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Leonardo César Souza Ramos; Ana Elisa Saggioro Garcia; Diego Pautasso; Fernanda Cristina Ribeiro Rodrigues
Adensamento institucional e outreach:
um breve balanço do BRICS
Institutional consolidation and outreach:
a brief review of BRICS
DOI: 10.21530/ci.v13n3.2018.727
Leonardo César Souza Ramos
1
Ana Elisa Saggioro Garcia
2
Diego Pautasso
3
Fernanda Cristina Ribeiro Rodrigues
4
Resumo
O artigo apresenta uma discussão sobre os processos de institucionalização e expansão do
BRICS ao longo de suas nove cúpulas, destacando duas áreas temáticas: (i) economia política
internacional – particularmente desenvolvimento internacional; e (ii) segurança internacional.
A hipótese é a de que o BRICS vem passando por um processo de adensamento institucional,
cuja maior expressão foi a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e do Arranjo
Contingente de Reservas (ACR). Nesse processo, embora os temas de segurança internacional
1 Doutor em Relações Internacionais. Professor do Departamento de Relações Internacionais – PUC Minas. Lidera,
junto com o professor Javier Vadell, o Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM). É membro das
seguintes associações: Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), International Gramsci Society
(IGS e IGS Brasil) e Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares (AKET). É coordenador da área temática
de Economia Política Internacional – ABRI (2015-2016; 2017-2018).
2 Doutora em Relações Internacionais. Professora Relações Internacionais – UFRRJ. Professora do Departamento
de História e Relações Internacionais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Coordenadora do
Laboratório Interdisciplinar de Estudos de Relações Internacionais (LIERI/UFRRJ). Pesquisadora colaboradora do
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS). Foi pesquisadora visitante na York University, Canadá.
Tem experiência na área de Economia Política Internacional.
3 Mestre e doutor em Ciência Política também pela UFRGS. Atualmente é professor de Geografia do Colégio Militar
de Porto Alegre. É colaborador da Especialização em Estratégia e Relações Internacionais Contemporâneas, bem
como membro do NERINT e do CEBRAFRICA na UFRGS. Atua nas áreas de pesquisa de Relações Internacionais
e Geografia Política, sobretudo em temas como BRICS, China e relações Sul-Sul.
4 Mestranda em Relações Internacionais pela PUC-MG. Pós-Graduada em Gestão de Negócios pela Fundação
Dom Cabral. Professora do Departamento de Administração e Comércio Exterior no Centro Universitário UNA.
É membra da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) e do Grupo de Pesquisa sobre Potências
Médias (GPPM).
Artigo submetido em 06/11/2017 e aprovado em 03/04/2018.
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Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS
ganhem importância crescente, isso se deve às transformações na geopolítica do capitalismo
contemporâneo. Além disso, há também um concomitante processo de outreach do BRICS.
Nesse contexto, distintos padrões de adensamento institucional do arranjo podem ser notados.
Concluiu-se que tanto o destaque das questões de segurança internacional quanto o processo
de outreach com relação a outros países sofre uma influência direta do país que hospeda
a cúpula. Ainda assim, o adensamento institucional ocorre em larga medida nas questões
associadas à economia política internacional e, em particular, à questão do desenvolvimento
internacional – uma espécie de “caminho de menor resistência” – embora não se deva perder
de vista os avanços ocorridos nas últimas cúpulas nas questões de segurança internacional.
Palavras-chave: BRICS; segurança internacional; Novo Banco de Desenvolvimento; Sociedade
Civil; Outreach
Abstract
The article aims at present a discussion about the processes of institutionalization and
expansion of the BRICS through its eight summits. It will be emphasised two issue
areas: (i) international political economy – particularly international development – and
(ii) international security. The hypothesis is that the BRICS forum has passed through an
institutional thickening process – see the New Development Bank and the Contingent Reserve
Agreement. In such process, despite the increasing relevance of the international security
issues, this occurs because of the geopolitical transformation on the contemporary capitalism.
Besides that, there is also a BRICS outreach process. In such context, there are different
patterns of institutional thickening directly related to the role of BRICS at the world order.
We conclude that the emphasis on the international security issues and the outreach to other
states is directly influenced by the host countries, generating a pat dependence to the BRICS
and impacting the institutional thickening. Even so, through BRICS history its institutional
thickening occurs mainly on IPE issues, particularly on international development – a kind
of “path of least relevance”.
Keywords: BRICS; International Security; New Bank of Development; Civil Society; Outreach
Introdução
Há mais de 10 anos, em 23 de setembro de 2006, os chanceleres de Brasil,
Rússia, Índia e China se reuniram à margem da 61ª Assembleia Geral das Nações
Unidas, naquele que pode ser considerado o pontapé inicial que levaria à criação
do BRICS. O grupo, que surge a partir de um acrônimo originário do mercado
financeiro, assumiu características e relevância que sobrepujaram tal origem.
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Leonardo César Souza Ramos; Ana Elisa Saggioro Garcia; Diego Pautasso; Fernanda Cristina Ribeiro Rodrigues
Na verdade, uma análise mais apropriada do BRICS passa, necessariamente, por
um entendimento desse arranjo a partir de uma abordagem que vá além do prisma
da ideia de “mercados emergentes” apenas. É preciso levar em consideração os
processos mais amplos de institucionalização e expansão do BRICS, vistos a partir
das relações do BRICS com os complexos fenômenos da ordem mundial, para que
se possa explorar criticamente os limites do potencial transformador-subversivo
do BRICS com relação à ordem mundial.
Nesse sentido, o presente artigo apresenta uma discussão sobre tais processos
ao longo de suas cúpulas, destacando duas áreas temáticas: (i) economia política
internacional – particularmente a esfera do desenvolvimento internacional; e
(i) segurança internacional. A hipótese assim é de que, em ambas áreas temáticas,
o BRICS vem passando, desde sua origem, por um processo de adensamento
institucional, cuja maior expressão foi a criação do Novo Banco de Desenvolvimento
(NDB) e do Arranjo Contingente de Reservas (ACR). Nesse processo, nota-se
que, embora os temas de segurança internacional ganhem importância crescente,
isso se deve em larga medida às transformações na geopolítica do capitalismo
contemporâneo. Além disso, nota-se também um concomitante processo de
outreach do BRICS, que por sua vez apresenta uma série de contradições entre os
atores envolvidos. Nesse contexto, distintos padrões de adensamento institucional
do arranjo podem ser notados, diretamente relacionados ao papel desempenhado
pelo BRICS na ordem mundial.
Em termos metodológicos, para a validação ou não da hipótese acima, será feito
um estudo de caso associado ao process tracing (BENNET, 2010; BEACH; PEDERSEN
2013). Ou seja, será feito um estudo do BRICS bem como de alguns dos múltiplos
mecanismos causais a ele associados a fim de, assim, melhor compreender o
delineamento do processo de constituição de tal arranjo, contribuindo, dessa forma,
para a produção de inferências causais acerca do caso em questão. Mecanismos
causais aqui são entendidos como algo constitutivo do nível ontológico das relações
sociais (BENNETT, 2013), o que nos afasta do positivismo e nos coloca próximos
a interpretações realistas científicas e realistas críticas acerca dos conceitos de
“mecanismo causal”, “causa”, “causalidade” e “causação”.
Os mecanismos causais multiníveis são fundamentais para que se possa
compreender os rumos do BRICS desde seus primórdios. Assim, são destacados
nesta pesquisa os seguintes mecanismos causais: (i) as relações regional/global
presentes na construção da agenda de inserção internacional dos países do BRICS;
(ii) as relações entre o BRICS e a ordem geoeconômica mundial; (iii) em menor
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Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS
escala, mas não menos importante, as relações entre BRICS e as forças sociais.
É a partir da identificação desses mecanismos causais – que muito além de serem
variáveis, são entidades ontologicamente constitutivas do processo de construção
do BRICS – que ganham significado inferencial (i) os processos de adensamento
institucional nas áreas de economia política internacional (desenvolvimento
internacional) e segurança internacional e seus respectivos mecanismos de path
dependence; e (ii) processos multinível de outreach.
Para tal empreitada, a ênfase será dada na análise qualitativa dos documentos
produzidos pelas cúpulas, o que será feito em estreita relação com a análise
da literatura existente sobre o tema, bem como com a análise da conjuntura
internacional no período em questão. Primeiro, será apresentado um histórico do
BRICS a partir de suas cúpulas. Em seguida, será discutido o processo de outreach
do BRICS. Desde a II Cúpula em Brasília, em 2010, há menção explícita ao processo
de outreach do BRICS, intimamente relacionado a uma expansão das áreas de
interesse do grupo. Não obstante, no presente artigo, a ideia de outreach focará
explicitamente em dois elementos: (i) o convite a outros Estados para participar
das cúpulas; (ii) o engajamento das forças sociais no processo, particularmente
expresso no fórum de empresários e nas reuniões dos movimentos de contestação
da sociedade civil. Em terceiro lugar, serão explorados os limites do processo de
ascensão do BRICS como potencial polo “contra-hegemônico”, para, por fim, serem
feitas algumas considerações finais e suas relações com a hipótese apresentada.
BRICS: De Ecaterimburgo a Xiamen
As crises econômicas que se acumulam desde meados dos anos de 1990
deixaram evidente que a gestão da ordem mundial não poderia continuar
desconhecendo os avanços dos países emergentes, que até então não participavam
do G8 (G7 + Rússia). Desse modo, no final dos anos de 1990, foi criado o G20
(que até 2008 não incluía uma reunião de chefes de Estado), após a crise asiática.
E, a partir do início dos anos 2000, Brasil, Índia, China e África do Sul, além do
México, passam gradualmente a serem convidados como observadores do G8
(a ideia de G8+5), sem contudo participar dos debates sobre os rumos da economia
mundial. Paralelamente, em 2003, é criado o fórum IBAS (Índia, Brasil e África do
Sul) e, em 2006, ocorre a primeira reunião dos ministros de relações exteriores de
Brasil, Rússia, Índia e China. Assim, a história do BRICS tem sido marcada por
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um aprofundamento do grau de institucionalização do arranjo, desde a I Cúpula
do BRIC, em junho de 2009, em Ecaterimburgo, Rússia.
A I Cúpula foi marcada pelos resultados da cúpula do G20, refletindo o
comprometimento do grupo com as decisões acordadas, bem como apontando
para o que seria a cooperação do grupo na cúpula seguinte do G20. Além disso,
o BRIC também enfatizou a importância da reforma das instituições financeiras
internacionais (IFI), a fim de aumentar a participação das potências médias
emergentes na ordem internacional (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES,
2009). A II Cúpula do BRIC ocorreu em Brasília, em 2010, e lidou com uma série
de temas – apesar do destaque para as questões concernentes à governança
global e ao comércio e às finanças internacionais. Tal cúpula se destaca pelo
apoio à reforma da ONU, pela ênfase na importância da estabilidade do sistema
monetário internacional e pela defesa de uma solução para o problema da crise
de legitimidade das organizações internacionais (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES, 2010). Em 2011, em Sanya, ocorreu a III Cúpula do BRICS. Dois
pontos de destaque dessa cúpula foram (i) a inclusão da África do Sul no BRICS
e o fato de que, naquele momento, (ii) todos os países partícipes do BRICS
também se encontravam no Conselho de Segurança da ONU, o que fez com que
a cúpula desse grande destaque para as questões de segurança, como a Primavera
Árabe. Nesse ponto, cumpre destacar que, pela primeira vez, houve referência
explícita na declaração final à reforma da ONU (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES, 2011, “para”8). Além disso, foi reafirmada a importância do G20
na arquitetura financeira internacional e a necessidade de se concluir a Rodada
Doha (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2011). A IV cúpula do BRICS,
em Nova Deli, 2012, apresentou um novo fato: pela primeira vez, foi discutida
a possibilidade de se criar, a partir do BRICS, um novo banco multilateral de
desenvolvimento, o que culminou no compromisso de examinar a viabilidade de
tal banco. Além disso, a declaração final reiterou a importância da cooperação
internacional, embora tenha destacado a necessidade da reforma das IFI, para que
a importância sistêmica dos países do BRICS fosse reconhecida institucionalmente
(MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2012).
A V cúpula do BRICS ocorreu em 2013, em Durban, e fechou o primeiro ciclo
das cúpulas, além de ser um marco na busca sul-africana por uma maior projeção
internacional (ANDREASSON, 2011). Essa cúpula deu destaque às relações dos
BRICS com países africanos e, assim como nas cúpulas anteriores, foi reafirmado
o comprometimento com o multilateralismo e a busca por uma governança global
10
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Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS
mais democrática. Nesse caso, foi destacada a reforma das IFI, em especial do
sistema de cotas do FMI, conforme acordado em 2010 (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES, 2013, “para”13). Também foi destacado o comprometimento
do BRICS com a conclusão da Rodada Doha, o apoio para que Brasil, Índia e
África do Sul tivessem um papel mais proeminente na ONU e, por fim, o BRICS
manifestou seu apoio para que o diretor geral da OMC representasse os países em
desenvolvimento. Tal questão é relevante, já que o brasileiro Roberto Azevêdo foi
eleito para o cargo em questão.
Foi também criado um fundo de reserva de US$100 bilhões, o que “ajudaria
os países do BRICS a evitar pressões de liquidez de curto prazo” (MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2013, “para”10), dando continuidade aos acordos
assinados em 2012 entre os bancos de desenvolvimento dos países do BRICS
(MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2012). Por fim, foi anunciada a
criação de um banco de desenvolvimento do BRICS, que deveria buscar
recursos para projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável
nos BRICS e em outras economias emergentes e países em desenvolvimento,
para complementar os esforços já existentes de instituições financeiras
multilaterais e regionais para o crescimento global e o desenvolvimento
(BRICS 2013, “para”9)
— dando sequência, assim, à discussão de Nova Deli.
A VI cúpula do BRICS, em Fortaleza, 2014, deu início ao segundo ciclo das
cúpulas. Em um dos momentos mais relevantes na história do BRICS e de seu
processo de adensamento institucional, foi assinado o “Acordo constitutivo do Novo
Banco de Desenvolvimento (NDB), com o propósito de mobilizar recursos para
projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos BRICS e em outras
economias emergentes e em desenvolvimento” (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES 2014a, “para”11). O banco teria um capital inicial autorizado de
US$100 bilhões – com um capital inicial subscrito de US$50 bilhões. Além disso,
também foi estabelecido o Arranjo Contingente de Reservas do BRICS (ACR) –
US$100 bilhões – e assinado o Memorando de Entendimento para Cooperação
Técnica entre Agências de Crédito e Garantias às Exportações dos BRICS. O primeiro
“terá efeito positivo em termos de precaução, ajudará países a contrapor-se a
pressões por liquidez de curto prazo” e o segundo “aperfeiçoará o ambiente de
apoio para o aumento das oportunidades comerciais” entre os países do BRICS
(MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2014a, “para”13 e “para”14).
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A VII Cúpula dos BRICS, que ocorreu em Ufá, 2015, foi acompanhada por
grandes expectativas. O aprofundamento da cooperação econômica foi discutido
no marco da “Estratégia para uma Parceria Econômica do BRICS”, que embora
tenha destacado a importância da cooperação em diversas áreas, não avançou
objetivamente (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2015, “para”17). Com
relação à cooperação comercial, financeira e de investimentos intra BRICS, nota-se
um avanço a partir do aprofundamento do diálogo entre as “Agências de Crédito
às Exportações dos BRICS”, do papel do “Mecanismo de Cooperação Interbancária
do BRICS”, da implementação do “Marco do BRICS de Cooperação em Comércio e
Investimentos” e da importância de um estudo acerca da viabilidade do “uso mais
amplo de moedas nacionais no comércio mútuo” (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES, 2015, “para”13, “para”14, “para”23 e “para”24).
Contudo, ficou claro que a prioridade da cúpula seria o NDB e o ACR. Nesse
sentido, foram discutidos os detalhes sobre a entrada em vigor desses novos
arranjos institucionais. Ora, isso tem relação direta com a situação de crescimento
econômico negativo de Brasil e Rússia naquele momento: para o Brasil, o NDB
deveria favorecer investimentos nas áreas de energia e infraestrutura; já a Rússia
via no NDB a grande oportunidade de atrair o capital chinês. Além disso, foi
apresentada na cúpula a proposta de cooperação entre o NDB e o recém-criado
Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII)
5
– o que seria importante
no financiamento dos projetos de infraestrutura vinculados à Nova Rota da Seda
(MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2015, “para”15; DANÍLOVA, 2015).
Assim, apesar do BAII ter, em alguma medida, eclipsado a importância do NDB, isto
pode significar, nos médio e longo prazos, menor concorrência e, consequentemente,
maior disponibilidade de recursos do NDB para Brasil e África do Sul.
Já era esperado que em Ufá fosse seguida uma tendência das cúpulas anteriores
de direcionamento da agenda por parte do país anfitrião. Nesse caso, era esperada
uma aproximação entre BRICS, Organização para Cooperação de Xangai (OCX) e
União Econômica Eurasiática (UEE), o que contribuiu tanto para as discussões na
área econômica quanto na área da segurança internacional. Assim, se destacam
nas discussões sobre segurança: (i) a menção explícita à importância do respeito
à soberania e não intervenção em vários casos (especialmente Afeganistão,
Iraque e Síria); (ii) a existência de um espaço significativo para as questões de
5 O BAII foi criado no mesmo ano que o NDB. Entretanto, ele é composto por 57 membros fundadores (alguns
deles aliados históricos dos EUA, como Inglaterra, Alemanha e França) e tem clara dominação da China, que
detém o poder de veto, a presidência do banco e a localização de sua sede, em Pequim.
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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 5-26
Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS
segurança e um aumento exponencial de referências explícitas aos problemas
de segurança no continente africano – o que reflete a preocupação dos países
do BRICS com a estabilidade da região (RAMOS et al., 2012). A despeito das
críticas ao ordenamento vigente e à ação das potências tradicionais, a estratégia
de não confrontação permanece, e os arranjos multilaterais existentes tiveram
sua importância reafirmada (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2015,
“para”11, “para”18, “para”19, “para”26 e “para”66).
A Declaração Final de Goa (2016) reiterou que a paz sustentável requer a
construção de uma “ordem internacional multipolar equitativa e democrática”
com um papel central da ONU. Mas, ao mesmo tempo que destaca o papel da
ONU, o documento reivindica a reforma do Conselho de Segurança, de modo a
torná-lo mais representativo e eficiente (BRICS, 2016, “para”6-8) – tema este que
continua a ter força por pressão da Índia e África do Sul, apesar do esforço menos
significativo do atual governo brasileiro.
Outros pontos importantes foram o apoio à recente decisão do grupo de
trabalho do Comitê para a Utilização Pacífica do Espaço Exterior (COPUOS) da ONU
sobre a intenção de criar um plano-quadro de longo prazo de sustentabilidade no
espaço até 2018 (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2016, “para”55-56)
e o apoio à iniciativa russa para elaboração de uma convenção internacional de
proibição do terrorismo químico e biológico, a partir da cooperação em nível
bilateral e internacional (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2016,
“para”58). Fica claro, nesse caso, os interesses da diplomacia russa com relação
ao combate ao separatismo checheno e a grupos extremistas internacionais, como
aqueles que lutam na Síria contra o governo de Assad.
A Síria, aliás, também recebeu destaque no documento final. A Rússia, como
principal membro do BRICS envolvido no assunto, fez constar no documento a
posição que sua diplomacia vem defendendo: a construção da paz através de
um diálogo nacional inclusivo e um processo político liderado pelo governo sírio
e baseado no Comunicado de Genebra de 30 de Junho de 2012, nos termos da
resolução 2254 e 2268 do Conselho de Segurança da ONU, bem como no combate
aos grupos terroristas como ISIS e Jabhat al-Nusra (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES, 2016, “para”14; PAUTASSO; ADAM; LIMA, 2015). Dois outros temas
de segurança foram destacados. Primeiro, o conflito palestino-israelense; segundo,
o apoio ao governo afegão para construir a reconciliação nacional (MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2016, “para”15-16).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 3, 2018, p. 5-26
13
Leonardo César Souza Ramos; Ana Elisa Saggioro Garcia; Diego Pautasso; Fernanda Cristina Ribeiro Rodrigues
Com relação ao processo de institucionalização do BRICS, destacam-se a
assinatura do Memorando de Entendimento para o Estabelecimento de uma
Plataforma de Pesquisa Agrícola do BRICS (BRICS, 2016, “para”86); a primeira
reunião do grupo de trabalho do BRICS sobre contraterrorismo, em 14/09/2016
(MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2016, “para”60); os avanços
operacionais do NDB; o início das negociações sobre a proposta de criação de uma
agência de risco (rating) do BRICS (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES,
2016, “para”44); a criação de uma plataforma de discussão conjunta entre as
Agências de Crédito às Exportações dos BRICS para cooperação comercial entre os
países do BRICS (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2016, “para”13); e o
estabelecimento de um Comitê de Cooperação Alfandegária do BRICS, no marco da
Estratégia para uma Parceria Econômica do BRICS, estabelecida na VII Cúpula, em
Ufá (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2015, “para”17; 2016, “para”48).
A IX Cúpula ocorreu em Xiamen (2017), com destaque para 3 documentos
assinados: (i) Plano de Ação do BRICS para a Cooperação para a Inovação
(2017-2020); (ii) Estrutura Estratégica da Cooperação Aduaneira do BRICS;
(iii) Memorando de Entendimento entre o Conselho Empresarial do BRICS e o
Novo Banco de Desenvolvimento sobre Cooperação Estratégica. Foram adotadas
iniciativas para a promoção futura do desenvolvimento dos Mercados de Títulos em
Moeda Local dos países do BRICS, bem como para o estabelecimento de um Fundo
de Títulos em Moeda Local do BRICS (BRICS, 2017, “para”10), além do “progresso
na conclusão dos Memorandos de Entendimento entre os bancos nacionais de
desenvolvimento dos países do BRICS sobre linha de crédito em moeda local
interbancária e sobre cooperação interbancária na área de classificação de crédito”
(BRICS, 2017, “para”11). Menção foi feita aos avanços do NDB, particularmente
com relação à criação do Centro Regional do NDB na África do Sul – no caso, o
primeiro escritório regional do Banco (BRICS, 2017, “para”31). Com relação ao
ACR, foi acordado o Sistema de Intercâmbio de Informações Macroeconômicas
(SEMI) do ACR (BRICS, 2017, “para”30).
Na área da segurança internacional, foram condenadas as “intervenções
militares unilaterais”, em referência a certas declarações do presidente estadunidense
Donald Trump. Tópicos como terrorismo, Síria e outros conflitos internacionais
também foram mencionados, bem como certas discussões sobre a implantação dos
Padrões Internacionais de Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento
do Terrorismo e Proliferação no FATF (BRICS, 2017, “para”38, “para”11). Pela
primeira vez, a China reconheceu como terroristas grupos baseados no Paquistão
14
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Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS
– Lashkar-e-Taiba, Jaish-e-Mohammad e a rede Haqqani –, o que foi visto como
uma vitória por parte da diplomacia indiana. Além disso, destacam-se a 7ª Reunião
de Assessores de Segurança Nacional do BRICS, realizada em 27 e 28 de julho
de 2017, em Pequim; a segunda reunião do Grupo de Trabalho sobre Terrorismo
do BRICS, realizada em Pequim, em 18 de maio de 2017; bem como a extensa
presença das questões de segurança na declaração final.
A expansão do BRICS: O processo de outreach
Além dos avanços institucionais, destaca-se também o processo de outreach do
BRICS, que desde a II Cúpula em Brasília, em 2010, é mencionado explicitamente
nos documentos finais. No que concerne à expansão das relações do BRICS com
outros Estados, nota-se uma importância significativa do país anfitrião, que
não apenas direciona a agenda das cúpulas, mas também faz os convites para
os países não membros. Nesse sentido, um ponto de inflexão é a V Cúpula, em
Durban: a partir dela, em quase todas as cúpulas houve um engajamento mais
robusto do BRICS com outros países: em Durban (2013), houve uma reunião
com líderes africanos – em clara consonância com os interesses sul-africanos
na região; em Fortaleza (2014), houve uma sessão conjunta com os líderes dos
países sul-americanos, expressão dos interesses brasileiros com relação à região e,
particularmente, com relação à UNASUL; em Ufá (2015), houve uma reunião com
os chefes de Estado e de governo dos países da UEE e da OCX, bem como com
os chefes de Estados observadores da OCX – algo claramente convergente com
os objetivos de inserção internacional da Rússia em um contexto de conflito na
Ucrânia, com amplas repercussões internacionais; em Goa (2016), foi organizada
a cúpula BRICS-BIMSTEC – Iniciativa da Baía de Bengala para a Cooperação
Econômica e Técnica Multissetorial –, da qual participam Bangladesh, Butão,
Índia, Myanmar, Nepal, Sri Lanka e Tailândia. Nesse encontro, foram tratadas
questões sobre cooperação nas áreas de comércio e investimentos (MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2016, “para”5) e, além disso, houve a inclusão do
tema do combate ao terrorismo, o que pode ser interpretado como um ganho da
diplomacia indiana em sua busca por isolar o Paquistão (SAJJANHAR, 2016); e
em Xiamen (2017), a China deu início ao que chamou de cooperação BRICS Plus,
da qual participaram Cazaquistão, Egito, Quênia, Indonésia, México, Tadjiquistão
e Tailândia (BRICS, 2017, “para”6).
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Aqui cabe uma consideração: os países membros do BRICS têm interesse
fundamental em garantir sua liderança em âmbito regional. Seu protagonismo na
arena global depende, em grande medida, da capacidade de liderar respectivos
processos regionais de integração
6
. Nota-se que suas regiões e os correspondentes
blocos econômicos são historicamente uma prioridade na agenda de todos os
cinco integrantes.
Objetivamente, a China confere grande relevância à OCX, à Associação das
Nações do Sudeste Asiático + China (ASEAN+1) e demais agendas regionais,
incluindo a delicada questão securitária referente às disputas territoriais no mar
do Sul da China. A Rússia busca relançar um bloco, a UEE, em parte devido
à inoperância da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), lançada logo
após o colapso da URSS. A África do Sul dá forte ênfase à Nova Parceria para o
Desenvolvimento da África (NEPAD) e à Comunidade para o Desenvolvimento
da África Austral (SADAC). E, por fim, o Brasil tem historicamente um papel
de liderança na América do Sul, dando prioridade ao MERCOSUL, combinado
com a criação da UNASUL na última década (situação essa que muda, no caso,
a partir do governo Temer). Em suma, isso explica o interesse em envolver os
demais vizinhos nas cúpulas do BRICS, ao mesmo tempo que confere escopo
de influência cada vez mais global ao agrupamento – além de, indiretamente,
fortalecer as organizações regionais em questão. Nesse caso, seguramente tensões
podem aparecer: particularmente, as negociações em torno do “BRICS Plus” têm
despertado certo incômodo e desconfiança em certos setores indianos, que veem
tais declarações como uma tentativa chinesa de tornar o BRICS uma organização
cada vez mais alinhada com os interesses chineses de inserção internacional
(Neelakantan, 2016).
Outra forma de outreach diz respeito ao envolvimento de outros atores para
além dos Estados do BRICS. Nesse caso, destacam-se aqui os atores empresariais,
articulados no Conselho Empresarial dos BRICS, e os movimentos sociais, que têm
desempenhado esforços de articulação e encontros fora das cúpulas oficiais. Garcia
e Bond (2015) apresentam uma pertinente classificação dos posicionamentos dos
atores da sociedade civil com relação ao BRICS. O BRICS from above é a posição
expressada por chefes de Estado e seus aliados das elites corporativas. Esses
utilizam por vezes uma retórica nacionalista e de enfrentamento às potências
6 O que não significa, necessariamente, um engajamento ativo em favor do aprofundamento desses processos de
integração regional. Para uma análise recente sobre a política externa brasileira para a UNASUL, que problematiza
tais questões.
16
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Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS
ocidentais para legitimar o avanço sobre países vizinhos para exploração de recursos
naturais e força de trabalho; o BRICS from the middle é uma posição comumente
vista em instâncias como o Fórum Acadêmico dos BRICS, e alguns think tanks
e ONGs. Esses são esperançosos de que o BRICS possa efetivamente desafiar
as injustiças globais, mas aguardam seus avanços, traçando algumas análises
críticas; por fim, o BRICS from below reflete a posição de movimentos sociais de
base em luta nos países, que podem criar laços comuns de luta e solidariedade
transnacionais. Assim, os autores ressaltam a importância de compreender os
países do BRICS para além do seu sentido estreito (como instituições de autoridade
política), expresso nas cúpulas de chefes de Estado. É necessário enxergá-los em
seu sentido ampliado, examinando as forças na sociedade civil que se articulam
com os Estados e se institucionalizam para impulsionar e sustentar projetos
(contra)hegemônicos (GRAMSCI, 1971).
Nesse sentido, podemos analisar o Conselho Empresarial do BRICS e o Foro
Empresarial do BRICS como instituições do BRICS from above, que envolvem as
grandes corporações multinacionais dos países do BRICS e seus principais setores
econômicos. O Fórum Empresarial do BRICS ocorre desde a segunda cúpula de
chefes de Estado em Brasília, em 2010, e tem lugar paralelamente a todas as cúpulas
desde então. Porém, foi na cúpula de Durban, em 2013, que o fórum deu origem
a um órgão mais permanente: o Conselho Empresarial do BRICS. O conselho se
autodefine como uma “plataforma”, que tem por objetivo “promover e fortalecer
negócios, comércio e investimento” entre os cinco países, assegurar o diálogo
permanente entre a comunidade empresarial e os governos e identificar problemas
e gargalos a serem solucionados. Desde 2013, o conselho se organiza em grupos
de trabalho por setor/indústria, sendo eles: infraestrutura (transporte, estradas,
ferrovias, portos e aeroportos), manufatura (que inclui farmacêuticas, TI, entre
outros), agronegócio, serviços financeiros (como bancos e seguros), energia e
economia verde, e capacitação. Nesse sentido, o conselho tem encontros regulares
e funciona com um papel consultivo junto aos chefes de Estado.
O primeiro relatório anual 2013-2014 do conselho, lançado em Fortaleza em
2014, estabeleceu os grupos de trabalho e as primeiras iniciativas e demandas
aos governos dos países do BRICS. Segundo os empresários, os governos devem
facilitar vistos, harmonizar padrões técnicos, facilitar e apoiar associações
industriais, facilitar o estabelecimento de instituições financeiras e filiais nos países
BRICS, e acelerar o estabelecimento do NDB para promover laços comerciais e de
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17
Leonardo César Souza Ramos; Ana Elisa Saggioro Garcia; Diego Pautasso; Fernanda Cristina Ribeiro Rodrigues
investimento. Também reforçam a necessidade de melhorar a conectividade e a
logística, promover a infraestrutura e as parcerias público-privadas. Esse relatório
deu especial ênfase às relações do BRICS com terceiros países, especialmente
os africanos. Assim, o conselho sugeriu que os países do BRICS fortaleçam
suas relações com a África do Sul e com alguns governos africanos para manter
um ambiente de negócios favorável, aumentar a cooperação de agências de
financiamento entre o BRICS e a África, investir nos corredores logísticos
Norte-Sul na África, apoiando, nesse sentido, projetos das corporações dos
países do BRICS no continente. O setor de exportação mineral é especificamente
citado. O conselho espera que os países do BRICS apoiem os empresários desse
setor na África, assinando contratos de longo prazo com exportadores africanos
e investindo em logística. Por fim, um conselho para promover o investimento
e comércio BRICS-África foi planejado (BRICS BUSINESS COUNCIL 2013/2014).
Em seu segundo relatório anual (2015-2016), lançado em Ufá, na Rússia,
em 2015, o conselho estabeleceu as prioridades do setor privado para os países
do BRICS. Nele são enfatizados o papel do financiamento público para bens
e serviços e a importância da estabilidade macroeconômica. Nesse sentido, o
NDB é elogiado e colocado como prioridade. Outras prioridades estabelecidas
no documento empresarial são: o estabelecimento de um acordo de facilitação
do comércio, o apoio ao comércio em moedas locais dos BRICS, a facilitação de
viagens empresariais, um ambiente favorável para negócios, a cooperação entre
agências regulatórias, o investimento em infraestrutura e a cooperação para
projetos de infraestrutura física regional, além do reconhecimento do próprio
conselho como plataforma consultiva com comunicação direta com as cúpulas
presidenciais (BRICS BUSINESS COUNCIL, 2015/2016). Essa última prioridade já
foi atingida. Os empresários têm efetivamente um canal direto de diálogo junto
à cúpula presidencial, ao passo que representantes governamentais transitam e
têm espaço privilegiado de fala na programação do Foro Empresarial, tendo sido
assinado um Memorando de Entendimento entre o Conselho e o NDB em Xiamen
(BRICS, 2017, “para”31).
Do “outro lado” da sociedade civil estão os encontros de movimentos sociais
e ONGs, que compõem as “cúpulas dos povos” do BRICS, no sentido do BRICS
from below. Segundo Waisbich (2016), apesar de frequentes obstáculos, houve
um aumento significativo do envolvimento das sociedades civis do BRICS desde
a entrada da África do Sul no bloco, em 2011. Esse envolvimento parte tanto de
discussões no âmbito nacional, quanto de encontros internacionais. O primeiro
18
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Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS
desses encontros ocorreu no contexto da Cúpula de Durban, em 2013, e levou o
nome de Brics from below (JANS, 2013). No ano seguinte, 2014, houve o encontro
em Fortaleza (SEVERO, 2014). Já na cúpula de Ufá, houve uma inflexão: o governo
russo convocou um “encontro oficial” da sociedade civil, o Civil BRICS (CIVIL
BRICS, 2015), que apareceu pela primeira vez como um espaço reconhecido pela
cúpula de chefes de Estado. Contudo, o espaço controlado pelo governo russo
fez com que muitas ONGs não fossem convidadas, enquanto outras declinaram
o convite. Em Goa, em 2016, ocorreram os dois encontros, tanto o Civil BRICS,
organizado pelos governos, como o People’s Forum on BRICS, organizado por
movimentos sociais e ONGs indianas e internacionais (WAISBICH, 2016; PEOPLE’S
FORUM ON BRICS, 2016). Já em 2017, ocorreu apenas o 3º encontro do Civil BRICS
em Fuzhou, em junho. Nesse caso, destaca-se o fato de que, pela primeira vez,
os partidos políticos dos países do BRICS participaram do fórum. Não obstante,
a ausência de diálogos anteriores entre as organizações levou a uma falta de
influência dessas organizações na cúpula de Xiamen (BANDYOPADHYAY, 2017).
De modo geral, os encontros envolvem movimentos sociais, camponeses,
sindicatos de base, organizações ambientalistas e feministas, especialmente
do país sede da cúpula, mas também dos demais países do BRICS. Há trocas e
análises sobre temas específicos locais, nacionais e globais e referentes ao BRICS
e suas instituições. O tom é geralmente dado pela conjuntura dos grupos locais
que auspiciam os encontros: em Durban, os grupos afetados pelo projeto de
porto em South Durban; em Fortaleza, o comitê popular da Copa; em Goa, os
grupos contra o turismo predatório e sexual (WAISBICH, 2016). Por outro lado,
as cúpulas dos povos reúnem discussões comuns às sociedades civis do BRICS,
como posicionamentos críticos quanto às consequências ambientais, sociais e
econômicas de grandes projetos de infraestrutura, bem como reproduz críticas
tradicionais dos movimentos antiglobalização.
Expansão, adensamento e os limites da emergência
A partir dos processos causais anteriormente identificados, nota-se alguns
caminhos percorridos pelo BRICS. Primeiro, questões de segurança internacional
vêm ocupando, cada vez mais, um lugar de destaque nas cúpulas. Nesse caso, a
capacidade de unidade do BRICS tem sido colocada à prova, tendo em vista as
transformações geopolíticas associadas às relações entre EUA e Rússia e, em menor
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Leonardo César Souza Ramos; Ana Elisa Saggioro Garcia; Diego Pautasso; Fernanda Cristina Ribeiro Rodrigues
grau, entre EUA e China. Particularmente, é interessante notar como a crise da
Ucrânia e seus desdobramentos – por exemplo, no âmbito do G7/8 – impactaram
conjunturalmente o BRICS: se, para alguns analistas, a Rússia nem mesmo deveria
ser parte do BRICS, em função de uma suposta ausência de interesses e objetivos
comuns (MACFARLANE, 2006; COOPER, 2006; KHALID, 2014), a partir de 2014,
o que se percebe é um intenso engajamento russo que, em sua busca por manter
sua esfera de influência regional, acaba influenciando significativamente a
agenda do grupo (FORTESCUE, 2014). Somado a isso, nota-se uma convergência
de interesses entre Índia, Rússia e China com relação ao combate ao terrorismo
(NEELAKANTAN, 2016).
Olhando para essa questão dos respectivos engajamentos de cada um dos
países partícipes do BRICS, Brasil e África do Sul parecem caminhar mais a reboque
do grupo: a despeito de um papel mais proativo em determinados momentos da
história do bloco, ambos países aparentam mais um comportamento norm-taker do
que norm-maker – embora deva ser destacado que a África do Sul, em consonância
com certos interesses chineses, logrou êxito significativo em colocar a África como
ponto de preocupação e destaque nas declarações do grupo, mantendo assim seu
objetivo de se apresentar como representante e porta-voz da África nos fóruns
internacionais
7
.
Nesse processo, nota-se que tanto o destaque das questões de segurança
internacional quanto o processo de outreach com relação a outros países sofre
uma influência direta do país que hospeda a cúpula, gerando certa dependência de
trajetória para o arranjo, bem como colocando condições de possibilidade para os
países anfitriões – tendo consequências para o adensamento institucional, como
visto na seção anterior. Ainda assim, ao longo da história do BRICS, o adensamento
institucional ocorre em larga medida nas questões associadas à economia política
internacional e, em particular, à questão do desenvolvimento internacional – uma
espécie de “caminho de menor resistência” (ABDENUR; FOLLY, 2015, p. 106) –
embora não se deva perder de vista os avanços ocorridos nas últimas cúpulas nas
questões de segurança internacional. Ou seja, olhar para os avanços do arranjo
em tais áreas é uma forma pertinente de identificar e relacionar os mecanismos
causais subjacentes aos processos constitutivos do BRICS, bem como serve de
7 Nesse caso, há um descompasso entre a posição brasileira e os rumos atuais do BRICS: se, por um lado, o tema
da reforma do Conselho de Segurança da ONU volta com força por pressão de Índia e África do Sul, por outro,
o Brasil ficará de fora do Conselho de Segurança pelo menos até 2033 – já que não apresentou candidatura nos
últimos anos para uma das vagas rotativas (MELLO, 2017).
20
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Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS
tipos de hoop tests que confirmam a relevância da hipótese apresentada acerca
dos rumos do adensamento institucional do BRICS.
Não obstante, é interessante perceber que, de Ecaterimburgo a Xiamen, o
avanço institucional ocorre em constante diálogo com as instituições internacionais
existentes. Isso fica evidente na constante demanda pela implementação da
reforma das IFI, com destaque para o FMI; a ênfase na inovação como fator chave
para crescimento de médio e longo prazos e de desenvolvimento sustentável –
reafirmando assim a agenda do G20, expressa em 2016, em Hangzhou, bem como
a importância do G20 como fórum para cooperação macroeconômica; a discussão
sobre energia renovável, segurança energética e mudança climática associada
aos Acordos de Paris sobre mudança climática (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES, 2016, “para”54, “para”70 e “para”92) – além das menções feitas
ao Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento
do Terrorismo (FATF/GAFI) e a OMC, por exemplo. Em termos políticos, a agenda
do BRICS não vem sendo de confrontação, mas sim a de reivindicar “um lugar à
mesa” junto às potências ocidentais, para obter mais voz e uma maior participação
dentro das instituições já existentes (GARCIA; BOND, 2015).
Essas questões nos remetem às relações entre BRICS e ordem mundial.
Se, por um lado, nota-se no BRICS uma agenda reformista, de crítica à ordem
mundial vigente e dos ajustes feitos a partir do fim da II Guerra Fria, por outro
lado, é fundamental perceber que esses países se encontram integrados à ordem
mundial, tendo seu processo de “emergência” intimamente conectado aos
processos de globalização neoliberal. Isso é importante, pois ajuda a entender de
maneira menos simplista certos rumos da conjuntura internacional, especialmente
(mas não somente) no que tange aos dois grandes exemplos de adensamento
institucional do BRICS, o NDB e o ACR. Embora sejam novos arranjos multilaterais
intimamente conectados a uma estratégia chinesa mais ampla de financiamento
de infraestrutura (RAMOS; VADELL, 2016), bem como a uma crítica corrente à
estrutura das instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), eles mesmos
não se apresentam abertamente como uma alternativa contra-hegemônica (BRICS,
2015, “para”66). O ACR é particularmente interessante: no artigo 5 do Tratado para
o Estabelecimento do Arranjo Contingente de Reservas dos BRICS, que trata do
acesso das partes aos recursos do ACR, é afirmado que o acesso a 70% do máximo
disponível para cada parte depende necessariamente “da existência de um acordo
em curso entre o FMI e a Parte Requerente que envolva o compromisso do FMI
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Leonardo César Souza Ramos; Ana Elisa Saggioro Garcia; Diego Pautasso; Fernanda Cristina Ribeiro Rodrigues
de prover financiamento à Parte Requerente com base em condicionalidades, e o
cumprimento pela Parte Requerente dos termos e condições do referido acordo”
(MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2014b, art. 5, d, ii, p.5). Ou seja, a
legitimidade do FMI – e em última instância, do Sistema de Bretton Woods – é
reafirmada desde a criação do ACR até a cúpula de Xiamen, quando se defendeu
a necessidade de “promover uma cooperação mais próxima entre o FMI e o ACR”
(BRICS, 2017, “para”30)
8
.
Dessa forma, faz cada vez mais sentido entender o BRICS não como um desafio
coletivo à ordem mundial, mas, sim, como um arranjo conservative globalizer
(KAHLER, 2013, 2016; GARCIA; BOND, 2015) que, nesse sentido, demanda, na
verdade, uma reforma da ordem mundial, seja no sistema ONU (Conselho de
Segurança, p. ex.), seja no Sistema de Bretton Woods. Isso ajuda a entender
também certos processos causais associados às críticas de certos movimentos da
sociedade civil ao BRICS, bem como a falta de diálogo explícito entre o arranjo e
esses movimentos – diferente do que ocorre com o Foro Empresarial do BRICS ou
o Conselho Empresarial do BRICS. Ou seja, em última instância, ajuda a entender
os limites do BRICS como um caso de emergência alternativa
9
.
Considerações finais
Os processos causais associados à emergência do BRICS apontam para
esse como um modelo com caráter diferenciado em um contexto neoliberal
(PIJL,2017), nitidamente: i) reafirmando o papel do Estado na alavancagem de
empresas multinacionais (estatais ou privadas) e na condução de grandes projetos
de infraestrutura e energia; ii) criando entraves à política de recurso à força
liderada pelos EUA, em franco tensionamento com a governança estruturada a
partir da ONU; e iii) projetando novos arranjos políticos e econômicos e criando
novas instituições credoras, como é o caso do NDB e dos bancos nacionais de
desenvolvimento dos países do BRICS.
Assim, se olharmos para a inserção do BRICS no sistema internacional “desde
cima” – partindo da perspectiva da disputa entre os grandes poderes mundiais –,
8 Para uma análise mais detalhada do NDB e do ACR, ver Carvalho et al. (2015).
9 Embora não seja o foco do presente artigo, é importante, nesse caso, para entender tais relações entre Estado e
sociedade civil no BRICS, entender as particularidades de seus respectivos processos de formação capitalista.
Nesse sentido, uma interessante discussão é apresentada por Pijl, 2017.
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Adensamento institucional e outreach: um breve balanço do BRICS
podemos observar tensões e desafios vindos desses países individualmente frente
às potências tradicionais. Nesse sentido, podemos considerar que o BRICS busca
acumular capacidades econômicas e políticas (que podem ser traduzidas em maior
capacidade militar) frente às potências hegemônicas. Se, por sua vez, olharmos
para as relações entre os países que compõem o BRICS de forma horizontal,
enxergamos as convergências e disputas entre esses mesmos países, com as
diferenças e desigualdades entre eles. Por fim, se enxergarmos o BRICS de forma
vertical, compreendendo as relações do BRICS com outros países e regiões do
Sul Global, podemos concluir que essas são relações de poder que se enquadram
no marco mais amplo de acumulação capitalista, respondendo a uma lógica de
disputa por recursos naturais, acesso a mercados e mão de obra cada vez mais
barata e superexplorada. Nesse artigo, buscamos mostrar essas diferentes visões,
partindo da identificação e análise de distintos mecanismos causais localizados
em níveis distintos de análise.
Passada, então, mais de uma década, a grande questão que se coloca diz
respeito aos rumos desse arranjo. Como visto, a conjuntura da geopolítica do
capitalismo tem sido um mecanismo com impacto significativo no processo de
evolução, adensamento institucional e de outreach do BRICS. Nesse sentido,
tendo em vista os rumos do arranjo, a atual conjuntura internacional terá também
impactos causais significativos na trajetória do BRICS. Deve-se ter em mente, assim,
i) a real capacidade centrípeta do BRICS de gerar um polo de contraposição aos
EUA sob a presidência de Donald Trump e, concomitantemente, ii) os impactos
gerados pelas próprias mudanças políticas no âmbito dos países do BRICS – como
no caso do Brasil, por exemplo. Certamente a direção e o rumo dos processos de
adensamento institucional (especialmente, mas não exclusivamente, nas áreas de
economia política – desenvolvimento internacional – e segurança internacional)
e de outreach, bem como o espaço às demandas da sociedade civil, tendem
a sofrer impactos dessas e de outras questões; ou seja, os desdobramentos
e entrelaçamentos futuros desses processos causais podem apresentar duros
testes para os avanços futuros do BRICS – em outras palavras, podem ser vistas
como testes complementares da hipótese aqui apresentada acerca dos rumos
do adensamento institucional do BRICS. Não obstante, essas são algumas das
perguntas que podem iluminar pesquisas futuras a respeito do BRICS e de seu
papel na ordem mundial daqui para frente.
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Leonardo César Souza Ramos; Ana Elisa Saggioro Garcia; Diego Pautasso; Fernanda Cristina Ribeiro Rodrigues
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