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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Ideologia explica tudo? O embate no legislativo
brasileiro em matérias de política externa
1
Ideology explains everything? The clash in the
brazilian legislative branch on foreign policy matters
DOI: 10.21530/ci.v13n2.2018.764
Rodrigo Santiago
2
Resumo
De acordo com a literatura especializada, a unidade entre os partidos políticos aumenta a
credibilidade da política externa, na medida em que o presidente não fica dependente de
ciclos majoritários dentro do parlamento. Essa seria uma estratégia utilizada para afastar o
perigo de um oponente estrangeiro explorar as disputas partidárias da arena doméstica em
negociações internacionais em situações de crise. No entanto, em algumas circunstâncias,
percebe-se momentos de embates que podem ser lidos, majoritariamente, como disputas
ideológicas, mas também, a partir da clivagem governo versus oposição e dos interesses
federativos dos congressistas. Este trabalho foca nas discussões em plenário e nos pareceres
contrários — momentos de conflito — no Congresso Nacional brasileiro entre os anos
de 1988 e 2014. Utilizou-se o método da análise de conteúdo e da técnica da análise de
correspondência para explicar esse cenário.
Palavras-chave: Política Externa; Legislativo; Ideologia; Governo versus Oposição; Interesses
Federativos.
Abstract
According to the specialized literature, the unity among the political parties increases the
credibility of foreign policy, since the President is not dependent on majority cycles within
the Parliament. That would be a strategy used to ward off the danger of a foreign opponent
1 Este artigo é parte integrante da minha tese de doutorado, a qual teve o auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Fica registrado, também, os meus agradecimentos aos pareceristas
anônimos da Revista Carta Internacional que contribuíram para o aprimoramento deste paper.
2 Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Contato: rodrigosantiago_18@hotmail.com.
Artigo submetido em 17/02/2018 e aprovado em 25/06/2018.
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explore the partisan disputes in the domestic arena in international negotiations in crisis
situations. However, in some circumstances, moments of clashes that can be read, mostly,
as ideological disputes, but also from the government versus opposition divide and federal
interests of congressmans. This work focuses on discussions in the plenary and in the
contrary opinions — moments of conflict — the Brazilian National Congress between the
years of 1988 and 2014. Used the method of content analysis and correspondence analysis
technique to explain this scenario.
Keywords: Foreign Policy; Legislative Branch; Ideology; Government versus Opposition;
Federative Interests.
Introdução
A maneira como os poderes legislativos funcionam é um fenômeno de
grande interesse dos politólogos, visto que ela ajuda a entender as democracias
representativas. No caso específico das democracias localizadas na América
Latina, há uma grande quantidade de estudos empíricos que tentam explicar as
consequências e os determinantes do comportamento legislativo na formulação
das políticas públicas em geral. Entretanto, ainda são poucos os esforços para se
compreender a atuação dos parlamentares latino-americanos em política externa,
em particular.
Dos diversos tipos de matérias que tramitam nos parlamentos, especifica-
mente, no brasileiro, as de política externa possuem características que tornam
as interpretações sobre a sua formulação e implementação díspares. A diferença
fulcral entre a política interna e a internacional está no paradigma clássico
(realismo) das relações internacionais em que, para o primeiro caso, há um Estado-
nação soberano capaz de legislar e garantir a ordem dentro das suas fronteiras,
no segundo, temos a ausência de uma entidade supranacional, sendo o sistema
internacional anárquico. Logo, a unidade partidária em temas de política externa
pode ser percebida como uma estratégia de segurança nacional, importante em
tempos de ameaças e incertezas no ambiente externo. A unidade entre os partidos
políticos aumenta a credibilidade da política externa, de acordo com a literatura da
área, na medida em que o presidente não fica dependente de ciclos majoritários
dentro do Legislativo. Além disso, a coesão entre os partidos torna mais difícil
um oponente estrangeiro explorar as disputas partidárias da arena doméstica em
negociações internacionais em momentos de crise ou conflito.
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Entretanto, para o Congresso Nacional — entre os anos de 1988 e 2014 —,
há indícios de embates ideológicos nas discussões em plenário e nos pareceres
contrários elaborados. Não está se afirmando que os parlamentares brasileiros
sejam altamente combativos nesse tipo de matéria, mas que há alguns temas e
momentos que chamam mais a atenção de tais parlamentares e da sociedade,
fazendo com que haja uma maior participação dos mesmos. Por meio do método
da análise de conteúdo e da técnica da análise de correspondência, busca-se
encontrar indícios que corroborem ou não esse quadro. Além dessa introdução,
o artigo é composto de mais quatro seções: (1) uma visão geral sobre o papel dos
partidos políticos e suas ideologias; (2) o debate acerca da ideologia partidária
no Brasil; (3) uma discussão sobre o papel da ideologia, da clivagem governo
versus oposição e interesses federativos na análise de política externa; (4) uma
parte empírica em que são mostrados os achados da pesquisa; e, por fim, estão
as considerações finais.
Partidos e ideologias: uma visão geral
O conceito direita-esquerda é histórico, ele remonta à Revolução Francesa,
na reunião dos Estados Gerais, no século XVIII. Aqueles identificados com ideias
igualitárias e reformas sociais sentavam-se à esquerda do monarca; por outro
lado, os que tinham vínculos com a aristocracia e defendiam ideias conservadoras
estavam à direita dele. Já no século XIX, no continente europeu, a diferenciação
entre direita e esquerda passa a ser vista como sinônimo para conservadorismo
e liberalismo, respectivamente (TAROUCO; MADEIRA, 2013).
Com o desenvolvimento do movimento operário e a expansão do pensamento
de Karl Marx, o conteúdo proposto pela esquerda passou a incluir a defesa dos
interesses da classe operária. Com as discussões sobre a social-democracia, no final
do século XIX, e a Revolução Russa, de 1917, a defesa do capitalismo põe a burguesia
na direita (PRZEWORSKI, 1988). Por último, o surgimento do keynesianismo,
na década de 1930, e dos Estados de bem-estar social, com políticas de cunho
redistributivo, reacendem a dicotomia entre o livre-mercado e o Estado provedor,
colocando, também, o liberalismo para a direita (TAROUCO; MADEIRA, 2013).
Apesar das mutações de significado que os termos direita e esquerda tomaram
nos últimos dois séculos, a afinidade da defesa da igualdade social, herdeira dos
princípios socialistas, com a esquerda e da defesa do livre-comércio capitalista
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com a direita parece ser uma questão viva e contemporânea. Gabriela Tarouco e
Rafael Madeira pontuam que:
O debate acerca da pertinência do uso contemporâneo das classificações
ideológicas é bem familiar a quem estuda partidos políticos. Trata-se de saber
se as categorias esquerda e direita ainda ajudam a explicar a política no mundo
pós-guerra fria. Além disso, em países nos quais o welfare state atendeu
minimamente as disputas distributivas, emergem as chamadas questões
pós-materialistas, que não correspondem à dimensão Estado-mercado. Ao
mesmo tempo, a direita ressurge em vários países europeus com vitórias
eleitorais sobre os tradicionais partidos social-democratas, sugerindo que a
diferenciação ainda faz algum sentido (TAROUCO; MADEIRA, 2013, p. 149).
Desse modo, as diferenças ideológicas continuam sendo usadas como variável
explicativa para analisar desde a lógica das coligações partidárias até as políticas
públicas executadas pelos governos. Da mesma forma que a diferenciação
ideológica permanece como elemento para classificar as percepções dos eleitores
e o seu nível de identificação política.
A identificação de perfis partidários, no debate atual da ciência política, pela
sua localização unidimensional tem origem em Anthony Downs (1999). Segundo o
autor, as agremiações partidárias se movem ao longo de um continuum ideológico
formulando propostas de políticas com o objetivo de obter votos. Essa perspectiva
pressupõe que os atores políticos em contextos democráticos se orientam de
maneira racional, de forma similar a agentes econômicos no mercado. Assim,
para alcançar os seus objetivos, partidos procuram maximizar votos e se eleger;
governos, maximizar apoio político e se reeleger; e os eleitores, escolher um
governo em que as políticas ampliem seus benefícios. Dessa maneira, os partidos
formulariam políticas no intuito de ganhar eleições e não o inverso, isto é, não
disputam eleições com a meta de implementar políticas (DOWNS, 1999).
Os partidos têm a possibilidade restrita de encaminhar seu apelo eleitoral
a um número pequeno de grupos sociais, por isso, cada agremiação formularia
sua ideologia de maneira a agradar aquele conjunto específico de grupos. Eles
usariam o desenvolvimento de ideologias como um método para angariar votos e
ficariam obrigados a alguma honestidade e coerência na consecução de políticas ao
longo do tempo. No entanto, cada partido quer agradar a tantos eleitores quanto
possível. A consequência lógica disso é que, no final das contas, nenhum partido
se prende a uma ideologia de modo rígido demais. A limitação a uma ideologia
perante novas situações seria uma ação irracional (DOWNS, 1999).
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Para Downs (1999), a posição de cada grupo partidário variaria a partir da
expectativa de preferência do eleitor mediano, cujo voto os partidos desejam.
Assim, eles se movem racionalmente na escala direita-esquerda para ganhar votos.
Como outra via possível de interpretação das escolhas ideológicas dos partidos
surge a saliency theory, desenvolvida por David Robertson (1976). Para ele, os
partidos competem fazendo uso da proeminência de diferentes temas, mais do
que pela tomada de várias posições a respeito das mesmas questões.
A partir disso, neste artigo, a noção de identidade partidária será operacionalizada
por meio das preferências expressas na atividade parlamentar naqueles temas
que geraram algum tipo de intervenção na tramitação dos atos internacionais.
Esse enfoque está baseado na teoria das ênfases programáticas de maneira
adaptada, pois, não se analisa nem os programas de governo (BUDGE et al., 2001;
KLINGEMANN; HOFFERBERT; BUDGE, 1994), nem os manifestos dos partidos
políticos (LAVER; BUDGE, 1992; KLINGEMANN et al., 2006; TAROUCO, 2007),
mas sim os pronunciamentos dos parlamentares em plenário, as emendas e os
pareceres elaborados por eles. Com isso, pretende-se verificar se os partidos se
diferenciam pelas ênfases que dão às várias questões que se colocam.
Visões distintas apresentadas, nesta seção, mostraram que os partidos políticos
podem se manifestar como agremiações utilitárias — como a defendida por Downs
(1999) — ou como defensores de visões de mundo — de acordo com Robertson
(1976). Este paper não pretende excluir nenhuma das explicações, pois acredita-
se que elas são complementares, apesar de bem diferentes. Diante desse quadro,
assume-se que os partidos importam. Entretanto, é necessário precisar como
eles se tornam relevantes para o debate e para o artigo, em particular. A seguir,
situaremos o Brasil na discussão proposta, mostrando suas especificidades diante
do contexto apresentado nas democracias europeias, por exemplo.
Ideologia e partidos políticos no brasil
No Quadro 1, vê-se os temas que caracterizariam posicionamentos típicos de
partidos de direita e de esquerda extraídos dos estudos que focam nesse contínuo
de preferências políticas. E que servirá como categorias analíticas na seção
empírica.
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Quadro 1. Os temas que seriam típicos na comparação direita-esquerda
Direita Esquerda
Forças Armadas: positivo Anti-Imperialismo
Liberdade Direitos Humanos
Constitucionalismo: positivo Paz
Autoridade Política Internacionalismo: positivo
Livre-iniciativa Democracia
Incentivos Regulação do Mercado
Protecionismo: negativo Protecionismo: positivo
Ortodoxia Econômica Economia Controlada
Limitação de Gastos Nacionalização
Nacionalismo: positivo Expansão de Gastos
Lei e Ordem Classe Trabalhadora: positivo
Fonte: adaptado de Klingemann et al., 2006 e Tarouco; Madeira, 2013.
Nessa perspectiva, saber como os congressistas se posicionam em um ou
mais temas do Quadro 1 pode ajudar a categorizá-los e, consequentemente, ao
seu partido como sendo de direita ou de esquerda. É preciso, porém, estar atento
para uma correção realizada por Tarouco e Madeira, e adotada por esta pesquisa:
A escala definida pelo Manifestos Research Group (MRG) [...], por exemplo,
inclui, entre os elementos constitutivos da posição política de esquerda, a
defesa do internacionalismo e a busca da paz entre países, e, entre elementos
constitutivos da posição política de direita, entre outras coisas, a defesa do
constitucionalismo e de liberdades e direitos humanos. Tais critérios fazem
pouco sentido na política de países ex-colônias, que não passaram pelos
mesmos processos históricos revolucionários que moldaram as visões de
política nos países europeus (TAROUCO; MADEIRA, 2013, p. 157).
De acordo com André Singer (2002), no Brasil, não é o tema da igualdade que
diferencia a esquerda da direita, como em outros países. Aqui, o que provoca a
clivagem são os meios empregados para alcançá-la. A direita tenderia a reforçar
a autoridade do Estado, no intuito de que a busca da igualdade não implique em
perda da ordem. Por outro lado, a esquerda criticaria tal autoridade, principalmente
quando ela reprime os movimentos sociais/igualitários. Nesse sentido, o espectro
direita-esquerda tem que considerar as contradições inerentes ao papel do Estado
na sociedade.
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Ainda sobre esse aspecto, Tarouco e Madeira (2013) explicam que a escala
apresentada pelo Manifesto Research Group (MRG) inclui categorias que não
fazem sentido na realidade brasileira. Por exemplo, por conta da experiência
ditatorial, iniciada na década de 1960, e da transição democrática dos anos de
1980, a esquerda brasileira incorpora bandeiras que o MRG identifica como sendo
de direita: liberdade, direitos humanos e constitucionalismo. Pela mesma razão,
a defesa da democracia, que é apontada como comum à esquerda, no Brasil,
aparece no discurso de todos os partidos que surgiram no período da reabertura
política, o que não impede, por parte da direita, a defesa das Forças Armadas.
Alguns pesquisadores utilizam os resultados das votações em plenário
para concluir sobre a posição ideológica das bancadas dos partidos políticos.
Entretanto, esquecem que essa relação não pode ser direta. Não se pode excluir
dessas decisões o caráter estratégico da sobrevivência política ou a relação entre
coalizão governista e oposição (MADEIRA; TAROUCO, 2011).
Em pesquisa comparativa, André Marenco e Miguel Serna entendem que o
eixo direita-esquerda é uma relevante dimensão na organização do regime e dos
partidos políticos dos três sistemas multipartidários analisados (Brasil, Chile e
Uruguai). Os autores consideram que, de fato, existem partidos de esquerda e de
direita e com representação nos sistemas partidários escolhidos. Mas, sobre as
dificuldades de conceituar tal clivagem entre as agremiações, eles enfatizam que:
As decisões que dizem respeito à delimitação da esquerda e da direita não estão
isentas de dificuldades. Desde sua definição originária na Europa, passando
por múltiplas transformações históricas posteriores — principalmente depois
de 1989 —, os termos “esquerda” e “direita” têm significado polissêmico,
apresentando pelo menos duas dimensões diferentes, muitas vezes
superpostas em seu sentido histórico. A primeira é espacial-situacional,
uma vez que a polarização esquerda-direita definiu em forma dicotômica as
posições relativas de cada ator dentro de um sistema político historicamente
determinado — com clivagens sociais e políticas diversas. A segunda é
de ordem ideológica, que concerne aos valores e às crenças de doutrinas
políticas, podendo ser dividida entre correntes favoráveis ao igualitarismo e
à mudança social (por exemplo, socialistas, comunistas, social-democratas
etc.) e os partidários da liberdade individual e da ordem social (como liberais,
conservadores, entre outros) (MARENCO; SERNA, 2007, p. 94-95).
Apesar das dificuldades apontadas pelos trabalhos que tratam da ideologia
como elemento explicativo para a execução de políticas, todos enfatizam a
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importância de tal variável. Desse debate, formula-se o objetivo e a hipótese de
trabalho. A meta é analisar a atuação parlamentar, focando na clivagem governo
versus oposição, partidos políticos (ideologia) e interesses federativos das bases
eleitorais e seus impactos na tramitação dos atos internacionais. Nesse sentido,
tem-se como hipótese que: a ideologia de fato divide os partidos políticos em
clusters, mas é preciso estar atento à relação governo x oposição e aos interesses
federativos para poder explicar a tramitação dos atos internacionais.
Análise de política externa e ideologia política: entre a clivagem
governo versus oposição e os interesses federativos
Nos subitens a seguir, será feito um levantamento de como as três variáveis
de interesse do estudo — ideologia política, clivagem governo x oposição e
interesses federativos — podem interferir na dinâmica legislativa em política
externa. Pesquisas têm mostrado o elevado peso da orientação partidária no
comportamento legislativo em política externa. Os resultados também mostraram
que o federalismo, em algumas circunstâncias e para certos casos, complementa
a explicação. Esses achados aproximam a dinâmica legislativa em política externa
da dinâmica da política doméstica. Durante algum tempo, os autores brasileiros
estiveram presos ao argumento da omissão ou abdicação dos parlamentares frente
ao Executivo — no tocante à política externa
3
. Entretanto, estudos iniciados no
final dos anos 2000 mostraram que, se o intuito era entender e explicar a atuação
congressual na dimensão dos atos internacionais, se fazia necessário incorporar
novos conceitos e teorias que fossem além da área das relações internacionais.
Diante desse quadro, surgem teorias que ora focam no ator político como um
maximizador das suas chances de reeleição e ora dão ênfase aos conteúdos
programáticos a partir da proeminência de alguns temas. A verdade é que as
análises podem ser frutíferas caso aliadas, desde a perspectiva ideológica até a
pragmática das coalizões governistas e dos interesses federativos.
Ideologia partidária e clivagem governo versus oposição
A ideologia dos partidos políticos é uma variável explicativa para o
comportamento dos legisladores em grande parte dos estudos que focam nas
3 Para detalhes sobre o assunto, ler Rodrigo Santiago (2016).
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políticas públicas em geral (FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999, 2007; POOLE;
ROSENTHAL, 1997; LEONI, 2000). O argumento central dessas pesquisas é que
existe uma correlação entre a posição dos partidos políticos dentro do espectro
ideológico direita-esquerda e o voto dos congressistas. Um elemento fundamental
que sustenta esse raciocínio é a coesão partidária, ou seja, a identificação de
uma clara influência das escolhas dos partidos políticos no voto individual dos
parlamentares (HAGER; TALBERT, 2000).
Pesquisa realizada por Jean-Philipe Thérien e Alain Noel (2000) exemplifica
bem como os partidos políticos podem influenciar na tomada de decisão
governamental. Ao comparar 16 países membros da OCDE (Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o estudo tentou entender se
parlamentos formados por partidos de diversos matizes (socialistas, social-
democratas, liberais, religiosos, dentre outros) têm maior afinidade a empenhar
uma boa parcela do PIB nacional em ajudas humanitárias externas. Com base
nesse problema, os autores concluíram que os Estados em que os governos são
formados por partidos de origem social-democrata investem mais em ajuda externa
do que os governos liberais. Claramente, a ideologia partidária seria uma proxy para
explicar as políticas públicas domésticas, mas também, a política internacional.
Nessa mesma linha de raciocínio, Gary Marks et al. (2006) investigam a
competição partidária no processo de integração regional europeu. Os pesquisadores
localizam os partidos nas duas dimensões clássicas do espectro ideológico (direita-
esquerda) e as dimensões (liberalismo-ambientalismo) versus (tradicionalismo-
nacionalismo). Como achado principal, encontram relação entre o posicionamento
dos partidos quanto a apoiar a integração regional nos seis aspectos citados. Além
disso, notaram que as associações se invertem a depender se os partidos são do
Leste ou Oeste da Europa.
Por outro lado, os trabalhos sobre política comercial que analisam a atuação
dos grupos de pressão indicam que é irrelevante a ideologia partidária com relação
à temática (RAY, 1981). O argumento é: se a política comercial é consequência
das preferências e influências dos grupos de interesses, a ideologia dos partidos
políticos é pouco importante, pois cada partido tende a representar vários grupos
sociais com diferentes preferências. Na mesma linha, Gene Grossman e Elhanan
Helpman (1994) afirmam que setores econômicos organizados em lobbies dominam
a política comercial, fazendo com que os partidos tenham diminuta relevância.
Pesquisas mais recentes examinaram o posicionamento dos partidos políticos sobre
tais questões em 25 países desenvolvidos, grande parte deles membros da OCDE,
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no período compreendido entre 1945 e 1998. O principal achado foi a existência
de um forte impacto dos partidos políticos, principalmente, no que tange à lógica
direita-esquerda (MILNER; JUDKINS, 2004).
Na América do Sul, Pedro Feliú Ribeiro, Manoel Pereira Neto e Amâncio
Oliveira (2007) encontraram que a ideologia partidária, no caso do Chile, tem
o poder preditivo para a formação das preferências dos deputados em temas de
política comercial, mesmo se controlada por interesses locais. Outros achados
de Pedro Feliú Ribeiro (2012) são que, na comparação entre os seis países do
estudo (Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai e Peru), existe uma baixa
diferenciação do comportamento legislativo em assuntos internos e externos.
E a disposição ideológica dos partidos políticos relaciona-se com o binômio
governo-oposição enquanto elementos explicativos dos votos dos parlamentares
da região, independentemente da temática. Ele ressalta que algo parecido ao
bipartisanship
4
norte-americano parece não fazer sentido nos casos selecionados.
Ribeiro (2012) argumenta que os partidos políticos têm posições diferentes a
respeito da implementação e execução da política externa. Portanto, a formação
das preferências internacionais não pode ser entendida como suprapartidária.
Comparativamente ao termo bipartisanship baseado na experiência estadunidense,
o autor afirma que nos países latino-americanos não há a ocorrência de um
multipartisanship, ou seja, legislaturas multipartidárias em que maiorias partidárias
votam fechado nas políticas de cunho internacional.
Por outro ângulo de análise, Simon Hix e Abdul Noury (2011) enfatizam que
a primeira característica a ser levada em consideração para a análise dos votos
dos parlamentares em distintos contextos institucionais é a batalha entre os
legisladores pertencentes ao governo ou à oposição, independentemente da opção
(preferência) política em si. Os integrantes da oposição tendem a se colocar de
maneira contrária ao governo, muito mais para sinalizar a sua postura de oposição
do que para demonstrar descontentamento com alguma proposta legislativa em
particular.
Na maioria dos países latino-americanos, o presidente tem forte controle
sobre a distribuição de recursos e cargos e, por isso, sobre a agenda política,
4 No caso dos Estados Unidos é caracterizado por: 1) Unidade em assuntos externos, ou seja, apoio político dos
dois principais partidos do país; e 2) Práticas e procedimentos tomados com o objetivo de atingir a almejada
unidade. Dessa forma, o grau de polarização entre os democratas e republicanos se mostraria diferente quando
comparada as votações de questões domésticas e internacionais, estando o primeiro caso sujeito às forças
centrífugas da polarização, e o segundo, guiado pelas forças centrípetas do bipartisanship (MCCORMICK;
WITTKOPF, 1990; KEGLEY; WITTKOPF, 1995).
233Rodrigo Santiago
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sendo capaz de atrair o apoio dos congressistas ao redor das suas propostas
legislativas. Hix e Noury (2011) enfatizam que a dimensão governo-oposição,
em muitos casos, pode estar ligada à divisão ideológica do tipo direita-esquerda.
No caso do sistema latino-americano, é comum os estudos argumentarem sobre
a relevância do continuum direita-esquerda enquanto organizador da política,
facilitando a transmissão de informação aos eleitores no momento da competição
política. Desse modo, a ideologia dos partidos políticos também está presente
enquanto variável explicativa para entender a participação parlamentar no debate
sobre política externa.
Esse debate não é consensual, por exemplo, para César Zucco Jr. (2009),
esquerda e direita ainda tem a ver com maior ou menor intervenção do Estado
na economia, entretanto, houve uma considerável retração dos posicionamentos
mais à esquerda. Na verdade, o autor levanta a tese de que a ideologia jamais
tenha sido uma proxy forte de comportamento. Segundo ele, a questão continua
em aberto por problemas de ordem empírica para os anos dos mandatos do
ex-presidente Lula, quando as coalizões de governo foram ideologicamente
incoerentes, podendo assim se distinguir ideologia de pragmatismo político.
No caso da 53ª legislatura estudada, Zucco Jr. (2009) afirma que a principal
clivagem é mesmo entre oposição e governo, e não direita e esquerda. Esse achado
corrobora a ideia de que, quando há disputas entre as preferências ideológicas dos
congressistas, os incentivos gerados pelo Executivo tendem a ser preponderantes.
Criticamente, Tarouco e Madeira (2015) apontam que um certo grupo de
pesquisadores enfatizam a alta fragmentação do sistema partidário brasileiro,
a heterogeneidade das coligações e o personalismo na escolha eleitoral como
alguns dos fatores que indicam que os partidos políticos no país não possuem
ideologia definida. Entretanto, ironicamente, existe uma grande quantidade
de classificações na literatura da ciência política (KINZO, 1993; MELO, 1999;
MAINWARING, MENEGUELLO e POWER, 2000; AMORIN NETO, 2000; MARENCO,
2001; RODRIGUES, 2002; ZUCCO JR., 2009; 2011) que distinguem as agremiações
em direita, centro ou esquerda. Os trabalhos que enfatizam essa volatilidade
ou inconsistência ideológica baseiam suas conclusões no comportamento
dos parlamentares nas votações nominais em plenário. Porém, como salienta
Peter Mair (2001), ideologia não se confunde com posições defendidas em
relação a políticas específicas, logo, resultados pautados em votações nominais
podem ser apenas preferências — de sobrevivência política — imediatas e não
ideológicas.
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Desse mesmo ponto de vista, Eduardo Leoni (2002) afirma que não é difícil
ver políticos, jornalistas, acadêmicos e cidadãos usarem conceitos espaciais para
identificar as posições dos atores políticos. A teoria espacial dos votos é uma
tentativa de sistematização desse pensamento. Ela tem como fundamento a ideia
de que as preferências individuais e as políticas podem ser indicadas como pontos
em um espaço. A lógica é que os atores dão mais valor/preferem as políticas mais
próximas, em detrimento daquelas que se encontram mais distantes dos seus
pontos ideais. Para o caso norte-americano, podemos dizer que:
Um liberal dos dias de hoje [...] provavelmente apóia um aumento no
salário mínimo; [...] é contra o uso de força no estrangeiro; apóia programas
compulsórios de ação afirmativa; e apóia o financiamento federal de programas
seguro-saúde e creches. De fato, saber se um político se opõe a um aumento
do salário mínimo é suficiente para predizer, com razoável confiabilidade,
a opinião do político em muitas questões aparentemente desconexas
(POOLE; ROSENTHAL, 1997, p. 11 apud LEONI, 2002, p. 372).
O entendimento da política externa enquanto matéria sujeita a disputas
político-ideológicas evidencia a importância da inclusão das preferências partidárias
nas pesquisas sobre formulação da política externa na América Latina (OLIVEIRA;
ONUKI, 2010). Dada a relevância das variáveis ideologia do partido político
e pertencimento à coalizão de governo, pode-se concluir que, a depender da
configuração partidária, presidentes podem ter dificuldade para levar a cabo suas
agendas internacionais. Em ambientes de governo dividido e alta polarização
ideológica, é esperado que os legislativos sul-americanos ajam como importantes
veto players da política externa presidencial. Nesse sentido, parece sensato supor
a antecipação, por parte do presidente, das preferências do legislador mediano
na formulação da política externa. Por isso, neste trabalho, utiliza-se a ideologia
e a clivagem governo versus oposição como complementares e não como visões
antagônicas.
Interesses federativos
Há ainda um terceiro elemento que se junta à ideologia partidária e à clivagem
governo x oposição: são os interesses federativos. Cheryl Schonhardt-Bailey (2006)
procurou compreender a razão de uma parcela do Partido Conservador britânico
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ter optado por desafiar o partido e gerar, em 1846, a remoção da legislação que
protegia os produtores de trigo. Ainda mais que grande parte do apoio partidário
era oriundo exatamente dos agricultores sensíveis, portanto, à livre-concorrência
de importados. Estudando as bases distritais dos parlamentares dissidentes, a
autora concluiu que a gênese da alteração de posição está ligada a uma mudança
nas próprias constituencys. Além dos bens agrícolas, os distritos passaram a
produzir bens manufaturados. Essa mudança na cadeia econômica promoveu uma
heterogeneização na base de suporte do Partido Conservador, que também passou
a lutar pela abertura econômica e pela internacionalização. Logo, os interesses
econômicos da base eleitoral de uma parcela do partido teriam prevalecido sobre
a sua ideologia primária. Em outras palavras, os fatores determinantes da
indisciplina partidária seriam de ordem local, bem como econômica (os lobbies),
elementos que passaram a ser mais importantes para a sobrevivência dos
parlamentares envolvidos do que a ideologia partidária.
Os acadêmicos que relacionam o federalismo à política externa afirmam
que os parlamentares de diferentes regiões possuem interesses distintos não só
em questões internas, mas também em temas internacionais. Assim, cada ente
federativo teria suas particularidades a partir dos seus vínculos com o exterior.
Porém, há os que afirmam que, independentemente dos interesses locais, os
congressistas seguiriam fiéis aos seus princípios político-partidários. Oliveira
chama atenção para o seguinte:
As especificidades sub-regionais podem ser, do ponto de vista substantivo,
determinadas por qualquer arena das relações internacionais, tais como
comércio, defesa, segurança, meio-ambiente e assim sucessivamente. A título
de exemplo, os estados podem ter interesses distintos na área tributária,
a depender se são estados exportadores ou não, em uma legislação como a
Lei Kandir sobre isenção de impostos para os exportadores. No campo da
segurança sub-regional, as realidades dos estados amazônicos e do Centro-
Oeste tendem a ser distintas das dos demais por conta de questões de
fronteira (migração, tráfico de ilícitos, segurança pública e etc). No campo do
comércio internacional pode-se dizer que os estados do norte do país tendem
a ter vínculos comerciais distintos das demais unidades da federação com
os países da região andina, por razões locacionais e logísticas. Do mesmo
modo, os estados do Sul podem manter vínculos comerciais mais intensos
com os países do cone sul, pelas mesmas razões supra-citadas. Além das
questões locacionais e logísticas, os estados diferenciam-se em relação a suas
matrizes produtivas o que reforçaria comportamentos diferenciados dos seus
legisladores (OLIVEIRA, 2013, p. 36).
236 Ideologia explica tudo? O embate no legislativo brasileiro em matérias de política externa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Das várias contribuições do trabalho de Amâncio Oliveira (2013), duas
merecem destaque. A primeira é o fato de ter mostrado o elevado peso da orientação
partidária no comportamento legislativo em política externa. E, segunda, os
resultados também mostraram que o federalismo, em algumas circunstâncias e
para certos casos, complementa a explicação baseada na disciplina partidária.
Esses achados aproximam a dinâmica legislativa em política externa da política
doméstica, como também incorpora novos conceitos e teorias para além da área
das relações internacionais para ajudar a entendê-la.
Dados qualitativos
O método da análise de conteúdo consiste no tratamento quantitativo para
dados qualitativos. A partir da classificação de uma quantidade considevel
de unidades textuais (palavras, expressões, frases), compartimentamo-las em
categorias de acordo com o seu significado (BARDIN, 2006). Posteriormente, as
relações são quantificadas, e, a partir disso, são produzidas inferências válidas para
o texto inicial. A ideia é que a medida da presença de uma determinada categoria
espelhe a relevância conferida a ela no texto em geral. A seguir, é explicada a
amostra e as categorias analíticas, como também, discute-se preliminarmente os
resultados das análises de correspondência.
Corpus da pesquisa, categorias e análise descritiva dos dados
A pesquisa contou com a utilização do software QDA Miner versão 4.1.23
para a elaboração do corpus da pesquisa. Esse corpus contém 112 discursos que
foram extraídos da matriz construída no SPSS para a Câmara dos Deputados e
para o Senado Federal durante os anos de 1988 e 2014. Foram analisados os textos
produzidos pelos parlamentares nos momentos em que eles atuaram durante
a tramitação dos atos internacionais dentro do universo amostral. Desse total
de 112 discursos, emendas, pareceres contrários, 81 (72,3%) foram proferidos
por deputados federais e 31 (27,7%) por senadores. O objetivo dessa análise é
entender a razão das intervenções, os pontos de vista e as diferenças ideológicas
que possam surgir, também, no debate da política externa.
237Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Com isso, não se está falando sobre um ativismo parlamentar na matéria,
mas se quer explicar por que houve divergências entre os membros do Congresso
Nacional brasileiro. O intuito dessa subseção da pesquisa é averiguar o impacto da
variável ideologia, como também o impacto da dicotomia governo versus oposição
e dos interesses federativos. Não à toa, foi realizada uma discussão teórica prévia
sobre esses elementos. Com o auxílio da saliency theory, elaborou-se um quadro
com os domínios que foram utilizados para a análise dos textos coletados. Assim,
tem-se 8 domínios que são: 1) Relações Exteriores
5
; 2) Liberdade e Democracia;
3) Sistema Político; 4) Economia; 5) Bem-Estar e Qualidade de Vida; 6) Estrutura
da Sociedade; 7) Questão Indígena e Segurança Amazônica; e 8) Tramitação dos
Atos Internacionais e Fiscalização do Congresso.
Vários partidos, durante os 26 anos que a pesquisa cobre, se posicionaram
sobre os temas da política externa, nos discursos em plenário, através de emendas
e pareceres contrários. Entretanto, vale o destaque para os considerados pela
literatura especializada como os quatro grandes partidos e que mais participaram
dos debates: PT (25%), PSDB (17%), PMDB (11,6%) e PFL-DEM (11,6%). Além
disso, essa participação de 65,2% dos partidos supracitados pode ser explicada pelo
fato de eles terem feito parte diretamente dos governos eleitos para o Executivo
federal no período que abrange a análise e, como já discutido, a variável governo
x oposição é fundamental para que os membros das bancadas no parlamento se
posicionem a favor ou contrários às políticas.
Esse também é o momento para esclarecer alguns aspectos metodológicos.
Na mesma amostra (112 casos), que pode ser vista no Gráfico 1 em porcentagens:
1) há casos de missing (sem informação — 5,4%), isto é, se teve acesso ao material
textual, mas não foi possível identificar o seu autor e, portanto, o partido/ideologia
do deputado/senador; e 2) há o material dos parlamentares “sem partido”, que
são três — os deputados Fernando Gabeira
6
, Babá
7
e Luciana Genro
8
.
5 Essa dimensão subdivide-se em: 1) imagem do país no cenário internacional; 2) integração latino-americana;
3) Estados Unidos; 4) Paraguai; 5) África; 6) Cuba; e 7) Oriente Médio.
6 Que em discordância com o governo Lula, pede a sua saída do PT em outubro de 2003, e fica temporariamente
sem partido.
7 Que foi expulso do PT em 2003 e é um dos fundadores do PSOL.
8 Também expulsa do PT em 2003 e, também, uma das fundadoras do PSOL.
238 Ideologia explica tudo? O embate no legislativo brasileiro em matérias de política externa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Gráfico 1. Porcentagem dos partidos que se manifestaram na discussão
na Câmara dos Deputados e no Senado Federal
25,00%
17,00%
11,60%
11,60%
7,10%
5,40%
5,40%
2,70%
2,70%
2,70%
1,80%
1,80%
0,90%
0,90%
0,90%
0,90%
0,90%
0,90%
0,00%5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00%
PT
PSDB
PMDB
PFL/DEM
PSB
SEM INFORMAÇÃO
PPS
PSOL
SEM PARTIDO
PPR
PDT
PTB
PPB
PCdoB
PSC
PV
PHS
PDC
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
Outra nota metodológica diz respeito à categorização dos partidos quanto
ao seu pertencimento ideológico. Sabe-se das críticas em alocar as agremiações
partidárias dentro do espectro ideológico, entretanto, seguindo Yan Carreirão,
classifica-se os partidos da seguinte maneira:
Com base [...] nas classificações formuladas nos estudos de Kinzo (1990),
Novaes (1994), Figueiredo e Limongi (1999), Fernandes (1995) e Rodrigues
(2002), tomo como definição operacional inicial a seguinte classificação dos
partidos no Brasil, no eixo direita-esquerda:
Direita: PP (PPB; PPR; PDS); PFL; PRN; PDC; PL; PTB; PSC; PSP; PRP; PSL;
PSD e PRONA. Centro: PMDB e PSDB. Esquerda: PT; PDT; PPS; PCdoB; PSB;
PV; PSTU; PCO e PMN (CARREIRÃO, 2006, p. 143).
Porém, como visto no Gráfico 1, algumas legendas aparecem no banco de dados,
mas não na classificação de Carreirão (2006), são elas: o DEM — sucessor do PFL
e, por isso, o classificamos como de direita; o PSOL e o PHS, a respeito dos quais
usamos na classificação as suas próprias autodefinições encontradas nos seus sites
institucionais — assim, o PSOL está no grupo da esquerda, e o PHS no de centro.
No Gráfico 2, vê-se a porcentagem dos textos já classificados a partir do espectro
ideológico dos parlamentares. Excetuando os casos em que não tivemos orientação
239Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
sobre o seu autor (6), quase metade dos textos são de partidos de esquerda (46,2%),
seguidos do centro (31,2%), direita (19,8%) e os sem partido (2,8%).
Gráfico 2. Porcentagem de textos caracterizados pelo espectro
ideológico dos parlamentares
46,20%
31,20%
19,80%
2,80%
ESQUERDA CENTRO DIREITASEM PARTIDO
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
Análise de correspondência: achados
Nesta seção, tem-se como propósito básico analisar a atuação parlamentar
focando na ideologia, no governo versus oposição e nos interesses federativos das
bases eleitorais. Discute-se os resultados das análises de correspondência
9
executadas
a partir dos domínios definidos pela saliency theory e sua relação com a ideologia
dos partidos políticos. Espera-se que as agremiações localizadas em posições
dististas no continuum esquerda-direita possuam, também, posicionamentos
diferentes quanto aos temas abordados no seus discursos. Isto é, que privilegiem
algumas questões/pontos de vista em detrimento de outros.
Para ler os gráficos a seguir, o leitor deverá prestar atenção, inicialmente, nas
categorias: direita, centro, esquerda e sem partido. Após isso, o leitor pode identificar
em qual quadrante os assuntos se localizam. E, posteriormente, a proximidade dos
assuntos tratados com as categorias. Categorias e temas em um mesmo quadrante
indicam que o tema faz parte do discurso das categorias verificadas. O objetivo da
análise de correspondência é medir o grau de associacão de variáveis dispostas de
9 Segundo Luiz Augusto Campos (2014, p. 389), “A Análise de Correspondências Simples (ACS) é um recurso
para expor em um mapa bidimensional as coocorrências relativas entre as classes de duas variáveis categóricas.
A partir de uma tabela de contingência simples, em que duas variáveis são cruzadas, a ACS produz uma ilustração
cartográfica das relações existentes entre todas as categorias incluídas. As categorias que mais coocorrem em
termos relativos tendem a ser representadas mais próximas e, analogamente, as categorias com menor grau de
coocorrência são representadas com uma distância maior entre si. Para definir a magnitude dessas distâncias
relativas, a ACS considera as distâncias existentes entre os marginais observados na métrica do qui-quadrado”.
240 Ideologia explica tudo? O embate no legislativo brasileiro em matérias de política externa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
modo gráfico. Assim, quanto mais um tema estiver próximo dos pontos relativos
à esqueda, centro, direita ou sem partido, mais eles estarão relacionados.
O Gráfico 3 demonstra o resultado da análise de correspondência para o
domínio das relações exteriores, especialmente no tocante à imagem do país
internacionalmente. O embate nesse tema girou em torno do envio de tropas
brasileiras para uma missão de paz no Haiti. Os parlamentares da direita, centro
e sem partido eram contrários ao envio, por isso, estão mais próximos dos temas
ligados às Forças Armadas, ao Conselho de Segurança da ONU (CSNU) e às
menções negativas sobre a missão de paz. Por outro lado, os partidos de esquerda,
encabeçados pelo governo, eram a favor do envio e argumentavam que participar
da missão de paz (menção positiva) possibilitaria ganhar capital político e maior
liderança internacional frente à ONU. Além disso, os parlamentares de esquerda
são mais propensos a focarem suas posições contra a subserviência brasileira
frente aos interesses estrangeiros e ao imperialismo.
Gráfico 3. Domínio das Relações Exteriores (Imagem do país no cenário internacional)
10
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas elaborado em 2015.
10 A análise de correspondência é uma técnica exploratória criada para examinar tabelas de contingência de
dupla e múltipla entradas, por meio de algumas medidas de correspondência entre linhas e colunas. Os outputs
fornecidos possibilitam entender a estrutura de relações entre as variáveis categóricas das tabelas. As tabelas mais
comuns são as de frequências de dupla entrada, onde se tem um caso de análise de correspondência simples.
Numa análise de correspondência simples, a tabela de frequências é padronizada (BOUROCHE; SAPORTA, 1982;
PEREIRA, 2004), por isso os eixos x e y passam simplesmente a serem denominados de eixo 1 e eixo 2. Por isso,
nesse artigo, omitiu-se os nomes das coordenadas x e y. Lembrando também que, em alguns casos, a relação
é unidimensional, como na análise da dimensão “Relações Exteriores — Paraguai”.
241Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
No domínio das Relações Exteriores — Integração Latino-Americana —
Gráfico 4, é possível apreender que: os membros da direita interessam-se pelo
Mercosul, principalmente no que tange aos seus interesses liberalizantes; os do
centro, no ato da ratificação da entrada da Venezuela no Mercosul, temiam que o
presidente Hugo Chavéz inviabilizasse a união aduaneira do bloco, daí a menção
negativa a ele; e os de esquerda, mais uma vez liderados pelo governo do PT,
enfatizavam que os critérios utilizados pela oposição eram ideológicos, pois Hugo
Chavéz não era a Venezuela e que o ângulo de observação deveria ser o do país
como um parceiro estratégico. Além disso, eles também reforçavam a ideia de
independência latino-americana com o aprofundamento do processo regional.
Gráfico 4. Domínios das Relações Exteriores (Integração Latino-Americana)
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
No Gráfico 5, avalia-se o posicionamento dos parlamentares aos temas ligados
aos Estados Unidos da América. Enquanto os partidos de esquerda, centro e direita
fazem menções positivas ao país, aqueles que estavam sem partido focam nos
temas da intervenção norte-americana na América Latina, bem como na pressão
que os negociadores americanos exercem sobre os tomadores de decisão do Brasil.
Essa constatação pode ser explicada, pois, como já foi dito, esses indivíduos que
fazem parte dos “sem partido” foram aqueles que saíram ou foram expulsos do
242 Ideologia explica tudo? O embate no legislativo brasileiro em matérias de política externa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Partido dos Trabalhadores em 2003, e que se encontravam mais à esquerda do
que a própria agremiação petista.
Gráfico 5. Domínio Relações Exteriores — Estados Unidos da América
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
No caso dos Gráficos 6 e 7, fica visível que a política externa também serve
de caminho para a oposição se manifestar. Como só havia dois partidos —
ambos categorizados neste trabalho como centro — resolvemos desagrupá-los da
categoria ideologia e mostrá-los separadamente. No Gráfico 6, vê-se o caso que
envolve a mudança da tarifa cobrada pela Usina de Itaipu. O PSDB — partido de
oposição ao governo do PT — e uma ala do PMDB que, apesar de ser governista,
era composto por parlamentares que faziam oposição sistemática, focam no fato
de o governo ceder aos interesses paraguaios por razões ideológicas, deixando,
portanto, que a tarifa cobrada por Itaipu beneficiasse o governo de Fernando Lugo
em detrimento do povo brasileiro, como se vê nos discursos. Já no Gráfico 7, os
mesmos partidos (PSDB e PMDB) discutem sobre a possibilidade de validação
automática dos diplomas de medicina conseguidos por estudantes brasileiros em
Cuba. O PSDB foca no fato de os currículos entre os cursos no Brasil e em Cuba
serem diferentes e, o PMDB, na questão da indicação política dos discentes, o
que resultaria em perda de qualidade dos alunos selecionados.
243Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Gráfico 6. Domínio Relações Exteriores — Paraguai
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
Gráfico 7. Domínio das Relações Exteriores — Cuba
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
244 Ideologia explica tudo? O embate no legislativo brasileiro em matérias de política externa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
No Gráfico 8, observa-se como o posicionamento ideológico interfere sobre
o que é dito pelos parlamentares. Nele, estão os resultados para a África e o
Oriente Médio. No caso da direita, os parlamentares focam na relação Brasil-
África, no que tange aos ganhos comerciais desse vínculo; o centro, na figura do
deputado Gilberto Mestrinho do PMDB/AM, diz que os negros não precisam da
nossa cultura e, por isso, que a África é, claramente, atrasada; por fim, os partido
de esquerda, em relação à África, apontam para os problemas enfrentados pela
África do Sul durante o apartheid, exaltam a cultura africana, a partir da bancada
dos deputados negros, especificamente a do PT. Já no caso do Oriente Médio,
o parlamentar, que é do PCdoB, condena o expansionismo israelense na região
e propõe uma tentativa de conciliação — postura esperada, pois a crítica a Israel,
por tal sigla, é bastante conhecida.
Gráfico 8. Domínio dzas Relações Exteriores — África e Oriente Médio
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
No segundo domínio, o da Globalização (Gráfico 9), a direita mostra-se
contrária à imigração, enquanto que os partidos de esquerda, além de se mostrarem
contrários a essa postura específica da direita, também possuem um leque maior de
questões em seu discurso. Para eles, a globalização é a causa dos conflitos regionais,
das assimetrias econômicas no mundo e dos crimes, tal como o terrorismo. Além
245Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
disso, acreditam que esse cenário pode ser alterado ao se incorporar na agenda
a reforma dos organismos multilaterais, tornado-os, assim, mais democráticos.
Gráfico 9. Domínio da Globalização
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
No terceiro domínio, foca-se nos aspectos da Liberdade e Democracia
(Gráfico 10). Tanto a direita, como o centro, quanto a esquerda atentam para os
aspectos constitucionais dos atos internacionais, no intuito de saber se eles terão
o respaldo da Carta Magna. Porém, há algumas diferenças importantes: a direita
privilegia as questões jurídicas, tais como, os princípios da incerteza jurídica e da
inconstitucionalidade; a esquerda, a busca por mais democracia e direitos humanos
no sistema internacional; e, os sem partido, baseiam seus discursos focando nas
iniquidades, restrições e supressões dos direitos humanos e da democracia em
outras nações.
246 Ideologia explica tudo? O embate no legislativo brasileiro em matérias de política externa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Gráfico 10. Domínio da Liberdade e Democracia
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
No Gráfico 11, estão os resultados para a análise de correspondência para
aquilo que é caracterizado como Sistema Político. Nele, fica clara a dimensão
governo versus oposição. Os membros da direita fazem oposição aberta ao governo
do petista Lula; os centristas, repercutem os desequilíbrios entre os poderes
Executivo e Legislativo em política externa, além de fazerem menções negativas
ao governo da presidente Dilma; a esquerda, por sua vez, faz oposição ao governo
do ex-presidente Fernado Henrique Cardoso, referindo-se, principalmente, às
privatizações ocorridas durante o seu mandato, e repercutem, positivamente, o
governo do presidente Lula; por fim, os sem partido, recém saídos do PT, passam
também a fazer oposição ao governo Lula.
247Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Gráfico 11. Domínio do Sistema Político
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
Na dimensão Economia, como pode ser visto no Gráfico 12, os princípios
ideológicos voltam a ser evidentes. A direita procura demarcar território buscando
investimentos para os empresários nacionais, bem como se posicionando a favor
das negociações da OMC na Rodada Doha, criticando a criação de novos cargos
administrativos e buscando o contingenciamento das despesas públicas. Os
congressistas de centro assemelham-se aos de direita, mas enfatizam, ainda com
menções positivas, a economia de mercado e a livre-concorrência, e criticam o
sobrecarregamento das despesas públicas. Já a agenda das esquerdas é outra.
Fala-se em esquerdas porque a parlamentar sem partido, nesse caso, é Luciana
Genro, que posteriormente ajudaria a fundar o PSOL. No caso dela, o discurso vai
no sentido de criticar o neoliberalismo, apontando para as suas contradições. Já a
outra parte da esquerda, além de tratar da livre circulação de capitais como uma
condição contemporânea, não deixa de criticar o livre-comércio, principalmente
aquele realizado por alguns países desenvolvidos que criam barreiras comerciais
internas. Além de fazer menções negativas à especulação monetária e positivas
à exportação de bens.
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Gráfico 12. Domínio da Economia
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
Outro domínio é o do Bem-Estar e Qualidade de Vida, como pode ser
visualizado no Gráfico 13. Nele, há uma disputa entre a direita e a esquerda.
No material analisado, a direita passa a associar de forma negativa a pobreza
a alguns espaços, como as periferias e as favelas; ao passo que a esquerda está
preocupada com questões como a discriminação, o empoderamento feminino e
a degradação ambiental.
249Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Gráfico 13. Domínio do Bem-Estar e Qualidade de Vida
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
Inicialmente, no Gráfico 14, percebe-se uma preocupação comum entre direita,
centro e esquerda no tema das ambivalências entre as normas geradas no plano
internacional e aquelas domésticas. Posteriormente, há ainda uma similaridade
entre a direita e o centro no que se refere à preocupação com a segurança pública,
evocando a possibilidade de utilização das Forças Armadas; já a esquerda mostra-
se inclinada a debater a soberania nacional entendida como, por exemplo, o
não alinhamento com os Estados Unidos ou o desenvolvimento autônomo de
tecnologias; já o congressista sem partido (Fernando Gabeira) refere-se ao interesse
nacional como a preocupação com o deslocamento de tropas brasileiras, sem a
permissão do Congresso Nacional, episódio que aconteceu durante os debates do
envio de contingentes para a missão de paz no Haiti.
250 Ideologia explica tudo? O embate no legislativo brasileiro em matérias de política externa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Gráfico 14. Domínio da Estrutura da Sociedade
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
A penúltima dimensão, essa não sendo original da saliency theory, é a da
Questão Indígena e Segurança Amazônica. No Gráfico 15, a esquerda aproxima-se
do debate sobre a Amazônia e sua segurança, o que significa soberania nacional
e uma política para os povos indígenas (Estatuto do Índio e a demarcação de
terras), respectivamente; o centro utiliza no seu discurso palavras negativas a
se referir ao tema indígena, por exemplo, o senador Lúdio Coelho do PSDB/MS
— agropecuarista/interesse federativo/Região Centro-Oeste — usa as seguintes
frases: 1) “O índio está sendo tratado como um ser superior, ninguém mexe com
índio”; e 2) “Estamos querendo criar nações indígenas para, amanhã ou depois,
queiram intervir em nosso País em defesa de nações”; por outro lado, impressiona
que a direita, que normalmente não luta pela defesa das minorias, curiosamente,
faz uma série de menções positivas ao papel do índio na sociedade brasileira,
como: os índios são brasileiros, respeito aos direitos indígenas, reformulação da
FUNAI, demarcação de terras e que, fortalecendo as comunidades indígenas, as
chances de intervenção estrangeira via Amazônia são menores. No entanto, o
que explicaria esse posicionamento dos membros da direita?
251Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Gráfico 15. Domínio da Questão Indígena e Segurança Amazônica
pela Ideologia Partidária
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
A resposta para a pergunta acima encontra-se no Gráfico 16. Nele, trabalha-
se com as variáveis ideologia e região geográfica de forma conjunta. O resultado
é que os membros da direita que se colocaram a favor da minoria indígena são
oriundos dos estados da federação da região Norte, como é o caso do senador
Romero Jucá, na época do PFL/RR. Ou seja, como discutido nos capítulos teóricos,
o pertencimento local ou as relações com as bases de apoio nos estados também
ajudam a explicar os comportamentos dos parlamentares.
252 Ideologia explica tudo? O embate no legislativo brasileiro em matérias de política externa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Gráfico 16. Domínio da Questão Indígena e Segurança Amazônica
pela Ideologia Partidária Cruzada com a Região do Parlamentar
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
Por último, tem-se a dimensão da Tramitação dos Atos Internacionais e
Fiscalização do Congresso, também não presente na saliency theory. No Gráfico
17, frisa-se a preocupação de todos os parlamentares, independentemente da
coloração partidária (ideológica) com as questões regimentais e a fiscalização
do Congresso nos projetos relacionados à política externa. Isto é, o cuidado dos
congressistas em manter suas prerrogativas constitucionais de analisar matérias
dessa ordem.
253Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Gráfico 17. Domínio da Tramitação dos Atos Internacionais
e Fiscalização do Congresso
Fonte: banco de dados próprio a partir dos discursos e pareceres dos congressistas, elaborado em 2015.
Considerações finais
A partir dos achados do paper, não se pretende fazer generalizações, até porque
o arsenal metodológico empregado não nos permite. O objetivo foi decifrar, por
meio dos casos em que houve atuação de parlamentares, aquilo que os moviam.
Para além de ser assertivo ao dizer a uma dada arena que a explicação se baseia
em uma das três variáveis aqui tratadas, pleiteia-se, na verdade, a importância
delas de forma geral no estudo de análise de política externa no Legislativo.
Assim, por meio das análises de correspondência, fica claro que partidos
de origens ideológicas distintas adotam discursos diferentes. Ou seja, há um
embate ideológico travado em matérias de política externa, resultado esperado,
haja vista que foram matérias alvo de ação congressual, seja via discussão
em plenário ou através da elaboração de pareceres contrários à aprovação dos
projetos legislativos (ato internacional). Porém, apenas a variável ideologia não
explica toda a complexidade do trabalho legislativo (como é possível perceber no
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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
Quadro 2) em política externa. Apesar de grande parte do embate ficar em torno
dessa dimensão (esquerda-direita), a clivagem governo versus oposição e os
interesses federativos acabam complementando a explanação. Com exceção do
tema da fiscalização congressual dos atos internacionais, que é uma preocupação
que transcende qualquer uma das questões anteriores.
Quadro 2. Síntese do debate por domínio
Domínio Ideologia
Governo versus
Oposição
Interesses
Federativos
Relações Exteriores — Imagem do país X X
Relações Exteriores — Integração Latino-Americana X X
Relações Exteriores — Estados Unidos X
Relações Exteriores — Paraguai X X
Relações Exteriores — Cuba X X
Relações Exteriores — África e Oriente Médio X
Globalização X
Liberdade e Democracia X
Sistema Político X
Economia X
Bem-Estar e Qualidade de Vida X
Estrutura da Sociedade X
Questão Indígena e Segurança Amazônica X X
Tramitação dos Atos Internacionais
Fonte: elaboração do autor.
No caso da disputa governo versus oposição, conclui-se que os membros da
oposição tendem a se colocar contra o governo mais para sinalizar a sua postura
contrária a ele, e, por isso, votam contra uma proposta legislativa em particular.
Sempre aparecem as menções contrárias a uma política específica ou a algum
mandatário do Executivo (como fica bastante evidente no Gráfico 11). E, como os
casos analisados são extremos, visto que provocaram tensão dentro do Parlamento,
é previsível a associação entre a variável governo versus oposição e ideologia
(como, por exemplo, no Gráfico 3).
Em relação à ideologia partidária, vê-se que ela é responsável por produzir
demandas ético-morais a respeito da ação humana. Ou, como informa o neo-
institucionalismo sociológico, nem sempre o comportamento é guiado por cálculos
estratégicos utilitários; em algumas situações, há modelos morais, cognitivos,
255Rodrigo Santiago
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 2, 2018, p. 223-258
identidades e protocolos prévios que são utilizados. Logo, os congressistas
demonstram o position taking, isto é, o comportamento mais ideológico, na medida
em que indicam seu posicionamento perante temas específicos. Nesse ponto, as
discordâncias giram em torno de ideias, e não de uma proposta, matéria ou chefe
do Executivo (vide o Gráfico 12, por exemplo).
Por fim, os interesses federativos também podem modificar as crenças prévias
dos legisladores, bem como deixar a relação governo x oposição e a ideologia
em segundo plano (Gráficos 15 e 16). Assim, a hipótese de que essas variáveis
ajudam a explicar o trâmite dos atos internacionais se comprova. É claro que cada
caso é singular e, logo, o peso de cada um dos elementos irá variar — por isso,
o pesquisador precisa estar atento as especificidades de cada tema abordado no
parlamento.
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