Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
94 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
A economia da Rússia no século 21:
as dinâmicas da ascensão econômica e da
relativa estagnação após a crise global de 2008
The economy of Russia in the 21
st
century:
the dynamics of economic rise and the relative
stagnation after the global crises of 2008
DOI: 10.21530/ci.v13n2.2018.768
Rafael Henrique Dias Manzi
1
Resumo
O desempenho da economia da Rússia na primeira década após o esfacelamento político
da União Soviética foi marcado por instabilidades macroeconômicas e por uma profunda
recessão econômica. Esse cenário reverteu-se a partir do início do século 21 quando o país
entrou em um novo ciclo de expansão econômica marcada por uma expressiva aceleração
das taxas de crescimento do PIB. Contudo, a partir da década de 2010, a economia russa
perdeu dinamismo e o processo de convergência de renda com os países desenvolvidos
estagnou-se novamente. O principal objetivo do artigo é fazer uma análise do processo de
ascensão econômica da Rússia e do atual quadro de relativa estagnação a partir da eclosão
da crise global de 2008. Os resultados apontam que o quadro de relativa estagnação da
economia da Rússia não está ligado somente a fatores conjunturais, como a queda dos
preços das commodities energéticas nos mercados internacionais e o acirramento das tensões
geopolíticas com o mundo ocidental, mas refletem também, em grande medida, fragilidades
domésticas da economia russa.
Palavras-chave: Rússia; Economia Internacional; Superciclo de Commodities; Petróleo;
Geopolítica.
Abstract
The performance of Russia’s economy in the first decade after the break-up of the Soviet
Union was marked by macroeconomic instabilities and a deep economic recession. This
scenario reverted from the beginning of the 21
st
century when the country entered a new cycle
1 Doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília UnB.
Artigo submetido em 26/02/2018 e aprovado em 26/07/2018.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
95Rafael Henrique Dias Manzi
of economic expansion marked by a significant acceleration of GDP growth rates. However,
from the decade of 2010 the Russia economy registered an economic growth slowdown and
the process of income convergence within the developed countries stagnated again. The
main objective of the article is to analyze the process of economic growth in Russia and the
current situation of relative stagnation after the outbreak of the global crisis of 2008. The
results indicate that the relative stagnation of Russia’s economy is not only related just to
conjuncture factors, such as the fall in the prices of energy commodities in the international
markets and the intensification of geopolitical tensions with the Western world, but also
reflect to a great extent, domestic weaknesses of the Russian economy.
Keywords: Russia; International Economics; Commodities Supercycle; Oil Crude; Geopolitics.
Introdução
A queda do muro de Berlim (1989) e o esfacelamento político da União
Soviética (1991) colocaram fim à ordem bipolar que caracterizou a dinâmica
geopolítica do sistema internacional a partir do fim da década de 1940. Nesse
período, os Estados Unidos e a União Soviética disputaram a hegemonia do sistema
internacional do ponto de vista geopolítico e econômico. O conflito geopolítico
e econômico (capitalismo x socialismo) estendeu-se pela América Latina, África,
Ásia e Europa e foi caracterizado pelo confronto indireto por áreas de influência
entre as duas superpotências globais (FRIEDEN, 2008).
Com o fim da Guerra Fria, na década de 1990, o status da Rússia de
superpotência do sistema internacional chegou ao fim com o surgimento de uma
nova ordem internacional marcada inicialmente pela hegemonia das democracias
de mercado
2
. No aspecto econômico, os anos de1990 foram marcados pela
transição da Rússia para uma economia de mercado e por uma profunda crise
econômica. Essa conjuntura passou a ser alterada a partir do início da década
de 2000, quando a Rússia registrou elevadas taxas de crescimento econômico.
Isso não sugere que o país reconquistou o espaço ocupado no período da Guerra
Fria, mas que o crescimento da economia russa reverteu enormemente o processo
de declínio registrado pela Rússia ao longo dos anos de1990. Contudo, a partir
do início da década de 2010, a economia russa começou a demonstrar sinais de
fragilidade em virtude da forte desaceleração das taxas de crescimento do PIB,
que culminou em uma recessão econômica no biênio 2015/2016.
2 Sobre o conceito do termo hegemonia das democracias de mercado ver Viola; Leis (2007).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
96 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
O principal objetivo do artigo é examinar a conjuntura da economia da Rússia
com o intuito de examinar as variáveis que explicam tanto o processo de aceleração
das taxas de crescimento a partir do início da década de 2000 quanto o quadro
de relativa estagnação a partir da eclosão da crise global de 2008. O argumento
central do artigo é de que as dinâmicas internacionais, principalmente no tocante
à evolução da demanda e dos preços das commodities energéticas é uma variável
fundamental para compreender o processo de ascensão da economia da Rússia
a partir do fim da década de 1990. Contudo, o quadro de relativa estagnação da
economia da Rússia a partir da década de 2010 é reflexo de fragilidades domésticas
ligadas principalmente ao baixo nível de diversificação produtiva, à estagnação
dos indicadores de produtividade e eficiência econômica e também relacionada
aos níveis insuficientes de investimentos domésticos.
Do ponto de vista da metodologia empregada, o argumento central do artigo
é construído a partir da sistematização de variáveis estruturais e conjunturais
que explicam o desempenho da economia da Rússia a partir do fim da década de
1990. Em virtude da importância do setor de petróleo e gás natural, a evolução dos
preços e da demanda internacional por commodities energéticas constitui-se na
principal variável que afeta o desempenho de curto prazo da economia russa. Ao
mesmo tempo, serão identificadas e analisadas as variáveis domésticas que estão
relacionadas ao quadro de relativa estagnação da economia da Rússia em virtude
da incapacidade do país em acelerar o processo de diversificação e modernização
produtiva. Em relação aos aspectos domésticos, destacam-se : a adoção de políticas
econômicas que resultaram no aprofundamento das relações de crony capitalism
com reflexos negativos sobre os níveis de produtividade e eficiência econômica;
disfuncionalidades do setor financeiro que reduzem a disponibilidade de recursos
para investimentos domésticos e; fragilidades institucionais no tocante aos direitos
de propriedade que acabam por gerar desincentivos para a realização de novos
investimentos produtivos. Esses dados serão construídos a partir da bibliografia
já existente e também da interpretação de fontes primárias e secundárias.
Nessa perspectiva, o artigo é dividido em três seções. Na primeira, examinaremos
as dinâmicas econômicas na primeira década após o fim da Guerra Fria e os fatores
que explicam a ascensão econômica da Rússia a partir do início do novo milênio.
Na segunda, discutir-se-á a performance da economia russa a partir de 2008 e
como dinâmicas relacionadas ao fim do superciclo das commodities internacionais
e do acirramento das disputas geopolíticas da Rússia com o mundo ocidental têm
impacto sobre a economia russa. Na última seção, serão analisadas as variáveis
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
97Rafael Henrique Dias Manzi
domésticas que explicam porque, apesar da expansão da renda ao longo do
superciclo das commodities internacionais, não ocorreu um processo de maior
diversificação e modernização da economia da Rússia.
A economia da Rússia no pós-Guerra Fria: da década “perdida”
aos anos doutorado de 2000
Quando Mikhail Gorbachev ascendeu ao cargo de secretário-geral da União
Soviética, a economia soviética já não apresentava mais o mesmo dinamismo
das décadas de 1950 e 1960. Nesse período, aventou-se inclusive a possibilidade
de que o desempenho da economia soviética iria transformar o país na maior
economia do mundo, superando até mesmo os Estados Unidos (JOFFE, 2014).
A partir de meados da década de 1970, a performance da economia soviética já
não era mais a mesma em virtude do baixo dinamismo econômico do país. Entre
1975 e 1985, por exemplo, a taxa média de crescimento da União Soviética caiu
para patamares inferiores à 2.5% ao ano (OFER, 1987).
A desaceleração da economia da União Soviética era um sintoma da exaustão
do modelo de crescimento econômico baseado principalmente no acúmulo de
capitais. Como observa Ofer (1987, p. 1814-1815), a perda de dinamismo da
economia soviética a partir da década de 1970 está relacionada a três fatores:
“Primeiro, o crescimento extensivo é, por natureza, exaurível, à medida que
existe um processo de próprio declínio da própria produtividade do capital.
Em segundo lugar, a mudança tecnológica e a melhoria da eficiência não
ocorreram de modo suficiente para acelerar o crescimento dos indicadores de
produtividade. Na verdade, a contribuição da tecnologia declinou ao longo
dos anos, refletindo a crescente dificuldade de adquirir tecnologias mais
eficientes do ocidente. Finalmente, o declínio do crescimento foi acelerado
em virtude da estratégia adotada pelas autoridades soviéticas de acelerar a
convergência de renda do país com o mundo ocidental ter chegado ao seu
limite em virtude da estagnação da produtividade econômica
3
”.
3 First, extensive growth is by nature exhaustible, as manifested in the unavoidable decline in the growth rates of
inputs. Second, technological change and improved efficiency failed to replace in replace input growth, in fact,
the contribution of technology declined over the years, reflecting the increased difficulty of borrowing Western
technologies cheaply. Finally, the decline growth was accelerated by the strategy of haste. Haste not only made
the growth curse decline more steeply but has also been partly responsible for the difficulties encountered by
the Soviet economy is shifting to an intensive path.”
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
98 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
É dentro desse contexto de fragilidades econômicas que ascende, Mikhail
Gorbachev, ao cargo de secretário-geral do partido comunista. Mikhail Gorbachev
assumiu com a principal missão de instaurar reformas econômicas com o intuito de
elevar as taxas de crescimento econômico da já cambaleante economia soviética.
Tanto a perestroika quanto a glasnost tinham como objetivo enfraquecer o controle
do partido comunista sobre a sociedade, mas não ocasionar um colapso econômico
e político da União Soviética
4
. Ou seja, as reformas econômicas tinham como ponto
central dinamizar a economia soviética, mas com o propósito de impedir uma
crise política que colocasse em risco o próprio regime comunista, o que acabou
de fato ocorrendo a partir dos eventos que culminaram na crise do comunismo
soviético no início da década de 1990.
Mesmo que relativamente tímidas, as reformas do período Gorbachev
reduziram a centralização econômica, incentivaram a criação de joint ventures
com a participação de empresas estatais e legalizaram a existência de cooperativas
privadas. Em junho de 1987, o governo russo promulgou a Law of State Enterprise
para reduzir o planejamento central da economia da União Soviética. A lei
autorizou empresas a venderem produtos a preços de mercado e o fechamento
de empresas que eram consideradas pelo governo russo como ineficientes. Outra
medida para reduzir o controle estatal foi à criação da Lei das Cooperativas
em 1988. Nesse caso, o governo russo permitiu a formação de empresas para a
exportação de commodities que tinham os preços, anteriormente ao início das
reformas econômicas, controlados pelas autoridades políticas de Moscou. Além
disso, a criação da Law on Leasing de 1989 possibilitou aos funcionários das estatais
realizarem operações de leasing e compra das empresas estatais. (LETICHE, 2007).
As reformas impetradas pela nova administração acabaram por desgastar e
enfraquecer ainda mais o regime político e culminou na crise do comunismo soviético.
Na década de 1990, as reformas econômicas intensificaram-se principalmente no
tocante a transferências dos ativos públicos para o setor privado. O processo
de privatização teve duas fases. Na primeira, o programa de privatização das
empresas estatais russas teve início em outubro de 1992 e foi finalizado em junho
de 1994. Nesse período, aproximadamente 70% das empresas estatais de grande
e médio porte e 90% das pequenas companhias foram transferidas para o setor
4 O termo glasnost é de origem russa e significa abertura. Foi designado para representar o processo de reforma
política na União Soviética que representou a redução do poder do partido comunista e a realização de eleições
multipartidárias. A perestroika é também um termo russo, mas tem uma conotação mais voltada a economia
que pode ser entendido como “reestruturação” econômica e liberalização econômica.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
99Rafael Henrique Dias Manzi
privado. Já a segunda fase ocorreu ao longo de 1995 e 1996, sendo caracterizada
pela venda direta de empresas estatais ao setor privado por meio de initial public
offerings (IPOs). Quando o programa de privatização da Rússia chegou ao fim,
aproximadamente 70% do PIB, já estava sob o controle do setor privado. (VINHAS
DE SOUZA, 2007).
O processo de transição para uma economia de mercado na Rússia gerou
desequilíbrios econômicos decorrentes do descasamento entre oferta e demanda
que se refletiram na profunda crise econômica da década de 1990
5
. Entre 1992 e
1999, por exemplo, o PIB per capita russo teve uma contração próxima de 25%.
As fragilidades econômicas decorriam principalmente das elevadas taxas de
inflação, desequilíbrios fiscais e vulnerabilidade externa em virtude da excessiva
valorização do rublo russo e do baixo nível de reservas internacionais. Além
disso, as instabilidades econômicas em outros mercados emergentes da década
de 1990, como as crises financeiras no México (1994) e Ásia (1997), contribuíram
para elevar as percepções de riscos na solidez das economias emergentes e da
própria Rússia. A combinação entre fragilidades macroeconômicas domésticas e
instabilidades nos mercados financeiros acabou por culminar na eclosão da crise
financeira de 1999 (FRIEDEN, 2008).
O período de estagnação econômica fica mais evidente a partir da evolução dos
indicadores de renda da economia da Rússia. A Figura 1 demonstra a evolução da
renda per capita da Rússia em Paridade de poder de Compra (PPC) em comparação
aos Estados Unidos, Japão e Alemanha. O PIB per capita em PPC russo registrou
significativa redução em relação à renda de um residente nos Estados Unidos,
Alemanha e Japão a partir do início da década de 1990. Em relação aos Estados
Unidos, por exemplo, a renda per capita da Rússia declinou de aproximadamente
45% da renda estadunidense, em 1992, para 30.6% no ano de 2000.
5 Esse fenômeno decorreu, por exemplo, da existência de uma significativa alocação de capitais e recursos
humanos para o setor militar durante o período da União Soviética. Com o fim da Guerra Fria e a redução dos
gastos militares, houve uma significativa redução da demanda de bens ligados ao setor de armamentos. Assim,
setores que eram ligados diretamente ou mesmo indiretamente ao complexo militar tiveram forte redução da
demanda por seus bens, o que contribuiu para reduzir a própria capacidade produtiva da economia da Rússia.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
100 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
Figura 1. Percentual do PIB per capita em PPC da Rússia em relação
à renda per capita dos Estados Unidos, Alemanha e Japão
20
30
40
50
60
70
80
1992
1995
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Estados Unidos Alemanha Japão
Fonte: FMI, 2018a.
Esse processo de declínio econômico da Rússia chegou ao fim a partir do
fim da década de 1990, quando o país entrou em um novo ciclo de expansão
econômica. O PIB da Rússia, entre 1999 e 2008, registrou crescimento médio de
6.8% ao ano — acima do observado na economia mundial (4.2% ao ano) e mesmo
superior ao das economias emergentes e pobres (6.1%). Nesse mesmo período, a
renda per capita em PPC da Rússia mais do que dobrou, passando de US$ 9.889
para US$ 23.047. Esse fenômeno é também captado na Figura 1, que demonstra
a reversão de declínio econômico da Rússia em relação ao mundo desenvolvido,
pelo menos até a eclosão da crise global de 2008.
O período de transição e recuperação da economia russa, depois da profunda
recessão econômica da década de 1990, pode ser dividido em três fases. Na
primeira, que tem início no fim de 1998 e vai até o fim do primeiro semestre
de 1999, a recuperação econômica decorreu em grande medida da melhora da
competitividade artificial (já que foi por meio do câmbio) da Rússia em virtude da
desvalorização do rublo. Por um lado, a redução de perto de 50% das importações
nesse período foi importante porque contribuiu para aumentar o nível das reservas
internacionais em um período de fragilidade das contas externas do país. A segunda
foi marcada pelo início do processo de aumento dos preços internacionais do
petróleo a partir do fim de 1999. Já a terceira fase é marcada pela continuidade
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
101Rafael Henrique Dias Manzi
do processo de elevação do preço do petróleo nos mercados internacionais e pelo
início de reformas econômicas realizadas principalmente ao longo do primeiro
mandato de Vladimir Putin, que melhoraram consideravelmente os indicadores
macroeconômicos da Rússia (LETICHE, 2007).
O início de ciclo da expansão da economia da Rússia nesse período é resultado
da interação entre dinâmicas domésticas e externas.
Primeiro, a recessão econômica da Rússia na década de 1990 reduziu
consideravelmente a utilização dos fatores de produção do país devido à própria
desorganização econômica no processo de transição para uma economia de
mercado. A taxa de desemprego, por exemplo, saltou de 5.2% em 1992 para
13.3% em 1998. Mesmo a produção de petróleo, que é o principal produto de
exportação da Rússia, teve considerável redução na década de 1990. A produção
diária de petróleo reduziu-se de 8.02 milhões de barris, em 1992, para 6.09 milhões,
em 1998, quando os preços do produto atingiram os menores valores na década
de 1990. Foi observada também uma queda na produção de gás natural, outro
importante produto de exportação da Rússia. Nesse sentido, com o fim do período
de turbulências macroeconômicas a partir do fim da década de 1990, a economia
russa começou a ter um período de recuperação econômica à medida que houve
uma redução da própria capacidade ociosa dos fatores de produção que estavam
subutilizados na década de 1990. (VINHAS DE SOUZA, 2007).
Shleifer e; Treisman (2005) argumentam também que o desempenho da
economia russa nesse período não pode ser estigmatizado em virtude apenas dos
indicadores econômicos e sugere que a intensidade da recessão econômica foi
menor do que o habitualmente aceito por três motivos: (1) os indicadores oficiais
superestimaram o PIB da Rússia no início da década de 1990 no período de transição
para uma economia de mercado, devido em grande medida à contabilização de
gastos militares, projetos ainda em desenvolvimento e outros produtos que não
tinham mais demanda com a transição da Rússia para uma economia de mercado,
(2) houve um crescimento acelerado da economia informal na década de 1990 que
não foi captada pelos indicadores oficiais, o que na prática sugere que a recessão
econômica foi menos intensa e (3) outros indicadores sugerem que os níveis de
consumo no agregado da população não tiveram uma redução proporcional à
redução do PIB per capita russo.
Outro fator fundamental no processo de recuperação da economia da Rússia
está ligado à evolução dos preços e da demanda das commodities energéticas.
Os preços do petróleo, que haviam recuado para valores próximos de US$ 12
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
102 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
dólares o barril no fim de 1998, começaram a subir gradualmente a partir do fim
de 1999. A média anual do preço do barril nos mercados internacionais saltou de
aproximadamente US$ 13 dólares, em 1998, para valores ao redor de US$ 100 no
decorrer da década de 2000. Os preços do gás natural registraram também forte
elevação nos mercados internacionais. A média de preço das exportações russas
de gás natural por metro cúbico elevou-se de US$ 85, em 2000, para US$ 109,
em 2004, e atingiu seu maior valor em 2008, quando foram comercializadas no
exterior a um preço médio de US$ 353 por metro cúbico.
A evolução dos preços e da demanda internacional por commodities energéticas
é uma variável central para o desempenho econômico da Rússia em virtude da
elevada importância que o setor de petróleo e gás tem para a economia russa.
Após o descobrimento de novas reservas de petróleo e gás natural no oeste da
Sibéria, na década de 1970, a economia russa passou a ser mais dependente da
exploração de commodities energéticas. Cálculos de Kuboniwa (2015) apontam
que, entre 2005 e 2013, por exemplo, o valor adicionado do setor de petróleo e
gás foi em média de aproximadamente 20% do PIB da Rússia. Esses valores não
decorrem apenas da exploração stricto sensu do setor de petróleo e gás, mas
também dos efeitos indiretos que essas atividades geram sobre o restante da
economia da Rússia.
A importância do setor de petróleo e gás natural para a economia russa pode
ser observada também sob a ótica da geração de rents
6
. Com a elevação dos
preços e da demanda internacional, houve um significativo aumento dos rents,
que elevaram naturalmente a renda da Rússia na década de 2000. Nas palavras
de Gaddy e; Ickes (2015, p. 13): “Entre 1999 e 2013, os rents totais cresceram
em aproximadamente US$ 4.2 trilhões. Desse total, em torno de US$ 3.2 trilhões
decorreu do aumento dos preços do petróleo e do gás e o restante do aumento
de 1 US$ trilhão da produção.”
7
6 Gaddy e; Ickes (2013a) definem rent como a diferença entre as receitas obtidas com a venda de petróleo e os
custos de produção do petróleo. Assim, rent é igual aos lucros realizados com a produção de petróleo. Nas
palavras dos autores (2013a, p. 311): “Rents pode ser definido como a diferença de renda recebida das vendas
de petróleo menos o custo de produção do mesmo”.
7 “Between 1999 and 2013, total rent grew by about USD 4.2 trillion. Of that, 3.2 trillion was due to the increase
in the oil and gas prices, and 1.0 trillion to the increase in the quantity of oil and gas produced”.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
103Rafael Henrique Dias Manzi
Figura 2. Evolução das exportações totais da Rússia em US$ bilhões
(coluna da esquerda) e do percentual das exportações de combustíveis
em relação ao total (linha vermelha e coluna da direita)
0
10
20
30
40
50
60
70
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0
10
0
20
0
30
0
40
0
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0
600
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Exportações totais (em US$ bilhões) Exportações de combustíveis (% do total)
Fonte: Banco Mundial, 2018.
A elevada dependência da Rússia na exploração de commodities energéticas fica
mais evidente com os dados da Figura 2, que demonstra a evolução das exportações
totais do país e o percentual das exportações de combustíveis em relação ao total.
As exportações de combustíveis começaram a ter maior crescimento proporcional
em relação a outros bens e serviços a partir de 2000,quando atingiram 50% das
exportações totais da Rússia. Essa proporção cresceu ao longo da década de 2000
e as exportações de combustíveis atingiram um total de 70.2% das exportações
totais da Rússia em 2013
8
. Esses dados apenas confirmam a importância do setor
de petróleo e gás e a baixa capacidade de diversificação da pauta de exportação
da Rússia.
8 Além da produção de petróleo e gás natural, a Rússia possui em sua pauta de exportações outros produtos
primários, como ferro, carvão e minerais. Esses produtos representam aproximadamente 8-9% da pauta de
exportação russa. Quando são adicionados esses bens à participação de commodities agrícolas, minerais e
combustíveis nas exportações totais da Rússia, chega-se a uma média próxima de 70-75% do total, o que reforça
o caráter de baixa diversificação da estrutura produtiva russa (CONNOLLY, 2017).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
104 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
Figura 3. Evolução do preço internacional do petróleo (coluna da direita)
e receitas do governo russo em bilhões de rublos (coluna da esquerda)
0
20
40
60
80
10
0
120
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
Receitas (bilhões de rublos) Preço petróleo
Fonte: FMI, 2018b. Para calcular o preço médio anual do petróleo utilizamos a média mensal em cada ano.
Na Figura 3, é possível observar o aumento significativo do preço do petróleo
nos mercados internacionais a partir do início da década de 2000. Sabitova e;
Shavaleyeva (2015) argumentam que a evolução do preço do petróleo e do gás
natural teve três efeitos positivos para a economia da Rússia.
Primeiro, a elevação dos preços e da demanda internacional por commodities
energéticas teve um impacto direto sobre o setor público da Rússia. Como é
possível observar na Figura 3, existe uma relação direta entre a evolução dos
preços internacionais do petróleo e a elevação das receitas tributárias do governo
russo. À medida que houve um significativo aumento das receitas tributárias,
os déficits fiscais foram revertidos em crescentes superávits fiscais ao longo da
década de 2000.
A situação fiscal da Rússia teve sensível melhora também devido à realização
de uma reforma tributária que aumentou consideravelmente a tributação sobre
os ganhos econômicos oriundos da produção e exportação de petróleo, gás e
derivados. Os impostos corporativos sobre os lucros das empresas petrolíferas
cresceram de uma média de 10-15%, em 1999, para um montante próximo de
30-35%, em 2005. Como resultado, as receitas tributárias oriundas da produção
de petróleo e gás saltaram de aproximadamente 1 trilhão de rublos, em 2004, para
4.3 trilhões de rublos, em 2008. Tal crescimento da arrecadação foi canalizado
principalmente para impostos controlados pelo governo federal da Rússia. Em 2004,
30% das receitas federais do governo russo eram provenientes de impostos e taxas
sobre o setor de petróleo e gás. Já em 2008, esse percentual aumentou para 47%.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
105Rafael Henrique Dias Manzi
Como resultado, as receitas do governo federal, entre 2004 e 2008, quase que
triplicaram — de 3.4 trilhões de rublos em 2004 para 9.2 trilhões em 2008.
Outro instrumento importante que contribuiu para a estabilização macroeco-
nômica a e melhora da situação fiscal da Rússia nesse período decorreu da criação
do Russian Oil Stabilization Fund (OFS). O propósito do fundo era: a) reduzir a
volatilidade das receitas tributárias em virtude da variação dos preços do petróleo
nos mercados internacionais e b) ser utilizado para a realização de operações
de esterilização
9
no mercado financeiro da Rússia. Na prática, quando os preços
do petróleo estivessem acima de certo patamar, estabelecido pelo governo russo,
haveria a canalização das divisas internacionais para o OFS. Em contraposição,
quando os preços ficassem abaixo do valor de referência mínimo, o governo russo
iria se financiar dos montantes alocados no OFS. A criação do OFS foi importante
porque propiciou ao governo russo aumentar a previsibilidade das receitas tribu-
tárias oriundas da taxação do setor de petróleo, em virtude da volatilidade dos
preços das commodities energéticas nos mercados internacionais. (ASTROV, 2007).
A sensível melhora da situação fiscal do governo russo foi fundamental
para a estabilização econômica na década de 2000, após intensas instabilidades
macroeconômicas observadas ao longo da primeira década após o fim da Guerra
Fria. A melhora da situação fiscal propiciou uma significativa redução da dívida
pública, que havia alcançado um montante próximo de 92% do PIB da Rússia no
fim da década de 1999. Esse montante reduziu-se progressivamente ao longo da
década de 2000 e,em 2008, a dívida pública russa já era de apenas 7.4% do PIB
— valor esse bem inferior à média observada em outras economias emergentes.
Em segundo lugar, a expansão das receitas fiscais permitiu ao governo russo
ampliar o gasto público a partir do início dos anos 2000. O crescimento dos gastos
públicos traduziu-se em melhoria dos serviços públicos e aumento da demanda
doméstica. A elevação dos gastos públicos propiciou também um aumento das
taxas de investimento realizado principalmente pelo governo central da Rússia.
Ou seja, a elevação das receitas oriundas da exportação de gás e petróleo teve
reflexos indiretos em outros setores da economia russa à medida que ocorreu
uma ampliação da renda doméstica. Nas palavras de Aleksashenko (2012, p. 45):
9 Esterilização é um termo utilizado para designar as operações realizadas por um banco central nacional para
controlar a liquidez e os meios de pagamento em uma economia nacional. As operações de esterilização podem
ser realizadas por meio da compra e venda de títulos públicos. São utilizadas normalmente para enxugar o
excesso de liquidez em virtude da entrada excessiva de divisas internacionais por meio das exportações ou
mesmo da entrada de investimentos internacionais.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
106 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
Além do aumento das receitas tributárias, a renda oriunda do setor de
petróleo e gás resultou em efeitos indiretos sobre o crescimento econômico.
Assim, mesmo que não mais do que 1.5 — 2% (de um crescimento médio
anual de 7 por cento entre 2000 e 2008) do crescimento do PIB possa ser
atribuído diretamente ao setor de óleo e gás, outros 3 — 4% da expansão
econômica derivam de efeitos indiretos da entrada de divisas internacionais
que resultaram em uma rápida expansão da demanda doméstica. externos
que resultaram em uma rápida expansão da demanda doméstica
10
”.
Por último, as crescentes receitas oriundas da exportação de commodities
energéticas reduziram consideravelmente a vulnerabilidade externa da economia
frente à ocorrência de choques externos, esse último um dos principais fatores
para a eclosão da crise financeira de 1998. As exportações russas, que atingiram
o montante de US$ 74 bilhões em 1999, cresceram progressivamente a partir da
elevação dos preços e da demanda internacional por commodities energéticas.
Entre 1999 e 2008, as exportações totais se multiplicaram em aproximadamente
seis vezes. Como resultado desse fenômeno, as reservas internacionais do país
subiram de pouco mais de US$ 17 bilhões, em 1999, para mais de US$ 426 bilhões,
em 2008. Não por acaso, o gigantesco crescimento das reservas internacionais
foi fundamental para a criação de um colchão de liquidez para a redução da
vulnerabilidade externa da Rússia frente a choques externos
11
.
Em suma, o início do boom das commodities internacionais ao longo da
década de 2000 gerou efeitos diretos sobre a economia da Rússia. De todo
modo, a significativa melhora da performance da economia da Rússia a partir do
fim da década de 1990 não pode ser também descontextualizada dos aspectos
domésticos. A realização de uma reforma tributária que canalizou o aumento dos
rents para o setor público e a criação de um fundo financeiro foram instrumentos
importantes para equilibrar as contas públicas da Rússia, que era uma das
principais fragilidades macroeconômicas do país na década de 1990. À medida
10 “Besides their direct influence on budgetary incomes, oil proceeds have exercised a substantial indirect effect
on economic growth. Thus, even if no more than 1.5 — 2 percent (out of 7 per cent average annual growth in
2000-2008) of overall expansion could be attributed directly to growth in the oil and gas industry, another 3-4
percentage point derive from its indirect effects, in the form of an influx of external finance resulting in a rapid
expansion of internal demand”.
11 Importante ressaltar que esse fenômeno não ficou circunscrito à Rússia. Após as crises financeiras da década
de 1990, importantes economias emergentes passaram a adotar estratégias que tinham como objetivo elevar os
níveis de reservas internacionais para reduzir a vulnerabilidade externa frente a choques dentro da economia
mundial. Essas estratégias eram baseadas principalmente na desvalorização artificial do câmbio e em políticas
voltadas à promoção de exportações. Sobre o tema ver Wolf (2008).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
107Rafael Henrique Dias Manzi
que ocorreu uma estabilização dos indicadores macroeconômicos, ocorreu também
uma elevação dos fatores de produção, subutilizados na década de 1990. Assim,
ocorreu progressivamente a eliminação dos desequilíbrios entre oferta e demanda
presentes na década de 1990, quando a Rússia se tornou uma economia de mercado
(HANSON, 2007).
A economia da Rússia no pós-crise global de 2008
O início da crise no setor imobiliário dos Estados Unidos, e que posteriormente
tornou-se global, teve impactos diretos sobre a economia mundial e a própria
Rússia. A dimensão da magnitude da crise global de 2008 é descrita nas seguintes
palavras de Roubinie; Mihn (2010, p. 150) “No quarto trimestre de 2008 e no
primeiro trimestre de 2009 a economia global se contraiu numa porcentagem que
só teve paralelo, em tamanho e profundidade, com o colapso de 1929 a 1931, que
deu início à grande depressão”.
Tabela 1. Crescimento econômico em preços constantes (% do PIB)
em economias e grupos de países selecionados
País Média (1999-2008) 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Rússia 6.8 -7.8 4.5 4 3.5 1.2 0.7 -2.8 -0.2 1.7
Mundo 4.1 -0.1 5.3 4.2 3.5 3.4 3.5 3.3 3.2 3.6
Países Desenvolvidos 2.4 -3.4 3 1.7 1.1 1.3 2 2.2 1.6 2.1
Países Emergentes e Pobres 6.1 2.8 7.4 6.4 5.3 5.1 4.6 4.2 4.3 4.6
Fonte: FMI, 2018a.
A recessão da economia global só não foi mais profunda devido à rápida
recuperação das economias emergentes e pobres — liderados principalmente
por China e Índia — que, apesar da desaceleração econômica, registraram um
crescimento médio próximo de 2.8% em 2009. A Tabela 1 demonstra o quadro de
deterioração da economia global a partir da crise global de 2008. Essa conjuntura
da economia global teve reflexos diretos sobre a Rússia a partir da eclosão da crise
global de 2008. Em 2009, por exemplo, a economia russa teve o pior desempenho
desde o fim da década de 1990, ao registrar uma retração de 7.8%, que foi superior
inclusive à registrada nos Estados Unidos.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
108 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
Nos anos posteriores à eclosão da crise global de 2008, ocorreu uma
progressiva redução das taxas de crescimento do PIB da Rússia, que culminou na
recessão econômica no biênio 2015/2016. Uma explicação natural para essa nova
conjuntura da economia da Rússia está ligada ao fim do superciclo das commodities
internacionais e à recessão econômica na Europa, que reduziu ainda mais a
demanda por produtos russos. De fato, a partir de 2014, houve forte desaceleração
dos preços das commodities energéticas nos mercados internacionais. Os preços
do petróleo começaram a declinar no segundo semestre de 2014 e atingiram, em
2015, os menores valores desde o início da década de 2000. Em janeiro de 2016,
por exemplo, o preço do barril era negociado a valores próximos de 30 US$
12
.
Apesar da forte redução dos preços das commodities energéticas, a economia
da Rússia já havia perdido dinamismo a partir do início da década de 2010,
quando o crescimento do PIB registrou significativa desaceleração em comparação
ao período pré-crise global de 2008. Essa constatação sugere que o modelo de
crescimento econômico começou a exaurir-se no período pós-crise global de 2008
e foi acentuado a partir da queda dos preços das commodities energéticas nos
mercados internacionais. Ou seja, a perda de dinamismo da economia da Rússia
está ligada a outros fatores que vão além do fim do superciclo das commodities
internacionais.
Um segundo fator da conjuntura internacional, que vai além de questões
econômicas e que está influenciando a economia da Rússia, decorre das rivalidades
geopolíticas com o mundo ocidental. O acirramento das disputas da Rússia com
o mundo ocidental atingiu o ápice com a eclosão da crise da Crimeia no início de
2014, que culminou na aplicação de sanções econômicas contra a Rússia por parte
do mundo ocidental desenvolvido. Essas sanções podem ser classificadas em três
níveis: sanções diplomáticas, contra pessoas e organizações e sanções econômicas
13
.
No tocante aos aspectos econômicos, as sanções ocidentais contra a Rússia
podem ser classificadas em dois tipos: (1) financeiras — que restringem a realização
de operações de empréstimos e transações financeiras realizadas entre bancos
e instituições financeiras ocidentais com empresas financeiras e não-financeiras
12 A redução dos preços e da demanda do petróleo nos mercados internacionais não é somente um fenômeno
ligado à desaceleração da economia global. O surgimento e expansão da indústria de xisto nos Estados Unidos,
a maior oferta proveniente de fontes alternativas de energia (eólica, solar) e a política da Arábia Saudita de não
reduzir a produção de petróleo tiveram reflexos diretos sobre os preços internacionais do petróleo em virtude
do aumento da oferta. Sobre o assunto ver Viola e; Basso (2015).
13 Para ver um resumo e detalhes de cada sanção aplicada contra a Rússia, ver European Parliament (2015).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
109Rafael Henrique Dias Manzi
russas e (2) embargo para a venda e comercialização de tecnologias desenvolvidas
por empresas ocidentais para a Rússia. Além disso, as sanções implicaram a
existência de restrições para atuação em conjunto de empresas ocidentais e russas
no desenvolvimento de projetos voltados para o setor de petróleo e gás.
A aplicação das sanções financeiras reduziu consideravelmente os níveis de
interdependência financeira entre bancos e empresas da Rússia com instituições
bancárias do mundo ocidental. Em 2014 e 2015, as empresas e instituições
financeiras da Rússia foram obrigadas a liquidar débitos com bancos ocidentais
que totalizaram valores próximos a US$ 180 bilhões. A liquidação desses débitos
foi o principal fator que contribuiu para a súbita saída de capitais internacionais e
a desvalorização do rublo russo nesse período (EUROPEAN PARLIAMENT, 2015).
Figura 4. Evolução da entrada de IED (US$ bilhões) na Rússia
0
10
20
30
40
50
60
70
80
IED (US$ bilhões)
Fonte: Unctad, 2018.
O clima de incerteza gerado pelas sanções econômicas e pela intensificação
das rivalidades geopolíticas reduziu também os níveis de investimentos externos
de longo prazo realizados principalmente por empresas ocidentais na Rússia.
A Figura 4 demonstra que a entrada de Investimento Estrangeiro Direto (IED)
na Rússia atingiu seus menores níveis em 2014 e 2015. Mesmo com o relativo
crescimento registrado em 2016, as sanções econômicas tiveram forte impacto
sobre a realização de investimentos internacionais na Rússia, no curto prazo, na
média trienal de 2014-2016.
A adoção de sanções econômicas tem reflexos no curto prazo já que
impossibilita que empresas russas realizem operações de empréstimos com bancos
e instituições financeiras, principalmente com os países da Europa Ocidental.
Além disso, as proibições de transferência de bens que contém tecnologia militar
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
110 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
ocidental afetam diretamente a cadeia de produção de armamentos da Rússia, que
é outro importante setor dessa economia. Mas esses efeitos tendem a ter reflexos
para a economia russa no médio prazo, especialmente no tocante à prospecção
de novos campos de petróleo (CONNOLLY; SENDSTAD, 2017). Como observa
Connolly et al. (2015):
A recuperação da produção após o fim da União Soviética deveu-se em
grande parte ao aumento da produção nos campos convencionais e ao papel
desempenhado pelas joint-ventures com as empresas Ocidentais. Mas o declínio
da produção nos campos convencionais no oeste da Sibéria seria compensado
pelo aumento da produção de petróleo no Ártico. Devido à perda de acesso
ao capital e tecnologia norte-americana esse esperado aumento da produção
ficou comprometido em um futuro próximo. Além disso, a imposição de um
prazo máximo de noventa dias para o pagamento de empréstimos contraídos
com instituições financeiras da União Europeia resulta em uma redução de
recursos financeiros para a realização de investimentos no setor de petróleo
14
”.
De todo modo, mesmo que a deterioração da conjuntura internacional tenha
gerado reflexos econômicos negativos, a relativa estagnação da economia da
Rússia, a partir do início da década de 2010, decorre principalmente de aspectos
domésticos. Essa constatação tem suas bases no próprio desempenho da economia
da Rússia que, antes do fim do superciclo das commodities internacionais e do
próprio acirramento das disputas geopolíticas com o mundo ocidental, já dava
sinais de forte desaceleração econômica. Entre 2009 e 2013, por exemplo, a taxa
de crescimento do PIB da Rússia foi de apenas 1.2% ao ano.
As dinâmicas estruturais da estagnação da economia da Rússia
O quadro de relativa estagnação da economia da Rússia a partir da década
de 2010 reforça a percepção da existência de fragilidades domésticas de caráter
estrutural. Ou seja, apesar de uma deterioração da conjuntura internacional, devido
14 “The recovery of production during the post-Soviet period was largely due to enhanced output at conventional
fields and the key role played by joint ventures (JVs) with Western companies. But the expected decline in
oil production from onshore conventional fields in Western Siberia was to be compensated for by tight oil
production and Arctic exploration. Owing to the loss of access to US technology and capital, such plans are now
jeopardized. Moreover, the 90-day maturity period for new debt issued by Russian energy companies stipulated
by the EU sanctions poses limits on various types of potential financing.”
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
111Rafael Henrique Dias Manzi
à própria desaceleração da economia global no contexto pós-crise de 2008, do
fim do superciclo das commodities internacionais e dos reflexos econômicos em
virtude das sanções econômicas contra a Rússia, a forte desaceleração econômica
a partir do início da década de 2010 está relacionada a questões domésticas.
Tabela 2. Evolução da produtividade por trabalhador (em US$ constantes
de PPC de 2011) em economias e grupos de países selecionados
País 1991 2000 2008 2016
Rússia 43.758 31.746 47.309 49.076
Países de renda média alta 12.814 15.204 23.044 31.835
Países de alta renda 65.467 78.685 86.485 91.447
Mundo 21.232 24.278 29.515 33.725
Fonte: Organização Internacional do Trabalho, 2018.
O quadro de relativa estagnação da economia russa pode ser observado por
meio da produtividade do trabalho. Como é possível observar na Tabela 2, a
produtividade do trabalhador russo passou por alterações a partir do início da
década de 1990. Em um primeiro momento, houve uma significativa queda da
produtividade do trabalhador russo em comparação aos países de alta renda na
década de 1990. Esse fenômeno foi revertido a partir do início da década de 2000,
em virtude das elevadas taxas de crescimento do PIB no período de maior ascensão
econômica da Rússia. Contudo, a partir de 2008, o processo de convergência da
produtividade do trabalhador russo em relação aos países de alta renda chegou
ao fim. Entre 2008 e 2016, a produtividade média de um trabalhador da Rússia
em comparação à média dos países de alta renda reduziu-se de 54% para 53%.
Esse quadro apenas confirma a percepção de que, mesmo com o quadro de
relativa estagnação econômica das economias desenvolvidas após a eclosão da
crise global de 2008, a Rússia não deu continuidade ao processo de convergência
ou catch up de renda em virtude de fragilidades domésticas. Essas fragilidades
são resultado de uma economia que possui indicadores de produtividade e
competitividade abaixo da média observada nos países de alta renda e também
de níveis de investimentos produtivos insuficientes para elevar os estoques de
capitais e promover uma maior diversificação produtiva.
No período de maior bonança da economia global e do superciclo das
commodities internacionais, os recursos oriundos da exportação de hidrocarbonetos
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
112 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
não foram convertidos em um aumento sistêmico da competitividade e da
produtividade dos demais setores da economia da Rússia. Gaddy e; Ickes (2015)
apontam que esse processo decorre da administração dos rents (rent management)
a partir da era Putin, que priorizou a transferência dos recursos para atividades
de menor competitividade e produtividade. Os preços domésticos, por exemplo,
reduzem a lucratividade das empresas em virtude de subsídios que variam entre
31% a 46% em relação aos preços internacionais. Ademais, o governo russo
subsidia o gás natural que é exportado para os países da Comunidade dos Estados
Independentes (CEI). Persistem também outros canais indiretos que reduzem
a rentabilidade das empresas em virtude do pagamento de propinas a agentes
públicos e custos excessivos
15
.
Para Gaddy e; Ickes (2013a), a dinâmica pelo qual são distribuídos os rents
oriundos do setor de petróleo e gás cria um dualismo nas atividades produtivas
da Rússia. O primeiro é representado pelo setor de produção e comercialização
de hidrocarbonetos, sendo responsável pelo aumento da renda nacional ao longo
da década de 2000. Já o segundo setor é representado por atividades produtivas
de menor produtividade e que são beneficiadas pela transferência dos rents do
setor de petróleo e gás natural. Essa dinâmica é um dos principais fatores que
explicam porque o aumento dos rents durante o superciclo das commodities
internacionais não ocasionou um processo de modernização e diversificação
produtiva da economia da Rússia. (GURIEV; TSYVINSKI, 2010). Nas palavras de
Kudrin e; Gurvich (2015):
As enormes receitas excedentes que o país recebeu devido às condições
favoráveis nos mercados de produtos primários resultaram em um crescimento
considerável da produção, um aumento recorde da renda das famílias (juntamente
com um aumento da renda em todos os setores, incluindo o setor público,
pensões, etc), e garantiram a estabilidade macroeconômica. De todo modo, não
se pode dizer que o aumento desses recursos tenham resultado em um processo
de modernização econômica (na forma de investimentos governamentais,
despesas para criar instituições de desenvolvimento, vários subsídios, etc.)
15 Os custos excessivos decorrem principalmente de ineficiências produtivas na exploração de petróleo e gás
natural. O transporte do petróleo, por exemplo, é realizado principalmente por meio de ferrovias, que é um
meio de transporte significativamente mais dispendioso em comparação à utilização de oleodutos. A preferência
pela utilização de ferrovias está ligada a interesses das autoridades políticas de Moscou. A Uralvagonzavod
é a principal empresa produtora de vagões de trem e também fornece tanques para o exército da Rússia e se
beneficia diretamente da utilização de ferrovias para o transporte de petróleo.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
113Rafael Henrique Dias Manzi
que produziram resultados tangíveis, já que a competitividade internacional da
Rússia não teve melhora significativa
16
.
Connolly (2015) argumenta que a formulação composta por dois setores é
excessivamente reducionista e deve ser contemplada pela existência de um
terceiro setor que é formado por empresas relativamente pequenas e que atuam
principalmente no setor de serviços. Esse setor não depende da transferência
de recursos do setor estatal para se manter competitivo nos mercados
nacionais e internacionais. Embora esse setor não necessite de subsídios
estatais, a performance da economia russa afeta diretamente sua produtividade
em virtude da necessidade do estado russo prover, principalmente, infra-
estrutura, saúde e educação pública. Nesse sentido, a exaustão financeira do
estado russo afeta diretamente o desempenho econômico desse setor que gera
aproximadamente 20% dos empregos e da renda na Rússia
17
.
Tabela 3. Participação das exportações da Rússia nos mercados mundiais
(% do total global)
2001 2008 2013
Non-fuel 0.88 1.21 1.02
Máquinas e equipamentos 0.28 0.30 0.33
% da Rússia nos mercados globais 0.94 2.67 2.81
Fonte: Kudrin; Gurvich, (2015).
A incapacidade da Rússia em reduzir a dependência das exportações de
petróleo e elevar os níveis de produtividade do país em setores não ligados à
produção de commodities energéticas pode ser observada mais precisamente na
Tabela 3. A participação das exportações russas ganhou espaço nos mercados
internacionais ao saltar de 0.94% das exportações mundiais, em 2001, para 2.81%,
em 2013. Contudo, o crescimento do market sharing da Rússia nos mercados
globais decorreu, em grande medida, do aumento das exportações de commodities
16 The huge surplus revenues the country received due to favourable conditions in the primary material markets
considerably accelerated production growth, ensured a record-breaking increase in household income (together
with wages in all branches, including the public sectors, pensions, etc), and enhanced macroeconomic stability.
At the time, one cannot say that the substantial resources allocated for economic modernization (in the form
of government investments, expenses for creating developmental institutions, various subsidies, etc.) yielded
any tangible results, as Russia’s international competitiveness has not improved.”
17 Esse setor é composto de empresas que possuem competitividade nos mercados internacionais. A Rússia possui,
por exemplo, aproximadamente 2.300 empresas do setor de softwares. Desse total, em torno de 1500 exportam
produtos de alto valor agregado relacionados a serviços e produtos na indústria de softwares. Além do setor
da informática, nesse grupo encontram-se empresas de transporte e serviços financeiros e gerais.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
114 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
energéticas. As exportações russas oriundas de setores não ligados ao setor de
hidrocarbonetos ficaram praticamente estagnadas nesse período. Entre 2001 e
2013, por exemplo, as exportações russas de máquinas e equipamentos tiveram
um crescimento substancialmente menor em comparação ao setor energético
(KUDRIN; GURVICH, 2015).
Um segundo fator que afeta a eficiência produtiva da economia da Rússia está
relacionado ao aprofundamento das relações de crony capitalism. Os anos 1990
foram marcados essencialmente pelo progressivo processo de desmantelamento
do Estado russo por meio da realização de um amplo processo de privatização das
empresas estatais. A partir do segundo mandato de Vladimir Putin (2004–2008),
esse processo começou a ser revertido por meio da maior centralização das
receitas oriundas de impostos e taxas, no âmbito do governo federal russo, e
pelo crescimento da participação do Estado como acionista, principalmente, das
empresas ligadas ao setor energético (ASLUND, 2014).
Empresas do setor financeiro, energia, transportes e mídia passaram a ser
mais controladas pelo governo, seja por meio de regulação ou da participação
acionário do governo russo. Em 2005, por exemplo, 70% dos ativos do setor
financeiro eram controlados por agentes privados enquanto que, em 2015, esse
percentual já havia caído pela metade. Em meados de 2015, aproximadamente
55% da economia russa estava sob controle direto do Estado. Essas políticas
incluem também o apoio a grandes empresas públicas e privadas nacionais por
meio da existência de subsídios e financiamentos estatais. Além disso, o Estado
russo estabeleceu uma política de “campeões nacionais”, com o intuito de dar
suporte a empresas nacionais. Em resumo, as reformas conduzidas no período
Putin culminaram com a transição do crony capitalism dos anos 1990, representado
pelo crescente poder dos oligarcas, para um mix, com o fortalecimento também
de um capitalismo de Estado. Nas palavras de Djankov (2015),
“Essa mudança resultou no fim do capitalismo de compadrio e no início do
capitalismo de estado, onde o Estado ou possuía os principais ativos produtivos
ou eram mantidos por amigos pessoais do presidente, que colocariam suas
empresas à disposição do Estado em troca por meio de contratos públicos,
acesso a crédito fácil através de bancos estatais e a proteção de sua riqueza.
18
18 “This shift presaged the end of crony capitalism and the start of state capitalism, where the state either owned
the main productive assets outright or they were held by personal friends of the president, who would put
their companies at the disposal of the state in exchange of government contracts, access to easy credit through
state-owned banks, and the protection of their wealth”.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
115Rafael Henrique Dias Manzi
A disfuncionalidade desse modelo pode ser percebida por meio da origem e
crescimento da classe de bilionários do país. O aumento do número de bilionários
em um país normalmente é resultado de dois fenômenos: (1) surgimento de
novos empreendedores que atuam na produção ou serviços de alta tecnologia.
Nesse caso, o acúmulo de fortunas decorre da exploração de novos mercados
e tecnologias de alto valor agregado
19
; e (2) a classe de bilionários é composta
essencialmente por empresários que atuam em setores tradicionais como
construção, mercado imobiliário, mineração, hidrocarbonetos e outras commodities
(SHARMA, 2016).
Sharma (2016) classifica o primeiro tipo como os “bons bilionários” e o
segundo tipo como os “maus milionários”. Essa classificação decorre do fato
que a riqueza dos bons bilionários tem origem essencialmente na produção de
bens e serviços em setores de alto valor agregado, que se reflete em inovação e
competitividade sistêmica da economia de um país. Não por acaso, por exemplo,
os bons bilionários que produzem bens e serviços com maior nível de inovação
e também no limite da fronteira tecnológica concentram-se principalmente nas
economias desenvolvidas e ricas. Ao contrário, nos setores constituídos pelos maus
bilionários, o nível de inovação e competição tende a ser menor e o acúmulo de
fortunas decorre em grande medida da associação direta ou indireta com o setor
público e derivam de atividades predominantemente baseadas no rent-seeking.
Esse é precisamente o caso da Rússia.
A existência de um elevado percentual da renda nacional controlada pelos
“maus bilionários” é um sinal de uma economia com menor propensão à inovação
e, por seguinte, modernização. Na prática, o processo de modernização produtiva
de uma economia decorre, em grande medida, do processo de criação destrutiva
20
e
do surgimento de novas tecnologias disruptivas
21
. Em economias onde predominam
os maus bilionários, tal fenômeno é bloqueado pelos grupos econômicos que se
19 Esses novos bilionários, em muitos casos, são fundadores de empresas que tiveram crescimento gigantesco em
poucos anos e incluem, por exemplo, os fundadores de empresas como Facebook, Amazon, Google e outras
ligadas principalmente ao setor de alta tecnologia.
20 O termo destruição criativa foi cunhado pelo economista austríaco, Joseph Schumpeter, para descrever o processo
de desenvolvimento econômico em uma economia capitalista. A substituição de processos produtivos por novas
técnicas produtivas mais eficientes é a base do processo de inovação de economias de mercado. Sobre o termo
e sua aplicação no caso russo, ver Guriev e; Tsyvinski (2010).
21 O termo tecnologia disruptiva é utilizado para designar o surgimento de novos padrões tecnológicos que implique
em uma ruptura com os padrões de tecnologias vigentes. Esse é o caso principalmente das tecnologias ligadas
à terceira e à quarta revoluções industriais. Sobre as características gerais da quarta revolução industrial, ver
Schwab (2016).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
116 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
beneficiam do status quo, o que acaba reduzindo os níveis de competitividade
sistêmica do próprio país Como ressalta Sharma (2016, p. 131): “É um mau sinal
quando a classe bilionária de um país possui uma parcela excessiva da economia,
se torna uma elite entrincheirada e inata, e produz sua riqueza principalmente
de indústrias que dependem da regulamentação governamental. Uma economia
saudável precisa de magnatas produtivos e não de magnatas corruptos
22
”.
Além de questões relacionadas à eficiência econômica, a relativa estagnação
da economia da Rússia está relacionada também à insuficiência de investimentos
produtivos. Nas palavras de Aleksashenko (2012, p. 37): “Considera-se que, nas
economias em desenvolvimento, o investimento deve representar 25% a 30% do
PIB, na Rússia os níveis de investimento estão em um nível não maior do que
21-22%
23
. Como é possível observar na Tabela 4, a taxa média de investimento na
Rússia, entre 2000 e 2015, ficou abaixo da média observada nas maiores economias
emergentes — com exceção do Brasil — e também em um patamar inferior à
observada na própria média global. Mesmo no período de maior crescimento do
PIB, entre 2000 e 2008, a taxa média de investimento ficou ao redor de 20% do PIB.
Tabela 4. Taxa média anual de investimento em % do PIB, entre 2000 e 2015,
em economias emergentes selecionadas
Média anual em % do PIB (2000-2015)
China 42.6%
Índia 35.3%
Indonésia 30.1%
Turquia 26.3%
México 22.3%
Rússia 20.5%
Brasil 19.4%
Mundo 24.3%
Fonte: FMI, 2018a.
Connoly (2013) observa que, no caso da Rússia, existe forte relação de
causalidade entre o baixo nível de desenvolvimento dos mercados financeiros e
22 It’s a bad sign if the billionaire class owns a bloated share of the economy, becomes an entrenched and inbred
elite, and produces its wealth mainly from politically connected industries. A healthy economy needs an evolving
cast of productive tycoons, not a fixed cast of corrupt tycoons”.
23 “It is considered that in developing economies investment should make up 25-30 per cent of GDP, yet Russia
the level is no higher than 21-22 per cent”.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
117Rafael Henrique Dias Manzi
a realização de investimentos produtivos. Esse fenômeno é resultado da interação
de quatro fatores: (1) o Estado controla e aloca a maior parte do crédito nacional,
o que naturalmente reduz a disponibilidade da poupança para setores não
contemplados pelas autoridades econômicas da Rússia, (2) o sistema privado
bancário russo é composto majoritariamente por pequenos bancos. Os maiores
bancos estão sob o controle estatal e direcionam seus empréstimos essencialmente
para grandes empresas que possuem apoio político de Moscou, (3) o sistema
financeiro russo é financiado basicamente por operações bancárias. As empresas que
possuem ações negociadas nas bolsas de valores são predominantemente grandes
companhias ligadas ao setor energético e os mercados para a comercialização de
dívidas privadas têm pouca relevância e (4) a participação de bancos estrangeiros
é limitada, o que reduz a oferta final de capitais para potenciais tomadores de
empréstimo na Rússia.
O baixo nível de investimentos produtivos da Rússia está relacionado
também a questões relativas aos direitos de propriedade. O relatório do World
Economic Forum (2017)
24
aponta que, nessas variáveis, a Rússia possui notas e
posicionamento bem abaixo do esperado para uma economia de alta renda média
que busca convergir seus níveis de renda para os níveis de países desenvolvidos.
Alguns desses dados estão disponibilizados na Tabela 5.
Tabela 5. Evolução das notas e posição da Rússia em tópicos específicos no
relatório de competitividade do World Economic Forum (2016-2017)
Nota (1-7) Posição no Ranking Global
Direitos de propriedade privada 3.5 123º
Independência do judiciário 3.3 117º
Proteção dos direitos dos acionistas minoritários 3.5 116º
Fonte: World Economic Forum (2017).
No ranking de competitividade global, a Rússia ocupa a 43ª posição geral.
Todavia, nos quesitos tocantes a questões que envolvemos direitos de propriedade
privada, independência do judiciário e proteção aos acionistas minoritários, a
posição da Rússia é bem abaixo da média observada em comparação às economias
de alta renda. A evolução desses quesitos é fundamental, principalmente para a
24 Mesmo que a construção desses índices envolva valores subjetivos e de difícil mensuração, a própria metodologia
empregada é baseada na opinião dos próprios agentes econômicos, o que reforça a importância desses quesitos
para melhorar o próprio ambiente de negócios no país.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
118 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
transição de países de renda média para economias desenvolvidas. No caso russo,
existe forte nexo entre direitos de propriedade privada, proteção aos acionistas
minoritários, independência do judiciário e a realização de investimentos
produtivos. Esse fenômeno tem impactos negativos principalmente para a realização
de investimentos de longo prazo e explicam a redução dos investimentos, por
exemplo, na exploração de novas reservas de hidrocarbonetos que comprometem a
produção futura no setor energético. Como observam Gaddy e; Ickes (2013, p. 574):
“Quando há incerteza sobre os direitos de propriedade, a melhor decisão é esgotar
os recursos no curto prazo e não desenvolver novos campos para o futuro”
25
.
Considerações Finais
Em certo sentido, não é exagero comparar literalmente o desempenho da
economia da Rússia a partir do fim da Guerra Fria ao trajeto de uma montanha
russa. Essa constatação deve-se à alta volatilidade dos indicadores de renda da
Rússia a partir da transição do país para uma economia de mercado no início
dos anos de 1990. A década de 1990, por exemplo, foi marcada por intensas
instabilidades macroeconômicas e por uma profunda recessão econômica. Esse
período acabou a partir do fim dos anos de1990, quando teve início um novo
ciclo de expansão econômica que se prolongou até a eclosão da crise global de
2008. O período de recuperação da economia da Rússia não ocorre por acaso e
está ligado principalmente ao início do superciclo das commodities internacionais
e à realização de reformas domésticas que foram decisivas para colocar fim às
instabilidades macroeconômicas que marcaram a década perdida de 1990.
Após a eclosão da crise global de 2008, a economia da Rússia entrou em
uma nova fase marcada por uma relativa estagnação econômica. Mesmo com a
recuperação dos preços das commodities energéticas, após o epicentro da crise
global de 2008, a economia da Rússia já não mostrou o mesmo dinamismo em
comparação aos anos de maior crescimento econômico. Entre 2010 e 2014, ocorreu
um progressivo declínio da taxa de crescimento do PIB e o país entrou em recessão
econômica a partir do biênio 2015/2016. Além da substancial queda dos preços
das commodities energéticas, as rivalidades políticas da Rússia com o mundo
ocidental entraram em uma nova fase a partir da eclosão da crise da Crimeia.
A aplicação de sanções econômicas reduziu consideravelmente o acesso das
25 “When there is uncertainty over the future of one’s property, the optimal decision is to deplete what you have,
not to develop new fields for the future”.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
119Rafael Henrique Dias Manzi
empresas russas aos mercados financeiros internacionais e também tem reflexos
sobre o setor de petróleo e gás em virtude de restrições impostas pelos governos
dos Estados Unidos e da Europa para transferência de tecnologia e a realização
de empreendimentos em comum com empresas da Rússia.
Esse cenário apenas reforça a percepção de que os preços das commodities
energéticas é uma variável fundamental para explicar o desempenho da economia
da Rússia nas últimas décadas. De todo modo, o significativo crescimento
da renda a partir do início do superciclo das commodities internacionais não
resultou em ganhos estruturais de longo prazo no tocante a um maior processo
de modernização e diversificação produtiva da economia da Rússia. Ao contrário
disso, a dependência do setor de petróleo e gás, como principal indutor do
crescimento econômico, elevou-se no decorrer da década de 2000. Essa dinâmica
está relacionada diretamente a uma dualidade no sistema produtivo russo e à
transferência dos rents do setor de petróleo e gás para outras atividades que
possuem menores níveis de competitividade e produtividade.
A incapacidade de maior diversificação produtiva da Rússia reflete-se,
por exemplo, na alta concentração de commodities energéticas na pauta de
exportação do país. Além de questões relacionadas à baixa eficiência econômica,
a economia russa registra também taxas de investimento inferiores aos países
em desenvolvimento que passaram por períodos de aceleração econômica a
partir do início do novo milênio. Essas deformidades e fragilidades e a transição
incompleta da Rússia para uma economia de mercado mais competitiva é expressa
nas seguintes palavras de Letiche (2007, p. 60):
Para alcançar o desenvolvimento econômico no longo prazo, a Rússia
depende do estabelecimento de um ambiente de negócios satisfatório para
a expansão do investimento privado. No entanto, no recente processo de
transição, as reformas políticas e econômicas na Rússia enfrentam um trilema
marcado pela existência de: um sistema econômico de quase-mercado, uma
burocracia destrutiva e a persistência de uma corrupção sistêmica. Essas
características resultam não apenas na redução da taxa de investimento
nacional e estrangeiro, mas impedem também uma maior integração da
Rússia com a própria economia mundial
26
.
26 Russia’s long-term success in economic development is contingent on establishing a satisfactory environment
for a high and sustained level of private investment. However, in the recent transition, Russia’s economic and
political progress has been hampered by a trilemma: a quasi-market system, a destructive bureaucracy and
systemic corruption. These conditions had the effect not only of decelerating the rate of growth in domestic
and foreign investment, but also of impeding Russia’s advance into the global economy.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 94-122
120 A economia da Rússia no século 21: as dinâmicas da ascensão econômica [...]
Nesse sentido, mesmo após as reformas econômicas que culminaram em uma
significativa transferência dos ativos públicos para o setor privado, a economia
da Rússia ainda apresenta problemas estruturais que afetam negativamente o
desempenho econômico do país. Entre as principais fragilidades domésticas,
destacam-se: a reversão parcial do processo de privatização realizado na década
de 1990, que aprofundou as relações de crony capitalism e reduziu a eficiência
produtiva da economia da Rússia; deformidades no sistema financeiro que elevam
os investimentos em setores de baixa competitividade em detrimento da alocação
do crédito para atividades de maior eficiência e produtividade e; insegurança
jurídica relacionada aos direitos de propriedade privada que acabam gerando
desincentivos para a realização de novos investimentos produtivos que impliquem
em um processo de maior diversidade produtiva da Rússia.
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