257Diego Rafael Canabarro; Alexandre Arns Gonzales
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2018, p. 248-273
que vai desaguar, mais recentemente, nas disputas entre corporações e Estados,
sobre nomes domínios como.amazon,.guangzhou,.shenzen,.indians, entre outros
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Assim, “as três grandes áreas de tecnologia”, referidas por Magaziner (2015)
– genoma humano, energia renovável e Internet –, sinalizam, em certa medida, os
novos campos mercantilizados pela reorganização do sistema-mundo capitalista.
O momento, cabe sinalar, já é de ruptura com o “keynesianismo militar global do
governo norte-americano” (ARRIGHI, 2009, p. 316) que estruturou o modelo de
desenvolvimento do século XX pela produção e consumo em massa e consolidação
de um neoliberalismo orientado pelas finanças.
A reorientação do capital às “três grandes áreas de tecnologia” nada mais
é do que a busca do capital, mais uma vez na sua história, pela manutenção da
sua “liberdade de escolha” (ARRIGHI, 2009, p. 5) para acumulação. A história do
capitalismo, para Braudel (1983, p. 433), mostra que a característica essencial do
capitalismo é a “flexibilidade ilimitada, sua capacidade de mudança e adaptação”
9
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Em outras palavras, com a redução da expectativa do capital com sua própria
liberdade de escolhas de acumulação no modelo de produção e consumo de
massas do século XX, o capital buscou a expansão financeira até a oportunização
de investimento em outro modelo de desenvolvimento que, a princípio, tem na
Internet sua base material de organização.
Por isso, a orientação liberalizante das políticas de Ronald Reagan e Bill
Clinton, bem documentada por Strange (1997), para Arrighi (2009, p. 309), não
parece ser uma “tendência ‘revolucionária’” do capital, mas, sim, a continuidade
da tendência de longa duração que tem, dentre suas implicações, a “formação de
blocos cada vez mais poderosos de organizações governamentais e empresariais
como principais agentes da acumulação de capital em escala mundial”.
Foi justamente o que ocorreu em 1998, quando atribuiu-se a uma organização
privada sem fins lucrativos – ICANN – o papel outrora relegado à comunidade
de pesquisadores envolvida com a Internet.
Essa organização privada, sediada sob as leis do estado da Califórnia,
orientada ao mercado, sem a preponderância de atores governamentais vis-à-vis
8 A disputa sobre esses nomes domínios, no âmbito dos trabalhos da ICANN, inicia em 2013, quando o Comitê
Consultivo Governamental (GAC, em inglês) da ICANN recomenda à direção da organização a negação dos
registros dos referidos nomes, solicitados pela Amazon Inc.; Guangzhou YU Wei Information Technology Co.
Ver decisão em (ICANN, 2013a). O caso do.amazon assumiu notoriedade nos foros da ICANN pela extensão da
resolução da disputa entre a corporação, amparada por congressistas estadunidenses, contra os interesses
do governo brasileiro, ver em ICANN (2014a), e peruano, ver em ICANN (2014b).
9 Texto original: “its unlimited flexibility, its capacity for change and adaptation”.