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Expectativas promissoras:
comércio e perspectivas de cooperação bilateral
nas relações Brasil–União Soviética (1964-1967)
Promising Expectations:
trade and perspectives of bilateral cooperation
between Brazil and the Soviet Union (1964-1967)
DOI: 10.21530/ci.v13n2.2018.773
Gianfranco Caterina
1
Resumo
Este artigo busca compreender a dinâmica das relações entre Brasil e União Soviética logo
após o golpe civil-militar de 1964. Apesar da retórica anticomunista, das arbitrariedades e
perseguições a elementos considerados subversivos e comunistas brasileiros, o regime que
se instalou após a tomada de poder em abril de 1964 permanecia interessado na manutenção
de boas relações com a superpotência euroasiática. Argumenta-se que o comércio teve
papel relevante nesse período, levando à busca por uma institucionalização das relações
interestatais, visando a retomada das conversações acerca de assistência soviética a grandes
projetos de infraestrutura no país. Dentro dessa chave de entendimento, a URSS poderia
desempenhar um papel relevante na industrialização do Brasil. Em 1967, o Brasil retomava
o posto de principal parceiro comercial da URSS na América Latina (excetuando-se Cuba).
No entanto, as cifras eram inferiores em comparação às trocas no biênio 1962-63. Este artigo
busca evidenciar como esforços de reaproximação foram importantes para moldar ações de
cooperação econômica e estratégica posteriores entre os dois países.
Palavras-chave: Política Externa Brasileira; União Soviética; Regime Militar; Cooperação
Econômica.
1 Doutorando em História, Política e Bens Culturais no CPDOC/FGV no Rio de Janeiro. É mestre em História Social
pela PUC-SP (2012) e especialista em Economia pela EESP-FGV (2014). Em 2016, foi pesquisador visitante na
George Washington University em Washington, DC.
Artigo submetido em 06/03/2018 e aprovado em 06/09/2018.
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Abstract
This article assesses the relationship between the governments of Brazil and the Soviet
Union after the 1964 civil-military coup. Despite the anti-Communist rhetoric, arbitrariness
and persecutions of so-called subversive elements and Brazilian communists, the regime
that gained power in April 1964 was still interested in maintaining good relations with
the USSR. We argue that trade played an important role during this period; it fostered an
institutionalization of inter-state relations, which in turn led to the resumption of conversations
about Soviet assistance for big infrastructure projects in Brazil. Within this framework,
the USSR would be able to play a relevant role in Brazil’s industrialization. In 1967, Brazil
regained the position of the most important Soviet trade partner in Latin America (except
for Cuba). However, the figures were still smaller than those for bilateral trade in 1962-63.
This paper seeks to explain how rapprochement efforts were important for promoting later
strategic and economic cooperation between the two countries.
Keywords: Brazilian Foreign Policy; Soviet Union; Military Regime; Economic Cooperation.
Introdução
2
A normalização das relações diplomáticas entre Brasil e União Soviética,
iniciada ao final da Segunda Guerra Mundial, durou apenas dois anos e meio.
Em outubro de 1947, o governo Dutra rompeu relações com a URSS, gerando um
distanciamento que perdurou por algum tempo. Seria somente em dezembro de
1959 que o presidente Kubitschek enviaria uma missão a Moscou para a assinatura
de um acordo comercial bilateral. Em 1961, aconteceria a abertura de respectivos
escritórios comerciais e o reestabelecimento de relações diplomáticas entre os
dois países (VOLCHEK, 1985).
Sabe-se, no entanto, que uma das justificativas oficiais para a intervenção
militar em 1964 foi o temor, de parte das elites civil e militar do País, que o Brasil
enveredasse para uma trajetória de cunho socialista. Esses grupos nutriam também
uma enorme desconfiança do presidente João Goulart. Com isso em mente, este
artigo buscará responder à seguinte pergunta: como os esforços de reaproximação
entre o Brasil e a URSS, após o golpe civil-militar de 1964, foram importantes para
modelar ações de cooperação econômica bilateral que ocorreriam posteriormente?
O primeiro passo para responder a essa questão de forma satisfatória é uma
discussão bibliográfica bem fundamentada. É consenso na literatura sublinhar a
2 Agradeço ao professor Alexandre Moreli por seus comentários e sugestões.
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singularidade das relações diplomáticas entre Brasil e União Soviética logo após
o golpe civil-militar de 1964. Vizentini argumenta que a retórica típica da Guerra
Fria e das fronteiras ideológicas “não correspondeu plenamente à prática” nas
interações com a superpotência euroasiática. Segundo ele, a manutenção de laços
diplomáticos plenos com a URSS e com os países de seu bloco derivavam de
“necessidades comerciais”, além do fato de que a atuação internacional soviética
se pautava por uma “diplomacia tradicional e legalista, e não revolucionária como
a de Cuba e da China” (VIZENTINI, 1998, p. 61).
Essa tendência se acentuaria ao longo dos anos de 1960. A União Soviética,
após o cisma com a República Popular da China e dificuldades em sua parceria com
Cuba, estava mais interessada na manutenção do status quo global e preocupada
com sua própria conjuntura doméstica do que com a difusão revolucionária do
comunismo, especialmente após a ascensão de Leonid Brejnev como secretário-
geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em outubro de 1964. Daí se
deduz uma das razões que indicam por que o Brasil rompeu relações diplomáticas
com Cuba logo após o golpe de 1964, mas não o fez com a URSS — além dos
conhecidos interesses comerciais e econômicos envolvidos
3
.
De forma análoga a Vizentini, Cervo situa as relações brasileiro-soviéticas
dentro de um “universalismo inevitável” durante o governo Castello Branco. Ele
sublinha que o governo brasileiro tinha a “intenção” de que as relações “puramente
comerciais” passassem ao estágio de relações econômicas, nas quais “se agregassem
componentes de desenvolvimento, como importação de máquinas, equipamentos e
tecnologias” (CERVO; BUENO, 2008, p. 377-379). Ou seja, a superpotência socialista
poderia exercer um papel relevante no esforço de industrialização do Brasil.
Argumentamos, dessa forma, que a manutenção das relações bilaterais procede
desses três pontos: o fato de o anticomunismo da cúpula militar brasileira estar
concentrado em Cuba e não na URSS, mudanças domésticas importantes em
curso na superpotência socialista, e a possibilidade de a mesma exercer um papel
importante na industrialização do Brasil. Assim, o interesse brasileiro iria além da
mera expansão comercial apontada por outros dois autores como fator principal
de aglutinação entre os dois países (SILVA, 2014; BARRETO FILHO, 2006). André
Reis da Silva destaca que os contatos comerciais “aumentaram”, e concorda com
3 Sobre Cuba deve-se mencionar também a pressão que o governo estadunidense vinha realizando em outros países
da região desde a expulsão do país caribenho da OEA. Além disso, o Brasil tinha uma série de compromissos
econômicos com credores daquele país que precisavam ser urgentemente equacionados. O gesto político da
ruptura com Cuba sublinharia a mudança de comando e o engajamento do novo governo brasileiro em reformas
econômicas visando restaurar sua credibilidade no sistema financeiro internacional.
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Vizentini e Cervo que, em relação à URSS, o discurso calcado na Guerra Fria “não
correspondeu à prática” (SILVA, 2014, p. 41).
O objetivo deste artigo é, portanto, investigar como essas interações entre os
governos do Brasil e da URSS, durante a primeira administração do regime militar,
foram importantes para a institucionalização das relações interestatais, visando
a retomada das conversações acerca de assistência soviética a grandes projetos
de infraestrutura no país. Cervo lembra que foram restabelecidos contatos por
delegações bilaterais e reunida, pela primeira vez, a Comissão Mista Bilateral
prevista no Acordo de Comércio e Pagamentos de 1963 (CERVO; BUENO, 2008).
As delegações brasileiras que estiveram na URSS nesse período buscaram manter
vivo o interesse soviético em participar de empreendimentos no ramo energético
no Brasil. Em relação ao comércio, no final de 1967, o país retomava o posto de
principal parceiro comercial da URSS na América Latina (excetuando-se Cuba).
Para realizar este estudo, concentraremos nossas atenções na análise de
fontes primárias. Serão utilizados documentos brasileiros, tanto do Arquivo
Histórico do Ministério das Relações Exteriores (AHMRE), em Brasília, como os
do acervo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), no Rio de Janeiro. Além deles,
documentos russos obtidos no GARF (Arquivo Estatal da Federação Russa), em
Moscou, também serão empregados. Destaco que eventuais erros na tradução
desses registros do idioma russo são de minha inteira responsabilidade.
O texto está estruturado em quatro itens. O primeiro apresenta as preocupações
anticomunistas do novo governo brasileiro logo após tomar o poder em abril
de 1964. Em seguida, trata das iniciativas de reaproximação diplomáticas entre
Brasil e URSS iniciadas poucos meses depois. O terceiro analisa, em detalhes, as
visitas à URSS das comitivas lideradas por ministros brasileiros em 1965 e 1967.
Além disso, comenta a vinda do ministro do Comércio Exterior da URSS ao Brasil
em 1966 e outras iniciativas e interações diplomáticas entre os dois países. Por
último, expõem-se as conclusões e as perspectivas para as relações bilaterais nos
anos subsequentes.
Golpe civil-militar, anticomunismo e relações bilaterais
Com o golpe civil-militar sendo deflagrado no Brasil em 1º de abril de 1964,
num cenário doméstico ainda indefinido, o embaixador do Brasil em Moscou,
Henrique Rodrigues Valle, enviava uma correspondência detalhada sobre os
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80 Expectativas promissoras: comércio e perspectivas de cooperação bilateral nas relações [...]
“objetivos econômicos” do governo brasileiro na União Soviética. Dividia-os em
três setores: comercial, financeiro e técnico-científico. Valle projetava um comércio
bilateral que atingiria US$ 500 milhões de parte a parte em 1970. Tal volume
possibilitaria “transações financeiras para o desenvolvimento econômico do Brasil”.
Sobre o terceiro item, o embaixador afirmava que, de acordo com as mesmas
projeções, seria possível financiar uma ampla assistência técnica soviética, mas
que, na “maioria das vezes”, essa estaria vinculada à “aquisição de equipamentos”.
Por fim, ele solicitava ao Itamaraty mais recursos financeiros e humanos a fim
de “concretizar as excelentes promessas econômicas do posto” (AHMRE, 1964a).
Ao mesmo tempo, a radicalização político-ideológica apontava para um
desfecho no Brasil. O presidente João Goulart saiu do Rio a Brasília e depois
a Porto Alegre numa última tentativa de organizar alguma resistência com o
ex-governador Leonel Brizola. No entanto, o presidente do Senado já havia
declarado vaga a presidência da República antes mesmo de Goulart exilar-se
no Uruguai. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumia
interinamente o cargo. Ao mesmo tempo, uma junta de militares de alta patente
das três Armas assumia o poder de facto por duas semanas. Após a decretação do
Ato Institucional, o marechal Castello Branco assumia o poder no dia 15 de abril,
eleito indiretamente por um Congresso Nacional desfigurado pelo AI-1.
Nesse cenário interno radicalizado pelo anticomunismo, seria natural que os
representantes soviéticos no país se inquietassem. Em Moscou, Valle foi convocado
para uma reunião pelo ministro interino das Relações Exteriores. A Embaixada
da URSS no Rio afirmava em correspondência ao governo soviético que esperava
que as autoridades brasileiras agissem de acordo com princípios fundamentais do
Direito Internacional, de forma a tomar as providências necessárias para garantir
a segurança da Embaixada, bem como de seu pessoal, e dos cidadãos soviéticos
que se encontravam no Brasil (AHMRE, 1964b).
Ainda durante o governo provisório de Mazzilli, assumia a chancelaria
o ex-embaixador em Moscou e Havana, Vasco Leitão da Cunha. Ele seria
mantido após a ascensão de Castello ao poder. Nas semanas seguintes, Cunha
confrontar-se-ia com diversas denúncias de espionagem, favorecimento e
financiamento de “atividades subversivas” por cidadãos estrangeiros no país. No
dia 6 de abril, por exemplo, o embaixador do Brasil no México, Manuel Pio Corrêa
Junior, escreveu uma carta pessoal ao chanceler acusando o governo cubano de
conceder apoio financeiro a Leonel Brizola e seus apoiadores; afirmando inclusive
que a primeira parcela dessas subvenções chegou a ser paga (CPDOC-FGV, 1964a).
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Esse clima de perseguição e anticomunismo minaram as relações diplomáticas
entre o Brasil e o bloco soviético durante o primeiro semestre de 1964. Já no início
de julho, entretanto, o presidente brasileiro enviou uma mensagem pessoal a
Nikita Khrushchev afirmando que o país tinha interesse no incremento comercial
com a URSS (VIZENTINI, 1998). Na busca por restaurar alguma confiança,
Castello procurava justificar a necessidade da intervenção dos militares na política
nacional e, ao mesmo tempo, moderar a maré anticomunista. Para o presidente,
as relações com os países do Leste Europeu deveriam ser “mantidas e, em certos
terrenos, ampliadas”. Segundo ele, o comércio entre o Brasil e os países do bloco
soviético poderia ser “mutuamente proveitoso: estamos prontos a aumentar
nossas trocas, desde que elas não sejam veículo de influências inaceitáveis”
(MRE, 1966 ). Os instrumentos legais necessários para que isso ocorresse na
prática já existiam. O Acordo de Comércio e Pagamentos assinado entre os dois
países em 1963 — o qual também previa reuniões regulares no âmbito de uma
Comissão Mista bilateral — estava em vigência. Desde o reatamento em 1961, as
trocas comerciais cresciam de maneira significativa e sempre com saldo positivo
para o Brasil — apesar de o volume total ainda ser pequeno quando comparado
aos parceiros tradicionais (MILLER, 1989).
Restaurando a confiança pelo comércio
Ao fazer um balanço dos principais pontos do mês de maio, a Embaixada em
Moscou comentava sobre como fora retratada na imprensa soviética a tomada de
poder pelos militares no Brasil. Afirmava que, embora considerada pela grande
maioria um “golpe reacionário”, as críticas eram em “termos ponderados” apesar
de “inúmeros exageros e erros de informação” (AHMRE, 1964c).
No início de agosto, o presidente do Conselho do Soviete Supremo, Anastas
Mikoyan, acusou o recebimento de carta enviada por Castello Branco. Segundo
a Embaixada em Moscou, a comunicação avisava a respeito de o presidente
haver “tomado posse no cargo” (AHMRE, 1964d). No final de julho, o Congresso
Nacional, por meio da Emenda Constitucional nº 9, prorrogava o mandato do
presidente até 15 de março de 1967. Havia, portanto, uma indicação ao governo
soviético de que o novo governo brasileiro estava se consolidando no poder e que
Castello não exerceria apenas um mandato “tampão”.
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82 Expectativas promissoras: comércio e perspectivas de cooperação bilateral nas relações [...]
Algumas semanas depois, o governo brasileiro fazia novo esforço para
reforçar às missões diplomáticas do Leste Europeu que a diminuição do comércio
com o bloco soviético era algo conjuntural, e não resultado de qualquer tipo de
discriminação ideológica. Em comunicação a Moscou, o Itamaraty argumentava
que a diminuição havida nas trocas era fruto de “inevitáveis reajustamentos”
ocorridos no país após a tomada de poder pelos militares. Dizia ainda que, apesar
das dificuldades momentâneas, considerava o quadro de comércio com o Leste
Europeu “promissor” (AHMRE, 1964e).
De acordo com Rupprecht (2011) havia um desejo, de ambas as partes, de
manter relações diplomáticas amistosas. No começo de setembro, Mikoyan enviou
um telegrama a Castello Branco desejando “felicitações” por motivo do aniversário
da independência do Brasil. O político soviético expressava a “esperança” de que
as relações bilaterais se desenvolvessem no interesse dos povos de ambos os países
(AHMRE, 1964f). Da mesma forma, no dia 7 de setembro de 1964, o Izvestia publicou
um artigo congratulando o Brasil pelo aniversário de independência e desejando
o “fortalecimento de relações amigáveis entre os dois países” (AHMRE, 1964g).
Uma semana depois, o embaixador Valle escreveu uma carta pessoal ao
chanceler mostrando-se “muito bem impressionado” com os “inúmeros contatos”
que estava mantendo com as autoridades do governo soviético. Disse que manteve
conversas com o embaixador da URSS no Brasil, Andrei Fomin — que se encontrava
na capital soviética — bem como com funcionários do Departamento de América
Latina do Ministério de Negócios Estrangeiros da URSS. Afirmou ainda que teve
uma longa entrevista com o ministro do Exterior, Andrei Gromyko, e com seu vice,
Vassily Kuznetsov. Notou que todos se mostraram “visivelmente interessados”
na manutenção de boas relações bilaterais — inclusive não se limitando apenas
a conversas sobre as possibilidades de comércio (CPDOC-FGV, 1964b).
No final de setembro, a Petrobras assinava um compromisso prevendo a
aquisição adicional” de 2 milhões de toneladas de petróleo da URSS para o
ano seguinte (AHMRE, 1964h). Descontada certa dose de cortesia diplomática
recíproca, as relações bilaterais estavam ganhando importância de fato — mais
pelas perspectivas futuras do que pelos dados presentes.
A mudança de tom também estava relacionada com a troca de comando em
curso na URSS. Em 14 de outubro de 1964, o Comitê Central do PCUS confirmou o
afastamento de Khrushchev, e a nomeação do novo líder, Leonid Brejnev, encerrando
uma conspiração interna que estava em marcha desde março. Duras acusações de
quadros importantes do Partido sobre a política doméstica de Khrushchev, bem
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83Gianfranco Caterina
como decisões precipitadas no campo externo, selaram sua retirada do posto.
Brejnev não possuía experiência alguma em assuntos de política exterior. Além
da importante influência de Gromyko, deve-se pesar também, principalmente no
início de sua administração, a proeminência do primeiro-ministro Alexei Kosygin
nos assuntos externos do país — inclusive representando a URSS em diversos
encontros com líderes estrangeiros (SAVRANSKAYA; TAUBMAN, 2011).
Ao mesmo tempo, o ano de 1964 foi marcado pelo início de uma aproximação
política, econômica e cultural entre EUA e URSS. Um grupo de mais de 90
empresários estadunidenses de alto perfil foi a Moscou em novembro a fim de
verificar as possibilidades de expansão das relações econômico-comerciais entre
os dois países (AHMRE, 1964i). A comitiva estadunidense foi recebida pela alta
cúpula do PCUS. De Moscou, Valle falava em uma “radical mudança na filosofia
e na pragmática socialista”. A longo prazo, afirmava que a mudança poderia ser
ainda “mais radical” em comparação aos parâmetros que regiam as relações entre
os mundos capitalista e socialista (AHMRE, 1964i).
Preparando o terreno para novas parcerias
No início de abril de 1965, o embaixador Valle esteve com o premiê Kosygin.
Este, segundo o diplomata brasileiro, enfatizou a importância do desenvolvimento
das relações bilaterais em “todos os setores” e que não haveria “limites à
melhoria das relações entre os dois países”. Assinalou o “substancial progresso”
no intercâmbio comercial — mesmo afirmando em seguida que as relações
econômicas ainda estariam “bastante aquém” das “possibilidades reais”. Voltou
a dizer que a URSS tinha “grande interesse” no aumento das trocas comerciais
com o Brasil e solicitou que suas opiniões fossem transmitidas diretamente ao
presidente Castello Branco (AHMRE, 1965a).
Estavam firmadas as bases, portanto, para um encontro de alto nível. Isso
se concretizaria em setembro com uma visita do civil mais influente do governo
à URSS, o ministro do Planejamento Roberto Campos. Antes de sua partida, no
entanto, o chefe de gabinete do chanceler Cunha, Mozart Gurgel Valente, enviou
algumas “respostas aconselháveis” a três perguntas que considerava “previsíveis”
dos interlocutores soviéticos. A primeira era uma negação à possibilidade de
instalação de um Consulado da URSS em São Paulo. De acordo com Valente, o
governo brasileiro não via “utilidade prática”, mas se houvesse “incremento do
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84 Expectativas promissoras: comércio e perspectivas de cooperação bilateral nas relações [...]
comércio” poderia reavaliar o assunto. O segundo ponto dizia respeito à instalação
de um Escritório Comercial da URSS em São Paulo. Esse estaria autorizado desde
que “a conclusão de um acordo de cooperação econômica” viesse a “criar a
expectativa de um incremento do intercâmbio”. O último dizia respeito à aquisição
de uma casa pelo governo soviético para ser a nova sede da representação soviética
no Rio de Janeiro. O governo brasileiro afirmava aguardar a “conclusão dos estudos
jurídicos” para se manifestar sobre o assunto. (AHMRE, 1965b). Nas três respostas,
o mesmo dilema para a administração brasileira: os possíveis ganhos no campo
econômico-comercial compensariam potenciais ameaças à segurança nacional?
Ainda antes da viagem, em agosto, uma reunião no âmbito do Conselho
de Segurança Nacional foi convocada para discutir aspectos gerais da viagem
do ministro à União Soviética. Nesse encontro, o próprio Campos colocou-se
favoravelmente à possibilidade de financiamento soviético a obras de infraestrutura
no país; citou particularmente uma planta piloto de xisto betuminoso e o projeto da
usina hidrelétrica de Ilha Solteira no Estado de São Paulo. Apesar de o presidente
também ser favorável, a maioria dos integrantes do CSN se mostrou contrária a
essa empreitada — principalmente a cúpula militar. As razões eram conhecidas:
possibilidade de infiltração comunista e/ou deterioração das relações com o
governo estadunidense (CSN, 1965).
Mesmo assim, durante a primeira quinzena de setembro de 1965, uma
comitiva liderada por Campos esteve por 12 dias na URSS. A delegação esteve
em Moscou, Leningrado (São Petersburgo), Volgogrado (ex-Stalingrado), Tallinn
e Bratsk — cidade siberiana que abrigava a então maior usina hidrelétrica do
mundo. Na Estônia, o interesse estava na visita a uma planta de exploração de
xisto betuminoso; já em Volgogrado, em conhecer uma grande siderúrgica e outra
importante usina hidrelétrica no rio Volga (CAMPOS, 2004).
O ministro propunha que a melhor maneira de assegurar uma “corrente de
exportação de equipamentos” seria que a União Soviética financiasse a execução
de projetos. Entretanto, apresentava, da mesma forma, dificuldades a serem
equacionadas, se o governo soviético desejasse operar esses financiamentos
de cooperação econômica como havia feito, por exemplo, nos casos do Egito e
da Índia (AHMRE, 1966m). Isso porque, segundo Campos, havia empreiteiros
brasileiros capacitados, alguns até com capacidade ociosa em maquinaria, para a
realização desse tipo de projeto. Assim, seria impossível entregar aos soviéticos
a “responsabilidade total” dessas empreitadas. Pelo mesmo motivo, a assistência
técnica necessária poderia ser mais limitada (AHMRE, 1965c).
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85Gianfranco Caterina
O governo brasileiro dava preferência a ter um “crédito global” junto ao
governo soviético que seria empregado em projetos analisados posteriormente
no âmbito da Comissão Mista bilateral; evitando um compromisso imediato por
parte da comitiva brasileira com uma “lista de projetos” já previamente elaborada
por sua contraparte soviética (AHMRE, 1965c).
De acordo com o ministro, a reação dos representantes comunistas foi “bastante
negativa”. Queixaram-se de que havia realmente “grande interesse” em alguns
projetos, mas mostraram decepção em relação à falta de uma disposição clara
por parte do governo brasileiro em indicá-los. Relembraram tentativas anteriores
infrutíferas causadas por imaturidade do projeto ou oposição governamental
(AHMRE, 1965c). Referiam-se ao contrato assinado em 1960 entre a organização
de comércio exterior soviética Tiajpromexport e a empresa brasileira Companhia
Industrial de Rochas Betuminosas (CIRB) (AHMRE, 1965d) para a exploração do
xisto, e conversações a respeito de Sete Quedas (AHMRE, 1964j).
Ainda segundo Campos, o governo soviético tinha “enorme interesse” em
prestar assistência técnica ao Brasil e em iniciar conversações imediatamente
sobre projetos específicos de interesse comum. Nutriam simpatia, por exemplo,
pelo projeto da usina de Ilha Solteira,
em SP, estimando-o em cerca de US$ 160
milhões — entre matérias-primas e maquinaria importada. No entanto, para
o Brasil, de acordo com o ministro, o adiamento de indicações sobre projetos
específicos poderia ser benéfico: daria tempo para o Conselho de Segurança
Nacional deliberar sobre a questão do xisto betuminoso (AHMRE, 1966a) e
proporcionaria uma melhor certificação das condições técnicas (visitas a usinas
hidrelétricas e fábricas de equipamento soviéticas) por parte do responsável do
lado brasileiro (AHMRE, 1965c).
Dessa forma, a viagem de Campos serviu para abrir as “portas para a
cooperação econômica com o campo soviético”, já que, dois meses depois, o
ministro-conselheiro Nogueira Porto iria a Moscou para a Reunião da Comissão
Mista prometendo envolver os empresários paulistas nas trocas comerciais com a
URSS (VIZENTINI, 1998, p. 63-64). Poucas semanas antes da chegada de Campos
a Moscou, Valle, em reunião com Kuznetsov, já havia afirmado que representantes
de muitas empresas brasileiras estavam interessados em visitar a URSS, num
futuro próximo, a fim de estabelecer contato com suas organizações comerciais
(GARF, 1965).
O pragmatismo soviético nas relações com o Brasil era fruto de mudanças
importantes que estavam ocorrendo na URSS. De Moscou, Valle, em comunicação
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86 Expectativas promissoras: comércio e perspectivas de cooperação bilateral nas relações [...]
ao Itamaraty, usava como exemplo a atuação de Kosygin, agindo pela construção
da paz entre Índia e Paquistão nas reuniões de Tashkent, como exemplo de uma
convencionalização” da diplomacia soviética. O argumento era o seguinte:
embora não abandonasse sua antiga pretensão de liderar o movimento comunista
internacional, a URSS teria de se preocupar mais com suas questões internas;
principalmente com relação às expectativas de melhoria da condição de vida da
maior parte de sua população. Tal anseio seria “bem mais forte” do que o ardor
revolucionário das gerações que fizeram a Revolução de 1917 e lutaram contra
a Alemanha nazista (AHMRE, 1966b).
Havia, de fato, mudanças importantes em andamento na economia e na
política externa soviéticas. Do ponto de vista comercial, houve uma reorientação
geográfica dos fluxos. Em 1958, a URSS comerciava com 70 países, dos quais
50 por meio de acordos bilaterais. No fim de 1964, esses números elevaram-se
respectivamente para 100 e 70. No período 1958-64, o comércio da URSS com os
países de seu bloco cresceu 68%. Já com os países desenvolvidos capitalistas,
o aumento foi de 126%. O número de países em desenvolvimento com os quais a
URSS mantinha acordos de comércio e pagamentos passou de 17, em 1958, para
40, em 1964 (AHMRE, 1966c).
Obviamente, um aumento do comércio bilateral interessava ao Brasil.
O especialista em assuntos econômicos da Embaixada em Moscou considerava o
mercado soviético “bastante promissor” para alguns produtos brasileiros (AHMRE,
1966d). O encarregado de negócios afirmava que a possibilidade de assinatura de
um protocolo para a venda financiada de máquinas e equipamentos soviéticos
ao Brasil oferecia uma oportunidade “afresh” para pensar as possibilidades
do comércio bilateral (AHMRE, 1966e e 1966f). Poucos dias depois, sugestões
de modificações a uma segunda proposta soviética foram feitas por um grupo
integrado por representantes ministeriais e de autarquias do governo brasileiro
(AHMRE, 1966g).
Com “a expectativa de um incremento do intercâmbio” realizada — lembrando
a condição estabelecida pelo chefe de gabinete do chanceler em correspondência
a Campos antes de sua viagem à URSS —, havia chegado o momento de analisar
seriamente a proposta soviética de instalar “agências comerciais soviéticas” não
somente em São Paulo, mas também no Rio de Janeiro — mediante reciprocidade
(AHMRE, 1966h).
De acordo com comunicação da Secretaria Geral Adjunta para Assuntos
de Europa Oriental e Ásia, o novo chefe de gabinete do chanceler, Pio Corrêa,
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87Gianfranco Caterina
comunicou-se com o chefe do SNI, Golbery do Couto e Silva, a respeito disso
em julho de 1966. Afirmava que o Itamaraty pretendia autorizar a abertura das
representações, pois a equipe econômica do governo, ministro Campos “à frente”,
insistiram sobre a necessidade de os soviéticos agirem “junto ao setor privado
brasileiro no sentido de estimular sua capacidade de importação de produtos da
área socialista” (AHMRE, 1966h). Pio Corrêa também se comunicou diretamente
com a mesma Secretaria, afirmando seu desejo de se ter apenas dois cidadãos
soviéticos trabalhando em cada representação. Em resposta, Meira Penna temia
que tal medida pudesse desinteressar as autoridades soviéticas pela assinatura
de um protocolo para máquinas e equipamentos, e que isso implicasse no
cancelamento da própria viagem” do ministro do Comércio Exterior, Nikolai
Patolichev, ao Brasil — marcada para o mês seguinte. Ele fazia questão de
lembrar que estava “em jogo” um “financiamento da ordem de US$ 100 milhões”
e, em “última análise, todo o futuro de nossas relações comerciais com a URSS”
(AHMRE, 1966i, 1966j e 1966k).
Em agosto de 1966, o Itamaraty enviou uma nota à Embaixada soviética
concordando com a instalação da Seção de Representação Comercial em São
Paulo (AHMRE, 1966h). A decisão havia sido tomada provavelmente no final de
julho ou início de agosto. Com as exigências de segurança atendidas, o Escritório
Comercial da URSS seria finalmente aberto em janeiro de 1967, proporcionando
um acesso “direto” ao mercado paulista (AHMRE, 1966h).
Também em agosto, Patolichev chegava ao país para assinar o Protocolo para
Fornecimento de Máquinas e Equipamentos. Nele, o governo soviético concedia
um crédito de US$ 100 milhões ao Brasil para o período 1966-69. No entanto,
mesmo com tal incentivo, apesar de grandes flutuações anuais, o petróleo chegou
a responder por 90% do valor exportado da URSS ao Brasil; e liderava isolado
como principal produto soviético enviado ao país em 1966 (BLASIER, 1989).
As condições de pagamento eram atraentes. Previam juros de 4% e um prazo de
carência de dois a oito anos de amortização, após a entrega dos equipamentos.
Três meses depois, uma delegação de burocratas brasileiros esteve em Moscou
para discutir o conteúdo de listas de mercadorias entre Brasil e URSS para o triênio
1965-68, além das modalidades de financiamento em cruzeiros às pequenas e
médias indústrias (VIZENTINI, 1998).
Após essa aproximação concreta, uma proposta de cooperação científica seria
cogitada por parte do Brasil. Em uma conversa com o vice-diretor do Departamento
de Américas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Valle considerava possível
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 76-93
88 Expectativas promissoras: comércio e perspectivas de cooperação bilateral nas relações [...]
a assinatura de um acordo bilateral no campo da astronomia. Baseando-se em
um entendimento já existente entre URSS e Chile, o embaixador comentava a
assistência técnica fornecida ao país andino. Segundo ele, uma iniciativa desse
tipo com o Brasil seria “útil para ambas as partes” (GARF, 1966a). Pelo lado
da superpotência, a Academia de Ciências da URSS mostrou-se imediatamente
interessada e pronta para iniciar negociações visando um acordo de cooperação
científica para pesquisa astronômica com auxílio de satélites artificiais; o assunto
reapareceria posteriormente (GARF, 1966b) (AHMRE, 1969). No ano seguinte,
Valle — em conversa com um diplomata soviético — reafirmou o interesse do
governo brasileiro e de cientistas do país em estabelecer um intercâmbio regular
de informações técnicas e científicas com a URSS (GARF, 1967).
Esse tipo de aproximação tinha se tornado possível porque uma atmosfera
de distensão entre as duas superpotências estava emergindo. Quando o ministro
da Indústria e Comércio do Brasil, Paulo Egydio Martins, chegou em Moscou
chefiando uma missão comercial, em janeiro de 1967, foi avisado da disposição
do embaixador dos EUA na capital soviética em encontrá-lo. De acordo com as
memórias do ministro, Llewellyn Thompson foi vê-lo na Embaixada dizendo que
achava “fundamental estabelecer um entendimento maior com a União Soviética
através do comércio” (MARTINS, 2007, p. 300). Também na Embaixada, Valle
ofereceu um almoço que contou com a presença de diversos embaixadores
latino-americanos creditados em Moscou (AHMRE, 1967a). A comitiva brasileira
incluía 30 grandes empresários brasileiros (MARTINS, 2007).
Em Moscou, o grupo esteve com o ministro Patolichev e com o presidente
do Presidium, Nikolai Podgorny, numa reunião que integrava os empresários
brasileiros e os diversos representantes das organizações de comércio exterior
soviéticas. De acordo com Martins, por iniciativa dele, foi alocada uma cota de
açúcar brasileiro nas importações soviéticas — já que a URSS adquiria o produto
majoritariamente de Cuba. Além disso, o café solúvel estava com vendas crescentes
na URSS; fato que estimulou a ida da missão (MARTINS, 2007).
Havia uma perspectiva de aplicação imediata do Protocolo Patolichev por meio
de um projeto para construção de uma fábrica petroquímica no Brasil. O valor do
projeto era de US$ 5 milhões, o que permitiu ainda a exportação de manufaturas
brasileiras à URSS no valor de US$ 1,25 milhão (AHMRE, 1967b).
Ao final de 1967, o Brasil já retomava o posto de maior parceiro comercial
da URSS na América Latina (excetuando-se Cuba). No entanto, o volume
das trocas era menor do que em 1962-1963. Um aumento expressivo das
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 76-93
89Gianfranco Caterina
exportações à URSS se daria somente em 1972 (MILLER, 1989) no auge do chamado
“milagre econômico”. No entanto, os créditos soviéticos utilizados totalizavam
apenas US$ 4 milhões em 1969, e US$ 6 milhões em 1971 (MILLER, 1989)
(PRIZEL, 1990).
Mesmo assim, ainda no final de 1969, o Protocolo sobre Fornecimento de
Maquinaria e Equipamentos da URSS ao Brasil seria assinado — substituindo o
Protocolo Patolichev — no valor de US$ 100 milhões para o período de 1970-74.
(VIZENTINI, 1998). Finalmente, em 1970, acordos entre a Energomashexport
e CESP (Centrais Elétricas São Paulo) seriam concluídos. O entendimento
tratava do fornecimento de equipamentos e turbinas para a usina hidrelétrica
de Capivara, na divisa entre SP e PR (VIZENTINI, 1998). Elas se tornariam, em
1977, as primeiras turbinas hidroelétricas soviéticas em operação na América
Latina (MILLER, 1989). Dois anos depois, a usina hidrelétrica de Sobradinho
(BA) também entraria em operação utilizando turbinas soviéticas. O acordo para
o fornecimento dos equipamentos havia sido assinado em 1975 (PRIZEL, 1990)
(BLASIER, 1989). Eram projetos de grande porte e de importância estratégica para o
desenvolvimento do Brasil.
Apesar de mostrar-se interessada por Sete Quedas desde os primórdios do
projeto, os soviéticos não conseguiriam participar do fornecimento de máquinas
para esse enorme empreendimento. O interesse soviético no setor energético
brasileiro reapareceria renovado, numa conjuntura de aproximação entre os dois
países, no início do governo Figueiredo (1979-1985).
Conclusão
Após a ruptura de 1964, a equipe econômica de Castello Branco considerava
importante ampliar as trocas com o bloco soviético. Esses contatos possibilitaram
uma maior institucionalização das relações bilaterais, uma reativação das
conversações acerca de financiamentos, programas de assistência técnica e
cooperação econômica entre os dois países.
O aprofundamento das relações econômicas, no entanto, esbarrava nas
preocupações brasileiras com segurança interna. O aumento de representações
soviéticas no Brasil ensejava um debate dentro do governo brasileiro sobre a
conveniência ou não de uma maior presença da URSS no país. Essa questão
permaneceu como fonte de discórdia até o fim do regime militar em 1985.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 76-93
90 Expectativas promissoras: comércio e perspectivas de cooperação bilateral nas relações [...]
No entanto, conforme mencionamos, mesmo com a ruptura de 1964, a
manutenção das relações bilaterais ocorreu devido a três fatores: o fato de o
anticomunismo da cúpula militar brasileira estar concentrado em Cuba e não na
URSS, mudanças domésticas importantes em curso na superpotência socialista
e a possibilidade de a mesma exercer um papel importante na industrialização
do Brasil.
Além disso, as relações com a União Soviética poderiam servir como uma
espécie de barganha em relação a eventuais ruídos nas interações do Brasil com
os Estados Unidos. É interessante notar que a aproximação do Brasil aos EUA
durante o governo Castello Branco não correspondeu a um afastamento da URSS.
Assim, percebe-se que havia aspectos da détente entre as duas superpotências
já em 1964. Foi nessa conjuntura que se iniciaram os esforços para uma
reaproximação entre Brasil e URSS. A viagem de Roberto Campos, o entendimento
a respeito da exploração de xisto, a assinatura do Protocolo Patolichev, a missão
chefiada por Paulo Egydio, a construção da planta petroquímica na Bahia,
o início das conversações a respeito da cooperação técnico-científica no campo da
astronomia e a abertura do Escritório Comercial da URSS em São Paulo atestam
esse objetivo. O gradual incremento comercial, a ativação da Comissão Mista
Bilateral e, mais tarde, a assinatura do Protocolo de Maquinaria e Equipamentos
assegurariam a confiança e a estrutura legal necessárias para que projetos de
cooperação econômica bilateral ocorressem na década seguinte.
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