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A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS:
a doação de antirretrovirais como soft power do
Brasil no cenário internacional
Brazilian South-South cooperation on HIV/AIDS:
the donation of anti-retrovirals as soft power of
Brazil in the international scenario
DOI: 10.21530/ci.v13n3.2018.795
Fabiola Faro Eloy Dunda
1
Resumo
A cooperação Sul-Sul brasileira em saúde pode ser visualizada em vários campos da
área, tais como no contexto dos bancos de leite humano, na doação de medicamentos
antirretrovirais, nos projetos de combate à epidemia de HIV/AIDS em parceria com vários
países e na participação com outros países no desenvolvimento de vacinas e medicamentos.
No presente artigo, será analisada a cooperação Sul-Sul brasileira para o combate ao
HIV/AIDS como soft power do país, por meio da doação de medicamentos antirretrovirais
para países das Américas, África e Ásia entre os anos 2003 e 2016. Fontes de soft power –
tais como valores políticos, a personalidade de um líder, as instituições e a política externa
do país – foram utilizadas para verificar como o Brasil exerceu poder de atração para outros
países no sistema internacional, facilitando, nesse sentido, a demanda dos mesmos por
cooperação na área. Conclui-se, ao final, que as fontes de soft power destacadas estiveram
presentes na referida cooperação.
Palavras-chave: Cooperação Sul-Sul; AIDS; antirretrovirais; soft power; política externa
brasileira.
Abstract
Brazilian South-South cooperation in health can be seen in various fields of the area, such
as in the context of human milk banks, in the donation of antiretroviral drugs, in projects
to fight the HIV/AIDS epidemic in partnership with several countries, as well as in the
1 Médica formada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Mestre em Relações Internacionais pela Universidade
Estadual da Paraíba (UEPB); Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Artigo submetido em 03/05/2018 e aprovado em 02/10/2018.
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110 A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS [...]
participation with other countries in the development of vaccines and medicines. This article
will analyze the Brazilian South-South cooperation to fight HIV/AIDS as the country’s Soft
power through the donation of antiretroviral drugs to countries in the Americas, Africa and
Asia between the years 2003 and 2016. Sources of Soft power, such as political values, the
personality of a leader, institutions, and the foreign policy of the country were used to verify
how Brazil exerted power of attraction to other countries in the International System, thus
facilitating the demand of them for cooperation in the area. It is concluded, in the end, that
the highlighted sources of Soft power were present in this cooperation.
Keywords: South-South Cooperation; AIDS; antiretrovirals; Soft power; Brazilian foreign policy
Introdução
O conceito de cooperação Sul-Sul não encontra consenso entre aqueles que o
estudam, mas observa-se que existe aquiescência no que se refere aos princípios
que o regem. Para autores como Leite, Suyama e Waisbich (2013, p.1) a cooperação
Sul-Sul entre países em desenvolvimento é definida como
ação que é regida pelos princípios de diplomacia solidária; é orientada pela
lógica da demanda de países em desenvolvimento; reconhece a experiência
local como parte importante para a execução de projetos, não exige condicio-
nalidades, não vincula interesses comerciais ou fins lucrativos à execução
dos projetos, e evita ingerência em assuntos internos dos países parceiros.
No âmbito brasileiro, o discurso oficial sobre a cooperação ressalta o não
interesse econômico-comercial e a solidariedade entre os países em desenvolvimento
como algumas das principais razões para se estabelecer ações no modelo Sul-Sul
(ABC, 2018). Autores como Corrêa (2010) destacam que a cooperação Sul-Sul
entre países em desenvolvimento preza pelo respeito à soberania; prima pela
não ingerência nos assuntos internos dos países parceiros e apresenta vantagens
comparativas frente à cooperação Norte-Sul, tais como custos operacionais menores,
disponibilização de tecnologias e experiência e boas práticas desenvolvidas entre
países em desenvolvimento.
Puente (2010) ressalta que as motivações de um país ou dos atores envolvidos
na cooperação podem ser de cunho moral, humanitário e altruístico, e essa
vertente estaria baseada em elementos filosóficos e religiosos, os quais fazem
pressupor que países mais ricos e economicamente desenvolvidos teriam o dever
moral de ajudar aqueles países em condições econômicas e sociais desfavoráveis.
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111Fabiola Faro Eloy Dunda
O autor destaca ainda como motivações para a cooperação, a ética, interesses
econômico-comerciais, laços históricas e/ou culturais. Refletindo-se a partir dessas
considerações, a cooperação Sul-Sul brasileira pode ser motivada não apenas pela
solidariedade, como destacado no discurso oficial citado anteriormente, podendo
haver também interesses políticos e econômicos nas ações estabelecidas com
outros países.
O Brasil desenvolve cooperação em vários setores da área de saúde, tais
como o combate à epidemia de HIV/AIDS e os bancos de leite humano (ABC,
2018). Destaca-se neste artigo a cooperação Sul-Sul para o combate ao HIV/AIDS,
que tem na doação de medicamentos antirretrovirais para países da América
do Sul, América Central, África e Ásia a sua vertente humanitária. No contexto
desse modelo, ressalta-se a solidariedade como uma das molas propulsoras para
a cooperação. O relatório da UNAIDS do ano de 2017 informou que existem,
aproximadamente, trinta e seis milhões de pessoas contaminadas pelo vírus HIV
no mundo e, dessas, apenas dezenove milhões estavam recebendo tratamento
com antirretrovirais (UNAIDS DATA, 2017).
Nye (2004) refere que “poder” pode significar influência de um agente (Estado,
instituições, organizações, indivíduo etc.) no sistema internacional e, nesse
contexto, a influência funciona como poder de atração e aquiescência, e pode ser
considerada como um instrumento de poder brando, ou soft power. Analisando-se
a cooperação Sul-Sul brasileira no combate à epidemia de HIV/AIDS, a mesma não
utiliza força ou coerção para estabelecer ações na área, podendo, nesse sentido,
ser enquadrada no conceito de soft power, em que ideias como poder de atração,
influência e persuasão são destacadas.
O tema abordado no presente artigo se justifica, inicialmente, por ser a saúde
um assunto relevante nas relações internacionais e ainda com poucos estudos na
área. A epidemia de HIV/AIDS continua afetando vários países, principalmente
aqueles mais pobres economicamente, como os situados no continente africano.
A cooperação na área é uma forma de tentar diminuir os impactos da doença nas
sociedades atingidas, além de contribuir para que mais pessoas tenham acesso
ao tratamento de uma doença ainda sem cura nos dias atuais.
No campo político, a cooperação na área de saúde é uma forma de atuação
dos países no sistema internacional, destacando-se aqueles que têm mais expertise
e a utilizam como meio de alcançar seus interesses. Nesse contexto, o Brasil,
atuando por meio dessa cooperação específica, procura aumentar seu poder de
influência utilizando instrumentos de soft power.
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O presente artigo analisa a vertente humanitária da cooperação Sul-Sul brasileira
de combate ao HIV/AIDS por meio da doação de medicação antirretrovirais,
entre os anos de 2003 e 2016. A metodologia utilizada foi o estudo de caso, com
análise qualitativa e quantitativa, por meio de análise de conteúdo e estatística
descritiva, respectivamente. Os dados referentes à doação de antirretrovirais foram
solicitados ao Ministério das Relações Exteriores e ao Ministério da Saúde através
do sistema eletrônico do serviço de informação ao cidadão (e-sic). O referencial
teórico se baseia na teoria do soft power, cujo principal expoente é Joseph Nye,
interconectando o que o autor considera como fontes de soft power e os dados
referentes à doação de antirretrovirais pelo Brasil.
O artigo está divido em uma seção inicial que especifica de forma não
aprofundada os princípios da cooperação Sul-Sul, o discurso brasileiro sobre o
tema, as motivações da pesquisa, bem como o marco teórico sobre o qual o artigo
se assenta e a metodologia utilizada. A seção um interconecta os conceitos de
poder, saúde, política externa e soft power, abordando a relação e a influência
entre saúde e política externa.
Na seção dois, são apresentados os dados referentes à doação de medicamentos
antirretrovirais entre 2003 e 2016, que desagregados demonstram os gastos, os
países, a área geográfica a que pertencem e a quantidade de medicamentos doados
ao longo dos anos e dos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e
Dilma Rousseff. A seção três aprofunda a temática analisando os dados, fazendo
a correlação dos mesmos com as fontes de soft power. O artigo é concluído com
algumas considerações finais.
Poder, saúde, política externa e soft power: onde os conceitos
se encontram?
Poder é um conceito contestado, e que encontra entendimentos diferentes
quanto ao seu significado. Poder pode estar relacionado ao binômio causa-efeito,
ou seja, um agente que possua maior “poder” pode afetar o comportamento, as
ações, as crenças de outro agente (BALDWIN, 1993). Waltz (1979) vai rejeitar
o entendimento causal, e vai expressar a ideia de que o agente mais poderoso
é aquele que tem a capacidade de afetar outros agentes muito mais do que ser
afetado por eles (WALTZ apud BALDWIN, 1993).
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113Fabiola Faro Eloy Dunda
Poder pode ser entendido também como “capacidades”, e nesse sentido seria
uma das formas de analisar a extensão da força de um agente, no caso, um Estado,
no sistema internacional. As capacidades de um Estado poderiam se expressar
através de componentes materiais e/ou imateriais de que o país dispõe, tais como
a força militar, a economia, a cultura, a política doméstica/externa etc. Nesse
sentido, medir-se-ia o poder de um ou mais Estado(s) sobre outro(s) no sistema
internacional (BALDWIN, 1993).
Poder também se relaciona com a ideia de soma zero, ou seja, quando dois
ou mais Estados entram em alguma disputa em determinada área de interesse no
sistema internacional, se um deles obtiver mais vantagem e ganhos que o outro,
esse será um jogo onde aquele que ganha implica necessariamente que o outro
perde tudo (BALDWIN, 1993).
Bobbio (2017), sobre a ideia de poder, discorre sobre três teorias fundamentais
concernentes ao assunto: a substancialista, a subjetivista e a relacional. Na
primeira, poder é entendido como “uma coisa que se possui e se usa como outro
bem qualquer ”(BOBBIO,2017, p. 100); na segunda, o autor faz referência à
interpretação subjetivista do poder
2
onde “poder seria não a coisa que serve para
alcançar o objetivo, mas a capacidade de o sujeito alcançar certos efeitos”(BOBBIO,
2017, p. 101); e a terceira entende poder como “uma relação entre dois sujeitos, dos
quais o primeiro obtém do segundo um comportamento, que, em caso contrário,
não ocorreria ” (BOBBIO, 2017, p. 101)
Poder pode ser definido também como a habilidade de influenciar o
comportamento dos outros para conseguir o(s) resultado(s) desejado(s), atuando
por meio da coerção, da indução ou da atração. Quando um Estado tem capacidade
de atrair outros Estados por meio de estratégias que geram atração, esse poder é
entendido como soft power (NYE, 2004). Em sua essência, o soft power
3
de um
Estado seria a habilidade que o mesmo tem em moldar as preferências de outros
Estados para a consecução de seus interesses e, de forma geral, “a habilidade
2 Ao se referir à teoria subjetivista, Bobbio (2017) reflete no texto à interpretação de poder dada por Locke (1694,
II, XXI) quando este último faz a consideração de que “o fogo tem o poder de fundir os metais” do mesmo modo
que o soberano tem o poder de fazer as leis e, fazendo as leis, de influir sobre a conduta de seus súditos.
3 Soft Power é um conceito desenvolvido por Joseph Nye Jr inicialmente em seu livro Bound to Lead, publicado
em 1990, e inserido no contexto de discussão daquele período, de que a América estava em declínio. O próprio
autor faz referência no prefácio de seu livro Soft Power. The means to success in world politics (2004) sobre
esse fato e de como, a partir da criação desse conceito, o mesmo passou a ser utilizado em discursos públicos
de líderes políticos, bem como no meio acadêmico. O autor retornou a discorrer sobre o tema de forma mais
aprofundada em dois outros livros: The Paradox of American Power, publicado em 2001 e no referido anteriormente,
publicado em 2004.
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de estabelecer preferência tende a ser associada a bens intangíveis tais como a
personalidade, a cultura, os valores políticos e as instituições, e políticas que são
vistas como legítimas ou tendo autoridade moral”
4
(NYE, 2004, p.6).
As políticas empreendidas pelo país podem ser vistas como legítimas, ou
tendo autoridade moral para serem implementadas, e, nesse sentido, soft power
não seria simplesmente influenciar o sistema, mas também o quanto e como um
Estado conseguiria exercer seu poder de atração no intuito de alcançar o interesse
desejado (NYE, 2004, p. 6). Acrescenta-se que soft power é a “habilidade de atrair,
e a atração frequentemente leva à aquiescência ”
5
, e as fontes desse tipo de poder
é que produzem essa atração, podendo ser encontradas primariamente na sua
cultura, nos seus valores políticos e na sua política externa (NYE, 2004). A cultura
como fonte de soft power tem um espectro abrangente, podendo ser considerada
desde áreas que podem promover o conhecimento e/ou o entretenimento, tais
como arte, literatura, educação, música etc., como também valores universais e
políticas adotadas por determinada sociedade, e que despertam o interesse de
outras sociedades para o compartilhamento daquelas ideias (NYE, 2004).
Soft power é um conceito que também encontra críticas dentre aqueles que
o estudam. Fergunson (2009), discorrendo sobre fontes de poder, considera que
fontes materiais de poder, tais como a militar, econômica e financeira, por exemplo,
podem determinar, mas não necessariamente, que uma nação seja vista como
grande potência no sistema internacional. Para o autor, no mundo globalizado, o
poder militar depende também de crescimento econômico e instituições políticas.
Destacando o papel do soft power, Ferguson (2009) considera que o não uso
da força em domínios menos conflituosos, como a cultura e o comércio, não
necessariamente levará a maior atração e influência de um país mais forte sobre
outro menos forte em termos de poder, fazendo uma crítica direta ao conceito e
ideia desenvolvidos por Joseph Nye nos anos de 1990.
Outro autor que tem um entendimento diferente de Joseph Nye sobre soft
power é Matsuda (2007), que considera que o poder brando seria uma “via de mão
dupla”, ou seja, na relação entre dois países haveria ao mesmo tempo influência
e resistência nessa interação (MATSUDA apud DUTTA, 2018). Gray (2011) propõe
também um olhar crítico sobre a análise do soft power no que tange ao conceito,
4 No original: “The ability to establish preferences tends to be associated with intangible assets such as an
attractive personality, culture, political values and institutions, and polices that are seen as legitimate or having
moral authority”
5 No original: “It is also the ability to attract, and attraction often leads to acquiescence”
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115Fabiola Faro Eloy Dunda
de onde ele vem e quem o controla, e qual é a qualidade e quantidade dessa
potencial influência (GRAY, 2011). Para o autor, “cooptar” um país por influência
não significa, necessariamente, que estaria havendo soft power e que os efeitos
dessa ação seriam automaticamente positivos. Gray (2011) ressalta que, em
algumas situações, a influência de um país sobre outro sem o uso da força e/
ou coerção pode ser negativa, gerando ressentimento, hostilidade e/ou outros
sentimentos e/ou ações negativos não previstos na relação inicial. O autor defende
que, em algumas ocasiões, a atração de países considerados menos potentes no
sistema internacional, quando se refere aos Estados Unidos, pode ser resultado
não necessariamente do poder brando exercido pelo mesmo, mas possivelmente
pela ideia de que os Estados Unidos é visto e considerado como um país guardião
no/do sistema internacional e que pode exercer (e exerce em algumas ocasiões)
o papel de líder na formação de coalizões entre os Estados (GRAY, 2011).
Aprofundando um pouco mais o espectro de análise sobre soft power,
particularmente no que concerne a uma de suas principais críticas – como se
mede esse tipo de poder de um país no sistema internacional? –, McClory (2018)
introduz instrumentos que possibilitam identificar e medir o soft power de forma
mais concreta e menos subjetiva por meio de índices apresentados e expostos
no relatório “Soft Power 30 index” (MCCLORY, 2018). O autor combina dados
objetivos e subjetivos para medir o soft power de um país, colocando-os em ranking
internacional. Os dados objetivos são distribuídos em seis categorias divididas
em subíndices que pontuam individualmente. Os índices são governo, cultura,
empresas, comprometimento global, digital e educação
6
. Os dados subjetivos são
obtidos por meio de pesquisa/enquete internacional, realizadas atualmente em
vinte e cinco países, e que incluem questões curtas que pontuam de 0-10, e se
baseiam na percepção da população estudada sobre questões relativas à interação
com outros países. O autor refere que existem limitações na metodologia aplicada,
principalmente por serem os dados subjetivos difíceis de medir, quando se considera
a complexidade dos mesmos, bem como a complexidade das inter-relações entre
os Estados-nações (MCCLORY, 2018)
Saúde também é um conceito que tem ampla interpretação, podendo o termo
ser entendido como a ausência de doença, como bem-estar ou ainda como valor
social. Hodiernamente o conceito de saúde também está ligado aos determinantes
6 Os dados objetivos são pesquisados em várias fontes, estando as mesmas relacionadas diretamente ao tema
pesquisado. Os dados medidos em cada índice referido no texto podem ser encontrados no apêndice do relatório
The Soft Power 30. A Global Ranking os Soft Power 2018”, disponibilizado nas referências.
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116 A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS [...]
e condicionantes do complexo saúde-doença (BATISTELLA, 2007).
Atualmente,
defende-se que um conceito amplo de saúde deve considerar não apenas a ausência
de doenças, mas a ausência ou a diminuição de condições socioambientais que
possam causar as mesmas (BATISTELLA, 2007).
Saúde entendida como bem-estar é um conceito que está inserido no contexto
da cooperação internacional, e previsto no documento constitutivo da Organização
Mundial da Saúde de 1948. No referido documento, saúde passa a ser entendida
como “um completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não apenas a
ausência de doença ou enfermidade” (BATISTELLA, 2007, p. 57). No contexto
da cooperação internacional, a saúde é uma temática que se inter-relaciona com
a política externa e, dessa estreita relação, a saúde pode ser negligenciada pela
política externa, ou pode servir aos objetivos da mesma. Nesse segundo cenário,
a saúde se transforma em um instrumento de política externa ou parte integral
da mesma (KICHBUSCH, 2013).
No cenário em que a saúde é negligenciada pela política externa, pode-se
usar como exemplo as sanções econômicas ou acordos de comércio e propriedade
intelectual quando esses provocam efeitos deletérios na área de saúde pública.
Exemplo dessa negligência foi o processo de negociação, em 2010, do acordo de
livre-comércio entre a Índia e a União Europeia que, em uma de suas cláusulas,
previa a exclusividade de dados, a extensão do tempo de patentes farmacêuticas
para mais de vinte anos e medidas de fronteiras que podem afetar diretamente
a questão da produção de medicamentos genéricos pela Índia, o que levaria ao
prejuízo nacional e mundial de fornecimento de medicamentos, tais como o
utilizado para o tratamento do HIV/AIDS
(IDEC, 2018).
No outro extremo da relação, a política externa estaria servindo aos objetivos
da saúde. Nesse contexto, a temática da saúde é discutida em fóruns internacionais
e regionais, tais como a OMC, ONU, BRICS, IBAS, o G-20, Mercosul e outros,
trazendo à tona questões de importância tanto para o sistema internacional,
quanto para o âmbito regional e nacional (KICHBUSCH, 2013). Quando a saúde
se torna instrumento e/ou parte integral da política externa, a temática serve aos
interesses nacionais, aumentando a relação entre os países, tais como acordos,
planos de assistência financeira ou humanitária e cooperação em diversas áreas.
No momento em que eclodem problemas globais, tais como a epidemia de HIV/
AIDS, de H1N1 ou a recente epidemia de ebola na África Ocidental, por exemplo,
a saúde é parte integral da política externa dos países, pois a solução de problemas
globais envolve o esforço cooperativo e a participação de Estados que estão
envolvidos direta ou indiretamente no problema em questão (KICHBUSCH, 2013).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
117Fabiola Faro Eloy Dunda
O início da institucionalização entre saúde e política externa remonta ao
século XIX, no contexto da primeira Conferência Sanitária Internacional, em 1851,
para discutir questões relacionadas ao comércio e navegação. Quase duzentos
anos depois, políticas e acordos para problemas de saúde global, incluindo
aqueles que transcendem as fronteiras nacionais, são discutidos principalmente
na Organização Mundial da Saúde, uma das instituições criadas no pós II Guerra
Mundial (KICHBUSCH, 2013). No contexto da relação saúde e política externa,
autores que discutem a saúde global introduzem o conceito de diplomacia
da saúde, entendido como “um método de alcançar compromisso e consenso
em assuntos relativos ao tema, particularmente no caso de outros interesses
relacionados à política internacional, interesses econômicos e valores éticos ”
7
(KICHBUSCH, 2013, p.11).
A política externa como fonte de soft power também pode funcionar como
um instrumento que afeta a preferência de outros Estados (NYE, 2004). Nesse
contexto, Nye (2004) ressalta que governos podem atrair ou repelir outros países
pela influência de seu exemplo. Considerando a cooperação brasileira em saúde
como parte integrante da política externa brasileira, particularmente a que se
estabelece na área de combate ao HIV/AIDS, as ações desenvolvidas na área
podem influenciar a relação do país com outros Estados como, por exemplo,
através da doação de medicamentos antirretrovirais. No Brasil, o acesso universal
ao tratamento pode ser identificado como uma das razões da manutenção da baixa
prevalência da doença entre a população entre 15 e 45 anos, atualmente estimada
em 0,6% (BANCO MUNDIAL, 2018). A cooperação brasileira na área de combate
ao HIV/AIDS permite que mais pessoas em outros países tenham mais acesso ao
tratamento com os antirretrovirais, e naqueles países em que a prevalência da
doença encontra-se ainda elevada, maior acesso ao tratamento pode levar também
à diminuição do número de mortos e pessoas contaminadas, a exemplo do que
ocorre na realidade brasileira.
As boas práticas do combate à epidemia no Brasil, com políticas públicas
específicas orientadas para essa realidade e com resultados positivos quando se
considera o tamanho da população do país e o número de pessoas contaminadas,
refletidos na baixa prevalência da doença, podem ser fontes de atração de outros
países para estabelecer cooperação na área.
7 No original: “[..] a method for reaching compromise and consensus in matters pertaining to health, usually in
the face of other interests related to international politics, economics interests, and ethical values”
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
118 A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS [...]
A doação brasileira de medicamentos antirretrovirais
A resolução A/RES/46/182, de 1991, da Organização das Nações Unidas,
estabeleceu que a assistência humanitária tem importância fundamental para
vítimas de desastres naturais e outras emergências, e deve ser fornecida de acordo
com os princípios de humanidade, neutralidade e imparcialidade. A soberania,
integridade territorial e a unidade nacional dos Estados afetados devem ser
respeitadas e, nesse contexto, a assistência humanitária deve ser fornecida com o
consentimento do Estado afetado, que fará o apelo por assistência à comunidade
internacional (ONU, 2016a).
Em 2004, a A/RES/58/114 reafirmou a necessidade de fortalecimento da
coordenação para a assistência de emergência humanitária e os princípios de
humanidade, neutralidade e imparcialidade. A resolução enfatizou ainda a
importância da discussão sobre políticas no campo da assistência humanitária e a
necessidade de aumentar a cooperação entre países, e também com organizações,
para garantir a assistência à pessoa humana (ONU, 2016b).
No Brasil, a criação da Coordenação-Geral de Cooperação Humanitária
Internacional e combate à fome (CGFome), em 2004, e a criação do Grupo de
Trabalho Interministerial sobre Assistência Humanitária (GTI-AHI), em 2006
(IPEA,/ABC, 2016), serviram como bases institucionais para a concretização e a
efetivação do modelo de cooperação humanitária brasileira por meio da doação
de antirretrovirais, no início dos anos 2000.
No campo da cooperação humanitária em saúde, a doação de medicamentos
é uma das principais atividades desenvolvidas pelo país e, dentre essas, a doação
de antirretrovirais representa o maior percentual de medicamentos doados (IPEA/
ABC, 2016). No que se refere aos gastos com a doação de antirretrovirais, entre 2003
e 2015 o país gastou aproximadamente trinta e oito milhões de reais (MINISTÉRO
DA SAUDE, 2016a), destacando-se o governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (2003-2010), que alcançou cifras aproximadas de vinte e quatro milhões
de reais. Nesse período de governo (2003 e 2010), os gastos com a doação de
medicamentos foi ascendente, atingindo aproximadamente sete milhões de reais
em 2009.
No período do governo da presidente Dilma Rousseff, entre os anos 2011 e
2015, o gasto do período alcançou cifras de aproximadamente catorze milhões de
reais. Quando se compara o dispêndio em reais com a doação de antirretrovirais
ano a ano, observa-se que em 2010 (ainda no Governo do Presidente Luiz Inácio
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119Fabiola Faro Eloy Dunda
Lula da Silva) o montante utilizado esteve em torno de cinco milhões, em
2011, já no Governo da Presidente Dilma Rousseff, a quantidade gasta em reais
diminuiu, atingindo cifras aproximadas de três milhões. No ano seguinte, 2012,
houve aumento do montante de reais empregado da doação de antirretrovirais,
alcançando valores de aproximadamente nove milhões. Entre os anos de 2013 a
2015, observou-se diminuição significativa dos gastos, não alcançando estes o
patamar de dois milhões (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016a).
O número de antirretrovirais doado ano a ano também pode ser analisado
no contexto da cooperação brasileira. No gráfico 1, observa-se o número de
comprimidos antirretrovirais doados para países do continente africano, da América
do Sul, Central, Ásia e para o Caricom
8
entre os anos de 2003 e 2016
9
.
Gráfico 1 – Quantidade de antirretrovirais (em número de comprimidos)
doados entre os anos de 2003-2016
0
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
7.000.000
8.000.000
9.000.000
10
.000.000
AR
V
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados obtidos do Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde;
Departamento DST, AIDS e Hepatites Virais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016b).
8 O CARICOM (Comunidade do Caribe) é um organismo internacional formado por vinte países, quinze membros
efetivos e cinco membros associados. O organismo foi criado em 1973, e está assentado em quatro pilares:
integração econômica; coordenação de política externa; desenvolvimento social e humano; e segurança.
9 Em relação às doações de antirretrovirais, as medicações foram doadas de forma pontual, contínua ou intermitente
ao longo dos anos para os países que participaram da cooperação. Todos os medicamentos doados fizeram parte
dos medicamentos preconizados pela Organização Mundial da Saúde nos protocolos de tratamento da doença
no mundo.
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120 A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS [...]
Observa-se, a partir da análise descritiva do gráfico 1, que os anos de 2009 e
2012 obtiveram as maiores doações de medicamentos antirretrovirais, períodos em
que houve também maior gasto com a doação desses medicamentos pelo governo
brasileiro, como referido anteriormente. Uma das possíveis explicações para esse
fato seria o aumento da demanda por cooperação na área nesses anos, que poderia
ser traduzido pelo aumento do número de países que estabeleceram cooperação
nesses períodos. Comparando-se os anos de 2008, 2009, 2011 e 2012, destaca-se
que oito países receberam antirretrovirais em 2008, nove países em 2009, quatro
países em 2011 e nove países em 2012 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016b).
Outro fator a ser considerado também na análise do gráfico 1 é que, no
período estudado, houve mudança de presidentes no país, e que, embora os chefes
de governo pertencessem ao mesmo partido político, a ênfase dada à referida
cooperação comportou-se de forma distinta. Observa-se um padrão ascendente
de doação de antirretrovirais entre 2003 e 2009, com discreta diminuição em
2010, período concernente ao governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva,
e, a partir de 2011 até o final do governo da presidente Dilma Rousseff (2016), o
padrão de doação passou a ser heterogêneo, com períodos de baixíssima doação,
como nos anos de 2013 e 2014. A análise do governo Dilma Rousseff ainda permite
a referência a outro fator que pode ter influenciado a diminuição da cooperação
na área, que é a crise político-econômica brasileira agravada durante o período
do referido governo.
A doação de antirretrovirais brasileira também pode ser analisada quanto à
distribuição dos países que receberam a medicação (por área geográfica) durante
os governos brasileiros, entre os anos 2003 e 2016. No mandato do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), Bolívia, Colômbia e Paraguai receberam na
América do Sul; Nicarágua, El Salvador e República Dominicana receberam na
América Central; e Cabo Verde, Burkina Faso, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe
e Moçambique receberam no Continente Africano. O Timor Leste foi o único país
da Ásia a receber os medicamentos, e o Caricom, como organismo internacional,
também recebeu doação expressiva de antirretrovirais nesse período (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2016b), como demonstrado no gráfico 2 a seguir.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
121Fabiola Faro Eloy Dunda
Gráfico 2 – Número de países, distribuídos por região geográfica, que receberam
doação de ARV no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010),
incluindo o organismo internacional Caricom
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados obtidos do Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde;
Departamento DST, AIDS e Hepatites Virais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016b).
Durante o mandato da presidente Dilma Rousseff (2011-2016) houve diminuição
de gastos e de quantidade de antirretrovirais doados, como referido anteriormente.
A doação desses medicamentos também pode ser analisada de acordo com a região
geográfica a que os países pertencem. Nesse sentido, Bolívia, Paraguai, Equador,
Peru e Chile receberam na América do Sul; República Dominicana e El Salvador
receberam na América Central; e Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Burkina Faso,
Cabo Verde, Líbia, Benin e Angola receberam no continente africano. O Caricom
recebeu como organismo internacional, e não houve doação para países da Ásia
nesse período (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016b).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
122 A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS [...]
Gráfico 3 – Número de países, distribuídos por região geográfica, que receberam
doação de ARV no governo da presidente Dilma Rousseff (2011-2016),
incluindo o organismo internacional Caricom
Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados obtidos do Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde;
Departamento DST, AIDS e Hepatites Virais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016b).
Embora visualmente o número de países que recebeu antirretrovirais pareça
menor no gráfico 3 quando comparado ao gráfico 2, países de todas as regiões,
com exceção da Ásia durante o governo da presidente Dilma Rousseff, receberam
medicamentos. A diferença na doação de antirretrovirais entre os dois governos
se configura a partir de dois dados: a quantidade de comprimidos doados e a
duração da doação. Durante o mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva,
houve expressiva doação em quantidade de comprimidos e em tempo (medido
em anos) para os países que participaram da cooperação, o que não se observou
durante o governo da presidente Dilma Rousseff. Outro fator também, é o tempo
de mandato da Presidente Dilma Rousseff, interrompido antes do seu término.
Outra fonte de informação importante sobre a cooperação brasileira na área de
saúde e que se refere ao final dos anos 2000 está presente no relatório da AISA
10
10 A Assessoria de assuntos internacionais, AISA, está vinculada ao Ministério da Saúde e responde pela elaboração
das diretrizes, coordenação e implementação da política internacional do ministério, assim como pela posição
brasileira sobre temas de saúde em âmbito internacional, de acordo com as diretrizes da política externa do
Brasil, e em permanente articulação com as áreas técnicas das secretarias e das unidades vinculadas do Ministério
da Saúde. Fonte: Ministério da Saúde, Relações Internacionais.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
123Fabiola Faro Eloy Dunda
publicado em 2010. O relatório descreve as atividades da cooperação brasileira
na área de saúde executadas pela Divisão de Projetos da Assessoria de Assuntos
Internacionais de Saúde no ano de 2009, que demonstrou que, nesse ano, havia
cento e trinta e oito projetos, sendo noventa e sete na América Latina e Caribe e
quarenta e um na África (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
No que tange a países e regiões geográficas, merece destaque o projeto Laços
Sul-Sul, iniciativa lançada pelo Brasil em 2004 com o objetivo de contribuir
para o fortalecimento de políticas nacionais para melhorar/aumentar o acesso
universal ao tratamento com antirretrovirais. O programa ofereceu tratamento
com antirretrovirais de primeira linha para seis países lusófonos e dois países sul-
americanos, sendo eles Bolívia e Paraguai na América Latina, e Cabo Verde, Guiné
Bissau e São Tomé na África, e Timor Leste na Ásia (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2007/2008). No que se refere à relação com bloco ou organismo internacional, o
Paraguai é membro efetivo do Mercosul e a Bolívia membro associado, e todos
os países africanos que receberam doação mais o Timor Leste pertencem à CPLP.
O Chile, como membro associado do Mercosul, recebeu doação de antirretrovirais
em 2016, embora não tenha participado da iniciativa Laços Sul-Sul, e Angola,
membro da CPLP, embora também não tenha participado da iniciativa, também
recebeu doação desses medicamentos em 2016 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016b).
O UNICEF e a UNFPA passaram a fazer parte dessa iniciativa com a função
de fornecer apoio técnico e financeiro, dando enfoque maior à cooperação
especialmente para gestantes, adolescentes e crianças. O objetivo principal
da participação desses organismos foi o de informar esses grupos sobre seus
direitos à prevenção e ao tratamento para ampliar o uso dos serviços existentes.
A participação dos organismos pretendeu também intensificar a prevenção
ao HIV por meio de uma melhor integração entre saúde sexual e reprodutiva,
enfatizando as iniquidades de gênero, raça e etnia, disparidades geracionais e
pobreza (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007/2008).
Diante do exposto, as possíveis explicações para as diferenças encontradas
nos gráficos 2 e 3 seriam a maior demanda dos países por essa cooperação,
maior durante o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, principalmente
daqueles localizados na América do Sul, Caribe e continente africano. O programa
Laços Sul-Sul, que beneficiou países da América do Sul e África com a doação de
antirretrovirais, fortalece também o argumento de que as referidas regiões fazem
parte do espectro de interesses do governo brasileiro no sistema internacional.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
124 A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS [...]
A observação de que os países participantes da iniciativa são membros do
Mercosul e da CPLP poderia ser considerada como fator que facilitou a doação de
medicação antirretroviral ao longo do período estudado, no entanto, países não
pertencentes à CPLP, como Burkina Faso, Benim e Líbia, ou ao Mercosul, como
Chile, membro associado (não efetivo), também receberam doações expressivas de
medicamentos no período, não se podendo, portanto, atribuir que essa condição é
ou seria determinante para a doação de antirretrovirais para países que participam
de blocos regionais ou organismos internacionais de que o Brasil participa.
O Soft power brasileiro no contexto da cooperação Sul-Sul de
combate ao HIV/AIDS
A cooperação em saúde pode ser considerada como soft power de um país
em busca da consecução de seus interesses no sistema internacional. No caso
específico em questão, a cooperação Sul-Sul brasileira de combate à epidemia de
HIV/AIDS, com a doação de medicamentos antirretrovirais, pode ser enquadrada
nesse espectro e, nesse contexto, ser avaliada.
A cooperação no campo da saúde não utiliza a força ou coerção para se
impor ou estabelecer relação entre países, como pode ocorrer no hard powe r
11
.
A cooperação na área atuaria, nesse sentido, por meio de atração, podendo afetar
as preferências de outros Estados, estimulando, assim, o compartilhamento de
ações na área.
O combate à epidemia brasileira de HIV/AIDS, desde o seu início nos anos
de 1980, instituiu políticas públicas que culminaram em um controle importante
da epidemia no país, o que reflete as taxas de prevalência da doença entre a
população de 15-49 anos em patamares baixos (BANCO MUNDIAL, 2018). Políticas
específicas para populações vulneráveis também foram instituídas, embora a taxa
de prevalência do HIV/AIDS nesses grupos específicos tenha valores mais elevados
que na população geral (UNAIDS, 2013).
No contexto inicial da epidemia no Brasil, o engajamento de pessoas de
vários setores da sociedade civil, pessoas doentes/contaminadas pelo vírus,
profissionais da saúde e ONGs começou a pressionar o governo para que fossem
instituídas ações, de modo a garantir condições de atendimento e tratamento aos
11 Hard Power é quando um agente alcança o resultado esperado por meio do uso da ameaça militar e/ou de
sanções econômicas ou recompensa (GRAY, 2011).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
125Fabiola Faro Eloy Dunda
indivíduos acometidos pela AIDS. Assentado sobre essa mobilização social foi
criada a Secretaria para Acompanhamento dos Casos de AIDS, em 1984, em São
Paulo, e, no ano seguinte, 1985, foi criado o Programa Nacional de Combate ao
HIV/AIDS, que passou a funcionar como um centro de controle da doença no
país junto com o programa de São Paulo. A partir do ano de 1986, a AIDS passou
a ser de notificação obrigatória (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016c).
No âmbito internacional, entre os anos de 1980 e 1990, o resultado positivo
em pesquisas clínicas sobre medicamentos para o tratamento da AIDS mudou o
encadeamento de ações instituídas para o combate à epidemia. O aumento da
sobrevida e diminuição do número de mortes, quando se instituía o tratamento
da AIDS, com a zidovudina, o AZT, permitiu que a droga fosse liberada para
tratamento em indivíduos contaminados/doentes de AIDS, em 1987 (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2016c).
No Brasil, o governo passou a fornecer medicamentos para tratamento de
infecções oportunistas
12
ainda em 1988, e o AZT, para o tratamento da AIDS,
passou a ser administrado a partir de 1989, por meio de compra internacional do
medicamento. A produção de AZT em laboratórios nacionais ocorreu a partir de
1993, passando a ser disponibilizado na rede pública de saúde a partir de 1996.
Nesse mesmo ano, foi promulgada no país a Lei 9.313, a qual garante o direito de
recebimento gratuito de medicamento antirretroviral a todo indivíduo portador do
vírus HIV no Sistema Único de Saúde brasileiro (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016c).
O impacto da política brasileira de acesso universal aos antirretrovirais
representou, entre os anos de 1996 a 2002, a diminuição de mortalidade em torno
de 50%, assim como a diminuição do percentual de internações hospitalares
em torno de 80%. Estima-se que houve uma economia do governo brasileiro,
nesse período, de US$ 2,2 bilhões de dólares, atribuída à menor necessidade de
internação hospitalar de pessoas portadoras do vírus ou doente de AIDS, como
também à diminuição do preço dos medicamentos antirretrovirais (CHEQUER,
2004). O início da produção nacional dessas medicações, bem como a capacidade
de barganha nos preços de medicamentos em compras internacionais, são fatores
que podem ser atribuídos à diminuição do preço dos antirretrovirais no Brasil
(SOUZA, 2011).
12 Infecções oportunistas são infecções que ocorrem em decorrência da deficiência do sistema imunológico em
combater o agente causador da infecção. No caso da AIDS, o vírus HIV compromete o sistema imunológico do
indivíduo, destruindo as células de defesa, permitindo que vírus, bactérias e outros microrganismos – que, em
condições normais, não causariam infecção – desenvolvam-se mais facilmente.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
126 A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS [...]
O papel assertivo e ativista do Brasil no campo internacional também é um
fator importante na questão do combate ao HIV/AIDS. Destaca-se que o país teve
propostas aprovadas sobre o tema na Organização das Nações Unidas (ONU) e na
Organização Mundial da Saúde (OMS) (LIMA; CAMPOS, 2010), como demonstrado
no quadro 1 a seguir.
Quadro 1 – Propostas brasileiras aprovadas em instituições internacionais
sobre o tema do HIV/AIDS
ANO ORGANIZAÇÃO DECISÃO
2001
ONU – Comissão de
Direitos Humanos
Resolução 33/2001 – A Resolução aprovada determina que o
acesso a medicamentos antirretrovirais é um direito humano
básico.
2001 OMS
Aprovação da proposta brasileira sobre a importância da dispo-
nibilidade crescente de medicamentos acessíveis para as pessoas
afetadas pela doença.
2001
ONU – Assembleia Geral
das Nações Unidas sobre
HIV/AIDS
Aprovação da Declaração de compromisso sobre HIV/AIDS, que
reconhece a necessidade de adoção de uma abordagem integral
entre prevenção, tratamento e proteção dos direitos humanos
como o único caminho para conter efetivamente a disseminação
da epidemia.
2001 ONU
Participação ativa do Brasil no Fundo Global para o Combate
à AIDS, Tuberculose e Malária, lutando por uma participação
igualitária entre países ricos e em desenvolvimento em seu
principal órgão decisório, o Corpo Diretivo.
Fonte: elaborado pela autora a partir dos autores Lima e Campos (2010, p. 124)
Ressalta-se também que o país continuou participando ativamente em fóruns
internacionais onde a temática foi tratada de forma direta ou indireta, tais como
na aprovação do Acordo TRIPS e Saúde Pública na Organização do Comércio, em
2001, que permite que os países adotem medidas para proteger a saúde pública.
O Brasil participou também ativamente na Cúpula do Milênio, em 2001, que teve
como um de seus objetivos combater a AIDS, a Malária e outras doenças.
Na Organização Mundial da Saúde, o Brasil defendeu a ideia de que a
organização deveria dispor de um mandato que lhe permitisse avaliar as implicações
para a saúde pública e da proteção aos direitos de propriedade intelectual
durante a 56ª Assembleia, em 2003. No ano seguinte, o país participou da
aprovação da Resolução n.57.14 da OMS, a qual reafirma os direitos dos países
membros da organização em utilizar as flexibilidades do TRIPS e de acordos de
comércio regionais e bilaterais. No ano de 2007, o país participou da aprovação
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
127Fabiola Faro Eloy Dunda
da Resolução 60.30 sobre “Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual”,
onde a organização assume o compromisso de apoiar tecnicamente os países que
desejassem utilizar as flexibilidades do Acordo TRIPS (BARBOZA; PINHEIRO;
PIRES-ALVES, 2017).
A participação do país em grupos de pesquisa internacionais para o
desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o vírus HIV também demonstra
o papel ativo, assertivo e ativista no campo de ações para o combate à epidemia
mundial. A pesquisa para a cura da AIDS teve início a partir da descoberta do
agente causador, o vírus HIV, e atualmente vários países têm pesquisas na área,
sendo o maior número delas atribuído aos Estados Unidos. Estima-se que, desde
1987, já tenham sido testadas mais de trinta vacinas contra o HIV. Na atualidade,
vários países colaboram/cooperam para a descoberta de uma ou várias vacinas
contra a AIDS, como Brasil, China, Cuba, Haiti, Quênia, Peru, Tailândia, Trinidad
e Uganda (OMS, 2014). Nesse mesmo campo de pesquisa, destaca-se também
outra iniciativa brasileira, que foi a criação da Rede Tecnológica Internacional
para Vacina da AIDS, em 2004, e da qual participam Brasil, China, Cuba, Nigéria,
Rússia, Tailândia e Ucrânia (FIOCRUZ, 2018).
Quando se considera a cooperação estabelecida pelo Brasil como instrumento
de soft power do país no sistema internacional, onde estariam as bases concretas
para tal afirmação? A análise das fontes de soft power, tais como a cultura, os
valores políticos, as instituições, a personalidade de um líder e a política externa
do país (NYE, 2004), orientam a resposta para essa pergunta.
A cultura de um país é considerada uma fonte de poder brando, significando,
nesse contexto, o conjunto de valores e práticas que dão sentido à sociedade que
se está analisando. Para o contexto do tema abordado, considerar-se-á o termo
cultura política, cujo significado, segundo Almond e Verba (1963, p. 12) refere-
se a “orientações e atitudes políticas em relação ao sistema político e suas várias
partes, e atitudes em relação ao papel do indivíduo nesse sistema”
13
.
O início da epidemia de HIV/AIDS no Brasil e no mundo ficou marcada
pelo grande número de mortes entre pessoas jovens naquele período, pelo não
conhecimento do agente causador e pela impossibilidade de tratamento adequado
das pessoas afetadas. O fornecimento da primeira medicação para o tratamento
da AIDS, o AZT, no Brasil, a partir de 1989, por meio de compra internacional da
13 No original: “[...] political orientations-attitudes toward the political system and its various parts and attitudes
toward the role of the self in the system”
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
128 A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS [...]
medicação, foi uma das respostas à mobilização de vários setores da sociedade
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016c).
A constituição brasileira, em seu artigo 196, determina que a saúde é um
direito de todos e dever do Estado e, nesse sentido, funciona como base normativa
que permite o acesso universal ao tratamento para a AIDS a todos os brasileiros
que dele necessitarem. A instituição dessa política social, desde o período inicial
da epidemia de HIV/AIDS no país, contribuiu sobremaneira para o maior controle
da doença, tendo como consequência positiva a diminuição do número de mortes
e pessoas doentes, além de contribuir a longo e médio prazo para a manutenção
da baixa taxa de prevalência da doença na população entre 15-49 anos (BANCO
MUNDIAL, 2018).
No Brasil, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e outros seis laboratórios
públicos produzem parte dos medicamentos antirretrovirais que abastecem
a demanda doméstica para o tratamento de pessoas doentes/contaminadas
pelo vírus HIV no Sistema Único de Saúde, sendo a outra parte fornecida pelo
governo federal por meio de compra internacional de medicamentos (FIOCRUZ,
2018a). Além do fornecimento gratuito de antirretrovirais produzidos no Brasil e
daqueles importados para o tratamento do HIV/AIDS na rede pública de saúde,
políticas domésticas incluem também a inauguração da primeira fábrica estatal
de preservativos no Acre, em 2008, aproveitando o látex produzido a partir dos
seringais nativos da região; a mudança do protocolo de antirretrovirais em 2013,
sendo iniciada a medicação em qualquer paciente portador do vírus independente
do nível de CD4
14
; a implantação do projeto piloto profilaxia pré-exposição, em
2013, para pacientes considerados de grupos de risco, e com sorologia negativa para
o HIV (entre eles estão homossexuais masculinos, profissionais do sexo, travestis,
transexuais e usuários de drogas), e que farão uso diário de antirretrovirais a fim de
diminuir as chances da infecção pelo vírus; a sanção da Lei 12.984, em 2014, que
pune com reclusão de um a quatro anos, além de multa, o indivíduo que praticar
condutas discriminatórias contra o portador de HIV (CEZAR; DRAGANOV, 2018).
No campo internacional, pode-se destacar a participação do Brasil em
instâncias internacionais, como as organizações citadas anteriormente (LIMA;
CAMPOS, 2010), nas quais se consolidaram o papel assertivo desempenhado pelo
país no cenário internacional em questões relativas ao tema, como a defesa de
14 CD4 são células do sistema imunológico (linfócitos) e o principal alvo do vírus HIV. O número de CD4 diminui
com a evolução da patologia. Quanto menos linfócitos CD4, maior a vulnerabilidade do sistema imunológico
e maior o risco de complicações e infecções. Fonte: Portal Hospitais Brasil.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
129Fabiola Faro Eloy Dunda
que o acesso aos medicamentos contra a AIDS é um direito humano e de que o
tratamento deve estar acessível a todo cidadão. Nesse contexto, destaca-se também
a participação brasileira nas conferências internacionais de AIDS, em que, no
ano de 2018, o país participou mais uma vez como debatedor e apresentador de
trabalhos, tendo sido convidado pela Organização Mundial da Saúde para discutir
temas relacionados ao tratamento e inovação do tratamento da doença no Brasil
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018).
Outra participação brasileira no contexto internacional foi a criação da
UNITAID, em 2006, junto com França, Noruega, Reino Unido e Chile, com o
objetivo de fornecer fontes alternativas de financiamento para ações contra a
epidemia de HIV/AIDS no mundo. Ao longo dos anos, outros países entraram
para a organização, que atualmente (2018) é composta por Brasil, Camarões,
Chile, Congo, Chipre, França, Guiné, Luxemburgo, Madagascar, Mali, Maurícius,
Níger, Noruega, República da Coréia, Espanha e Reino Unido. Participa ainda
como doador a Fundação Bill e Melinda Gates
(OMS, 2018).
As ações citadas anteriormente fortalecem a ideia do combate à AIDS no país
e fora dele, e estiveram e estão embasadas em valores sociais presentes desde o
início da epidemia no país, tais como: o direito à saúde e, por consequência, o
direito ao acesso a todo tipo de tratamento; o direito à saúde como direito humano;
e a ideia de não descriminação à pessoa portadora/doente com o vírus da AIDS.
O jornal inglês “The Lancet”, uma das mais importantes publicações científicas
da área médica, divulgou um estudo, em 2014, mostrando que o tratamento para
AIDS no Brasil é mais eficiente que a média global. Segundo o estudo, as mortes
em decorrência do vírus HIV no país caíram a uma taxa anual de 2,3% entre
2000 e 2013, enquanto a média global apresenta uma queda de 1,5% ao ano
(FIOCRUZ, 2018b).
A personalidade de um líder também é considerada como fonte de poder
brando. Durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010),
a temática do combate ao HIV/AIDS recebeu importância, fato comprovado pela
quantidade de ações na área (doação de antirretrovirais, os projetos técnicos,
ações na área de educação; projetos científico-tecnológicos na área e doação
para organismos internacionais). Destaca-se, aqui, a doação de medicamentos
antirretrovirais para vários países da América do Sul, Central, Ásia e África, e
para organismos internacionais, bem como a importância do tema, presente em
discursos do presidente em fóruns internacionais, como os proferidos na LIX
Assembleia Geral das Nações Unidas em 2004; na 5ª. Conferência de Chefes de
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
130 A cooperação Sul-Sul brasileira em HIV/AIDS [...]
Estado e de Governo da CPLP, em julho de 2004; e na Cúpula África-América do
Sul que ocorreu na Nigéria em 2006 (PUENTE, 2010).
Comparando-se o número de atos internacionais na área de combate ao
HIV/AIDS, entre os anos de 1995 e 2016, observa-se também um aumento
considerável de atos durante o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
quando comparado aos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso e da
presidente Dilma Rousseff. O número de acordos e ajustes a acordos de cooperação
relacionados ao combate do HIV/AIDS foram cinco no governo do presidente
Fernando Henrique, vinte e dois durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, não havendo registro de atos internacionais na área durante o governo
da presidente Dilma Rousseff (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2016).
O último ponto a ser discutido sobre as fontes de soft power inclui a política
externa brasileira na área como ação que legitima e que tem autoridade moral
ao ser empreendida no campo internacional. As medidas implementadas para o
combate à epidemia de AIDS no país, desde o início dos casos, contruíram as bases
que permitiram instituir ações de cooperação internacional no início dos anos
2000. Nesse contexto, a cooperação Sul-Sul brasileria de combate ao HIV/AIDS
contitui-se como um campo específico de atuação da política externa brasileira
no sistema internacional.
A doação de medicamentos antirretrovirais foi e continua sendo uma das
ações implementadas pelo Brasil no combate à epidemia mundial de HIV/AIDS.
A política de acesso universal aos medicamentos contra AIDS do governo brasileiro,
responsável, em parte, pela baixa prevalência da doença no país, permite que
outros países em desenvolvimento demandem pela cooperação brasileira na área,
como tentativa de diminuir a prevalência da doença em seus países, bem como
aumentar o acesso ao tratamento do HIV/AIDS para os seus nacionais.
No contexto da doação de antirretrovirais, observa-se que, no governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as ações foram instituídas de forma mais
assertiva em comparação ao governo da presidente Dilma Rousseff. A quantidade
de medicamentos doados, a quantidade de países que receberam medicamentos,
a importância dada à temática em discursos oficiais em encontros internacionais,
bem como o tempo de doação das medicações para os países ao longo de seus
governos, balizam essa observação. Destaca-se também as propostas brasileiras
apresentadas e aprovadas na área de combate à epidemia mundial de AIDS,
apresentadas em instituições internacionais, já citadas anteriormente.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 109-136
131Fabiola Faro Eloy Dunda
No âmbito das instituições internacionais, ressalta-se também o combate à
epidemia mundial de AIDS no contexto dos BRICS (agrupamento formado por Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul). Na cooperação internacional para o combate
à epidemia, os Estados Unidos configuram-se como o maior doador internacional,
responsável por quase cinquenta por cento da assistência internacional para o
combate à doença no mundo, sendo seguido por países europeus pertencentes
à Organização Econômica para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), países
europeus não pertencentes à OCDE, o Fundo Global de Combate à Aids e Malária
e os BRICS (UNAIDS, 2013).
A assistência financeira dos BRICS, entre os anos de 2007-2008, contribuiu
com aproximadamente US$ 200 milhões de dólares para iniciativas no campo da
saúde global e, dentro delas, a doação para o Fundo Global de Combate à AIDS,
Malária e Tuberculose (CHATUVERDI; THORSTEINSDÓTTIR, 2012). Embora a
doação para ações de combate ao HIV/AIDS no mundo pelos BRICS, em torno
de 0,1% (UNAIDS, 2013), seja infinitamente menor do que a maior parte dos
países citados anteriormente, a importância da doação deve ser analisada sob o
ponto da política internacional. A saúde é uma das temáticas de interesse dos
países que formam os BRICS, sendo a mesma discutida nas reuniões dos ministros
da saúde tanto no contexto das cúpulas, quanto nas reuniões dos ministros da
Saúde dos BRICS às margens da Assembleia da Organização Mundial da Saúde,
que ocorreram nos anos de 2011 e 2012, respectivamente 64ª e 65ª Assembleias
Gerais da OMS (HERZ; FLORENTINO; MIRANDA, 2012).
A importância política da doação de antirretrovirais pelos países BRICS refere-
se à participação dos mesmos como países em desenvolvimento se portando
como doadores internacionais, além do posicionamento dos mesmos em fóruns
internacionais de discussão da temática, tais como a OMS e a ONU, demonstranto o
alinhamento de ideias e ações que tentam equilibrar a tomada de decisões na área
e, por conseguinte, melhor distribuição de benefícios entre países desenvolvidos
e em desenvolvimento.
Retomando a discussão da relação entre saúde e política externa, citada
anteriormente, pode-se inferir que a coopração Sul-Sul brasileira para o combate
ao HIV/AIDS é um instrumento da política externa do país quando se considera
que questões relacionadas à AIDS foram e continuam sendo discutidas em fóruns
internacionais como a ONU e a OMS, nas cúpulas dos BRICS, no Grupo de Trabalho
Saúde do IBAS, no Mercosul, na CPLP e em conferências internacionais, como a
Conferência Internacional de AIDS, tendo repercussão tanto nacionalmente como
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internacionalmente. A cooperação na área, nesse sentido, serve aos interesses
nacionais, uma vez que aumenta a relação entre os países, podendo servir como
“via” facilitadora para novas interações entre os Estados.
Considera-se, portanto, que as fontes de soft power estão presentes na
cooperação Sul-Sul brasileira para o combate ao HIV/AIDS e, desse maneira, o
país, durante o período estudado, atuou internacionalmente por meio do mesmo,
na área em destaque.
Considerações finais
A cooperação Sul-Sul brasileira na área de combate ao HIV/AIDS constituiu-se
como um instrumento de soft power brasileiro no contexto internacional.
A cultura política brasileira, no que se refere às políticas sociais que deram suporte
ao combate à epidemia no país, contribuiu e contribui, sobremaneira, para os
baixos níveis de prevalência da doença na polupação entre 15 e 49 anos até os
dias atuais, tendo, como um dos principais pilares, a politica de acesso universal
ao tratamento, um dos fatores para a baixa prevalência da doença no país, dado
já referido anteriormente.
As participações brasileiras em fóruns como a ONU, OMC e OMS, em 2001,
destacadas anteriormente, defendendo o acesso universal aos medicamentos
antirretrovirais, bem como o acesso aos medicamentos como um direito humano,
permitiram a visão do Brasil por outros países, como um defensor de questões
relacionadas ao tema.
O combate à epidemia de HIV/AIDS, uma das temáticas prioritárias do governo
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, expresso em encontros internacionais, como
os citados anteriormente, e concretizado por meio da cooperação internacional
na área, ampliaram a participação brasileira no sistema internacional, chamando
atenção, por conseguinte, de outros países para a cooperação com países em
desenvolvimento.
Por fim, a cooperação brasileira Sul-Sul de combate ao HIV/AIDS compreendida
como instrumento da política externa brasileira, serve aos interesses nacionais
quando aumenta a relação entre os países, ao mesmo tampo em que projeta uma
imagem positiva e de um país que quer participar e participa de questões relativas
ao combate da epidemia em seu próprio território e no sistema internacional.
Considera-se, portanto, que as políticas doméstivas adotadas pelo Brasil ao
longo dos anos no contexto da epidemia de HIV/AIDS, culminando no início dos
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133Fabiola Faro Eloy Dunda
anos 2000 com as primeiras ações de cooperação internacional na área, funcionaram
como instrumento de soft power do país e fonte de atração de outros países para
estabelecer ações na área.
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