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O Brasil na Guerra Fria: autonomia heterodoxa
e a Política Externa Independente
Brazil in the Cold War: heterodox autonomy
and the Independent Foreign Policy
DOI: 10.21530/ci.v13n3.2018.828
Tiago Gabriel Tasca
1
Resumo
Este artigo oferece um instrumental epistemológico para o debate em torno do conceito de
autonomia no contexto da política externa independente (PEI) brasileira, desenvolvida no
começo dos anos de 1960. No ínterim da Guerra Fria, o conceito de autonomia possibilita
avaliar a participação dos países da América Latina no conflito a partir de uma concepção
endógena da historiografia latino-americana, especialmente a argentina (Juan Carlos Puig) e
brasileira (Hélio Jaguaribe). O objetivo deste artigo é articular e aplicar o conceito de autonomia
a dois casos singulares na PEI: participação parcial na I Conferência de Belgrado (1961) e
mediação na crise dos mísseis de Cuba (1962). Conclui-se que o conceito de autonomia
heterodoxa de Puig, sob bases das perspectivas de viabilidade nacional e permissividade
internacional de Jaguaribe, enquadra-se como lente explicativa para os dois casos.
Palavras-chave: Historiografia Latino-americana. Política Externa Independente. Autonomia.
Guerra Fria.
Abstract
This article offers an epistemological tool for the debate on the concept of autonomy in the
context of Brazilian Independent Foreign Policy (IFP), developed in the early 1960s. In the
interim of the Cold War, the concept of autonomy enables us to assess the participation of
Latin American countries in the conflict, based on an endogenic conception of Latin American
historiography, mainly the Argentinean (Juan Carlos Puig) and the Brazilian (Hélio Jaguaribe)
ones. Therefore, the objective of this article is to articulate and to apply the concept of
autonomy to two singular cases in the IFP: partial participation in the First Conference of
Belgrade (1961) and mediation in the crisis of the Cuban missiles (1962). As a conclusion,
the concept of heterodox autonomy of Puig, based on the perspectives of national viability
and international permissiveness of Jaguaribe, is an interpretive lens for both cases.
Keywords: Latin American Historiography. Independent Foreign Policy. Autonomy. Cold War.
1 Mestre em Relações Internacionais (IREL – UnB).Pesquisador do Centro de Estudos sobre as Relações Internacionais
do Brasil Contemporâneo. Contato: tiagottasca@gmail.com
Artigo submetido em 14/07/2018 e aprovado em 13/12/2018.
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Introdução
A tessitura contemporânea das relações internacionais carrega consigo uma
gama de conceitos e paradigmas que são utilizados para interpretar o cenário do
teatro internacional. A abordagem histórica, por sua vez, permite decifrar e explicar
os meandros das redes de poder em vários níveis, sugerindo agendas e programas
de pesquisa. São essas agendas e programas de pesquisa que dotam de dinamismo
científico a história das relações internacionais, oferecendo epistemologias que
dilatam os conceitos derivados da ciência política. Nessa esteira epistemológica,
este artigo se propõe a pensar e elucidar proposições conceituais no seio da
historiografia latino-americana para fenômenos internacionais próprios da região.
Tradicionalmente, a América Latina passou por processos sui generis de
desenvolvimento, que oscilaram entre as ideias cepalinas e da teoria da dependência.
Esse movimento peculiar e único sugere que se compreenda a importância de
se repensar as interpretações teóricas desenvolvidas pelo mainstream, isto é,
teorias do Norte Global com realidades distintas daquelas enfrentadas pelos países
latino-americanos. Esse movimento de implementar conceitos latino-americanos,
ao relativizar aqueles desenvolvidos no core das RI, permite uma explicação
mais substantiva das relações internacionais latino-americanas (BERNAL-MEZA,
2016, p. 5; SCARFI, 2018, p. 2), sobretudo no período da Guerra Fria, dilatando
epistemologicamente algumas ideias.
No começo do conflito, a América Latina aparecia como figurante no teatro
da Guerra Fria, os EUA com pouca preocupação estratégica quanto à região.
Todavia, a descoberta de mísseis soviéticos na ilha cubana, no início da década
de 1960, reacendeu a atenção dos policymakers norte-americanos e soviéticos
para esse continente. Nesse ínterim, a maleabilidade da ordem bipolar da Guerra
Fria é uma das características mais marcantes das relações entre os Estados no
período constituído entre 1955 e 1968, como lembra Saraiva (2008, p. 212), abrindo
espaço para explicações historiográficas por conjugar a bipolaridade, arquitetura
internacional de poder, a relativização da ideologia nas relações internacionais e
a instrumentalização de conceitos.
Sem embargo, a abordagem teórico-historiográfica para essa crise tem sido
cunhada pelas lentes teóricas extrarregionais. Por isso, é preciso compreender o
desenrolar da Guerra Fria na América Latina sob o próprio olhar latino-americano,
ou seja, mediante uma abordagem pericêntrica em que esse continente assume
o centro da análise (LOUREIRO, GOMES JR., BRAGA., 2018, p. 2). Compreender
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as idiossincrasias interpretativas dos países da América Latina sobre sua própria
realidade é o pivô desta análise, cujo recorte metodológico se dará por uma breve
análise de dois casos, aos quais se busca aplicar o conceito de autonomia na sua
dimensão heterodoxa, articulado pela historiografia latino-americana (notadamente
argentina e brasileira). Os dois casos escolhidos foram a participação parcial
brasileira na I Conferência de Belgrado (1961) e o envolvimento do Brasil na crise
dos mísseis de Cuba, de 1962, ambos no auge do conflito ideológico da Guerra Fria.
A adoção desses dois marcos como parâmetros analíticos da questão da
autonomia da política externa brasileira representa, inter alia, uma justaposição
entre as relações Estados Unidos – Brasil, em que pese a autonomia desse último.
Ainda, no que tange ao traço metodológico deste estudo, adota-se a autonomia
brasileira entre 1960 e 1962 como variável dependente, enquanto os dois casos
apresentam-se como variável independente. Além disso, apresenta-se a política
externa independente (PEI) como um elemento interveniente para o qual os dois
eventos escolhidos ampliam ou reduzem seu efeito sobre a autonomia brasileira,
diferenciando-se, por exemplo, do trabalho de Loureiro, Gomes Jr. e Braga (2018),
que trabalha com os limites da PEI ao dotá-la de um caráter de variável dependente,
sob uma ótica institucional, para a tentativa falha de adesão de Cuba à Área de
Livre-Comércio da América Latina.
A presente narrativa percorre quatro momentos. Primeiramente, um desenho
dos principais matizes da historiografia latino-americana, cimentando o aporte
histórico-conceitual regional para a autonomia. Depois, a partir de uma breve
taxonomia conceitual sobre autonomia, este estudo historiográfico concentrar-
se-á em dois expoentes: Hélio Jaguaribe e Juan Carlos Puig, que caracterizam a
autonomia como variável dependente da inserção latino-americana no cenário
global. Por fim, as duas últimas partes arquitetam o cenário da Guerra Fria,
sob a ótica historiográfica, dando subsídios e avançando na aplicação da teoria
autonomizante na política externa brasileira (PEB) do começo dos anos de 1960,
também chamada de PEI.
Historiografia latino-americana: escrevendo a história a partir
da América Latina
Tendo como pano de fundo a historiografia latino-americana, destacam-se
alguns elementos da historiografia francesa, no que diz respeito à importância
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dos conceitos para os estudos historiográficos. Primeiro, é necessário reconhecer
tal historiografia como um esforço de se compreender como se criaram as teorias,
identificando seus contextos de nascimento, interesses e preferências, visando a
entender como os acontecimentos e movimentos sociais impactaram as ideias e
produções acadêmicas do campo. Esse campo de estudo está relacionado com o
rompimento da história diplomática, identificando epistemologias e metodologias
próprias ao estudo historiográfico. Enquanto as teorias de relações internacionais
se propõem a descortinar fenômenos do sistema internacional através das noções
de anarquia, hegemonia e equilíbrio de poder, por exemplo, a historiografia
busca ampliar esses referenciais teórico-conceituais, fornecendo uma visão
multidimensional dessas noções.
A gênese da historiografia latino-americana pode ser encontrada na ideia de
defender causas nacionais e regionais, especialmente questões de limites e fronteiras
(HEREDIA, 2008, p. 11). Além disso, o estudo historiográfico latino-americano
é constantemente permeado pelos elementos econômicos, com a existência de
dois polos que atuam como dínamos historiográficos regionais: o pensamento
cepalino e a teoria da dependência. As nuances do desenvolvimentismo, fruto
dessa vertente econômica, dotam a América Latina de consciência para buscar seu
lugar no mundo, adquirindo capacidade para se desenvolver e superar a condição
de dependência (HEREDIA, 2008, p. 23). Essa superação da dependência está
intimamente relacionada à busca de autonomia das nações latino-americanas, cuja
expressão é latente no período da Guerra Fria e posterior. Portanto, a abordagem
historiográfica do conceito de autonomia é imprescindível para se compreender
as relações internacionais latino-americanas para o período da Guerra Fria, que
será adotado nesta narrativa.
Considerando o papel da dependência, Puig (1980, p. 126) comenta que as
teorias e doutrinas em voga têm um ângulo dos recursos de poder que reflete os
interesses dos países desenvolvidos, de posição dominante e hegemônica, em
detrimento de uma abordagem que fosse mais contemplativa aos desafios dos países
em vias de desenvolvimento. De acordo com Bernal-Meza (2013, p. 48), a busca
por uma abordagem própria e pela preservação da autonomia dos países latino-
americanos diante do conflito Leste-Oeste leva os países dessa região a edificarem
conceitos e teorias que reflitam sua própria condição de desenvolvimento.
Primeiramente, é mister reconhecer o lugar dos conceitos dentro dos estudos
historiográficos, a fim de evitar que eles sejam reificados ou alvo de conceptual
stretching. A emergência dos conceitos, conforme sinalizada por Duroselle (2000,
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p. 33), tem uma vida totalmente artificial, mas com propriedades reais. Duroselle
(2000) explica que os conceitos estão calcados em eventos reais porque são
manifestados e visíveis apenas em situações reais. Portanto, ele refuta as debilidades
de interpretar de modo artificial a realidade e atribui esse papel aos conceitos.
Contudo, Duroselle (2000, p. 36) aponta três tipos de simplificações tentadoras
e sugere cuidado com o manejo conceitual para os estudos historiográficos, dentre
elas: 1) explicar um grande número de acontecimentos por meio de um pequeno
número de homens; 2) explicar um grande número de acontecimentos por meio de
uma única causa; e 3) explicar um grande número de acontecimentos por meio de
um conceito reificado. Assim, é preciso cautela em se aplicar um conceito, evitar
sua reificação ou demasiada simplificação dos fatos e buscar sua correspondência
na empiria, nos fatos.
Cervo (2008, p. 21) também aponta quatro características observadas na
origem dos conceitos: construção social, expressão da historicidade, inclusão
de mensagem positiva e produção como exigência da ordem metodológica em
respeito à verdade e ao rigor. Por construção social, entende-se a expressão de uma
cultura. Por historicidade, trata-se das estruturas profundas das coisas concretas.
A mensagem positiva diz respeito a expressar valores de lastro cultural e a inspirar
decisões. Finalmente, a exigência metodológica busca dar rigor acadêmico à
operacionalidade dos conceitos.
Em adição, Cervo (2008, p. 8) defende que os conceitos e teorias atuam
diferentemente no campo das relações internacionais. Segundo o autor, é difícil
uma teoria ter um alcance verdadeiramente universal, uma vez que os “conceitos
expõem as raízes nacionais ou regionais sobre as quais se assentam e se recusam
estar investidos de alcance explicativo global” (CERVO, 2008, p. 8). Isso é
reforçado por Duroselle (2000, p. 36), pois, nas Relações Internacionais, no lugar
de leis generalizantes, trata-se de leis aproximadas, ou quase leis, chamadas de
matematicismo pelo autor.
A partir dessas breves considerações sobre a importância do conceito nos
estudos historiográficos, pode-se inferir que sua importância está calcada em
compreender realidades e problemas específicos, em vez de teorias de cunho
universalizante – para citar a crítica de Cervo (2008). Diante disso, as linhas acima
revelam um terreno fértil na historiografia latino-americana para a articulação e
operacionalização de conceitos próprios e que atendam a contar a história das
relações internacionais dos países da América Latina. A próxima seção explora um
conceito protagonista dos debates historiográficos latino-americanos: a autonomia.
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88 O Brasil na Guerra Fria: autonomia heterodoxa e a Política Externa Independente
Entre a dependência e o ideário cepalino: uma teoria autonomizante
para a América Latina
A historiografia latino-americana apresenta uma panóplia de ferramentas
úteis para se pensar a atuação brasileira no alvorecer dos anos de 1960, mais
precisamente entre 1961 e 1962, sob o ensaio de uma política exterior independente.
Essa reflexão pode ser dada através da aplicação de conceitos munidos de
compreensões latino-americanas, que é o intuito deste estudo. Per se, o conceito de
autonomia evoluiu ao longo do tempo. Passou de um significado de independência
estrita em relação a outros atores, autossuficiência beirando à autarquia até chegar
a uma concepção relacional, heterodoxa e de autonomia decisória, versando e
abarcando questões de interesse nacional, integração regional e cooperação com
países em situação de dependência, como é o caso latino-americano.
Durante as décadas de 1970 e 1980, a autonomia apresentou-se como eixo de
análises e fruto de debate acalorado na historiografia das relações internacionais
latino-americanas. Essa dialética acadêmica surgiu das indagações deixadas pelo
realismo de Morgenthau
2
e da teoria da modernização, que varreu a academia
latino-americana nesse período, gestada e impulsionada pelos países centrais desde
os anos de 1960, sugerindo uma forma de dominação e hegemonia científica.
O conceito de autonomia, sob uma perspectiva latino-americana, pode ser
entendido em termos de capacidade e custos relativos de confronto com o poder
hegemônico (ESCUDÉ, 1992, p. 45). De outro lado, a autonomia é compreendida
como o poder de um país de participar e influenciar de forma efetiva as relações
internacionais (RUSSELL; TOKATLIÁN, 2010, p. 136). Nesse sentido, a ideia de
autonomia também invoca tomada de decisão, cujo processo está diretamente
ligado ao poder nacional e ao ambiente internacional em um determinado momento
(SARAIVA, 2015, p. 239).
Além disso, Vigevani e Ramanzini Jr. (2015, p. 192-194) sinalizam que
autonomia diz respeito a uma política exterior livre de constrangimentos impostos
por outros países, sobretudo as potências globais, para que o país tenha capacidade
de executar decisões com base nos seus objetivos nacionais. Outrossim, a autonomia
pode ser vista como uma ferramenta para resguardar o país dos interesses nocivos
do sistema internacional, em específicos, contextos doméstico e internacional
(VIGEVANI; RAMANZINI JR., 2015, p. 193). Em perspectiva cronológica, Simonoff
2 Ver Morgenthau (2003).
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(2015) assinala quatro momentos que gestaram a teoria autonomista latino-
americana, a saber: momento independentista (por volta de 1830), momento
hispano-americanista (de 1845 e 1870), momento latino-americanista (de 1870 a
1930) e momento nacionalista (entre 1940 e 1960).
Não obstante esse conceito de autonomia, sua compreensão e instrumentali-
zação encontra variações na América Latina. As perspectivas brasileira e argentina,
por exemplo, têm compreensões distintas sobre esse conceito. Enquanto que,
para a brasileira, a autonomia é vista como um meio, a abordagem argentina a
percebe como um fim. Essa finalidade da autonomia, para a abordagem argentina,
encontra em Juan Domingo Perón a formulação da terceira posição, visando a
balancear o peso dos EUA na região, ampliando a autonomia argentina e buscando
a integração regional.
Para o caso brasileiro, a autonomia é vista como meio, ou seja, lograda através
de processo negociatório. Um ensaio da autonomia brasileira, na década de 1960,
pode ser concebido pela política externa independente (PEI). Sob a égide da PEI,
é possível identificar a práxis da política externa brasileira para o contencioso
cubano e para a decisão de enviar membro observador à I Conferência de Belgrado
(1961). Portanto, o conceito de autonomia, ligado ao nexo negocial, é pedra basilar,
ideia-força, para compreender a atuação brasileira nesse movimento decisório da
política internacional.
Diante dessas duas abordagens sul-americanas para um projeto de autonomia,
articula-se uma escola doutrinária sobre a autonomia latino-americana, tendo dois
grandes expoentes: Juan Carlos Puig, na Argentina, e Hélio Jaguaribe, no Brasil
(GRANATO, 2014, p. 82). Essa abordagem, segundo Bernal-Meza (2013, p. 49,
tradução nossa) “é uma interpretação, do ponto de vista da periferia, da estrutura
do poder global e um quadro de referência para um processo de autonomização
para um país onde as classes dominantes decidam por superar a dependência”.
Por isso e diante do contexto em que se insere a autonomia na história da
América Latina, Jaguaribe é peça fundamental. Conforme ilustra Lessa (2013, p. 890),
Jaguaribe fazia parte do elenco que defendia uma abordagem autonomizante e
multidimensional do nacionalismo, cujos reflexos apareciam na trajetória brasileira
desde a década de 1930. Seu papel, na análise da historiografia latino-americana
– e sobretudo brasileira – é de pensar as causas do atraso e as possibilidades do
devir do Brasil (LESSA, 2013, p. 898). Por exemplo, na obra seminal de Jaguaribe,
O nacionalismo na atualidade brasileira, de 1958, a Operação Pan-Americana,
encabeçada por Kubitschek, lança luzes para compreender a autonomia como
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90 O Brasil na Guerra Fria: autonomia heterodoxa e a Política Externa Independente
mecanismo de negociação da dependência brasileira frente aos EUA (MUÑOZ,
2016, p. 203; LESSA, 2013, p. 883).
Diante disso, observa-se que uma trajetória do alinhamento do Brasil com os
EUA – sob o tratamento de elemento interveniente para a instrumentalização da
autonomia –, vinda desde os anos do Barão de Rio Branco, encontraria desgastes
durante a Guerra Fria, sobretudo no que concerne à tentativa de autonomia
da PEB. Dessa maneira, Jaguaribe (1958) percebe que esse alinhamento era
anacrônico e que deveria ceder espaço ao neutralismo, servindo aos fins últimos
do desenvolvimento e da integração do território nacional (MUÑOZ, 2016, p.
220). O pano de fundo da análise conceitual de Jaguaribe era o estancamento
econômico, político, social e cultural da região, que necessitava superar esses
problemas estruturais (GRANATO, 2014, p. 83). A questão central, então, passa
a ser a instrumentalização da autonomia, isto é, sua efetiva operacionalização.
Essa tendência será aprofundada nos anos auríferos da PEI, em que a liberdade
de movimento diplomático brasileiro estava limitada pela sua delicada situação
doméstica (FRANCHINI NETO, 2005, p. 15). As ideias de Jaguaribe são norteadoras
para se compreender a posição brasileira durante a Guerra Fria. Como aponta
Muñoz (2016, p. 206), o conceito de autonomia, para Jaguaribe, aparecia como
indissociável da ideia de nacionalismo integrador, isto é, uma postura exterior
neutralista vis-à-vis a prevalência da soberania popular no plano doméstico
(JAGUARIBE, 1958, p. 32). Todavia, esse neutralismo é colocado à prova em dois
momentos, durante a Guerra Fria: participação brasileira na I Conferência de
Belgrado, em 1961, e na crise dos mísseis de Cuba, em 1962.
Ainda no período da Guerra Fria, o Movimento dos Não Alinhados, oficialmente
lançado em Bandung, em 1955, coloca em evidência um apreço brasileiro ao
meio-termo e à acomodação (MUÑOZ, 2016, p. 212). Jaguaribe (1958, p. 93)
classifica a autonomia brasileira como autonomia regional, ou seja, restrita a
uma determinada região, sem uma vigência global. O mesmo autor (1958, p. 96)
sugere que a autonomia depende de duas condições básicas: viabilidade nacional e
permissividade internacional, aspectos centrais para se entender a necessidade de
uma relativização da autonomia heterodoxa para o período diplomático brasileiro.
A viabilidade nacional, conforme Jaguaribe (1958, p. 96), depende de o
quanto um Estado dispõe de um mínimo de recursos humanos e naturais. Essa
disposição varia ao longo de um determinado momento histórico, isto é, há períodos
em que haverá maior demanda por recursos humanos e naturais. Esse mínimo
crítico, ademais, é condicionado pelas exigências tecnológicas de cada período,
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pelo nível moral e educacional da população e pela integração sociocultural do
país, indicando que são poucos os países que dispõem de condições estruturais e
funcionais para a exercer a autonomia (JAGUARIBE, 1958, p. 97). Adiciona-se a
esse processo o papel das elites domésticas, uma vez que a passagem da condição
de dependência para a condição de autonomia só poderia ocorrer caso os países
avancem em matéria de viabilidade nacional (BERNAL-MEZA, 2013). Posto isso,
no que concerne à viabilidade nacional ao longo da Guerra Fria, observa-se que a
intelligentsia brasileira, cujas ideias-forças regiam a PEB, estava calcada na ideia
do desenvolvimento nacional.
O fator de permissividade internacional é mais difícil de ser caracterizado
pelo seu grau de abstração, ou de artificialidade, como ensina Duroselle (2000, p.
34). Segundo Jaguaribe (1958, p. 97), a permissividade internacional relaciona-se
com a situação geopolítica de um país e suas relações internacionais, buscando
neutralizar o risco de coação por terceiros países. No caso brasileiro, observa-se
um complicado jogo geopolítico hemisférico ao longo da Guerra Fria, momento
em que dependência e autonomia se fundem como dínamos da participação
brasileira na crise dos mísseis de Cuba. Por fim, Jaguaribe (1973, p. 54) aponta
que a principal permissividade internacional para os países latino-americanos
ocorre quando as suas necessidades pelo capital se chocam com sua necessidade
de afirmação e consolidação nacionais, como se percebe na ação brasileira com
relação a Cuba, constrangida pela necessidade de capital vinda pela Aliança para
o Progresso, projeto que buscava, inter alia, influenciar diretamente a orientação
política brasileira no cenário do conflito ideológico (LOUREIRO, 2014, p. 348).
Sobre a busca de desenvolvimento econômico do Brasil, Jaguaribe (1973, p. 4)
amplia o conceito de autonomia para o processo de tomada de decisões, emergindo
a ideia de autonomia decisória. De acordo com Jaguaribe (1973, p. 4), essa
autonomia decisória consistiria em tomar decisões com base nos interesses próprios
das agências latino-americanas, através de suas próprias perspectivas e com base
nos seus meios de ação disponíveis pari passu a permissividade internacional e
viabilidade nacional. Esse movimento confluiria em uma estratégia autonômica
visando a reduzir a vulnerabilidade brasileira face à potência hegemônica
hemisférica, os EUA.
A permissividade internacional e viabilidade nacional podem ser identificadas,
na chancelaria brasileira, por Lampreia (1998). Para Lampreia (1998, p. 8),
a autonomia brasileira é objetivo essencial para o Brasil e depende de vários
elementos. Isso porque a autonomia implica ampliar a capacidade brasileira
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atuar no meio internacional com margem de escolha e manobra suficiente – não
completa, evidentemente – para seguir os caminhos delineados pela vontade
nacional, pelas opções e condições do País” (LAMPREIA, 1998, p. 8).
Do lado historiográfico argentino, Puig (1982, p. 44) articula que a política
exterior dos países latino-americanos deve se basear em uma abordagem
autonomista, e não dependentista. Consubstanciado numa visão periférica,
coadunada por Escudé (1992), a visão de autonomia de Puig (1982) sugere
um rompimento das relações de dependência com as superpotências, visando
à autonomia exterior. Ainda, Simonoff (2014, p. 18) lembra que Puig adotou
as teorias cepalinas e dependentistas como suas fortalezas para desenvolver a
abordagem autonomizante latino-americana.
O autor (1982) reconhece também a autonomia como a capacidade de uma
nação optar, decidir e trabalhar por si mesma, levando em conta a configuração
estrutural do sistema internacional (PUIG, 1982). Em outras palavras, a autonomia
traduz elementos de justiça e eficiência, com a experiência histórica mostrando
que as políticas ditadas pelas potências dominantes não são as melhores para
os países em desenvolvimento (PUIG, 1986, p. 40). Assim, e diferentemente
de Hélio Jaguaribe, Puig (1982) sustenta que a integração não é por si só uma
estratégia de autonomia, mas é conditio sine qua non para o desenvolvimento.
Puig (1982) salienta, contudo, que as pretensões autonômicas de um país não
podem ser logradas sem modelos de desenvolvimentos domésticos. Portanto, o
ponto de contato entre o desenvolvimento e a integração ocorre através de meios
infraestatais, isto é, segmentos sociais, como a elite nacional, têm um papel
central como margem de manobra para inserir o país no mundo e atender seus
interesses de forma ampla.
Além disso, a abordagem de Puig mostra que, para a integração fazer parte
do processo de busca de autonomia, os países devem ter dimensões tecnológico-
industriais mais ou menos semelhantes (GRANATO, 2014, p. 85, BERNAL-MEZA,
2013, p. 51). Um possível ponto de contato entre os dois autores é a percepção
que ambos têm do sistema internacional estratificado, mas passível de mudanças
e transmutações, e que autonomia não significa, de forma alguma, isolamento.
Entretanto, os vetores do desenvolvimento e do poder decisório, ponta de lança
do conceito autonômico em Jaguaribe (1958), dão maior espaço ao debate entre
dependência e autonomia em Puig (1982).
Por fim, a obra de Puig, que lançou importantes luzes sobre a política exterior
argentina, oferece uma tipologia acerca da autonomia, que varia entre autonomia
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pura e dependência pura, que se diferencia em autonomia heterodoxa e autonomia
secessionista. A autonomia heterodoxa sugere, então, um aumento da margem de
manobra de um Estado, ainda que respeitando a liderança da potência hegemônica
em questões estratégicas essenciais. A autonomia secessionista pressupõe a busca
de rompimento com os interesses da potência hegemônica, evitando-se adentrar
a esfera de influência dessa.
Ademais, a autonomia heterodoxa ocorre em um estágio no qual o grupo
doméstico que está no poder continua a aceitar a estratégia do poder dominante,
mas divergindo em três questões: 1) um projeto próprio de desenvolvimento
nacional; 2) ligações internacionais que não são globalmente estratégicas; e 3) a
dissociação entre o interesse nacional da potência e do grupo doméstico (PUIG,
1982). Puig (1952) vai além, sugerindo que a estratégia autonomizante requer
ações domésticas (defesa e economia) e externas (alianças). Diante disso, a
autonomia heterodoxa, combinada com os fatores de permissibilidade internacional
e viabilidade nacional, auxilia a análise da atuação brasileira na crise dos mísseis
de Cuba e na I Conferência de Belgrado.
Corroborando o argumento de Puig (1982), Bernal-Meza (2013, p. 54) aponta
que a América Latina passou por um período de busca por uma autonomia
heterodoxa, sobretudo no final da Guerra Fria. A imposição e aceitação do Consenso
de Washington, de valores ocidentais universalmente aceitos e da guerra contra
o terrorismo podem ser considerados determinantes na edificação da busca de
uma autonomia heterodoxa latino-americana no pós Guerra Fria. Sem embargo,
Rapoport (1990, p. 565) se mostra crítico ao conceito de autonomia heterodoxa,
uma vez que esse conceito é rígido e esquemático demais para o contexto latino-
americano, apesar de considerá-lo como abridor de caminhos para uma linha de
ação e pensamento autônomos da periferia.
Como visto nas concepções de Puig e Jaguaribe, a autonomia (e suas
vertentes: decisória, heterodoxa e relacional) é um importante pivô de análises na
historiografia latino-americana, sobretudo em decorrência da inserção dependente
do continente no sistema internacional. À guisa de exemplo, é possível aplicar o
conceito de autonomia, tanto de Puig quanto de Jaguaribe, à PEI, nos anos em
que o mundo chegou próximo a uma hecatombe nuclear: 1961 e 1962. É para
essa direção que as próximas duas seções apontarão.
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Brazil in the spotlight: autonomia e Guerra Fria
A démarche da autonomia decisória brasileira pode ser situada nos anos de
1840, em que o Brasil começa a se desvincular dos tratados desiguais firmados
com as potências colonizadoras europeias. Cervo e Bueno (2002, p. 73) apontam
que a extinção dos tratados desiguais dotou de força um novo projeto de política
exterior brasileira, fortalecendo uma vontade nacional calcada no interesse
nacional. Nesse mesmo intuito, a PEB apresenta traços de conciliação doméstica
entre as elites e a sociedade civil, anunciando autonomia relativa nos sistemas
internacional e sul-americano (SARAIVA, 2015, p. 230).
Mais adiante, já nos anos de 1930, a autonomia reveste-se do nacional-desen-
volvimentismo varguista. Nesse período, a interpretação de Gerson Moura (2012)
sinaliza uma autonomia na dependência. O período entre a Segunda Guerra Mundial
e os acontecimentos da vindoura ordem mundial sugerem que a relação entre Brasil
e EUA foi de negociação da dependência brasileira, traduzida pela autonomia. Dito
de outra forma, a autonomia na dependência revelava um mecanismo de buscar
vantagens econômicas e militares com os EUA sem perder de vista a autonomia
decisória brasileira (MOURA, 2012), deflagrando uma barganha nacionalista
(VIZENTINI, 200 3 ao conjugar autonomia e desenvolvimento, em que esse é fim
em si mesmo e condição para a autonomia (MALAMUD; RODRÍGUEZ, 2013, p. 172).
Contemporaneamente, novas abordagens sobre autonomia robusteceram as
análises de estudiosos da área. Gelson Fonseca Júnior (FONSECA JR., 1998) propôs
a distinção entre a “autonomia pela participação” e a “autonomia pela distância”,
enquanto Luiz Felipe Lampreia (1998) ensaiava a diferença entre a “autonomia
pelo isolamento” e a “autonomia pela integração”, constantemente presente no
perfil da atuação diplomática brasileira na esfera multilateral (LESSA; COUTO;
FARIAS, 2010). Dessa forma, esse aggiornamento conceitual de autonomia carrega
consigo um conjunto de ideias-força que atuam como variável independente na
narrativa da política externa brasileira, em particular.
Essa cinemática de forças influenciou fortemente a atuação diplomática
brasileira durante a Guerra Fria. Vizentini (2009, p. 140) indica que o nacionalismo
dos anos de 1950 e a PEI dotavam de complexidade a inserção internacional do
Brasil, que tinha diante de si o desafio de buscar a autonomia diplomática para
o país sob a égide de um sistema internacional altamente fragmentado. Nesse
momento, a PEI configura-se como um importante objeto, cujo marco analítico-
conceitual reside na autonomia decisória, com traços de autonomia heterodoxa.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 83-108
95Tiago Gabriel Tasca
A PEI, como traduzida por Vizentini (2009, p. 128), tinha vetores internacionais
que consolidaram sua operacionalização. A emergência da União Soviética como
ator consistente e poderoso, buscando efetivar uma hegemonia no Leste Europeu,
concomitante à reconstrução econômica da Europa Ocidental, a emergência da
Comunidade Econômica Europeia e a dinâmica de descolonização dos países
asiáticos e africanos se apresentam como motores do movimento da barganha
dos países do Terceiro Mundo, que tinham em vista angariar recursos e uma nova
inserção na conjuntura global. Esses momentos permitem reinterpretar o conceito
de autonomia, refletindo os debates, ideologias, preferências e interesses das elites
da política externa (MALAMUD; RODRÍGUEZ, 2013, p. 172; LOUREIRO; GOMES
JR.; BRAGA, 2018).
A gênese da PEI, por sua vez, encontrou terreno fértil no pensamento de San
Tiago Dantas, Araújo Castro e Afonso Arinos de Melo Franco. Segundo Saraiva (2015,
p. 236), a PEI pode ser considerada um laboratório particular em que se gestou
uma série de discursos em torno do conceito de autonomia na política externa.
Demais disso, Bandeira (2014) assinala que a PEI se assemelhava às diretrizes
da terceira posição, articulada por Perón, “constituindo seu point d’honneur a
defesa da autodeterminação e da não intervenção em Cuba” (BANDEIRA, 2014,
p. 918), retórica amplamente empregada ao longo dos debates acerca da crise
dos mísseis cubana.
Ainda, no início da década de 1960, observa-se a relativização da autonomia
brasileira face aos EUA, sobretudo em vista da resultante da permissividade
internacional. Dado o fracasso da invasão norte-americana à Baía dos Porcos (abril
de 1961), os EUA intensificaram a sua influência na política brasileira (BANDEIRA,
2014), cuja saúde macroeconômica estava comprometida. Dois anos mais tarde,
viria a Aliança para o Progresso, cujo intuito era evitar a penetração de regimes
comunistas na América Latina.
Em paralelo à Aliança para o Progresso, a situação doméstica brasileira
(viabilidade nacional) ofertava barreiras à plena execução de uma teoria de
autonomia. Isso porque a economia brasileira estava ancorada em níveis altos de
inflação e necessidade de reformas estruturais declaradas pelo Plano Trienal, que
teriam execução comprometidas sem a ajuda internacional (LOUREIRO, 2016, p. 2).
Assim, a Aliança para o Progresso pode ser adicionada como vetor interveniente
à decisão brasileira no início dos anos de 1960, pois afeta e redimensiona a
autonomia brasileira.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 83-108
96 O Brasil na Guerra Fria: autonomia heterodoxa e a Política Externa Independente
Na busca de compreender de que forma se processou a autonomia heterodoxa
brasileira para os dois casos, algumas chaves de análise são lançadas. Primeiro,
retoma-se a compreensão das relações entre Brasil e Estados Unidos como pedra
basilar para se compreender o papel do Brasil nos eventos da Guerra Fria do
começo dos anos de 1960. Por conseguinte, Cervo (2008) enfatiza o conceito de
parceria estratégica para melhor entender o relacionamento entre os dois países
americanos. A ideia de parceria estratégica tangencia questões como “assimetria,
convergência, rivalidade, emergência, relações perigosas e relações triangulares”
(CERVO, 2008, p. 220). Entretanto, foi essa mesma diplomacia triangular (EUA –
Brasil – Cuba) que enfatiza as fissuras das relações entre EUA e Brasil (HERSHBERG,
2004). Portanto, a utilização do conceito de parceria estratégica, e não de aliança
não escrita, por exemplo, revela um esforço multifacetado para se proceder a uma
análise ecumênica e multiproposital das relações entre Brasil e Estados Unidos.
Segundo, as relações triangulares, por seu turno, são chaves de análise para
entender de que forma o Brasil lidou, concomitantemente, com os interesses
cubanos, soviéticos e norte-americanos ao mediar uma solução para a crise dos
mísseis de Cuba. Todavia, o caso da participação brasileira na I Conferência de
Belgrado mostra a influência dos EUA sobre os rumos da PEB para o período,
sugerindo que a autonomia decisória brasileira ficou em segundo plano em
decorrência dessa parceria estratégica com os EUA. Consequentemente, a busca
autonômica brasileira se relaciona com o binômio permissividade internacional
e viabilidade nacional, que sustenta um tripé: necessidade de promover o
desenvolvimento pari passu a relação com os EUA, a promoção dos princípios da
não intervenção e uma zona livre de armamentos nucleares na América Latina
(BERNAL-MEZA, 2016, p. 7).
A autonomia heterodoxa: um caminho alternativo à PEI
La vie politique cubaine, nas palavras de Duroselle e Kaspi (2001, p. 231),
teve uma íntima relação com as relações internacionais dos EUA, cujas relações
bilaterais ficaram tensionadas a partir da ascensão de Fidel Castro ao poder. Em
meados dos anos de 1960, instalava-se, na ilha cubana, uma dictature de gauche
(DUROSELLE; KASPI, 2001, p. 233), deflagrando uma ruptura entre Cuba e EUA,
ainda em 1959, fruto de crises políticas entre esses dois países. Nesse contexto
de Guerra Fria, Cuba declara-se parte do bloco soviético em outubro de 1960,
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 83-108
97Tiago Gabriel Tasca
redimensionando as preocupações dos EUA para o continente americano.
A aproximação entre Cuba e a URSS fica mais evidente após o fracasso da
invasão da Baía dos Porcos pelos EUA, em 1961, levando Fidel Castro e Che
Guevara a buscar apoio soviético para a “ameaça americana” (DUROSELLE;
KASPI, 2001, p. 238). A situação fica ainda mais delicada com a construção de
bases militares da URSS em Cuba, com o desenvolvimento de bases nucleares.
Essa construção suscitou uma atitude norte-americana para a defesa e segurança
hemisféricas. O caminho adotado pelos EUA foi o da quarentena, isto é, bloqueio
naval dos navios soviéticos que tentassem entrar na ilha cubana para descarregar
armamentos nucleares. Essa medida acirrou o contencioso soviético-americano,
no começo dos anos de 1960, deixando o mundo à mercê de uma perigosa ligação
pelo “telefone vermelho” (DUROSELLE; KASPI, 2001, p. 244).
Para o Brasil, a participação na crise esteve entre duas grandes fronteiras:
exercer a autonomia, instrumentalizando a PEI, e os constrangimentos estabelecidos
pelo parceiro estratégico brasileiro, os EUA. Assim, a estratégia da mediação
feita pela diplomacia brasileira entre EUA e Cuba foi secreta e teve uma gama de
interesses brasileiros como pano de fundo. Primeiro, o Brasil detinha o status de
aliado hemisférico privilegiado dos EUA, procurando ampliar seu papel regional
e global. Segundo, as forças armadas brasileiras estavam menos alarmadas que
os líderes norte-americanos por uma possível ameaça do fidelismo. Terceiro, à
luz dos movimentos dos não alinhados, os líderes brasileiros flertaram com uma
política externa independente através da qual eles poderiam escapar de ser um
mero subserviente dos EUA e ocupar um papel de maior relevância estratégica
entre Ocidente e Oriente. Quarto, havia substancial apoio doméstico brasileiro
tanto ao regime cubano quanto à causa neutralista mediante o Partido Socialista
Brasileiro, por exemplo (HERSHBERG, 2004; ÚLTIMA HORA, 1961b, p. 3).
Em que pese o objeto deste estudo, a importância do conceito de autonomia
para analisar a política externa brasileira (PEB) destaca-se como um alter ego na
formação dos processos decisórios dessa política (SARAIVA, 2014, p. 11). Sem
embargo, alguns autores sugerem que a autonomia já tinha base evolutiva anterior,
tendo sido apropriada pela PEI (SARAIVA, 2014; MUÑOZ, 2016). É possível observar
esse desenvolvimento anterior à PEI em dois momentos: o papel da autonomia
nas negociações tarifárias em que o Brasil participou no GATT e a questão de
informações na área nuclear, capitaneada pelo almirante Álvaro Alberto Mota e
Silva, ambos os casos ainda na década de 1950 (SARAIVA, 2014, p. 18-19).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 83-108
98 O Brasil na Guerra Fria: autonomia heterodoxa e a Política Externa Independente
Ainda, apesar de alguns estudos (MEDEIROS; CERIOLI; STADNIK, 2014, p. 15)
apontarem que houve a afirmação dos ideais da PEI e da autonomia diplomática
brasileira face às pressões dos EUA na VIII Reunião de Consulta dos Chanceleres
das Repúblicas Americanas, em 1962, no mesmo ano da Crise dos Mísseis, é
necessário relativizar essa autonomia como uma autonomia heterodoxa. Isso
porque, ao observar que a postura do chanceler brasileiro à época, Afonso Arinos,
evidencia-se uma posição mais favorável às negociações com os EUA e um apoio
popular à sua política de saneamento financeiro e austeridade administrativa, em
que se inseria o auxílio econômico externo (BEZERRA, 2010, p. 44; LOUREIRO;
GOMES JR.; BRAGA, 2018, p. 13).
A partir desse cenário de Guerra Fria e do despertar de um Movimento dos Não
Alinhados, sob os auspícios do conflito ideológico, os dois momentos analisados
aqui apontam que a autonomia brasileira foi relativizada, cujas nuances podem
ser captadas pela historiografia latino-americana. Primeiramente, a participação
brasileira na I Conferência de Belgrado suscita algumas incertezas quanto à
posição de autonomia brasileira. Essa conferência ocorreu em setembro de 1961,
na Iugoslávia, cujo intuito era o de iniciar oficialmente o Movimento dos Não
Alinhados (RAKOVE, 2014).
No auge da Guerra Fria, a decisão brasileira e a tentativa malsucedida
(HERSHBERG, 2007) de enviar um observador à conferência impactou a relação
entre Brasil e EUA. Segundo Hershberg (2007), o alinhamento pleno entre Brasil
e EUA suscitava desconfianças desse último quanto ao primeiro. A participação
brasileira nesse evento era o de levar o peso das nações sul-americanas ao
Movimento dos Não Alinhados, uma vez que Cuba era a única nação latino-
americana a participar da conferência. Desse modo, os iugoslavos temiam que
uma parcela de países chave da Europa, África e América do Sul não participassem
da Conferência por causa da pressão dos EUA, contrário à adesão à conferência
(HERSHBERG, 2007). Por conseguinte, o presidente iugoslavo solicita uma ação
mais direta dos países neutros na crise cubana, dentre eles o Brasil (JORNAL DO
BRASIL, 1962 a, p. 3).
Segundo Hershberg (2004), o ministro das Relações Exteriores, Afonso
Arinos, apoiava a participação brasileira nessa conferência visando a firmar o
posicionamento brasileiro na arena internacional e fortalecendo a posição e o
papel global do Brasil. Essa intenção reforça as diretrizes da PEI, quais sejam, a
coexistência pacífica e a ampliação do mercado externo aos produtos brasileiros
(VIZENTINI, 1994, 2003). Desse modo, é possível apontar duas motivações da
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 83-108
99Tiago Gabriel Tasca
participação brasileira na conferência. Primeiro, o presidente Quadros buscava
“marcar seu inconformismo e dizer que o mundo é um pouco mais vasto do
que pensam os líderes dos dois blocos” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1961b, p. 4).
Segundo, o reinício das experiências nucleares por parte da União Soviética,
as pressões pelas descolonizações africanas (Argélia, sobretudo) e pelo mote
do desenvolvimento eram impulsos que materializavam os três D’s da PEI:
desarmamento, desenvolvimento e descolonização (WROBEL, 1993; DIÁRIO DE
NOTÍCIAS, 1961d, p. 17).
Todavia, a decisão de Quadros em participar da conferência foi ambígua:
ora se alinhando com o mundo soviético, ora com os neutros, mas sem deixar de
lado a parceria estratégico-hemisférica com os EUA (HERSHBERG, 2007). Nesse
sentido, apesar da vontade nacional em participar, a pressão norte-americana
não deixou de influenciar os caminhos da autonomia decisória brasileira nesse
momento. Inicialmente, o Brasil mandaria um membro pleno para participar das
decisões da conferência. Contudo, a decisão brasileira foi a de enviar apenas um
membro observador, configurando a vontade brasileira de não se indispor com
Washington.
Como política externa, era o auge da PEI, e o Brasil defendia a autodeterminação
dos povos e diversificação de parcerias econômicas. Entretanto, internamente, o
cenário não era de estabilidade econômica. A renúncia de Quadros, em agosto
de 1961, a uma semana da I Conferência de Belgrado, revela uma dificuldade de
manobrar a viabilidade nacional, como posto por Jaguaribe (1973), para exercer
sua autonomia no cenário internacional. Assim, a autonomia decisória sofre de
cacofonia entre o discurso da PEI e as relações com os EUA. Internamente, a
imprensa nacional reverberou as incertezas brasileiras com relação a uma posição
neutralista (JORNAL DO BRASIL, 1961; DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1961a), salientando
que há diferença entre uma nação não alinhada e nação que deseja ter uma política
externa independente (caso do Brasil) (JORNAL DO BRASIL, 1962 b).
Demais disso, a PEI apresentava rachaduras e falhas na sua aplicação, podendo
ser notada nessa participação parcial brasileira na I Conferência de Belgrado.
De acordo com Hershberg (2007), Washington havia mostrado claramente seu
desapreço pelo neutralismo e não alinhamento do Brasil. Para os EUA, o Brasil
nunca deixara de ser um aliado hemisférico importante. Assim, a participação
brasileira nessa conferência era pertinente aos objetivos da PEI, que buscava uma
maior autonomia brasileira no cenário global, mas era conflitiva com a parceria
estratégica entre Brasil e EUA. Por conseguinte, em julho de 1962, o embaixador
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 83-108
100 O Brasil na Guerra Fria: autonomia heterodoxa e a Política Externa Independente
norte-americano no Brasil, Moors Cabot, declara que o Brasil era um país
comprometido com as potências ocidentais e não poderia, portanto, participar da
Conferência de Belgrado (ÚLTIMA HORA, 1961a, p. 6). Em meio ao mote da PEI, da
permissividade internacional – necessidade doméstica de financiamentos externos
–, a decisão final brasileira foi, portanto, de não se indispor com os EUA, exibindo
uma feição frustrada da política externa independente (HERSHBERG, 2007).
Em última análise, Vizentini (2003 1994) sinaliza cinco eixos basilares da
PEI, quais sejam: 1) formulação autônoma do desenvolvimento econômico e
ajuda internacional; 2) emancipação completa de territórios não autônomos;
3) coexistência pacífica e desarmamento geral; 4) não intervenção e autodeterminação;
5) ampliação do mercado externo aos produtos brasileiros. No que tange à
I Conferência de Belgrado de 1961, seus resultados consubstanciam essas
diretrizes. Da declaração geral da conferência, enfatizam-se as seguintes: 1) apoio
à concessão da independência aos povos coloniais, eliminando o colonialismo
antes de 31 de dezembro de 1962; 2) considerar violação da soberania nacional a
presença de bases militares contra a vontade de qualquer povo (ponto específico
relacionado à base estadunidense de Guantánamo em Cuba); 3) afirmação do
direito à autodeterminação; 4) fim do desequilíbrio entre as nações desenvolvidas
e subdesenvolvidas (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1961c, p. 4). Não obstante a
justaposição dos resultados à PEI, a participação moderada do Brasil no evento
revela dificuldades de uma autonomia puramente secessionista.
O segundo evento que lança luz à operacionalização do conceito de autonomia
brasileira é a participação do Brasil na crise dos mísseis de Cuba. Ressalta-se que
um dos motivos pelos quais os EUA solicitaram a mediação brasileira, além da
influência hemisférica de que dispunha o Brasil, era de evitar que o Brasil pendesse
para o lado dos não alinhados e comunistas. Portanto, a mediação fornecida pelo
Brasil foi arquitetada pelos EUA e apenas aplicada pelo Brasil, uma vez que o desejo
da PEB era de colaborar para a edificação de uma área livre de armas nucleares,
temática que recebeu pouca atenção. Esse movimento, portanto, conflui com uma
atuação direta dos EUA na autonomia decisória brasileira (LOUREIRO, 2016, p. 7).
Conforme aponta Hershberg (2004), a atuação da diplomacia brasileira durante
a crise dos mísseis de Cuba foi secreta, para que Fidel Castro não desconfiasse que
os EUA estavam atrás da mediação oferecida pelo Brasil. João Goulart, presidente
durante o período, ofereceu apoio à iniciativa dos EUA de lidar com os mísseis
soviéticos em Cuba, mas defendia, ao mesmo tempo, que a soberania cubana
deveria ser mantida. Já nesse momento, o Brasil tentava manter sua autonomia
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101Tiago Gabriel Tasca
vis-à-vis seu alinhamento histórico com os EUA, uma vez que Goulart não
apresentava uma posição firme quanto à quarentena aplicada pelos EUA a Cuba
(HERSHBERG, 2004). Assim, a percepção de Washington com relação à posição
brasileira à época foi a da necessidade de uma reavaliação da orientação política
do governo de João Goulart (LOUREIRO, 2016, p. 7).
Como medida de reavaliação, pelos EUA, da orientação política de Goulart, o
compromisso de financiamento firmado entre os EUA e Jânio Quadros, no começo
dos anos de 1960, foi revisto. Como consequência dessa transição e reavaliação,
as condicionalidades dos EUA para os financiamentos de estabilização econômica
brasileira foram mais rígidas e incisivas, adicionando novas condições demanda-
das pelo Fundo Monetário Internacional, sob o pressuposto do posicionamento
de Goulart frente a Cuba e aos países de influência comunista (LOUREIRO,
2014, p. 344). Essas condicionalidades utilizadas pelo governo de Washington
são apontadas como uma forma de enfraquecer as ligações entre Goulart e os
comunistas (LOUREIRO, 2014, p. 348).
O movimento que se observa ao longo da crise cubana é o seguinte: o Brasil
relativiza sua autonomia e contribui diretamente com os interesses da potência
hemisférica (EUA). A diplomacia triangular que se edificou entre Brasil, EUA e
Cuba, durante a Guerra Fria, coloca o Brasil como um ponto de contato entre os
dois países. Não obstante a busca de autonomia brasileira e defesa dos princípios
de autodeterminação e de não intervenção, como se nota na abstenção das votações
de expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA, em 1962),
a PEB acaba sendo instrumentalizada pelos EUA durante a crise dos mísseis de
Cuba e na I Conferência de Belgrado de 1961.
Diante desse breve arrazoado histórico-conceitual, a solução apresentada
pelo Brasil à crise era de uma área livre de armas nucleares na América Latina,
o que imprimia maior autonomia decisória brasileira para o desfecho da crise,
sem se render aos interesses da superpotência norte-americana. Todavia, não foi
isso que ocorreu. Segundo a análise de Puig (1986), o grupo político doméstico
no poder aceitava os desígnios dos EUA para a PEB. Apesar de ter um projeto
próprio de desenvolvimento nacional, buscava parcerias globais (lançando mão
da cooperação com a China e com países africanos) e, ainda que com ressalvas,
havia um interesse nacional em consolidação.
Além disso, a visão de Jaguaribe (1973) também permite inferir de que forma
os dois elementos de sua teoria autonômica se aplicam nos dois casos em análise.
A viabilidade nacional, isto é, a disposição de recursos se coloca à disposição da
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 83-108
102 O Brasil na Guerra Fria: autonomia heterodoxa e a Política Externa Independente
potência hemisférica, ao passo que a permissividade internacional pendia para
o jogo geopolítico e ideológico que se desenhava na América. Portanto, diante
do grande peso influenciador dos EUA na PEB, é difícil falar em autonomia
decisória plena no alvorecer dos anos de 1960, sendo, portanto, um caso passível
de autonomia heterodoxa. Ademais, a PEI pode ser vista como uma variável
interveniente na compreensão da autonomia brasileira para os dois eventos da
Guerra Fria em foco, isso porque seus elementos ampliam ou reduzem o impacto
das variáveis independentes (crise dos mísseis e I Conferência de Belgrado) no
elemento dependente (autonomia brasileira) dessa narrativa.
Desse modo, a formulação autônoma do desenvolvimento econômico e
ajuda internacional é articulada por Hershberg (2004) como um movimento de
dificuldade brasileira, uma vez que a participação do Brasil foi limitada dada a
dificuldade de dissuadir os países latino-americanos. Apesar da busca de recursos
mediante a Aliança para o Progresso, o Brasil ficou à mercê de uma retaliação
econômico-financeira dos EUA (LOUREIRO, 2016), ao passo que defendia os
pressupostos de não intervenção em Cuba. Segundo, Loureiro (2014) e Loureiro,
Gomes Jr, e Braga (2018) lançam luz para o vetor financeiro como grande ponta
de lança dos interesses brasileiros com os EUA, sobretudo com o financiamento
potencial da Aliança para o Progresso. Contudo, não se deve perder de vista
o papel político que essa aliança continha: atração e manutenção de países
aliados à causa estadunidense em meio à Guerra Fria. Nessa esteira, sublinha-
se o fator de permissividade internacional: a necessidade doméstica de capital
(pressão inflacionária e déficits comerciais) se coaduna com o afastamento de
uma autonomia secessionista, aquela que pressuporia a busca pelo rompimento
com os interesses da potência hegemônica; ao mesmo tempo, evita-se adentrar
inteiramente a esfera de influência dessa mesma potência. Portanto, nesse jogo
de forças, encontraríamos uma autonomia heterodoxa.
Conclusão
Inicialmente, um esboço historiográfico foi feito para mostrar como a
historiografia latino-americana apresenta-se como panóplia relevante para decifrar
os desafios desse continente visto de forma endógena e particular. A apresentação
de conceitos artificiais, mas consubstanciados empiricamente, revelam a tradição
historiográfica francesa de Duroselle (2000) e traduzem a importância conceitual
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 83-108
103Tiago Gabriel Tasca
para a historiografia latino-americana, cujo desenvolvimento econômico tornou-se
variável dependente da história das relações internacionais da América Latina.
Desse modo, o leitmotiv dessa narrativa constituiu-se dos matizes dados pela
historiografia latino-americana ao conceito de autonomia.
Um segundo momento deste trabalho foi dedicado à compreensão da teoria
autonomizante. Guiado pelo desejo de promover o desenvolvimento, o conceito
de autonomia evoluiu ao longo do tempo e desmantelou-se com interpretações
próprias e distintas, como as divergências entre o conceito brasileiro e argentino.
Assim, sob o ponto de vista regional, Puig e Jaguaribe protagonizam uma dialética
epistemológica que leva a um conceito puigiano com bases jaguaribeanas, o de
autonomia heterodoxa, para a PEB, durante a PEI. O esforço foi, portanto, na
direção de que os matizes estratégicos da PEI permitem ampliar ou reduzir o
impacto dos dois eventos aqui analisados (variáveis independentes) na questão
da autonomia brasileira para o período (variável dependente), confluindo em
uma estratégia metodológica hipotético-dedutiva, que congrega o esforço da
aplicabilidade de conceitos dos estudos historiográficos latino-americanos para
eventos regionais.
Para se compreender as raízes conceituais pontuadas pela historiografia
latino-americana sobre autonomia, foram sinalizadas algumas forças morais e
materiais que se dissolvem nas influências do conflito ideológico para o continente
americano. Lançou-se mão do conceito autonômico para os dois casos em
análise, sugerindo que a operacionalização desse conceito perpassa as relações
bilaterais entre Brasil e EUA, bem como os princípios das relações internacionais
brasileiras, como a autodeterminação e a não intervenção. Não raro, a inserção
da autonomia na estratégia internacional brasileira reflete interpretações próprias
da realidade desenvolvimentista brasileira. Entretanto, encontra obstáculos
bifocais: a viabilidade nacional (situação de desequilíbrio macroeconômico
interno) e permissividade internacional (o auge do conflito ideológico vis-à-vis
uma necessidade externa de capital viabilizada pela Aliança para o Progresso),
que foram os mecanismos analíticos utilizados neste trabalho e que confluem em
uma ideia de autonomia heterodoxa, longe daquela secessionista.
Em que pese a autonomia heterodoxa, observou-se possível sua aplicação
na participação parcial do Brasil na I Conferência de Belgrado e para a posição
brasileira na crise dos mísseis de Cuba. Ainda que de forma cautelar, evitando uma
artificialidade do conceito de autonomia – relembrado por Duroselle (2000) –, a
participação brasileira, no desfecho da crise dos mísseis de Cuba, revela pontos
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104 O Brasil na Guerra Fria: autonomia heterodoxa e a Política Externa Independente
de intersecção entre a autonomia heterodoxa de Puig e o conceito de autonomia
de Jaguaribe, apesar das diferentes percepções da historiografia brasileira e
argentina para o conceito, mas que se tocam, ainda que en passant, fortalecendo
as interpretações historiográficas latino-americanas para os assuntos endógenos
à região.
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