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Paradiplomacia como Política Externa
e Política Pública: modelo de análise aplicado
ao caso da cidade do Rio de Janeiro
Paradiplomacy as Foreign Policy and Public Policy:
an analysis model applied to the case of the city of
Rio de Janeiro
DOI: 10.21530/ci.v13n2.2018.790
Leonardo Mercher
1
Alexsandro Eugenio Pereira
2
Resumo
O presente artigo argumenta que estudos de paradiplomacia devem se aproximar dos estudos
de política externa quando investigada como política pública. Essa seria uma estratégia para
análise das práticas e estratégias das cidades nas relações internacionais. Os rendimentos
analíticos dessa estratégia podem ser observados por meio de um modelo dimensional de
análise de paradiplomacia como política externa e política pública. Esse modelo é proposto
neste artigo e aplicado ao estudo empírico da cidade do Rio de Janeiro, no período de 1993
até 2016. O modelo sugere cinco dimensões explicativas nas análises da paradiplomacia:
gestão política; mercado; institucional; internacional; e epistêmica. A aplicação desse modelo à
cidade do Rio de Janeiro permitiu identificar as dimensões mais relevantes no caso específico
da cidade — as dimensões política e de mercado —, enquanto que a variável partidária,
defendida por outros pesquisadores do campo como de alta capacidade explicativa, pouco
interferiu nos resultados observados durante a pesquisa.
Palavras-chave: Paradiplomacia; Política Externa; Política Pública; Rio de Janeiro.
1 Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Relações Internacionais no Centro
Universitário Internacional (UNINTER), Curitiba, Paraná, Brasil.
2 Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Professor Associado dos Programas de Pós-Graduação
em Ciência Política e em Políticas Públicasda Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.
Artigo submetido em 20/04/2018 e aprovado em 26/07/2018.
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Abstract
This paper argues that paradiplomacy studies should approach foreign policy studies when
investigated as public policy. This would be a strategy to analyze the practices and strategies
of cities in international relations. The analytical yields of this strategy can be observed
through a dimensional model of paradiplomacy analysis such as foreign policy and public
policy. This model is proposed in this article and applied to the empirical study of Rio de
Janeiro, from 1993 to 2016. The model suggests five explanatory dimensions in paradiplomacy
analyzes: political management; market; institutional; international; and epistemic. The
application of this model to the City of Rio de Janeiro allowed us to identify the most relevant
dimensions in this specific case — political and market dimensions — while the political
party variable, defended by other researchers in the field as high explanatory capacity, had
less interference in the results observed in this research.
Keywords: Paradiplomacy; Foreign Policy; Public Policy; Rio de Janeiro.
Introdução
Os estudos de paradiplomacia se deparam com limitações decorrentes do uso e
da escolha de métodos de análise. Questionamentos de pesquisadores em diversos
encontros de relações internacionais nos últimos anos, como os da Associação
Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), são recorrentes. As razões pelas quais
estudos sobre cidades não avançarem para além de análises descritivas de suas
práticas nos levaram a investigar o desenvolvimento da interdisciplinaridade entre
os pesquisadores de relações internacionais e, com isso, defender a utilização da
interdisciplinaridade de recursos e métodos de outras ciências, como da própria
ciência política. Para que haja a ampliação das análises descritivas dos agentes
seria então necessário problematizar e identificar variáveis sobre as estratégias,
elaboração de agendas, meios de ação e cooperação e outras práticas e decisões
das cidades.
Ao compreender a paradiplomacia como política externa e, consequentemente,
como política pública, abre-se um leque de possibilidades analíticas e metodológicas
para compreender mais criticamente a ação das cidades. Tanto os estudos de
análise de política externa (APE) como os de análise de políticas públicas (APP)
auxiliam a delimitar o tema e encontrar novos métodos para compreender as
dinâmicas externas e internas à paradiplomacia. Essa percepção, no entanto, não
esteve no horizonte dos primeiros estudos sobre a paradiplomacia, desenvolvidos
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por Panayotis Soldatos (1990) e Ivo Duchacek (1990)
3
. James Rosenau (1990),
Soltados (1990) e Duchacek (1990) apontavam mais para as razões pelas quais
um governo subnacional poderia ser visto como agente internacional do que para
seus processos internos.
Durante os anos de 1990, a maior parte das publicações, como a de Brian
Hocking (1993), estava mais preocupada com a contextualização das cidades nas
relações internacionais do que em trazer métodos de investigação da formulação
e execução da paradiplomacia. Mas por que olhar para dimensões internas à
paradiplomacia? Muitas perspectivas teóricas das relações internacionais, como
as institucionais, as funcionalistas ou as construtivistas, defendem que o agente
(Estado) não é apenas resultado de estruturas e do cenário internacional, mas
possui dinâmicas internas tão determinantes quanto as demandas externas para
a elaboração de suas agendas (ROSENAU, 1967; WENDT, 1992; MILNER, 1997;
FEARON, 1998; SALOMÓN, 2016).
Dessa forma, no presente artigo, busca-se contribuir com as análises mais
amplas da paradiplomacia, ilustradas pelo caso da cidade do Rio de Janeiro
como um agente governamental que, assim como os Estados nacionais, também
experimenta fluxos e fenômenos internos que interferem em sua ação externa.
A escolha do Rio justifica-se por duas razões principais: 1) por ser a cidade brasileira
pioneira na criação de uma estrutura institucional específica para a atuação
externa: “Desde 1986 — quando pela primeira vez no país um ente subnacional
municipal cria uma estrutura de RI” (RIBEIRO, 2009, p. 96); e 2) pela existência
de um conjunto de análises sobre a paradiplomacia, o planejamento e a relação
da cidade com os grandes acontecimentos internacionais (Planos Estratégicos,
ECO92, Rio+20, Jogos Olímpicos etc.), nos quais o município do Rio se viu
envolvido (VAINER, 2001; SÁNCHEZ, 2001; AGUIAR, MENDES; SPADALE, 2013).
As investigações sobre a paradiplomacia utilizam determinadas variáveis
explicativas como as partidárias, as institucionais e as de mercado (SALOMÓN;
NUNES, 2007; LAISNER, 2007; RIBEIRO, 2009; ONUKI; OLIVEIRA, 2013). Essas
investigações possibilitaram a construção e aplicação do modelo de análise de
paradiplomacia (APD) sobre o Rio, proposto neste artigo. Esse modelo reúne
diversas variáveis (e métodos de análise) em cinco dimensões que permitem
examinar desde os gestores políticos (prefeitos e secretários), passando pelos
3 O conceito paradiplomacia foi formulado por Panayotis Soldatos (1990) e Ivo Duchacek (1990) e significa
inicialmente diplomacia paralela ao governo central. Atualmente a compreensão do conceito é amplo e utilizado
para se referir à ação externa de uma cidade ou outro governo local e subnacional nas relações internacionais.
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agentes do mercado, internacionais e epistêmicos. Para cada variável é preciso
aplicar um método de coleta de dados. Com isso, o presente artigo traz resultados
de diversas análises menores que formarão o todo, como as prosopografias de
gestores políticos, de conselheiros, bem como do conteúdo de grupos epistêmicos
(think tanks) ativos junto à cidade do Rio.
O presente artigo, além desta introdução, conta com duas seções e as
considerações finais. O intuito da próxima seção é sustentar a necessidade de
articulação entre os níveis externos e internos, que possibilita investigar os agentes,
a formulação, a prática e as interferências dos ambientes externos e internos na
paradiplomacia de uma cidade. Na seção posterior, o artigo apresenta o modelo
de análise e o aplica à cidade do Rio de Janeiro no período de 1993 a 2016. Por
fim, o artigo se encerra com as considerações finais, que destacam os possíveis
rendimentos analíticos decorrentes da abordagem da paradiplomacia como política
pública.
Análise de Paradiplomacia como Análises de Política Externa
e de Política Pública
Quando se analisa paradiplomacia nas relações internacionais corre-se o
risco de ignorar os processos internos das cidades e observar apenas suas ações
no âmbito internacional. Por vezes, os estudos de redes de cidades, cooperação
descentralizada ou a criação de políticas públicas advindas de regimes e acordos
internacionais se tornam demasiadamente descritivos. Em um primeiro momento,
é importante descrever os fatos e acontecimentos. Porém, diante do atual cenário
acadêmico, é preciso avançar nas pesquisas críticas e na identificação de variáveis
explicativas e intervenientes às ações paradiplomáticas.
Identificar padrões, exceções e variáveis explicativas do tipo de prática
observada nas cidades possibilita a replicabilidade de métodos e análises
científicos. Evidentemente que os casos apresentam particularidades e exige-
se investigação profunda em cada um deles. Mas é exatamente por isso que é
necessário compartilhar modelos e técnicas que facilitem a comunicação inicial,
como já ocorre na Análise de Política Externa (APE) e na Análise de Política
Pública (APP).
A APE atualmente representa uma concepção metodológica e teórica de
estudos de agendas estatais e política externa que leva em consideração os níveis
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domésticos e as interações entre agentes e instituições no âmbito nacional e
internacional. É importante mencionar que foi durante os anos de 1960 e 1970
que alguns estudos sobre política externa tentaram compreender a ação externa
dos Estados por meio de seus gestores — presidentes, ministros e instituições,
como os de James Rosenau (1967) e Graham Allison (1969).
Nos anos de 1980, a ênfase na análise da política internacional predominou
nas pesquisas de relações internacionais por causa, em parte, da influência do
neorrealismo estrutural de Kenneth Waltz (1979). Porém, nos anos de 1990, algumas
publicações buscaram retomar a abordagem de variáveis domésticas na explicação
do comportamento dos Estados, como os estudos de Helen Milner e Robert
Keohane (1996), que colocaram os interesses, as instituições e as informações
no campo da política doméstica como variáveis explicativas à compreensão das
ações do Estado nas relações internacionais. Nesse sentido, eles seguiram uma
perspectiva estabelecida nos anos de 1950, quando surgiu a subdisciplina de
Análise de Política Externa” e, a partir desse momento, as variáveis domésticas
tornaram-se importantes e entraram nas agendas de pesquisa de diferentes autores
responsáveis pelo desenvolvimento dessa subdisciplina.
Partindo das percepções de interdependência complexa e dos múltiplos
canais que ligam um Estado ao cenário internacional, Milner e Keohane (1996)
identificaram mecanismos internos ao Estado, especialmente no âmbito da
informação e das concepções sobre as ações políticas, que levariam às posições
adotadas pela política externa. Seus estudos possibilitaram analisar a política
interna e o papel dos agentes sociais internos ao Estado. Posteriormente, Valerie
Hudson e Christopher Vore (1996) partiram do princípio segundo o qual os estudos
sobre o comportamento dos Estados deveriam se iniciar pela compreensão de que
o Estado seria composto por sociedades, instituições e dinâmicas que se cruzariam
em diversos níveis de análise. Para tanto, os autores problematizaram cinco
variáveis a serem analisadas: características individuais; percepções; sociedade
e cultura; a política; e o sistema internacional.
Tanto nas análises no nível sistêmico da política internacional, como nas
análises propriamente de APE, existiu o esforço de repensar o Estado em sua
compreensão mais tradicional — de agente racional e coeso, tanto em suas
dinâmicas internas como externas. Em James Fearon (1998) os estudos de APE
deveriam identificar os grupos de interesses domésticos e a burocracia da política
em questão (FEARON, 1998, p. 300) que permitissem traçar a construção de
agendas e processos decisórios e estratégicos dos governos. Já Brian White (1999),
200 Paradiplomacia como Política Externa e Política Pública: modelo de análise aplicado ao caso [...]
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por sua vez, aplica esses conceitos de agentes e fluxos internos/externos da APE
para a União Europa (UE) como região. Brian White (1999) demonstrou que a
agenda política da UE é consequência das relações de interesses e expectativas
de seus Estados membros, sociedades e instituições. Com isso, White (1999)
possibilita compreender que a política externa não está atrelada apenas ao Estado,
mas a outras esferas de governos (instituições) e sociedade.
No Brasil, Mónica Salomón e Carmem Nunes (2007) propuseram esse olhar
sobre os diversos níveis subnacionais. O olhar para as ideologias partidárias,
instituições e outras variáveis domésticas foi aplicado no estudo paradiplomático
da cidade de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul. Mais tarde, Mónica
Salomón e Letícia Pinheiro (2013) problematizaram a APE, defendendo uma análise
de variáveis externas e internas para se compreender as escolhas e ações estatais.
Outros autores brasileiros aplicaram, também, os modelos de APE que levam em
consideração esses multiníveis e variáveis internas e externas à paradiplomacia
(LAISNER, 2007; ONUKI; OLIVEIRA, 2013), tendo contribuído para a compreensão
da paradiplomacia como política externa.
No caso das cidades brasileiras, muito se avançou no processo de
descentralização, sendo Brasil e Argentina os Estados com maior flexibilidade à
ação de seus governos subnacionais no âmbito internacional (CGLU, 2016). Como
atual cenário, diversas cidades e estados brasileiros hoje possuem secretarias ou
coordenadorias de relações internacionais, bem como participam de diversas redes
e organizações de cidades ao redor do mundo. Mas, como os casos empíricos
apresentam particularidades, ao aplicar a APE nos estudos de paradiplomacia é
preciso compreendê-la como política externa que, em sua essência, é, também,
política pública. É por isso que nos estudos de Análise de Paradiplomacia (APD)
por meio da APE é preciso recuperar algumas orientações do campo de Análise
de Políticas Públicas (APP).
O agir externo das cidades pode ser compreendido como política pública
levando em consideração as definições sugeridas por autores como Enrique
Saraiva (2007) e Celina Maria de Souza (2006). A política pública, de modo
geral, é compreendida como uma estratégia de elaboração e execução de ações
que atendam aos interesses dos gestores da política e de quem eles deveriam
representar (a população). Seguindo as indicações dos pesquisadores da APP,
como Enrique Saraiva (2007) e Celina Maria Souza (2006), diversas são as frentes
que buscam explicar o campo de políticas públicas:
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Das diversas definições e modelos sobre políticas públicas, podemos extrair
e sintetizar seus elementos principais: I) A política pública permite distinguir
entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz; II) A política
pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada
através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes
formais, já que os informais são também importantes; III) A política pública
é abrangente e não se limita a leis e regras; IV) A política pública é uma ação
intencional, com objetivos a serem alcançados; V) A política pública, embora
tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo; VI) A política
pública envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou
seja, implica também implementação, execução e avaliação. (SOUZA, 2006,
p. 36-37)
Por isso, a APP leva em consideração variáveis como: partidos no poder;
dinâmicas econômicas e institucionais; o papel da sociedade civil e dos interesses
privados; e concepções de ação, como modelos de políticas públicas e boas
práticas; dentre outras. Além disso, é importante identificar a natureza do agente
investigado.
Como já é conhecida, a natureza jurídica e política das cidades se diferencia
tradicionalmente dos Estados nacionais (ROSENAU, 1990). Sendo assim, quando
métodos e modelos de análise são retirados da análise de políticas públicas, é
necessário primeiramente traçar a natureza do agente. É necessário combinar, na
análise empírica, elementos como: a natureza do agente (cidade, região, estado
etc.); os cenários domésticos (desafios e oportunidades) e internacional (desafios
e oportunidades); e as capacidades, desafios e demandas do agente. Com essa
combinação de elementos, será possível desenvolver observações mais apuradas
a respeito da ação externa das cidades.
No caso da APD, é preciso compreender a paradiplomacia como fruto da soma
de três camadas tradicionais da APE (cenário internacional; governo; e cenário
doméstico) combinadas com a natureza das cidades como agentes nas relações
internacionais (Figura 1):
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Figura 1. Paradiplomacia como interseção de múltiplas camadas de análises
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
Da mesma forma que a política externa é considerada como uma política
pública (RATTON SÁNCHEZ et al., 2006), a paradiplomacia é considerada
política externa (SALOMÓN; NUNES, 2007) e pode ser analisada como política
pública. A paradiplomacia possui os mesmos gatilhos e estratégias, como
obtenção de ganhos internacionais à população local (SALOMÓN, 2011). Pode-se
defender, portanto, a APD a partir do esquema traçado na Figura 1, respeitando
as peculiaridades de cada caso empírico analisado.
Talvez uma das mais importantes peculiaridades da APE é seu nível de
análise que mescla o doméstico com o internacional — dotados de dinâmicas,
responsabilidades, públicos e modalidades de interação de poder distintas. Nesse
sentido, a APE e as variáveis a serem analisadas devem sofrer o ajuste de acordo
com a natureza do agente a ser estudado. Geralmente, a APE é aplicada para
compreender a política externa de Estados. No caso da peculiaridade da natureza
das cidades, a realidade subnacional muda de acordo com a nação à qual se
inserem, jurídica e politicamente. Além disso, se a análise da paradiplomacia
ocorrer em relação a regiões e outros entes federados (que não as cidades),
a natureza do agente exige outras adaptações aos modelos de APE e APP.
Estados e cidades possuem diferenças naturais, como nas questões de
soberania ou nas limitações jurídicas nacionais. Cidades são livres de soberania
(ROSENAU, 1990, p. 36), o que lhes confere maior mobilidade de cooperação nas
demais agendas internacionais que não sejam sobre guerra e paz. Por isso, a APE
para Estados possui uma distinção em relação à APE aplicada às cidades. Mas nem
por isso não existirá competição entre cidades (SÁNCHEZ, 2001) ou hierarquias
de recursos de poder, como o financeiro (FRIEDMAN, 1986 ; SASSEN, 2010).
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Dessa forma, a APD precisa analisar as variáveis da natureza subnacional
do agente em questão (seu funcionamento interno, instituições, situação jurídica
e política no cenário local e infranacional), as variáveis do cenário doméstico
(população local, dinâmicas socioeconômicas, políticas e relação com o governo
nacional etc.) e as variáveis do cenário internacional (fluxos financeiros, redes
e organizações internacionais, demandas de outras cidades, oportunidades,
cooperação e competição por recursos etc.). Assim, ao decidir investigar a
paradiplomacia, deve-se ter em mente que os estudos de APE e de APP estão
interligados aos estudos de APD e trazem métodos e variáveis explicativas
relevantes.
No caso da APP, é importante destacar que ela contribui para a análise sobre os
agentes e variáveis relevantes para serem testadas na explicação dos casos de APD.
Observar que os gestores locais e grupos de interesses se relacionam com outros
agentes formais (como as instituições) e informais (como o mercado) possibilita
uma compreensão maior sobre a construção da agenda de políticas públicas e,
consequentemente, da política externa e da paradiplomacia. Vale ressaltar que
APE e APP não substituiriam as orientações dadas pela literatura especializada
sobre paradiplomacia, mas sim complementam a aplicação de métodos e recortes
menos usuais nas relações internacionais e fortalecem, por consequência, a APD.
Possivelmente, os primeiros estudos de paradiplomacia que se aproximaram
de um olhar mais interno e doméstico nas relações internacionais (aproximando
APD à APP) foram os de David Dyment (1993; 2001), que associou a construção
dos processos políticos históricos de províncias e cidades canadenses com suas
agendas externas desde 1945. Dyment conseguiu, por diversas vezes, demonstrar
que não seria possível compreender o local sem olhar para as esferas nacional
e global, destacando as simetrias dos componentes culturais na política local e
canadense. Suas considerações apontavam para uma compreensão da unidade
de análise local como um agente em reflexo às estruturas nacionais e globais.
As decisões do governo local seriam explicadas pelas dinâmicas políticas e as de
mercado, nos níveis local, regional e internacional.
Do outro lado do Atlântico, nos processos de integração da União Europeia,
estudos sobre governos subnacionais e regionalismo despontaram nos anos de
1990 e início dos anos de 2000. Caterina García Segura (2004) analisou os casos
da Catalunha, País Basco e Galícia na Espanha. Partindo de uma contextualização
histórica, a pesquisadora mostrou como, sob um regime ditatorial e sem democracia,
os governos subnacionais são sufocados e não conseguem levar adiante suas
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demandas. No caso, Segura (2004) tentou mostrar como as cláusulas democráticas
recentes na Espanha possibilitaram a esses três governos subnacionais recorrerem
ao princípio da subsidiariedade e passaram a ter voz sobre os processos que afetam
as suas comunidades locais, como a integração regional, altamente determinante
na ação externa dos três casos.
Caterina Segura (2004) mostra a importância do reconhecimento dos Estados
sobre o diálogo com os governos subnacionais em processos de integração regional,
bem como da democracia. Nesse sentido, suas contribuições apontam para se
prestar atenção sobre a realidade nacional na qual esses agentes se encontram, bem
como para as dinâmicas regionais (internacionais) que podem reforçar e legitimar
a ação externa dos governos subnacionais. Assim como David Dyment (1993;
2001), Caterina Segura (2004) reforça o olhar sobre: (i) o contexto sociopolítico
nacional; (ii) as relações desses agentes com seus governos nacionais (história
política); e (iii) como processos externos ao Estado podem interferir em suas
situações locais, como nos casos da integração regional e dos demais fluxos da
globalização e interdependência.
Mas essa liberdade, contudo, sob as perspectivas de David Crieckmans (2006),
pode levar a outras dinâmicas mais complexas, como no caso de Flandres, na
Bélgica. Para o autor, o seu estudo sobre o caso da região de Flandres, no norte
da Bélgica, expõe a paradiplomacia como um campo de conflitos de interesses
locais e nacionais. Nesse caso, seria possível afirmar que os grupos de pressão
internos e as relações socioculturais e políticas que determinam as instituições, as
políticas públicas e as políticas externas/paradiplomacias dessas regiões seriam
as variáveis com maior capacidade explicativa.
No Brasil, como já mencionado, os estudos de paradiplomacia recorrendo à
APE e à APP iniciaram com o estudo de caso das professoras Mónica Salomón e
Carmem Nunes (2007). Nessa análise, as autoras diferenciaram a natureza dos
agentes “cidade” (Porto Alegre) e “estado federado” (Rio Grande do Sul). Essa
diferenciação é importante, visto que, como as autoras apontam, as cidades
acabam tendo maior liberdade de atuação por não terem, no Brasil, constituições
estaduais que regem questões de segurança e território. As cidades brasileiras
também não possuem forças armadas ou policiais. Em suas análises, as professoras
concluíram que a alternância partidária no poder de um dos governos subnacionais
foi prejudicial para a manutenção da paradiplomacia como política pública,
ou seja, da continuidade de agenda e da secretaria especializada em relações
internacionais. Por outro lado, a manutenção do mesmo partido político no poder
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manteve a coerência de políticas públicas e política externa por meio da secretaria
no outro agente.
Nesse caso, o que se coloca como relevante é a identificação de variáveis —
partidárias e institucionais — que interferiram na APD. Esse recorte de somas
possibilita perceber variáveis que podem interferir nos processos internacionais de
uma cidade que parte da literatura de paradiplomacia nas relações internacionais
vem ignorando. A pesquisa (SALOMÓN; NUNES, 2007; SALOMÓN, 2012a;
SALOMÓN, 2012b) não necessariamente ignora o espaço internacional, mas
inicia-se junto ao cenário local e nacional e, posteriormente, abre espaço para a
compreensão do externo.
Já os estudos sobre a cidade de São Paulo, como os de Janina Onuki e
Amâncio Jorge de Oliveira (2013) ou os liderados por Tullo Vigevani, como a
publicação de Nicole Aguilar Gayard (2006/2007), trazem a coleta de dados da
Secretaria Municipal de Relações Internacionais de São Paulo (ou inicialmente das
assessorias) ao longo de períodos que englobam gestores municipais de partidos
distintos, como Marta Suplicy e José Serra. Os estudos relacionam as agendas
políticas às práticas da secretaria de relações internacionais de São Paulo. Da
mesma forma que Salomón e Nunes (2007), a variável partidária é estabelecida
e o cenário político local e nacional. Olha-se um pouco mais para os processos
internacionais que alcançam a cidade, colocados como derivados da globalização,
e identificam que a própria secretaria gozava de certa autonomia, dado seu corpo
técnico-administrativo.
A autonomia institucional das secretarias especializadas contribuiria para a
formação de estratégias e agendas internacionais para as cidades. Como Janina
Onuki e Amâncio Oliveira (2013) defendem em suas considerações finais:
Esse conjunto de atividades desenvolvidas pela Prefeitura de São Paulo,
durante o período 2001-2004, pode ser considerado resultado das ações
específicas da Secretaria de Relações Internacionais. Embora parte dessas
iniciativas tenha sido gerada pela própria intensificação da interdependência
com outros atores internacionais, e pelo incentivo vindo de governos
estrangeiros, a estruturação de uma agenda mais sistemática de ação, por
parte da Prefeitura, certamente ampliou a capacidade de atender às demandas
externas, e estimulou o desenvolvimento de políticas específicas que viria
beneficiar diretamente a cidade (ONUKI e OLIVEIRA, 2013, p. 17).
O caso da cidade de São Paulo nesses estudos (ONUKI e OLIVEIRA, 2013;
GAYARD; VIGEVANI, 200 4) apontam para a variável institucional, ou seja, olhar
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para a autonomia das secretarias como fontes de origem e gestão das práticas
paradiplomáticas de uma cidade. Contudo, muitos estudos acabam se limitando
a olhar apenas para as secretarias, como em análises mais quantitativas — como
se isso fosse suficiente. Na próxima seção deste artigo, o objetivo é propor e
aplicar um modelo de análise de paradiplomacia capaz de reunir um conjunto de
dimensões analíticas que podem ser úteis aos estudos empíricos.
Modelo APD aplicado à Cidade do Rio de Janeiro
Conforme destacado na introdução, o modelo de Análise de Paradiplomacia
(APD) aqui sugerido (Quadro 1) baseou-se na literatura de paradiplomacia, de
APE e de APP. Essa literatura aponta para cinco dimensões testadas ou conjuntos
de variáveis explicativas, mas fragmentadas em diversos trabalhos: política ou
de gestão (SALOMÓN; NUNES, 2007); mercado (SÁNCHEZ, 2001); institucional
(SALOMÓN; NUNES; LAISNER, 2007; ONUKI; OLIVEIRA, 2013); dinâmicas e
agentes externos ou internacional (SÁNCHEZ, 2001; SASSEN, 2010); e epistêmica
(SÁNCHEZ, 2001).
A primeira — aqui denominada política de gestão — trata dos prefeitos,
secretários, partidos e outros responsáveis por traçarem ou autorizarem as práticas
paradiplomáticas. A segunda dimensão — mercado — analisa variáveis advindas
do mercado, do interesse comercial privado, dos fluxos financeiros e das bases
econômicas da cidade. A terceira dimensão analisa variáveis institucionais,
como o corpo técnico, a autonomia institucional, a especialização e a autoridade
diante da APD. A quarta analisa variáveis internacionais, como interferência de
organizações, governos nacionais estrangeiros e outros que possam orientar ou
determinar as práticas paradiplomáticas. Por fim, a quinta dimensão trata das
fontes epistêmicas, como pesquisadores, universidades e grupos de conhecimento
(think tanks) que possuem relações diretas com as cidades.
A partir dessas cinco dimensões — gestão política, mercado, institucional,
internacional ou agentes externos e epistêmica —, foi possível organizar as
variáveis, bem como identificar alguns indicadores mais específicos e algumas
técnicas/métodos para coletar os dados. A seguir, explica-se o modelo a ser
testado na presente análise de caso sobre a cidade do Rio de Janeiro, onde as
cinco dimensões são organizadas em suas variáveis, indicadores e métodos de
coleta de dados (Quadro 1).
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Quadro 1. Modelo proposto de Análise de Paradiplomacia (APD)
Dimensões Gestão Política Mercado Institucional Agentes Externos Epistêmica
Quais
variáveis
investigar
Relações partidárias
Continuidade
partidária no poder
Gestores
Relações entre gestores
e demais dimensões
Situação política
infranacional
Agenda de política
pública
Participação social
Mercados de Cidades
(empresarial,
imobiliário, consumo,
turismo, boas práticas
e de consultoria e
planejamento)
Setores Econômicos
Participação
empresarial
Demanda internacional
Instituições (responsáveis
pela paradiplomacia)
Autonomia institucional
Corpo técnico
especializado
Relações
interinstitucionais (entre
secretarias e órgãos)
Participação social e
canais democráticos
Redes internacionais
(orientações, tratados
etc.)
Organizações
internacionais
Agendas internacionais
Cenário internacional
Cenário local
transnacional (regiões de
fronteiras)
Comunidades epistêmicas
Origem dos modelos de ação
Grupos de conhecimento
(think tanks) e suas
publicações
Como
investigar
as variáveis
Indicadores:
Espectro político
Continuidade
partidária
Base de apoio político
Demanda e
participação social
Métodos:
Prosopografia e análise
de perfil dos gestores
Redes de relações dos
gestores
Entrevistas em
profundidade
Etnografia
Process-tracing
Indicadores:
Cenário do capital local
Participação
nos processos
políticos (lobby ou
financiamento)
Fins das políticas
públicas
(favorecimento por
meio das ações
políticas)
PPP (parceria público-
privada)
Métodos:
Análise de redes
Análise documental
APP
Análise de discurso
Análise de conteúdo
Indicadores:
Relações burocráticas com
os decisores
Regras formais e informais
Regimes
Relações com outros
agentes e instituições
Formação e
profissionalização do
corpo técnico
Métodos:
Análise documental (atas
e declarações)
Prosopografia do corpo
técnico
Entrevista em
profundidade
Análise de modelos
institucionais
Indicadores:
Modelos de Boas Práticas
Temática dos Debates
envolvidos
Premiações
Vínculos formais
com organismos
internacionais (e a
natureza desses)
Investimentos e
empréstimos
Métodos:
Análise Documental
Traçar o perfil de ação
institucional
Análise de redes
Análise de difusão e
transferência de políticas
públicas
Indicadores:
Identificação dos modelos de
práticas das cidades
Principais conceitos definidos
nas práticas da cidade
Origem desses conceitos na
literatura especializada e suas
comunidades epistêmicas
Parcerias ou avaliações dadas
por grupos de conhecimento
(think tanks)
Métodos:
Rede de indivíduos (gestores
intelectuais)
Análise de conteúdo (da
produção dos grupos e
dos think tanks em suas
publicações)
Process-tracing
Fonte: elaboração dos autores, 2016
208 Paradiplomacia como Política Externa e Política Pública: modelo de análise aplicado ao caso [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
Vale ressaltar que cada dimensão é um conjunto de variáveis que, por sua vez,
se sustentam por indicadores que podem variar de acordo com a cidade analisada.
Na primeira dimensão, a política de gestão, é investigada a relação entre os gestores
e a formulação das políticas públicas (política externa e, consequentemente, a
paradiplomacia da cidade), podendo ser utilizada a prosopografia ou estudos
de redes, por exemplo, para detectar o envolvimento desses com determinadas
temáticas em suas vidas pessoais e entre si. Os estudos partidários podem, também,
apontar para rupturas e continuidades. Mas deve-se lembrar que cada variável, em
cada caso analisado, pode ter maior ou menor capacidade explicativa da realidade.
Apesar da literatura apontar para descontinuidades paradiplomáticas na medida
em que os partidos em oposição se alternam no poder municipal (SALOMÓN;
NUNES, 2007; ONUKI; OLIVEIRA, 2013), grupos políticos (elites) podem pertencer
a partidos distintos, mas compartilhar os mesmos valores e interesses sobre os
resultados de políticas públicas. Nas demais dimensões, como a de mercado,
institucional, internacional ou agentes externos e epistêmica, a organização do
modelo segue o mesmo padrão.
No caso da dimensão institucional, por exemplo, que possui grande número
de pesquisas sobre a interação das instituições nos processos decisórios — como
já mencionado —, é possível utilizar modelos, como o da escolha racional, o
process-tracing, a prosopografia do corpo técnico, entrevistas e análise de relações
interinstitucionais para se alcançar os dados. Dessa forma, cada dimensão pode
evocar técnicas de suas literaturas especializadas. O objetivo do modelo é indicar
possíveis variáveis, indicadores e técnicas adequadas para os estudos empíricos
da paradiplomacia.
Na aplicação à cidade do Rio de Janeiro, optou-se pelo recorte de 1993 a 2016.
O limite temporal foi estabelecido a partir da implementação do primeiro Plano
Estratégico da Cidade que inseriu o campo internacional na agenda municipal de
desenvolvimento (1993) até o final do mandado do prefeito Eduardo Paes em 2016.
Vale lembrar, mais uma vez, que a escolha da cidade se justifica pela existência
de uma continuidade de sua paradiplomacia no período. A explicação dessa
continuidade, no entanto, foge do padrão observado nos estudos empíricos que
destacaram as variáveis partidárias e institucionais em suas análises (SALOMÓN;
NUNES, 2007; LAISNER, 2007; ONUKI; OLIVEIRA, 2013). Ou seja, mesmo
verificando-se alternância partidária na prefeitura do Rio, houve a continuidade
das práticas da paradiplomacia (MERCHER, 2016). As variáveis partidárias ou
institucionais, portanto, não são suficientes para explicar a continuidade no caso
209Leonardo Mercher, Alexsandro Eugenio Pereira
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
empírico do Rio. Por isso, diversas variáveis foram testadas para explicar esse
caso, usando métodos próprios e conforme o modelo aqui apresentado (Quadro 1).
Propõe-se aqui a APD com cinco dimensões de análise: (I) Gestão Política;
(II) Mercado; (III) Institucional; (IV) Internacional; e (V) Epistêmica. Na dimensão
de gestão política, as agendas políticas do período foram analisadas, os partidos
à frente da Prefeitura do Rio de Janeiro foram identificados e realizou-se uma
prosopografia (Quadro 2) dos prefeitos César Maia (1993-1997 e 2001-2009), Luiz
Paulo Conde (1997-2001) e Eduardo Paes (2009-2017). Na dimensão de mercado,
os agentes empresariais em associações e participações na elaboração das políticas
públicas foram identificados, por meio das agendas, órgãos e iniciativas de capital
público-privado com a prefeitura. Observou-se, também, a base econômica e as
políticas públicas municipais, bem como os conteúdos dos discursos oficiais da
Prefeitura do Rio junto aos agentes do mercado.
Na dimensão institucional, as instituições relacionadas à Prefeitura (Executivo
e Legislativo) para o campo internacional foram identificadas, bem como analisada
a autonomia institucional dessas instituições e o perfil de seus coordenadores. Na
dimensão externa, observou-se a participação de agentes internacionais, como
organizações do Sistema ONU, e de redes de cidades, como a Mercocidades, por
meio de documentos e informativos oficiais. Por fim, na dimensão epistêmica,
foram identificados os modelos incorporados na política da cidade, suas origens na
produção científica e a relação dos principais grupos de conhecimento envolvidos
com a cidade do Rio, como o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)
e o Grupo Barcelona.
Na Dimensão da Gestão Política (I), investigou-se que partidos ou que gestores
(personalismo) teriam maior ou menor capacidade de explicação das estratégias
paradiplomáticas. Na variável partidária, uma simples consulta documental aos
partidos dos prefeitos e das coligações no legislativo demonstrou que ocorreram
mudanças partidárias, bem como coligações de oposições entre os três prefeitos
(César Maia, Conde e Paes). Dessa forma, olhando para pesquisas anteriores
sobre variáveis partidárias e paradiplomacia (SALOMÓN; NUNES, 2007), essas
variáveis deveriam explicar rupturas e não a continuidade vista no caso do Rio
(Planos Estratégicos Municipais e as práticas semelhantes ao longo dos governos).
Por isso, a variável partidária teve baixa capacidade explicativa.
210 Paradiplomacia como Política Externa e Política Pública: modelo de análise aplicado ao caso [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
Quadro 2. Prosopografia dos Prefeitos do Rio de Janeiro, 1993-2016
Prefeitos Origem e Formação Atividades anteriores ao
mandato
Atividades durante o mandato Atividades após o mandato
César Maia Rio de Janeiro
18/06/1945
Classe Média
Economista
Universidade do Chile
Filiação ao PCB. Exílio no
Chile. Administrador na Klabin
Cerâmica. Professor de Economia
na UFF. Secretário da Fazenda do
RJ. Presidente BANERJ e DIVERJ.
Deputado Federal 1986-1992
(PDT/PMDB)
1993-1997 e 2001-2009
Primeiros Planos Estratégicos da Cidade.
Projeto Rio Cidade. Fundação da Rede
de Mercocidades (1995). Sede dos Jogos
Pan-Americanos. Tentativas de construir
o Museu Guggenheim. Candidaturas
à Olimpíada de Verão, Criação da
MultiRio.
Criação da Comissão Especial de
Relações Internacionais (CERI)
no primeiro ano de mandato
como vereador (2013) na Câmara
do Rio. Reeleito vereador para
2017. Inserção do Embaixador
Raul Fernando Leite Ribeiro como
conselheiro na Câmara sobre
assuntos internacionais.
Luiz Paulo
Conde
Rio de Janeiro
06/08/1934
21/07/2015
Classe Média
Arquiteto e Urbanista
Universidade do Brasil
(UFRJ)
Arquiteto e Urbanismo.
Participação no projeto do MAM.
Duas vezes presidente dos
Arquitetos do Brasil. Premiações
nacionais e internacionais em
arquitetura. Secretário Municipal
de Urbanismo (1993-1996)
1997-2001
Presidiu as redes UCCI e UCCLA.
Vice-presidente da SMGM. Conselheiro
Executivo na rede IULA.
Presidente-Conselheiro do Plano
Estratégico de seu mandato.
Representante do Rio para a candidatura
da Olimpíada (2004). Presidente do
CIDEU. Vínculo com a diretoria da
Faculdade de Arquitetura da UFRJ.
Um dos criadores da ONG
Vivercidades sobre urbanismo
e cooperação internacional.
Participação em cargos políticos
no RJ. Participação em eventos
de visibilidade internacional no
Governo Estadual do RJ, como
nas campanhas à sede dos jogos
olímpicos.
Eduardo
Paes
Rio de Janeiro
14/11/1969
Classe Média
Direito
PUC-Rio
Figurante da Rede Globo.
Membro do Juventude Cesar
Maia. Subprefreito da Zona Oeste
(1995). Vereador (PFL) com maior
votação (2002). Candidato ao
Governo do RJ (2006). Secretário
Estadual do Turismo. Filia-se ao
PMDB (2007) e se candidata a
prefeito.
2009-2016
Ampliação da CRI. Sede da Olimpíada.
Sede Rio+20 e Rio+C40. Criação da
PPP Porto Maravilha. Sede da UN-
Habitat (2010). Participação nas redes
de cidades.
Mudou-se para Nova York, EUA.
Fonte: elaboração dos autores, 2016.
211Leonardo Mercher, Alexsandro Eugenio Pereira
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
Já a análise dos gestores políticos, por meio da prosopografia (coleta de
dados bibliográficos das elites decisórias), demonstrou que, apesar de partidos
distintos em planos de governo, manteve-se o mesmo grupo político no poder.
A prosopografia dos prefeitos (Quadro 2) indicou, também, o engajamento pessoal
com os temas internacionais de cidades, especialmente dos dois primeiros, César
Maia e Luiz Paulo Conde em suas atividades anteriores, ao longo e posteriores
ao exercício do mandato, como na projeção da estética urbana e celebração de
grandes eventos esportivos, artísticos e climáticos à visibilidade internacional.
A formação em arquitetura do prefeito Conde reforçou a participação em redes
internacionais de urbanismo nos moldes estratégicos já implementados por seu
antecessor César Maia: aparelhos arquitetônicos (museus e grandes complexos)
atraem visibilidade e investimentos nacionais e internacionais.
Percebe-se que, nessa dinâmica complexa de agentes, internos e externos à
cidade do Rio, as variáveis políticas de gestão trouxeram respostas consistentes
sobre a ação externa do município. A permanência de um único grupo político
no poder, desde 1993 até 2016, revela que os gestores (prefeitos) são os agentes
decisores no processo de política externa da cidade. Mas, apesar de determinarem
o comportamento da cidade, não criaram os modelos — os absorveram de outros
agentes, como do Grupo Barcelona e do CEBRI. Os prefeitos não criam, também, as
demandas e grupos de pressões sobre a elaboração de políticas públicas, exigindo
uma melhor análise nas demais dimensões do modelo.
Para analisar a Dimensão de Mercado (II), primeiramente identificou-se a
base econômica e financeira da cidade, percebendo um predomínio em serviços
sobre a indústria. O PIB da capital fluminense é originário da seguinte proporção
(IBGE, 2016 ): 65,52% em serviços; 23,38% em impostos; 11,06% em indústria;
e 0,3% em agronegócio. Na pesquisa, foi possível observar que importantes
representações comerciais e de interesse privado, como a Associação Comercial
do Rio de Janeiro (ACRJ) e a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN),
estiveram no Conselho da Cidade e participaram diretamente na definição dos
Planos Estratégicos desde 1993, tanto na coordenação como na elaboração dos
textos e seus objetivos de desenvolvimento (VAINER, 2001). Os conselheiros
também demonstraram vínculos com o mercado de cidades
4
.
4 Fernanda Sánchez (2001) aponta que, no cenário internacional, as cidades competem entre si por recursos e seis
interesses econômicos: mercado de empresas localizadas; mercado imobiliário; mercado de consumo; mercado
do turismo; mercado das boas práticas; e mercado de consultoria e planejamento.
212 Paradiplomacia como Política Externa e Política Pública: modelo de análise aplicado ao caso [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
Quadro 3. Lista dos Conselheiros da Cidade do Rio de Janeiro, 2016
Fonte: elaboração dos autores, 2016.
213Leonardo Mercher, Alexsandro Eugenio Pereira
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
Os documentos do Conselho da Cidade demonstraram que 47 de seus 217
conselheiros pertenciam às principais empresas vinculadas aos mercados de
cidades, como Roberta Medina e Carlos Alberto Veiga Sicupira (Quadro 3). Isso
representa uma porcentagem de aproximadamente 22% dos conselheiros. Mas
essa porcentagem não engloba todos, visto que, além desses grandes empresários,
existem, ainda, os advogados sócios em firmas de advocacia e empresários de
médio e pequeno porte, como designers e lojistas.
Os grandes empresários formam a maior e mais homogênea parte do grupo do
Conselho da Cidade, representando grandes empresas nacionais e internacionais.
Esse grupo é seguido pelos urbanistas, economistas, advogados e pequenos e
médios empresários. Depois desses estão acadêmicos, esportistas, profissionais da
saúde, artistas e políticos — as “personalidades da Cidade”. Os dados do Conselho
da Cidade materializam de forma clara a relação entre o mercado e os Planos
Estratégicos da Cidade, ainda mais que a FIRJAN e ACRJ. Essas duas instituições,
além de redigir e coordenar o processo de criação dos Planos Estratégicos do
Rio no Conselho da Cidade, estariam duplamente representadas, uma vez que
muitos de seus membros estão ali como conselheiros. Não por acaso, as práticas
de sediar grandes eventos que atraiam turistas, desenvolvam o comércio e
aqueçam o mercado imobiliário sempre se mantiveram nos objetivos e práticas
paradiplomáticas da cidade do Rio de Janeiro no período analisado.
Contudo, não foi o mercado quem criou o modelo. No máximo, financiou,
demandou ou apoiou a sua criação e implementação pelos gestores políticos. Por
isso, a análise das dimensões Institucional (III), Internacional (IV) e Epistêmica
(V) foram realizadas. Na Institucional, os órgãos municipais responsáveis pela
paradiplomacia (Coordenadoria de Relações Internacionais da Cidade do Rio de
Janeiro — CRI e a Comissão Especial de Relações Internacionais da Câmara dos
Vereadores do Rio de Janeiro — CERI) e suas práticas foram investigadas por
meio de análise documental e da prosopografia de seus dirigentes (Quadro 4).
214 Paradiplomacia como Política Externa e Política Pública: modelo de análise aplicado ao caso [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
Quadro 4. Prosopografia dos Coordenadores da CRI, 1993-2016
Coordenador da CRI Origem e Formação Atividades anteriores à CRI Atividades durante a coordenação da CRI
Claudio García de
Souza
Rio de Janeiro
01/06/1927
Direito (USP) e Instituto
Rio Branco
Embaixador: 1956 em Montevidéu; 1959 no
CERNAI; 1971-1975 em La Paz; 1976-1978 em
Buenos Aires; 1979-1984 em Estocolmo; 1984-
1987 em Belgrado; e 1987-1990 em Berna.
1993-2000
Participou da elaboração dos primeiros Planos
Estratégicos da Cidade. Reforma da CRI que
assume o PE na paradiplomacia. Fundação
das Mercocidades. Primeiras candidaturas aos
grandes eventos internacionais. Vitória na
candidatura ao Pan-Americano. Envolvimento
com a Rede URB-AL e outras.
Raul Fernando Belford
Roxo Leite Ribeiro
Buenos Aires
31/10/1932
Economia (London School)
e Instituto rio Branco
Embaixador: 1957-1959 no GATT (Rio); nos
anos seguintes esteve na ALALC, BID e Banco
Mundial até1983; 1987 em Argel; 1992 em
Lima; 1994 em Los Angeles; 1997 aposentou-
se; 1997 consultor da Odebrecht e Geotec.
Engenharia, 2000.
2005-2008
Manteve a Cidade atuante nas redes.
Realização e candidatura de grandes eventos
internacionais. Cidade da Música (atualmente
Cidade das Artes).
Stelio Marcos
Amarante
Rio de Janeiro
03/01/1942
Direito (UFRJ) e Instituto
Rio Branco
Diplomata nas Feiras e Exposições do MRE nos
anos 1960; 1983 participou da Comissão da
Baleia; 1985-1986 representante comercial com
as repúblicas da URSS; 1998 embaixador na
Bolívia; 2003 embaixador em Dublin.
2009-2012
Relação pessoal com o PT no Governo Federal.
Auxiliou nas campanhas dos grandes eventos
internacionais. Realizou o VI Fórum Mundial de
Habitação. Empréstimo com o Banco Mundial
para desenvolvimento social e urbano.
Laudemar Gonçalves
de Aguiar Neto
Niterói
26/06/1960
(sem dados confirmados
de graduação) e Instituto
Rio Branco
Trabalhou na Embaixada em Moscou e outras
representações como diplomata; tornou-se
embaixador em 2015.
2013-2016
Realização de eventos como Rio+20, Rio+C40
e Olimpíada. Publicações com o CEBRI
sobre paradiplomacia e suas estratégias de
desenvolvimento
Fonte: elaboração dos autores, 2016.
215Leonardo Mercher, Alexsandro Eugenio Pereira
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
Os resultados da análise Institucional (III) apontaram para alta capacidade
técnica (funcional), mas baixa autonomia em relação aos gestores (prefeitos).
Por exemplo, os cargos de chefia da Coordenadoria de Relações Internacionais
da Cidade do Rio de Janeiro (CRI) sempre foram ocupados por diplomatas de
carreira no período analisado, mas com alternâncias de acordo com os mandatos
dos prefeitos. Com exceção do embaixador Claudio Garcia de Souza, o cargo de
coordenador da CRI sempre teve rotatividade para cada novo mandato de prefeito.
É possível observar, também, baixa autonomia institucional por causa do vínculo
da CRI com o Gabinete do Prefeito no Palácio da Cidade (orçamento, indicações,
agenda direta do prefeito etc.). Portanto, a CRI se coloca como o principal órgão
de convênios e ações paradiplomáticas da cidade, mas se submete diretamente
ao prefeito e aos Planos Estratégicos da Cidade — que advêm do Conselho da
Cidade (mercado e sociedade).
Já no Poder Legislativo municipal as tentativas de César Maia de criar
uma Comissão de Relações Internacionais nos últimos anos não demonstraram
fôlego para orientar as práticas paradiplomáticas da Cidade, mantendo, ainda, a
centralização paradiplomática na CRI (Gabinete do Prefeito). Mas a criação da
Comissão Especial da Câmara dos Vereadores por César Maia (primeiro ato após
eleito como vereador depois de concluir seu mandato na prefeitura) ilustra que
a agenda internacional da cidade em seus mandatos à frente do Executivo não
era apenas um tema secundário, mas de atenção pessoal, demonstrada nos seus
discursos e posicionamentos sobre as relações internacionais do Rio.
Sobre a dimensão dos agentes externos e interferências internacionais (IV),
observou-se demanda de redes de cidades (Mercocidades, CGLU etc.) e organismos
internacionais em cooperar e firmar parcerias com o Rio de Janeiro, como no
empréstimo adquirido, em 2009, do Banco Mundial. Identificar os agentes e as
dinâmicas foi o primeiro passo, seguido da análise documental e de seu cruzamento
com apontamentos teóricos da literatura especializada. Mas, de todas as dimensões,
essa demonstrou ser a mais dependente dos interesses pré-definidos na agenda
internacional da cidade pela Prefeitura. Empréstimos e participações do Rio no
âmbito internacional só ocorreram na medida em que os gestores entendiam ou
percebiam vantagens.
A autonomia de decisão em relação aos agentes internacionais se mostrou
mais elevada do que, por exemplo, diante dos grupos de pressão comerciais
locais. Entretanto, sem as variáveis internacionais e agentes externos, pouco se
216 Paradiplomacia como Política Externa e Política Pública: modelo de análise aplicado ao caso [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
compreenderia sobre o fortalecimento da estratégia paradiplomática adotada.
Por exemplo, a busca por sediar grandes eventos e conseguir empréstimos e
financiamentos de organizações internacionais pode ser compreendida como
mecanismos estratégicos de competição internacional em relação a outras
cidades. Mas as cidades competem se os gestores (e seus grupos de pressão)
perceberem vantagens e assim decidirem. Dessa forma, os mercados de cidades
apontados por Fernanda Sánchez (2001), como o mercado de boas práticas
5
,
e as dinâmicas dos fluxos de capitais na globalização, identificados por Saskia
Sassen (2010), ajudam a entender que o cenário internacional se coloca como
uma variável interveniente, que induz a concorrência entre governos locais, mas
não necessariamente determinaria as ações do Rio — e, possivelmente, as ações
de muitas outras cidades.
Referente aos resultados da análise da Dimensão Epistêmica (V), observou-se
o conteúdo dos Planos Estratégicos e das ações da cidade para identificar
ideologias, valores e ideias compartilhadas pelos gestores e grupos sociais
de pressão. Pesquisadores como Fernanda Sánchez (2001) e Claudio Vainer
(2001) já haviam mencionado que os modelos de desenvolvimento municipal
do Rio e, consequentemente, a sua paradiplomacia, vieram de experiências
anteriores e de boas práticas da cidade de Barcelona, intermediadas pelo político
e professor catalão Jordi Borja (TUBSA S.A. ou Grupo Barcelona). Desde 1993,
Borja inseriu o modelo que deu origem aos Planos Estratégicos e ao conselho
da cidade, tal qual se desenvolveu nesses 23 anos, como, por exemplo, tendo as
representações comerciais — ACRJ e FIRJAN — espaço de coordenação e liderança
(VAINER, 2001).
Além disso, durante as investigações institucionais, foi possível perceber
que grupos de conhecimento (think tanks), como o Centro Brasileiro de Relações
Internacionais (CEBRI), demonstraram vínculo institucional direto com a CRI,
onde suas publicações apontam modelos de paradiplomacia, bem como existem
publicações do próprio corpo técnico da Prefeitura em relações internacionais.
O artigo do Coordenador da CRI, o Diplomata Laudemar Aguiar (2013), durante
o governo de Eduardo Paes, reafirmava as ideias estratégicas de desenvolvimento
5 Segundo Fernanda Sánchez (2001), o Banco Mundial premia boas práticas em políticas públicas, o que aquece
o mercado da consultoria e impulsiona, também, outras cidades a pegarem empréstimos para aplicarem nos
modelos premiados pelo Banco Mundial — muitas vezes, o mesmo que oferta o empréstimo. Essa situação
pode criar um ciclo de conceitos de desenvolvimento, comércio de modelos e endividamento das cidades.
217Leonardo Mercher, Alexsandro Eugenio Pereira
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
dos Planos Estratégicos, do Grupo Barcelona e de outros pesquisadores no CEBRI.
Além disso, pesquisadores em contraponto (críticos ou opositores intelectuais)
aos modelos adotados pela cidade nesse período, como Carlos Vainer (UFRJ)
e Fernanda Sánchez (UFF), tiveram pouca repercussão na gestão estratégica e
paradiplomática do Rio de Janeiro.
Nas concepções críticas da academia local, as dimensões de gestão política,
mercado e institucional demonstraram o alinhamento com uma vertente conceitual
neoliberal (SÁNCHEZ, 2001; VAINER, 2001), que compreende a paradiplomacia
como ferramenta de captação de recursos e desenvolvimento financeiro e
comercial de uma cidade. A reforma urbana e o investimento em aparelhos
arquitetônicos e grandes eventos que deram visibilidade internacional trariam
investimentos de capital que, posteriormente, poderiam ser convertidos em
financiamento de políticas sociais ou ambientais. Essa perspectiva, contudo, não
está abertamente presente no conteúdo das publicações do CEBRI. Mas, o conteúdo
do CEBRI (na forma de artigos publicados) reproduz o da CRI e vice-versa sobre
paradiplomacia como ferramenta do desenvolvimento por meio da visibilidade
e da atração de capital internacional. Não é de se estranhar que as relações
entre CRI (Prefeitura do Rio) e o CEBRI vão além de publicações, onde o próprio
CEBRI reconhecia (até 2016) a Prefeitura do Rio como uma de suas mantenedoras
institucionais, juntamente com outras empresas — presentes indiretamente no
Conselho da Cidade.
De fato, a existência de uma instituição epistêmica na cidade (CEBRI)
contribui para a organização e continuidade da ação paradiplomática da forma
que foi implementada desde 1993 pelo Grupo Barcelona. Mas não necessariamente
determina sua implementação pelos gestores. A escolha dos gestores no Rio
(prefeitos e coordenadores da CRI) de adotarem essas ideias de grupos de
conhecimento poderia ser explicada pelas variáveis já apresentadas anteriormente:
formação profissional dos gestores; e grupos de pressão sobre a elaboração de
políticas públicas. Assim, no caso do Rio — e talvez de muitas outras cidades —,
as variáveis determinantes da estratégia paradiplomática sejam as vinculadas aos
gestores e aos agentes econômicos presentes em suas regiões. Por isso, os estudos
de APP e APE podem facilitar as investigações em APD.
218 Paradiplomacia como Política Externa e Política Pública: modelo de análise aplicado ao caso [...]
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 195-222
Considerações finais
Com o intuito de facilitar a compreensão do processo de pesquisa em
paradiplomacia, apresentou-se aqui o modelo de Análise de Paradiplomacia (APD)
que reúne elementos de Análise de Políticas Públicas (APP) e Análise de Política
Externa (APE). Baseado no modelo de APE de Mónica Salomón e Letícia Pinheiro
(2013) e nos modelos de APP de Celina Souza (2006) e Enrique Saraiva (2007),
cinco dimensões de análise foram reunidas e destacadas como as variáveis mais
relevantes apontadas pela literatura especializada, bem como foram apresentados
alguns métodos de coleta de dados. Para ilustrar sua aplicação, o caso da cidade
do Rio de Janeiro foi apresentado, onde as dimensões política de gestão e de
mercado tiveram grande poder explicativo.
Para cada uma das cinco dimensões propostas — gestão política, mercado,
institucional, internacional e epistêmica —, diversas variáveis foram testadas,
apontando para resultados diferentes de outros trabalhos já apresentados na
disciplina. Enquanto que a variável partidária e institucional conseguiu explicar
casos de continuidade estratégica de cidades brasileiras (SALOMÓN; NUNES, 2007;
LAISNER, 2007; ONUKI; OLIVEIRA, 2013), o caso do Rio demonstrou que variáveis
como profissionalização e carreira dos gestores, grupo político e agentes comerciais
conseguem explicar a continuidade observada na prática paradiplomática do Rio
de Janeiro durante o período de 1993 a 2016.
Nesse sentido, o modelo apresentado (Quadro 1) busca reunir e flexibilizar as
variáveis e os métodos de coleta e análise de dados tendo em mente que as cidades,
apesar de terem em comum a natureza governamental, possuem peculiaridades
próprias que desafiam perspectivas mais limitadas em uma ou duas dimensões.
Seguindo as premissas de que a APE e a APP são mais do que métodos — mas
um conjunto de valores sobre como compreender a realidade de forma plural e
com diversos níveis de análise —, foi elaborada a APD que incentiva a análise
somada dos cenários doméstico, internacional e da natureza do agente diante
das relações internacionais.
A relação dos estudos de APE e APP com os de APD, portanto, exige um olhar
para dentro das cidades em suas diversas dimensões. A concepção adotada, de que
a paradiplomacia é em si política externa e que esta, por sua vez, é uma política
pública, ampliou o número de variáveis a serem investigadas. Dos gestores aos
empresários e à demanda dos mercados, passando pela autonomia institucional,
219Leonardo Mercher, Alexsandro Eugenio Pereira
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pelo corpo técnico e pela interferência de agentes nacionais e internacionais,
as variáveis foram organizadas no modelo em suas cinco dimensões, mas que
não devem ser vistas como rígidas. Dessa forma, a APD e a APP, assim como
já ocorre com a APE, devem ser vistas como recursos analíticos relevantes para
a compreensão da multiplicidade de agentes e suas formas de participação nas
relações internacionais contemporâneas.
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