Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 83-108
90 O Brasil na Guerra Fria: autonomia heterodoxa e a Política Externa Independente
mecanismo de negociação da dependência brasileira frente aos EUA (MUÑOZ,
2016, p. 203; LESSA, 2013, p. 883).
Diante disso, observa-se que uma trajetória do alinhamento do Brasil com os
EUA – sob o tratamento de elemento interveniente para a instrumentalização da
autonomia –, vinda desde os anos do Barão de Rio Branco, encontraria desgastes
durante a Guerra Fria, sobretudo no que concerne à tentativa de autonomia
da PEB. Dessa maneira, Jaguaribe (1958) percebe que esse alinhamento era
anacrônico e que deveria ceder espaço ao neutralismo, servindo aos fins últimos
do desenvolvimento e da integração do território nacional (MUÑOZ, 2016, p.
220). O pano de fundo da análise conceitual de Jaguaribe era o estancamento
econômico, político, social e cultural da região, que necessitava superar esses
problemas estruturais (GRANATO, 2014, p. 83). A questão central, então, passa
a ser a instrumentalização da autonomia, isto é, sua efetiva operacionalização.
Essa tendência será aprofundada nos anos auríferos da PEI, em que a liberdade
de movimento diplomático brasileiro estava limitada pela sua delicada situação
doméstica (FRANCHINI NETO, 2005, p. 15). As ideias de Jaguaribe são norteadoras
para se compreender a posição brasileira durante a Guerra Fria. Como aponta
Muñoz (2016, p. 206), o conceito de autonomia, para Jaguaribe, aparecia como
indissociável da ideia de nacionalismo integrador, isto é, uma postura exterior
neutralista vis-à-vis a prevalência da soberania popular no plano doméstico
(JAGUARIBE, 1958, p. 32). Todavia, esse neutralismo é colocado à prova em dois
momentos, durante a Guerra Fria: participação brasileira na I Conferência de
Belgrado, em 1961, e na crise dos mísseis de Cuba, em 1962.
Ainda no período da Guerra Fria, o Movimento dos Não Alinhados, oficialmente
lançado em Bandung, em 1955, coloca em evidência um apreço brasileiro ao
meio-termo e à acomodação (MUÑOZ, 2016, p. 212). Jaguaribe (1958, p. 93)
classifica a autonomia brasileira como autonomia regional, ou seja, restrita a
uma determinada região, sem uma vigência global. O mesmo autor (1958, p. 96)
sugere que a autonomia depende de duas condições básicas: viabilidade nacional e
permissividade internacional, aspectos centrais para se entender a necessidade de
uma relativização da autonomia heterodoxa para o período diplomático brasileiro.
A viabilidade nacional, conforme Jaguaribe (1958, p. 96), depende de o
quanto um Estado dispõe de um mínimo de recursos humanos e naturais. Essa
disposição varia ao longo de um determinado momento histórico, isto é, há períodos
em que haverá maior demanda por recursos humanos e naturais. Esse mínimo
crítico, ademais, é condicionado pelas exigências tecnológicas de cada período,