Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 56-75
66 Não-alinhamento, cooperação internacional e desenvolvimento no contexto da Guerra Fria [...]
A provisão de alimentos e grãos americanos, em um montante significativo
como aquele em que foi negociado, permitia ao governo egípcio redirecionar
parcela expressiva do orçamento estatal, normalmente destinado a comprar tais
commodities, para efetivamente investi-los em programas de modernização da
indústria, infraestrutura e produção agrícola. Isso é
particularmente relevante
quando lembramos que, entre 1960-1965, vigorava o
ambicioso Plano Quinquenal
cujo objetivo anunciado era industrializar massivamente o país em um curto
espaço de tempo. Em outubro de 1962, após uma avaliação positiva do governo
Kennedy sobre as relações desenvolvidas entre os Estados Unidos e o Egito a
partir da PL 480
8
, decide-se pelo incremento da cooperação internacional com o
anúncio do aporte de 431.8 milhões de dólares em alimentos e grãos para o triênio
1963, 1964 e 1965 (BURNS, 1985).
Durante esses últimos três anos, entretanto, o agravamento da guerra do Iêmen
desgastou as relações entre Nasser e Kennedy. A despeito do reconhecimento
da legitimidade da república iemenita feita pelo presidente Kennedy em 1962, o
prolongamento da guerra civil interna e, principalmente, o crescimento das tensões
entre o Egito e a Arábia Saudita fizeram com que os estrategistas estadunidenses
revisassem sua posição original diante do conflito: percebia-se uma crescente
ameaça de o conflito transbordar as fronteiras e impactar sobre a segurança
dos poços de petróleo sauditas. Essa posição foi confirmada pelo sucessor de
Kennedy, Lyndon Johnson, que também temia o engajamento das Forças Armadas
egípcias em território iemenita, posto que isso contribuía para reforçar os laços de
dependência militar do Egito com a União Soviética (KHALIDI, 2009; KERR, 1965).
O governo Johnson, por sua vez, insatisfeito com o desenrolar da participação
egípcia nos eventos da região e sem nutrir pessoal afeição à figura de Nasser, passou
a articular internamente para derrubar os acordos que comprometiam os Estados
Unidos a prover ajuda em alimentos e grãos ao Egito para o triênio 1963-1965.
Burns narra as discussões internas dentro do congresso e o peso da participação
do lobby judeu para interromper os acordos de cooperação (BURNS, 1985).
Como resultado, em 1965, a ajuda externa americana é interrompida. Em
1966, quando se estimava a necessidade de o governo egípcio importar cerca
de 300 milhões de dólares em alimentos e grãos, o governo americano volta a
propor a integração do Egito na PL 480 nos mesmos marcos do período anterior.
8 Embora as relações entre Kennedy e Nasser fossem predominantemente positivas, existiam algumas desavenças,
como ficou patente no caso da Guerra no Congo, no qual cada país apoiava lados antagônicos do conflito.