, que lutam pela separação da província de Xinjiang
5
.
Outra leitura sobre a SCO é apresentada por Suisheng Zhao (2011), que busca
entender as motivações e os cálculos da China, de forma realista, na concretização
dessa Organização. Ele argumenta que a participação da China nesta instituição é
motivada, em primeiro lugar, pelos interesses domésticos para criar um ambiente
periférico pacífico para sua estabilidade política e crescimento econômico,
sobretudo garantindo segurança em suas fronteiras e prosperidade. O que daria
vantagem à China sobre o Japão e os EUA na região.
Os cálculos chineses também têm dado preferência a uma abordagem
informal, que enfatiza o voluntarismo e a construção de consensos muito mais
do que legalmente inclinada a resoluções na direção da cooperação regional. Essa
abordagem, que o autor considera soft, seria uma imensa barreira para que as
instituições regionais caminhassem para além da retórica que permitisse resolver
os conflitos na região.
O envolvimento da China na construção e institucionalização de regimes
multilaterais reflete tanto uma aspiração para mudar as regras do jogo da
cooperação regional, como de aumentar o nível de conforto ao subscrever normas
de comportamento previsível e independência entre os signatários. A ampliação do
envolvimento também faz crescer o interesse e projeta sua influência ao ampliar
um perfil positivo, ao dissipar preocupações e desconfianças sobre o seu crescente
poder econômico e militar, algo que vem sendo associado à ascensão chinesa.
5 A questão de Xinjiang é um conflito separatista em curso na província do extremo oeste da República Popular
da China, em que grupos separatistas da etnia uighurs afirmam que a região não é legalmente uma parte
da China.
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A geopolítica asiática e seus desdobramentos globais: a Organização para Cooperação de Xangai
A SCO e os “três males”
É válido salientar que a questão de segurança continua a desempenhar um
papel importante no contexto da Organização, o que pode ser observado pela
Shanghai Convention on Combating Terrorism, Separatism and Extremism (SCO,
2001). De modo geral, a Convenção define como um dos principais objetivos da
SCO o combate ao que é intitulado os “três males”, ou seja, terrorismo, separatismo
e extremismo. Além disso, a SCO possui duas sedes, a Secretaria em Pequim e a
Estrutura Anti-Terrorista Regional, ou Regional Anti-Terrorist Structure (RATS),
localizada na Capital do Uzbequistão, Teshkent.
A primeira reunião do RATS ocorreu em outubro de 2003 e sua estrutura
física foi estabelecida em janeiro de 2004. Também se definiu que a sede seria
localizada em Tashkent, no Uzbequistão, local responsável por coletar e partilhar
informações da inteligência sobre todos os grupos terroristas suspeitos de atuação
nos países membros.
Um aspecto relevante, apontado por Chung (2006), é que proporcionalmente
o orçamento do RATS não era tão menor que aquele assinalado à SCO. Ou seja,
o orçamento total para 2005-6 foi de US$ 3,2 milhões, sendo assim distribuído:
US$ 1,95 milhões para a SCO e US$ 1,25 milhões para o RATS. A China e Rússia
seriam responsáveis, cada um, por 24% desse orçamento, enquanto o Cazaquistão
por 21%, Uzbequistão 15%, o Quirquistão 10% e Tajiquistão 6%.
É válido pontuar que a escassez de dados é um componente que interfere
na análise tanto da SCO e, especificamente, no RATS. Desse modo, o trabalho
buscou apresentar todas as informações disponíveis da melhor maneira possível.
Wallace (2014) faz uma análise normativa e factual do órgão de segurança. Ou
seja, o autor analisa o que o RATS deveria fazer e o que realmente faz. Partindo
desse ponto, o RATS comporta duas estruturas: o conselho e o comitê executivo.
O primeiro é composto por um representante de cada país membro, normalmente
o chefe do principal serviço interno de segurança e inteligência, tendo amplas
responsabilidades de liderança e se reportando diretamente ao Conselho de
Chefes de Estado (Figura 2), já o Comitê executivo lida com responsabilidades
operacionais (WALLACE, 2014).
No que tange ao combate aos três males, Wallace (2014) pontua diferenças na
definição de terrorismo: a Resolução 1566, do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, define terrorismo como sendo:
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[...] atos criminosos, incluindo contra civis, cometidos com a intenção
de causar morte ou lesão corporal grave, ou tomada de reféns, com o
objetivo de provocar um estado de terror no público em geral ou em um
grupo de pessoas ou pessoas específicas, intimidar uma população ou
obrigar um governo ou uma organização internacional a fazer ou se abster
de praticar qualquer ato que constitua ofensa no âmbito e conforme definido
nas convenções e acordos internacionais (UNSC, 2004).
Por sua vez, o Regional Anti-Terrorist Structure (RATS) define terrorismo como:
[...] uma ideologia de violência e prática que afeta a tomada de decisões
das autoridades ou organizações internacionais através da execução ou da
ameaça de cometer atos violentos e (ou) outros atos criminosos, intimidando
a população, com o objetivo de causar danos aos indivíduos, sociedade e
Estado [...] (SCO, 2009).
Como bem pontua Wallace (2014), essa definição mais ampla de terrorismo
significa, na prática, que os três males podem ser qualquer atividade que os
países membros reconheçam mutuamente. Isso pode ser observado na questão
de Xinjiang, em que a China considera os rebeldes uigures terroristas e recebe
apoio institucional dos países membros, tendo em vista que a definição da SCO
sobrepõe as possíveis definições em nível nacional.
Mesmo considerando que entre os membros da SCO, a tríade terrorismo,
fundamentalismo religioso e separatismo continuem prevalecendo na Organiza-
ção, Wallace (2014) atenta que alguns analistas veem que os termos assinados
na cúpula da Organização não conseguem ser implementados na base da SCO,
prejudicando o processo de institucionalização.
China e Rússia: a construção de parceria estratégica
político-econômica e militar
Pouco antes de falecer, Zbigniew Brzezinski, um dos principais pensadores
estratégicos norteamericanos do século XX, fez uma análise sobre as ameaças à
segurança estadunidense. Para ele “o cenário mais perigoso” seria uma grande
coalizão da China e da Rússia unidas não pela ideologia, mas por queixas
complementares. Essa coalizão seria um imenso desafio apresentado pelo bloco
sino-soviético, embora desta vez a China se torne a liderança (ALLISON, 2018).
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Já o ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos, James Mattis, possui uma
visão oposta à de Brzezinski. Para o ex-Secretário Mattis (2018): “não havia, a longo
prazo, uma aliança entre Rússia e China”. Donald Trump pensava diferentemente de
seu secretário de Defesa, que terminou por pedir demissão em 2019. O presidente
tem dado declarações fortes sobre a aliança China-Rússia (AFP, 2017): “China
e Rússia desafiam o poder, influência e interesses americanos, tentando corroer
a segurança e a prosperidade americanas”. Ambos são acusados de conduzir
grandes “operações de influência” contra os Estados Unidos e interferir nas
eleições naquele país.
Atualmente, o Kremlin está inserido nos conflitos na Síria e na Ucrânia, além
do impacto de uma crescente presença da OTAN (Organização do Tratado do
Atlântico Norte) ao longo de sua fronteira ocidental e o contínuo desenvolvimento
da defesa dos EUA na região. De sua parte, a China enfrenta crescentes tensões com
Washington por questões de segurança e comércio, e várias disputas territoriais
em torno das ilhas Spratly, disputadas entre a República Popular da China, a
República da China e Vietnã, com Malásia, Brunei e Filipinas reivindicando partes
do arquipélago. Das Ilhas Paracel, disputadas entre a República Popular da China,
a República da China e o Vietnã, hoje ocupadas pela República Popular da China
(LINDEMANN,2018). São tensões que envolvem as relações com o Japão, as
Filipinas, o Vietnã e outros vizinhos. Tudo isso aproxima os dois países, China
e Rússia, que desde há um bom tempo vêm construindo uma sólida e crescente
colaboração.
Muitas são as interpretações sobre como se formou essa aliança. Alguns a
entendem como resultado dos erros de Bill Clinton, que em 1996 quis expandir
a OTAN na direção da Rússia, segundo alguns o “erro” mais desastroso do pós-
Guerra Fria. Vladimir Putin e Xi Jinping passaram a observar os EUA dirigindo
a guerra nos Balcãs, incluindo o bombardeio da embaixada chinesa em Belgrado
em 1999, as “revoluções coloridas” apoiadas pelo Ocidente visando derrubar
governos na Geórgia e depois na Ucrânia e ainda a Secretária de Estado, Hillary
Clinton, encorajar protestos em 2011 contra as eleições parlamentares na Rússia,
quando Putin não precisaria ser paranoico para imaginar que os EUA estavam
procurando derrubá-lo do poder (ALLISON, 2018).
Segundo Gabuev (2018), o aprofundamento dos laços militares entre os dois
ex-rivais é real. E uma parceria estratégica mais forte entre Pequim e Moscou
poderia, com o tempo, superar meio século de planejamento e estratégia militar
dos EUA.
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Marcos Costa Lima; Deisiane Valdevino; Pedro Fonseca
Um segundo fator relevante são as questões econômicas entre a potências,
resultando no fato de a China se destacar como um dos principais parceiros
comerciais da Rússia desde 2010 (GABUEV,2018); (SIMOLA, 2016). Mas há também
os fatores políticos: os dois regimes valorizam a estabilidade e a previsibilidade,
sendo também membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
A partir desse conjunto de fatores, Pequim e Moscou desejam moldar uma ordem
internacional que coloque a soberania e os limites nos assuntos domésticos no
coração da questão. Isso tem sido muito visível e discutido em vários tópicos da
governança global, a exemplo das normas do controle do Ciberespaço sobre a
internet onde Beijing e Moscou estão muito juntos com relação a essas questões
(DoD, 2018); (STRONSKI & SOKOLSKY, 2017); (WE, 2016); (ROTH, 2015).
A China e a Rússia veem ameaças à estabilidade doméstica que emana do
ciberespaço e, segundo Bolte Sheryl (2018), Pequim e Moscou consideram o espaço
cibernético muito mais amplamente do que o Ocidente, incluindo informações
que podem minar ou desestabilizar os regimes. Em 2015, os dois países assinaram
um tratado prometendo cooperação em “segurança da informação” e de não usar
ataques de computador” uns contra os outros, e seguiram com um acordo adicional
em 2016. Ambos os países realizam censura e vigilância da internet, justificadas
em termos de segurança do Estado, embora a China tenha um controle mais
restritivo da Internet do que a Rússia. Muito embora a Rússia esteja se preparando
para se desconectar da internet mundial. Segundo Pollo (2019), o país pretende
fazer testes para descobrir se consegue manter seus cidadãos online, dependendo
totalmente de servidores internos e sem comunicação via web com o resto do
planeta. Seria uma espécie de soberania da Runet, a internet russa.
Os dois países pressionaram as Nações Unidas para estabelecer um “código
internacional de conduta para a segurança da informação”, que assegure a
soberania da internet nos Estados, permitindo que os governos controlem o que
consideram perigoso ou desagradável. As estratégias militares chinesa e russa listam
atividades subversivas ou revoluções coloridas (KORYBKO, 2018), que acreditam
serem encorajadas ou mesmo orquestradas pelo Ocidente, como sérios desafios.
Autoridades russas e chinesas discutiram o que percebem como ameaças vindas
de ONGs financiadas por estrangeiros e adotaram políticas restritivas semelhantes
em relação a essas organizações.
Um conjunto de sanções que o Congresso dos EUA, quase por unanimidade,
aprovou em agosto de 2017, convenceu muitos em Moscou que, enquanto Putin
permanecer no poder, as relações com Washington não vão melhorar. A nova
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Estratégia de Segurança Nacional dos EUA colocou a China e a Rússia juntas
para tentar enfraquecer a segurança e a prosperidade americanas, como fez o
Departamento de Defesa com relação a nova “Cyber Strategy” (GABUEV, 2018);
(DoD, 2018).
Neste sentido, em 2014 a China adquiriu de Moscou o S-400, um avançado
sistema de mísseis-terra-ar e que, instalado, permite a China ter controle sobre
o espaço aéreo de Taiwan, o que torna a defesa da ilha muito mais difícil para a
força aérea Taiwanesa e para os planejadores militares dos EUA. O S-400 também
ajudará a China a conquistar seu objetivo de estabelecer uma Zona de Defesa Aérea
de Identificação, um espaço onde os chineses terão a autoridade de identificar
e controlar todas as aeronaves civis estrangeiras. As compras de vinte e quatro
Su-35, que é o mais avançado jato de caça russo, também servirá ao mesmo
propósito (KASHIN, 2016).
É importante lembrar que o Ocidente impôs um embargo de armas à China em
1989 e, desde então a China foi forçada a se apoiar nas compras de armamentos
oriundos da Rússia. Assim, a Rússia tem vendido à China grande número de
armas, como submarinos, destroyers, mísseis, aviões de combate, helicópteros e
peças para os caças.
Politicamente, a China e a Rússia têm um interesse comum em promover um
mundo multipolar e não interferir nos assuntos internos dos Estados. O princípio
da não-interferência é mencionado em seu comunicado conjunto de 1997
intitulado “A Declaração Conjunta Russo-Chinesa sobre um Mundo Multipolar e
o Estabelecimento de uma Nova Ordem Internacional”. A Rússia e a China têm
se engajado em exercícios militares conjuntos, tanto bilateralmente quanto sob
os auspícios da Shanghai Cooperation Organization (SCO).
O primeiro grande exercício terrestre incluindo Rússia e China aconteceu
em 2002 e envolveu forças dos 5 países da SCO. De 2005 a 2016, ocorreram oito
exercícios SCO de “Missões de Paz”, três deles envolvendo apenas Rússia e China.
Em 2012, foi a vez do primeiro exercício naval oficial entre os dois países, no Mar
Amarelo. Desde então, a cada ano tem ocorrido um exercício com ampliação dos
níveis de sofisticação e coordenação. Em 2018, em Vostok, teve lugar o maior
exercício militar desde a queda da União Soviética e contou com 3.200 soldados
chineses ao lado de 300.000 russos no leste da Sibéria (GABUEV, 2018).
Sinkkonen (2018) apresenta os detalhes da ampliação da cooperação militar
Rússia-China desde 2002, tanto ao nível das ações coordenadas como ao das
compras de equipamentos militares. Segundo a pesquisadora, em janeiro de 2017,
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Marcos Costa Lima; Deisiane Valdevino; Pedro Fonseca
a China definiu a Rússia como uma “prioridade em sua diplomacia” quando da
publicação de seu Livro Branco intitulado China’s Policies on Asia-Pacific Security
Cooperation. A ampla parceria estratégica de coordenação entre a China e a Rússia
passa a ocupar uma posição especial na diplomacia do pensamento de Xi Jinping
sobre o Socialismo com características chinesas para uma nova era.
Além da área militar, o setor energético é outra importante área na qual a
parceria China-Rússia tem se ampliado e aprofundado. Desde a assinatura do
“Tratado de Boa Vizinhança e Cooperação Amigável”, em 2001, em que os dois
países se comprometeram a ampliar suas relações, que a cooperação energética
cresceu significativamente, envolvendo não apenas o comércio de recursos
energéticos, mas, também, investimentos relacionados à energia, participação
acionária, desenvolvimento de infraestrutura e intercâmbio de tecnologia.
A questão energética, nesse aspecto, tem sido utilizada como um eficaz
instrumento de política para lidar com os desafios imediatos, como a crise da
Ucrânia e as disputas do Mar do Sul da China. Dessa forma, pontua os autores,
cooperação em energia ajudou os dois países a adotarem posições comuns em
relação a questões não relacionadas à energia e facilitou a interação mais profunda
no longo prazo (YILMAZ & DAKUSUEVA, 2017).
Como mencionado acima, o relacionamento China-Rússia no setor energético
começou a melhorar nos últimos anos em resposta a uma série de desafios
geopolíticos e geoeconômicos. Geopoliticamente, tanto a China quanto a Rússia vêm
enfrentando grandes desafios em suas periferias próximas. No Mar do Sul da China,
as disputas territoriais tornam-se cada vez mais complicados e multilateralizadas,
com atividades crescentes de países da região e de atores externos, como os Estados
Unidos, Japão e Índia, o que representa um grande desafio para a China.
Além disso, sob a estratégia de “reequilíbrio em relação à Ásia”, Washington
reforçou sua rede de alianças de segurança e sua presença militar na região da
Ásia-Pacífico. A China, entretanto, procura aumentar as suas capacidades de defesa,
através do desenvolvimento econômico e militar, e promove a iniciativa One Belt,
One Road, projeto que se transforma em poder marítimo e terrestre ampliado.
A Rússia, por sua vez, esteve envolvida em um profundo conflito com os
Estados Unidos e seus aliados europeus pelo enfrentamento com a Ucrânia,
especialmente após a anexação da Crimeia, que obteje uma dura resposta coletiva
ocidental capitaneada pelos EUA em conjunto com seus aliados na OTAN e que
resultou em uma série de sanções econômicas.
Nesse contexto de retaliação por parte do Ocidente à Rússia, o apoio
formal da China tornou-se mais expressivo à medida que as sanções à Rússia se
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intensificaram. Pequim pediu às potências ocidentais que considerem os interesses
e preocupações estratégicas de Moscou e busquem uma solução de compromisso.
Além de expressar sua posição oficial através de várias plataformas, à luz do
agravamento da situação econômica na Rússia, Pequim prometeu oferecer apoio
concreto, incluindo assistência financeira, caso Moscou precisasse.
Sem dúvida, uma indicação chave do apoio foi o aumento drástico nas
importações de petróleo pela China, que elevaram a Rússia à posição de líder
como país fornecedor de petróleo bruto, o que ajudou a destacar as implicações
negativas das sanções para sua economia. Fato é que, em dezembro de 2015, a
Rússia tornou-se o maior fornecedor de petróleo bruto da China, superando a
Arábia Saudita. Enquanto a China, em março de 2016, ultrapassou a Alemanha
como principal consumidor de petróleo da Rússia (YILMAZ & DAKSUEVA, 2017).
Além disso, em 2014, os dois países assinaram um importante contrato de
fornecimento de gás, no valor de US$ 400 bilhões por um período de 30 anos,
o que também impulsionará a presença da Rússia como principal exportador de
gás natural para a China. Dessa maneira, a partir do exemplo do setor energético,
demonstra-se o fortalecimento das relações econômicas Sino-Russas em áreas que
trasncedem o campo militar.
Conclusões
O presente trabalho apresentou como a Organização para Cooperação de
Xangai (SCO) está inserida na geopolítica asiática. A hipótese de que a SCO faz
parte de um leque de ações que a China vem realizando para consolidar sua
liderança na eurásia se mostra robusta, tendo em vista o forte protagonismo que
o país vem tendo em múltiplos setores. Para isso, Pequim tem buscado interligar
seus projetos como, por exemplo, seu ambicioso projeto de infraestrutura, a Rota
da Seda, com a SCO, em temas de segurança.
Além disso, Pequim tem aprofundado e ampliado a parceria estratégica
com Moscou, desenvolvendo cooperações político-econômicas e militares.
Como apresentado ao longo do trabalho, a China buscou integrar, na medida do
possível, seus objetivos regionais com os da Rússia, visto que a Ásia Central é,
historicamente, uma área de influência de Moscou.
O artigo também se propôs a apresentar a SCO como um importante organismo
de diálogo na Ásia Central, tendo sua importância na resolução de conflitos
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Marcos Costa Lima; Deisiane Valdevino; Pedro Fonseca
fronteiriços. E que, a partir disso, criou-se um canal de diálogo, permitindo que
os países centro asiáticos pudessem estabelecer parâmetros de confiança mútua,
possibilitando uma maior institucionalização da SCO e, dessa forma, ampliando
o escopo de suas relações para além da segurança. No entanto, é válido pontuar
que, como uma organização fundada para debater conflitos fronteiriços, a SCO
possui um órgão que lida com questões de segurança entre os países.
Buscou-se apresentar a área de segurança da SCO, representada pelo RATS.
De modo geral, apesar de ser um importante órgão da organização, há escassez
de dados que fazem com que seja pequeno o número de trabalhos voltados para
esse órgão, prejudicando, desse modo, um melhor entendimento do papel deste
para a SCO.
Como possíveis agendas de pesquisas, a nossa intenção é de investigar, no
futuro próximo, em termos de um projeto de pesquisa adensado, como se dá a
relação entre os projetos chineses e os dos demais países da SCO. Ressalta-se
que Pequim vem buscando integrar os países membros da SCO no Belt and Road
Initiative (BRI), por meio de acordos de cooperação, como é o caso do corredor
chino-paquistanês (CPEC), ou da junção de projetos de infraestrutura menores,
a exemplo do projeto do Uzbequistão com o BRI. Contudo, esses projetos não são
unanimes dentro da Organização. A Índia é um país membro que se recusou a
assinar um documento endossando o BRI na última reunião da Organização. Esse
comportamento decorre devido a Nova Delhi enxergar esse projeto como forma
de Pequim ampliar sua influência na região, ameaçando sua política externa.
De modo geral, ao que parece, a SCO continuará a evoluir, muito embora
observadores ocidentais sejam céticos quanto a isto. Mas o seu sucesso dependerá
da capacidade da China e da Rússia, sobretudo, de acomodarem os interesses
gerais. A dúvida está entre o alargamento ou o aprofundamento das relações, que
nem sempre devem ser tidos como paradoxais (USMANOV, 2018). Outro fator que
pode vir a desempenhar um papel importante é a política externa dos Estados
Unidos, na medida em que Washington aprofunde suas hostilidades contra a
Rússia e a China.
Quanto mais representativa e assertiva for a SCO, mais debates surgirão sobre
seu potencial de rivalizar e contrabalançar certos acordos multilaterais ocidentais,
e a OTAN surge como um forte contraponto. Alguns analistas até chegaram a
declarar enfaticamente que a SCO é uma ameaça direta às potências ocidentais.
Ou ainda sugerir que a Organização nada mais é que um instrumento valioso nas
mãos dos principais players na Eurásia.
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