173Lara Martim Rodrigues Selis
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 171-194
Em comum, autores da América Latina, África e Ásia problematizavam a
posição geocultural hegemônica da Europa e de suas categorias analíticas. Por
conseguinte, verifica-se a consolidação de esforços teóricos, cujo olhar, investido
do propósito crítico, torna-se igualmente indissociável do fenômeno histórico da
ciência moderna e de suas contradições. Sob esse horizonte, o presente artigo
almeja mapear algumas das literaturas que buscaram enfrentar tal metafísica
dualista da razão, estabelecendo como objetivo geral o intuito de compreender
algumas das particularidades das respostas latino-americanas. Afinal, é possível
pensar sobre (e contra) o sistema mundo moderno, desde uma posição exterior?
Ou ainda, no contato entre centro e periferia, haveria um espaço para enunciação
crítica, desde as margens?
No trajeto dessa revisão, o artigo se atenta às contribuições realizadas
em diferentes domínios intelectuais do pensamento social latino-americano,
buscando assim abordar três coletivos
3
teóricos que ganham destaque a partir da
segunda metade do século XX: as teorias da dependência; o grupo modernidade/
colonialidade e os intérpretes da antropofagia
4
. Certamente, não advogo o fato
daquelas serem as únicas, ou mesmo as mais representativas correntes do
pensamento social produzidos na América Latina. Tendo em vista a extensão
histórica e teórica da produção intelectual da região, qualquer escolha implicaria
limites que, embora metodologicamente impulsionados, não escapam ao domínio
dos interesses de quem escreve
5
.
3 A escolha pela referência a “grupos” teóricos não se faz sem a ciência dos riscos implicados nesse tipo de
taxonomia. Reconhece-se, portanto, que tais divisões coletivas jamais são inequívocas, e que um tratamento
completo de suas particularidades internas, embora desejável, apresenta-se impraticável ao presente artigo. Por
outro lado, a manutenção de tal recorte justifica-se pelo entendimento de que, ainda que precárias, tais caixas
taxológicas traduzem movimentos históricos e sociais relevantes para a compreensão e localização da produção
intelectual latino-americana. Assim, espera-se que a aplicação dessas identidades sirva ao exercício de uma
espécie de sociologia do conhecimento que, somada à análise teórica, sustente um mapeamento satisfatório da
temática analisada.
4 É importante pontuar que essa terceira referência, vinculada aos intérpretes da antropofagia, não traduz uma
escola ou programa unificado de investigação teórica. Por outro lado, como explica Beatriz Azevedo (2016), as
últimas décadas assistem a um revigoramento de autores que trazem novas luzes à obra oswaldiana, especialmente
através da mobilização do tema da antropofagia como material interpretativo do Brasil e da América Latina.
Nessa tendência, incluem-se nomes como Eduardo Viveiros de Castro, Luiz Costa Lima, Silviano Santigo,
dentre outros.
5 Cabe aqui uma nota de ciência autoral sobre os limites desse recorte. Este que, ao selecionar os três programas
supracitados, acaba por não tocar diretamente perspectivas e autores igualmente importantes — como José
Carlos Mariátegui (Peru), Sergio Bangú (Argentina), Aldo Ferrer (Argentina), Florestan Fernandes (Brasil),
Orlando Fals Borda (Colombia), Silvia Rivera Cusicanqui (Bolívia), René Zavaleta Mercado (Bolivia),
dentre outros.