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148 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
Instituições para Fomentar a Integração
do Setor Elétrico na América do Sul
Institutions for Promoting the Electric Sector
Integration of South America
DOI: 10.21530/ci.v13n1.2018.717
João Manoel Losada Moreira
1
Roberto Tadeu Soares Pinto
2
Resumo
Este trabalho busca identificar e discutir um conjunto de instituições e arenas que possam
fomentar a integração do setor elétrico na América do Sul por meio de agentes de mercado.
Para operacionalizar a geração e comercialização de eletricidade foram identificadas 4 arenas
e 5 organizações para acomodar os diferentes interesses e atividades dos agentes econômicos,
stakeholders e agentes dos vários países. O processo poderia iniciar por meio da integração
entre o Brasil e países vizinhos e se basear em energias renováveis e sustentáveis para evitar
a exaustão de recursos energéticos. Seriam construídas conexões e linhas de transmissão
nas fronteiras e os mercados conectados de ambos os lados da fronteira seriam vistos como
extensões dos respectivos sistemas nacionais. A implementação de tal arquitetura institucional
requer liderança e envolve custos. O Brasil deveria considerar liderar esse processo e atuar
como um paymaster parcial para iniciar relações bilaterais de importação e exportação de
eletricidade dos e para os países vizinhos.
Palavras-chave: Integração Sul-Americana; Eletricidade; Mercado; Instituições.
1 Graduado em física (1977) pela Universidade de Brasília, DF, mestre (1982) e doutor (1984) em engenharia
nuclear pela University of Michigan, Ann Arbor, EUA. É professor titular em energia no Centro de Engenharia,
Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do ABC.
2 Graduado em engenharia elétrica (1996) pela Faculdade de Engenharia São Paulo e mestre em energia (2017)
pela Universidade Federal do ABC. É professor de pós-graduação na Faculdade de Tecnologia SENAI Mariano
Ferraz, FATEC SENAI, São Paulo, SP.
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio fornecido durante
a realização da pesquisa.
Artigo submetido em 01/10/2017 e aprovado em 13/03/2018.
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Abstract
This work seeks to identify and discuss a set of institutions and arenas that can foster the
integration of the electric sector in South America through market agents. To make possible
the generation and commercialization of electricity, we identified 4 arenas and 5 organizations
to accommodate different interests and activities of the economic agents, stakeholders and
agents of the various countries. The process could begin by integrating Brazil and neighboring
countries and building on sustainable and renewable energy to avoid depletion of energy
resources. Connections and transmission lines would be built at the borders and the connected
markets on both sides would be seen as extensions of the respective national electricity
systems. Implementing such an institutional architecture requires leadership and involves
costs. Brazil should consider leading this process and acting as a partial paymaster to initiate
bilateral relations to import and export electricity from and to the neighboring countries.
Keywords: South American Integration; Electricity; Market; Institutions.
Introdução
A partir de 1980, o esforço de integração da América do Sul foi intenso e
envolveu vários setores, inclusive o de infraestrutura ligado à energia elétrica.
Um conjunto de instituições e um sistema de governança foram implantados no
continente sul-americano de forma a poder se falar que a integração é um processo
contemplado por todos os países envolvidos (CARVALHO; GONÇALVES, 2016;
DESIDERÁ NETO et al., 2014; MARIANO, 2014; PADULA, 2014; SARAIVA, 2013;
SPEKTOR, 2010; TEIXEIRA, 2014). Inicialmente, as questões sobre como incrementar
as trocas comerciais entre os países do continente dominaram a agenda do processo
de integração por meio de acordos entre grupos de países como o Mercado Comum
do Sul (MERCOSUL) e a Aliança do Pacifico. A partir de acordos entre governos
via reuniões de chefes de Estado e de ministros das relações exteriores, o processo
de integração comercial exigiu e evoluiu para a criação de órgãos especializados
para resolver questões específicas à medida que o nível de intercâmbio comercial
aumentava e se diversificava. Em relação à área de infraestrutura de energia, não se
atingiu ainda tal evolução. Contudo já se estabeleceu o Conselho de Infraestrutura
e Planejamento da UNASUL (COSIPLAN) como principal foro de alto nível para a
condução do processo de integração da infraestrutura da América do Sul.
A integração do setor de energia elétrica é bem distinta da integração comercial,
pois depende fortemente de características específicas de cada um dos sistemas
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150 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
e da estrutura econômica dos diversos países. O setor elétrico tem características
peculiares por ser uma indústria intensiva de capital e de rede. Ela utiliza um
conjunto de infraestrutura distribuída por largos espaços geográficos para conectar
a geração de energia, geralmente localizada em algumas regiões, e transmiti-la para
os diversos centros de consumo (HALLACK, 2014; MAYO, 2012). Por ser intensiva
em capital, ela exige prazos de amortização dos investimentos que podem atingir
algumas décadas. Para ser eficaz e eficiente, a integração sul-americana do setor
elétrico se estenderia pelo território de vários países e exigiria a compatibilização
regulatória entre eles durante décadas.
Tomando como base teórica a integração regional vista como um processo
dinâmico que intensifica as relações entre agentes regionais visando a criação
de novas formas de relacionamento e governança, encontramos dois aspectos
importantes que merecem atenção: a) os Estados autônomos se reúnem em
prol de alguns objetivos considerados importantes e que dificilmente poderiam
ser conseguidos atuando individualmente e b) os Estados são diferentes e
apresentam peculiaridades, interesses nacionais particulares e diferentes condições
socioeconômicas (PADULA, 2014). Consequentemente, a forma de organização
e o papel das instituições devem ser tais que os agentes participantes dos vários
países tenham uma conduta aceita por todos, possam satisfazer suas necessidades
e respondam às demandas apresentadas pela coletividade.
Em geral, há consenso que há vantagens no processo de integração, entretanto
dificuldades específicas impedem ou paralisam o seu andamento. As principais
barreiras identificadas nos vários estudos incluem perda de autonomia nacional,
assimetrias entre os países, perda de capacidade de planejamento, perda de
segurança energética, esgotamento das reservas nacionais, dificuldades de atração
de investimentos nacionais e internacionais, dificuldades de modernização e
ganhos de tecnologia e competitividade e falta de maturidade institucional dos
países sul-americanos (CARVALHO; GONÇALVES, 2016; DESIDERÁ NETO et al.,
2014; MARIANO, 2014; PADULA, 2014; SARAIVA, 2013; SPEKTOR, 2010; TEIXEIRA,
2014; PINTO, 2017). A arquitetura ou estrutura de instituições adequadas para
executar as complexas ações de geração, transmissão e comercialização de energia
elétrica entre os países deve levar em conta tais barreiras (DESIDERÁ NETO et al.,
2014; MARIANO, 2014; PADULA, 2014; SOARES; MOREIRA, 2012; MOREIRA;
PINTO, 2013; SCHERMA, 2016; SPEKTOR, 2010; TEIXEIRA, 2014).
Atualmente, o intercâmbio de energia entre os países da região é muito
pequeno e não importante para os diversos países, com a exceção dos acordos
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151João Manoel Losada Moreira; Roberto Tadeu Soares Pinto
específicos do Paraguai com o Brasil e com a Argentina (PINTO, 2017). Para
incrementar o intercâmbio de energia elétrica entre os países do continente,
seria necessária a criação de alguma estrutura institucional internacional para
tratar das atividades cotidianas do setor, pois a relação entre governos nos níveis
ministeriais é insuficiente (SPEKTOR, 2010). Necessita-se de um corpo burocrático
para realizar as atividades de integração física, despacho de energia, comercial e
principalmente para a solução de conflitos das relações operacionais cotidianas
(HALLACK, 2014; DESIDERÁ NETO et al., 2014).
As relações entre países ocorrem por meio de instituições nacionais, como
os ministérios de relações exteriores, e várias instituições internacionais. No
caso da integração do setor elétrico de alguns países da América do Sul, uma
base institucional mínima deveria ser construída para promover sua governança
e gerar resultados para esses países que, dificilmente, poderiam ser conseguidos
quando atuando individualmente (HERZ; HOFFMANN; TABAK, 2015a; CAF, 2016;
PADULA, 2014).
Este trabalho baseia-se no argumento de que a comercialização de energia
segundo uma estrutura de mercado entre os países da América do Sul, a partir de
uma arquitetura adequada de instituições, pode contribuir de forma efetiva para
a resolução de problemas e dificuldades dos sistemas nacionais. Este trabalho
tem como objetivo principal contribuir para a discussão da integração do setor de
energia elétrica da América do Sul com foco no aumento da comercialização
de energia entre os países da região. Ao longo do artigo, buscamos identificar
que formas de energia seriam mais adequadas incluir em um processo de
integração regional, identificar um conjunto de arenas e agentes econômicos e
sociais envolvidos no setor de energia transfronteiriço e discutir uma possível
arquitetura de instituições para viabilizar esse tipo de integração do setor elétrico
na América do Sul.
Embora o foco deste trabalho seja o Brasil, buscamos discutir que tipos de
instituições e arquitetura de governança seriam necessários para obter benefícios
simétricos aos países envolvidos, caso contrário, dificilmente ocorrerá um processo
de integração do setor elétrico da América do Sul. Nesse sentido, é levado em conta
o estado atual do processo de integração na América do Sul e também aspectos
técnicos, econômicos, de sustentabilidade, diplomáticos e aspectos particulares
ao setor de energia elétrica.
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152 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
Metodologia
A base teórica de relações internacionais adotada neste trabalho é a da
integração regional por meio do estabelecimento de regras e normas (regimes
internacionais) para uma área econômica específica: o setor elétrico na região
sul-americana (HERZ; HOFFMANN; TABAK, 2015a, 2015b). Busca-se conseguir tal
feito por meio de novas formas de governança e instituições para operar o setor
elétrico no espaço regional sul-americano. Adota-se a governança do ponto de vista
diplomático reconhecendo a importância dos governos de Estados nacionais nas
várias arenas dos setores diplomáticos e de eletricidade (GONÇALVES, 2006; HERZ;
HOFFMANN; TABAK, 2015c). Esses se reuniriam e procurariam consensualmente
atingir o objetivo de construir um conjunto de mecanismos e instituições que
permitam a integração e operacionalização do intercâmbio de energia elétrica entre
os países de forma tal que possa ser considerada positiva pelos vários stakeholders
dos vários países envolvidos. Antes de continuar, faz-se necessário definir alguns
termos para facilitar a compreensão do trabalho:
Governança – é o conjunto de processos, regulamentos, formas de tomada
de decisão e ideias que mostram a maneira pela qual uma organização,
empresa, setores do Estado, Estados ou conjunto de Estados são dirigidos
ou administrados. Há vários tipos de governança: corporativa, global,
diplomática etc.;
Instituição – é o conjunto de organizações, normas e procedimentos formais
e culturais (normas e procedimentos informais);
Agente – é um ator que interage em alguma arena do âmbito nacional ou
internacional. Pode ser uma empresa, um indivíduo, uma organização não
governamental nacional ou internacional, atores subnacionais, bancos de
investimentos, agências reguladoras, prefeituras etc.;
Arena – local físico ou fictício onde os atores ou agentes interagem para
realizar alguma ação ou deliberação;
Arquitetura – estrutura ou forma de um setor, no caso em estudo, do setor
de energia elétrica de dois ou mais países sul-americanos com todas as
relações entre seus agentes;
Segurança energética – é um termo utilizado de forma ampla podendo abarcar
várias questões, contudo, neste trabalho, a segurança energética se restringe
à garantia de suprimento de eletricidade e à certeza de fornecimento de
energia elétrica previamente acertada por meio de um acordo entre países.
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153João Manoel Losada Moreira; Roberto Tadeu Soares Pinto
Stakeholders – pessoas, grupos ou instituições interessados de alguma
forma nas questões envolvidas.
A Figura 1a apresenta uma representação possível de arena e agentes. Qualquer
local ou situação de interação entre os agentes é denominada arena. Essa pode ser
de compra e venda de energia, decisão de investimentos para expansão do sistema,
conflitos diplomáticos etc. Na arena, interagem os vários agentes, organizações
e a sociedade.
O agente pode interagir também com várias arenas e essas estão interligadas
porque vários agentes atuam em várias delas. A Figura 1b exemplifica tal situação
onde um agente interage com 4 diferentes arenas interconectadas. No caso da
integração do setor elétrico de dois países da América do Sul, essas arenas podem
representar a comercialização de energia (compra e venda), uma instituição para
dirimir conflitos, uma arena de planejamento da expansão da capacidade instalada
com novos projetos ou a reunião de ministros de Estado programada para ocorrer
semestralmente.
Para estabelecer os principais elementos de uma arquitetura de instituições
para viabilizar um maior intercâmbio de energia elétrica entre os países da América
do Sul, segundo uma estrutura de mercado, vamos realizar os seguintes passos:
Identificar os stakeholders e agentes importantes do setor de energia elétrica
continental, as arenas necessárias para viabilizar os processos de mercados
integrados do setor de energia elétrica. Para identificar arenas e agentes
serão observadas aquelas existentes na América Central, União Europeia
e no Brasil (POLLITT; MARSILIU, 2016; BALAGUER, 2011; CASTRO, 2015;
CEPAL, 2016; CIER, 2016);
Delinear a arquitetura de instituições que seriam necessárias para
viabilizar a governança do setor elétrico da América do Sul, enfatizando
a comercialização de energia elétrica;
Discutir a adequação da proposta de arquitetura de instituições vis-à-vis
às barreiras citadas na introdução.
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154 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
Figura 1. Estrutura de arena e agentes interagindo em arenas
Fonte: Autoria própria.
Stakeholders, agentes e arenas relevantes para a integração do
setor de energia elétrica na América do Sul
Em um processo de integração do setor elétrico entre países, um agente
econômico pode ser uma empresa geradora de energia, produtor independente,
distribuidor de energia, comercializador de energia, consumidor de energia, etc.
Esse agente interage com um conjunto de outros agentes, instituições e stakeholders
em diversas situações, condições ou locais. Esses stakeholders podem ser agentes
econômicos, participantes da sociedade organizada, como governos, prefeituras,
associações ou segmentos da sociedade e investidores públicos ou privados, bancos,
agências de fomento etc. As interações são complexas e multifacetadas, mas,
para encaminhar a discussão para o objetivo desse trabalho, foram divididas em
quatro arenas principais (PINTO, 2017; MARIANO, 2014; PADULA, 2014; SOARES;
MOREIRA, 2012; MOREIRA; PINTO, 2013; SPEKTOR, 2010; TEIXEIRA, 2014):
a) Arena de fornecimento de energia – onde se realizam as operações de
compra e venda de energia;
b) Arena de planejamento da operação do sistema elétrico – onde se define
como será o despacho de energia elétrica;
c) Arena de planejamento da expansão do sistema – onde se viabilizam
novos investimentos e crescimento do sistema;
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d) Arena de regulação, fiscalização e de resolução de conflitos – onde as
regras são estabelecidas, verificadas e conflitos são resolvidos.
O agente econômico, seja ele um produtor independente ou um consumidor
industrial, interagirá com esse sistema de arenas ao longo de suas atividades
econômicas.
Deve-se salientar que as arenas de planejamento de operação e de fornecimento
de energia no Brasil são muito interligadas, pois o despacho das unidades geradoras
leva em conta o planejamento centralizado do Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS), que busca garantir segurança de fornecimento, modicidade tarifária
e outros objetivos, e contratos de compra e venda de energia elétrica entre os vários
agentes econômicos. O despacho de energia ocorre a partir de sinais do mercado
de energia elétrica oriundos da arena de fornecimento de energia e também de
comandos administrativos oriundos da arena de planejamento de operação.
No Brasil, a arena de expansão do sistema elétrico também é centralizada e
administrada. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) atua para a expansão do
sistema a partir de sinais de mercado, do operador nacional do sistema, ONS,
investidores e de uma série de outros interessados. Diversos representantes da
sociedade estão presentes em todas as arenas, levando para as discussões questões
socioambientais locais, nacionais e globais, reivindicações de estados e municípios
etc. As questões podem envolver tarifas elevadas – que são discutidas na arena
de fornecimento de energia; licenciamento de um novo projeto – discutido na
arena de expansão do sistema; ou restrições quanto a emissões e danos à saúde
da população – discutidas na arena de regulação, fiscalização e conflitos.
A Figura 2 mostra o sistema interligado brasileiro na condição vigente
em 2015. Sua estrutura atual evoluiu a partir de subsistemas regionais em um
processo contínuo de integração ao longo do tempo. Os subsistemas das várias
regiões foram sendo interligados gradativamente por linhas de transmissão, como
pode ser visto na Figura 2. Inicialmente os subsistemas das regiões Sudeste,
Centro-Oeste e Sul operavam com pouca integração. Posteriormente operou-se a
integração dos subsistemas Sudeste e Centro-Oeste de forma intensa e, a seguir,
com o subsistema do Sul. Mais recentemente, o subsistema do Nordeste foi
integrado aos subsistemas Sudeste e Centro-Oeste e também ao subsistema Norte.
Estima-se que a integração dos subsistemas brasileiros permitiu uma economia
de 20% em investimentos (ONS, 2016).
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156 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
A Figura 2 mostra também conexões entre o Brasil, Paraguai, Uruguai e
Argentina e o crescimento do sistema elétrico brasileiro em direção às regiões
fronteiriças com a Bolívia, Peru e Venezuela.
Há basicamente dois tipos de organizações internacionais que devem existir
para conduzir a integração do setor elétrico de dois ou mais países: organizações
mais diretamente ligadas às questões diplomáticas, como os blocos econômicos
Comunidade Andina (CAN), Comunidade dos Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (CELAC), MERCOSUL e União das Nações Sul-Americanas (UNASUL);
e organizações de caráter técnico, econômico e operacional para tocar o dia a dia
do intercâmbio de energia, promover novos investimentos ou resolver disputas.
Do ponto de vista operacional, tais organizações e aquelas a serem construídas
(principalmente as do segundo tipo citado acima) devem ser capazes de contornar
as barreiras apresentadas na introdução deste trabalho.
Figura 2. Sistema Interligado Nacional do Brasil em 2015
Fonte: ONS, 2016.
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Situação atual da energia elétrica na América do Sul
A disponibilidade de energia elétrica está vinculada às características da
matriz energética de cada país, ou seja, aos seus recursos de energia primária para
conversão e geração de eletricidade. A América do Sul possui uma abundância
em recursos naturais renováveis e não renováveis. Tais condições possibilitam a
utilização de diferentes fontes (eólica, hidráulica, solar, térmica e outros) para
geração de eletricidade (PSR, 2012; CIER, 2013).
Nas últimas décadas, novas tecnologias de geração foram desenvolvidas
buscando alternativas à utilização de combustíveis fósseis para a geração de
eletricidade. Restringindo às fontes renoveis e de maior sustentabilidade,
hídricas e eólicas (MOREIRA et al., 2015), a Tabela 1 mostra em termos globais
o potencial de geração de eletricidade no continente sul-americano ainda por ser
explorado. O potencial hidrelétrico total é de 552 GW, aproximadamente 21% já
foi explorado e restariam para serem aproveitados 436 GW. O potencial eólico é
de aproximadamente 300 GW e é praticamente inexplorado. O potencial eólico da
região pode ser superior ao valor apresentado na Tabela 1, pois as estimativas estão
sendo revisadas em alguns países e em outros sequer estão disponíveis (PSR, 2012).
Tabela 1. Potencial de geração elétrica disponível na América do Sul
a partir das fontes renoveis hidráulica e eólica
País
Potencial Hídrico
(GW)
Potencial Eólico
(GW)
Argentina 44 10
Bolívia 39 -
Brasil 144 300
Chile 26 5
Colômbia 93 20
Peru 62 10
Venezuela 28 -
Total 436 345
Total aproximado de potência disponível* (f
c
=0,5) 218 GW (f
c
=0,27) 93 GW
Total (hidro+eólica) = 781 GW
Total de potência firme (hidro+eólica) 311 GW
* Valor aproximado levando em conta a sazonalidade da geração hidráulica e a intermitência da geração eólica; f
c
é
o fator de capacidade da fonte de energia.
Fonte: PSR, 2012; CAF, 2016.
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158 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
A evolução da eletricidade gerada na América do Sul no período de 1990 a 2014
é apresentada na Figura 3. A ordenada está em escala logarítmica para permitir
uma melhor comparação da taxa de crescimento anual nos diversos países. Esses
valores são relevantes. Por exemplo, a energia elétrica consumida pelo Brasil em
2014 (518 TWh) é comparável à consumida pela Alemanha (533 TWh) e superiores
àquelas consumidas pelas França (431 TWh) e Reino Unido (309 TWh) (EIA, 2016).
A capacidade instalada e a energia gerada no Brasil é cerca de 50% do total do
continente.
A disponibilidade de recursos energéticos renoveis e sustentáveis para a
comercialização no continente é um fator favorável à integração, pois reduz o
risco de exaustão de recursos energéticos no futuro. Outro ponto favorável é que
os vários países, embora apresentem assimetrias econômicas evidentes, também
apresentam taxas de crescimento para a geração de energia semelhante.
Figura 3. Evolução da eletricidade gerada nos vários países da América do Sul
Fonte: CIER, 2013.
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159João Manoel Losada Moreira; Roberto Tadeu Soares Pinto
Para comercialização e intercâmbio de eletricidade, é necessário haver pontos
de interconexão das redes elétricas entre os vários países. O Brasil, de acordo
com o ONS – Operador Nacional do Sistema (ONS, 2012), encontra-se interligado
aos sistemas elétricos da Argentina, Uruguai e Paraguai, por meio de subestações
especificas para tal finalidade, visando à contabilização dos fluxos de energia
entre os países.
A Figura 4 possibilita uma visão espacial das conexões internacionais e dos
projetos binacionais do setor elétrico da América do Sul. Observam-se as dimensões
continentais da região, bem como as condições de fronteira. Excluindo-se a
interconexão com a Venezuela, não existem outras interconexões internacionais do
Brasil nas regiões norte e centro-oeste. O intercâmbio de energia com a Venezuela,
Paraguai, Argentina e Uruguai ocorre por meio de acordos binacionais definidos
com regras próprias estabelecidas entre governos.
Figura 4. Interligações internacionais em alta tensão e projetos binacionais
Fonte: CIER, 2013.
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160 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
A Tabela 2 apresenta os montantes resultantes de processos de exportação e
importação realizados, em 2014, entre os países da América do Sul. A quantidade
de energia é pequena e residual se comparada com o total consumido nos vários
países. O total comercializado entre os países foi de 44,3 TWh, enquanto o
consumo total em todos os países em 2014 foi de 1141 TWh. Ou seja, representa
apenas 3,88 %. Entretanto, grande parte desse montante envolveu o Paraguai
como exportador de eletricidade para o Brasil e para a Argentina, ou seja,
excluindo-se as exportações do Paraguai, fica evidente o baixo intercâmbio de
eletricidade entre os países da região (0,25% do total consumido). A título de
comparação, na Europa esse valor chega a 10% (PINTO, 2017).
Tabela 2. Exportação e importação de eletricidade (TWh)
por países da América do Sul em 2014
País
Export.
(TWh)
Import.
(TWh)
Observação (cifras em TWh)
Argentina 0,001 9,735
Importação do Paraguai (8,461), Uruguai (1,267), Brasil (0,003)
e Chile (0,004) e exportação para o Brasil (0,001)
Brasil 0,003 33,779
Importação do Paraguai (32,939), Venezuela (0,839) e
Argentina (0,001) e exportação para a Argentina (0,003)
Chile 0,004 0 Exportação para a Argentina (0,004)
Colômbia 0,746 0,02
Importação do Equador (0,02) e exportação para o Equador
(0,718) e a Venezuela (0,028)
Equador 0,02 0,731
Importação da Colômbia (0,718) e Peru (0,013) e exportação
para a Colômbia (0,02)
Paraguai 41,4 0 Exportação para a Argentina (8,461) e o Brasil (32,939)
Peru 0,013 0 Exportação para o Equador (0,013)
Uruguai 1,267 0 Exportação para a Argentina (1,267)
Venezuela 0,839 0,028 Importação da Colômbia (0,028) e exportação para o Brasil (0,839)
Fonte: CIER, 2013.
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161João Manoel Losada Moreira; Roberto Tadeu Soares Pinto
Proposta de arquitetura institucional para integração do setor
elétrico da América do Sul
Em termos de arquitetura de governança, a estrutura do Brasil prevê a presença
forte do Estado como planejador e tal característica é também encontrada em outros
países da América do Sul (CAF, 2016). Para que haja uma integração funcional
do setor elétrico continental é necessária uma estrutura regional com funções
e atribuições semelhantes. A estrutura proposta neste trabalho, embasada em
comercialização de energia e à luz das arquiteturas estudadas do Brasil
(BALAGUER, 2011; POLLITT; MARSILIU, 2016; CASTRO, 2015; CEPAL, 2016;
CIER, 2016; PINTO, 2017), visa contemplar as preocupações de planejamento
dos governos nacionais e conter instituições de mercado para permitir que o
intercâmbio de energia flua de forma eficiente por meio de negociações entre
inúmeros agentes dos vários países.
Do ponto de vista físico e de possíveis interconexões, a Figura 4 mostra a rede
elétrica brasileira onde podem ser identificadas as linhas de transmissão próximas
à fronteira e que possibilitariam o desenvolvimento local (SCHERMA, 2016).
Seriam promovidas conexões e linhas de transmissão nas fronteiras e os mercados
conectados de ambos os lados da fronteira seriam vistos como extensões
dos respectivos subsistemas nacionais. Isto é, do ponto de vista brasileiro,
o país vizinho seria uma extensão do subsistema brasileiro e do ponto de vista
dos países vizinhos, o Brasil seria uma extensão de seu sistema elétrico. Poderia
ocorrer também integração entre os subsistemas da Região Sul do Brasil, Uruguai
e Nordeste da Argentina. Um mercado integrado poderia ser implementado entre
a região Norte do Brasil, Bolívia e Peru. Outros processos de integração poderiam
ocorrer entre os outros países da América do Sul. Há um intercâmbio grande de
energia entre Paraguai, Brasil e Argentina por meio de acordos binacionais rígidos,
não uma integração de mercados com diversas empresas. Uma integração deste
tipo pode também ocorrer entre esses países à medida que os prazos dos acordos
vigentes vençam e novos arranjos sejam interessantes mutuamente.
Dentro desse novo ambiente, muitas empresas surgiriam no setor elétrico
sul-americano buscando oportunidades de negócios e algumas delas poderiam
ser de fora da América do Sul. Empresas estatais e empresas privadas atuariam
inicialmente como importadoras e exportadoras de energia elétrica. A importação
e exportação de energia muitas vezes não se apresentam interessantes para as
grandes empresas estatais nacionais por se tratarem de blocos pequenos de energia.
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162 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
Já as empresas menores de comercialização de energia, poderiam considerar essas
atividades como oportunidades de negócios.
Nesse contexto, os aspectos regulatórios, operacionais e de comercialização de
energia devem refletir equidade e transparência para todos os países participantes.
Algumas questões importantes são regras de compra e venda de energia, regras de
planejamento energético compartilhado e regras de interrupção de fornecimento
transfronteiriço em momentos de dificuldades nacionais.
Na Figura 5, apresenta-se uma possível estrutura institucional do setor elétrico
da América do Sul, de acordo com a metodologia proposta neste trabalho. Ela
identifica com clareza as várias arenas em que um agente econômico tem que atuar
e as organizações funcionais necessárias para viabilizar os detalhes operacionais.
Um agente econômico pode ser uma empresa geradora de energia, um produtor
independente, distribuidores de energia, comercializadores de energia, consumidor
de energia etc. Esse agente interage com um conjunto de stakeholders em diversas
situações, condições ou locais.
Figura 5. Possível estrutura para o sistema integrado dos mercados de
eletricidade da América do Sul mostrando agentes e as arenas de governança.
O foco é o aumento da comercialização de energia.
Ver texto para identificar as siglas
(1) Agentes econômicos: geradores, produtores independentes, distribuidores, comercializadores, consumidores livres
ou cativos, importadores, etc.
(2) Investidores: bancos de investimento, agências de fomento, investidores privados, investidores públicos, etc.
Fonte: Autoria própria.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2018, p. 148-173
163João Manoel Losada Moreira; Roberto Tadeu Soares Pinto
Esses stakeholders podem ser as instituições regionais vinculadas ao processo
de integração; outros agentes econômicos; participantes da sociedade organizada –
como governos, prefeituras, associações ou segmentos da sociedade; e investidores
públicos ou privados, bancos, agências de fomento etc.
Conforme mostra a Figura 5, foram consideradas quatro arenas principais:
arena de fornecimento de energia, onde se realiza as operações de compra e venda
de energia; arena de planejamento da operação do sistema elétrico, onde se define
como será o despacho de energia elétrica; arena de planejamento da expansão do
sistema, onde se viabiliza novos investimentos e crescimento do sistema; e uma
arena de regulação, fiscalização e de resolução de conflitos. Para atuar nessas
arenas, foram também propostas organizações funcionais para representar os
diferentes interesses dos stakeholders e agentes: Conselho de Monitoramento
Regional (CMR), Regulador Regional (RR), Planejamento Regional (PR), Operador
de Rede Regional (ORR) e Câmara de Comercialização Regional (CCR). Essas
organizações funcionais seriam regionais, com membros dos países envolvidos.
Inicialmente, seriam escritórios especializados que eventualmente poderiam evoluir
para o status de instituições específicas de acordo com o volume das atividades
envolvidas.
Essas organizações regionais devem ser as mais leves possíveis, visar
operacionalizar e viabilizar a comercialização e despacho da energia e estariam
subordinadas à UNASUL e/ou às respectivas agências reguladoras nacionais
e ministérios com interesse nas questões. Um produtor independente (um
comercializador ou um consumidor industrial, ou um membro da sociedade local)
interagirá com esse sistema de arenas ao longo de suas atividades econômicas e
questionamentos públicos ou privados.
Essas instituições regionais devem ser constituídas por especialistas indicados
pelos respectivos governos nacionais em regime de rotatividade. Esses especialistas
representariam os pontos de vista nacionais nas tratativas do sistema integrado de
comercialização de energia elétrica. Essas instituições responderiam aos conselhos
superiores de alto nível já existentes na América do Sul como, por exemplo,
a UNASUL.
O Conselho de Monitoramento Regional seria responsável pelo monitoramento
da política energética definida pelos países participantes para o intercâmbio de
energia transfronteriço. Também seria responsável pela supervisão geral das ações
das outras organizações. Nesse contexto, há grande interação com os governos
nacionais para a convergência de interesses e com as demais organizações regionais.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2018, p. 148-173
164 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
O Regulador Regional seria responsável pela realização das ações inerentes à
harmonização regulatória, que pode ocorrer em etapas. Em uma fase inicial, sem
a integração efetiva de mercados, os países e agentes participantes definem as
regras comuns, sem intervenção nos respectivos modelos regulatórios de cada um.
Em um modelo de mercados integrados, como o adotado pela União Europeia,
a harmonização regulatória configura etapa fundamental para o sucesso da
solução adotada e, nesse caso, cada país promove as alterações necessárias e em
prazos factíveis definidos de comum acordo com o RR. O Planejamento Regional
seria responsável pela coordenação de estudos de expansão e projeções. De certa
forma, isso já ocorre com as propostas do COSIPLAN para o setor de energia
elétrica, com projetos de expansão do setor elétrico, seja na geração, transmissão
e/ou distribuição de energia elétrica. Essa organização teria uma atuação forte
com o COSIPLAN e bancos de investimentos. O Operador de Rede Regional
seria responsável pela realização de planejamento e programação da operação
sul-americana, bem como pelo despacho de energia transfronteiriça. Questões,
como a interrupção de fornecimento de energia elétrica, seriam operacionalizadas
nessa organização, que teria grande interação com os operadores nacionais em
razão da prioridade na manutenção de garantia de suprimento elétrico para os
mercados nacionais. A Câmara de Comercialização Regional seria responsável
pela administração e aplicação das regras de comercialização definidas pelo RR
e pela garantia dos pagamentos e recebimentos dos vários agentes econômicos.
Na próxima seção, discutem-se as vantagens e limitações dessa proposta
vis-à-vis ás barreiras apresentadas na introdução desse trabalho.
Vantagens e limitações da proposta
A premissa básica é que a segurança energética dos países do continente
sul-americano pode ser garantida de forma eficiente e compartilhada com a
contribuição dos vários países, isto é, a segurança energética pode ser garantida
por energia oriunda de locais além das fronteiras de cada país. A experiência
de integração do setor elétrico brasileiro, que apresenta uma economia de
investimentos de 20%, e de integração do sistema elétrico da União Europeia são
evidências dessa possibilidade.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2018, p. 148-173
165João Manoel Losada Moreira; Roberto Tadeu Soares Pinto
Perda de autonomia nacional
A perda da autonomia nacional é uma questão importante para vários países
e principalmente para o Brasil. A política externa brasileira evita ou apoia de
forma comedida a criação de instituições regionais por diversas razões, porque
não gostaria de limitar ações diplomáticas em arenas internacionais e de incorrer
em custos extras na região por ser o país de maior porte econômico (SPEKTOR,
2010; CARVALHO; GONÇALVES, 2016; SARAIVA, 2013). Nesse caso específico
do setor elétrico, as restrições de autonomia que mais incomodam os diversos
países seriam regras de compra e venda de energia; regras de planejamento
energético compartilhado e regras de possibilidade de interrupção no fornecimento
em momentos de falta de energia no país. As regras de compra e venda de
eletricidade seriam regras operacionais de um mercado integrado e administradas
nas arenas de planejamento da operação e fornecimento de energia (compra e
venda). Atualmente, todas essas ações são resolvidas em relações entre governos
(DESIDERÁ NETO et al., 2014; SPEKTOR, 2010) e a comercialização de energia
ocorre quando há excesso em um país e necessidade em outro. O estabelecimento
de regras de comercialização no nível operacional não limitaria a autonomia dos
países em arenas internacionais.
As regras de planejamento são consideradas muito importantes por todos os
países do continente porque as cobranças da sociedade sobre um governo, causadas
pela falta de fornecimento de eletricidade no país, são enormes. A estruturação da
arena de planejamento da operação poderia prever regras de fornecimento durante
períodos de alta disponibilidade de eletricidade e de interrupção do fornecimento
em caso de escassez interna. Novamente, não haveria perdas de autonomia por
parte dos países nessa questão fundamental, pois as regras seriam discutidas
previamente e estabelecidas no nível operacional. Note-se que tal arena não existe
na União Europeia, onde as decisões são oriundas de indicações do mercado.
Aqui, ela foi introduzida justamente para acomodar possíveis intervenções dos
governos nacionais.
As regras de interrupção de fornecimento de energia devem ser bem
estabelecidas para evitar que acordos previamente firmados sejam desrespeitados.
Os desentendimentos que ocorreram no passado, relativos à eletricidade e ao gás
natural, entre Brasil e Argentina, Argentina e Chile e Brasil e Bolívia poderiam
ser evitados.
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166 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
Perda de capacidade de planejamento e de segurança energética
Foi mencionado anteriormente que os governos nacionais não admitem correr
o risco de deixar suas sociedades sem energia elétrica por razões políticas e,
consequentemente, isso induz o desejo de participar efetivamente do planejamento
energético. A segurança energética é considerada estratégica em todos os países.
Outra razão que induz a presença dos governos no planejamento energético é
a taxa elevada de crescimento do setor elétrico na América do Sul. A Figura 3
mostra que vários países têm taxas de crescimento acima de 4% ao ano, muito
maior que a taxa de crescimento dos mercados europeu ou norte-americano de
eletricidade, que tem sido negativa nos últimos 5 anos. Há uma percepção que
crescimento assim tão elevado não possa ser atendido tempestivamente por um
planejamento guiado apenas por sinais de mercado.
Uma terceira razão associada à atuação dos governos no planejamento
energético pode ser considerada cultural. Trata-se da questão de planejamento
centralizado numa estrutura top-down versus planejamento distribuído com a
participação de várias organizações (MARIANO, 2014; NAKAGAWA; FAVARETO,
2012). Para acomodar tais preocupações de governos nacionais, a proposta tem
uma presença forte nas várias organizações propostas e há organizações específicas
de planejamento (PR) e de operação (ORR).
A estrutura da governança do setor elétrico integrado da América do Sul, se
desejar-se que ela seja longeva, deve ter uma flexibilidade tal que permita que os
vários governos, que mudam ao longo dos anos, possam realizar suas políticas
energéticas de acordo com seus programas. Devem ter arquitetura e regras que
permitam a intensificação das atividades de mercado quando essas forem de
interesse dos vários governos e também a intensificação de iniciativas e ações do
Estado, quando seus governos assim definirem como necessário.
Assim, de toda forma, para viabilizar a integração do setor elétrico na América
do Sul parece ser necessário acomodar no planejamento energético sinais de
mercado e a ação planejadora dos governos para, entre outras coisas, assegurar
o fornecimento de energia para as respectivas sociedades. A dificuldade de se
conseguir tal planejamento do setor elétrico no cotidiano, evitando riscos de
suprimento devido a amarrações de acordos entre países, advém da ausência de
instituições regionais (MARIANO, 2014). Uma arena de planejamento da expansão,
com instituições regionais adequadas, poderia cuidar dos detalhes da expansão
do setor e de fornecimento de energia.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2018, p. 148-173
167João Manoel Losada Moreira; Roberto Tadeu Soares Pinto
Sem essa base institucional, todas as ações recaem sobre as chancelarias e
ministérios dos governos, que não conseguem resolver os detalhes (MARIANO,
2014). Uma vez estabelecidas essas regras, os processos aconteceriam sem a
necessidade de atuação direta dos governos. Não haveria perdas de capacidade
de planejar ou de garantir a segurança energética por parte dos países, porque
as regras seriam discutidas previamente. Mesmos na ocorrência de conflitos,
o desgaste nas relações entre os países seria diminuído, posto que câmaras de
resolução de conflitos também fossem criadas.
Esgotamento das reservas nacionais
O esgotamento de reservas nacionais não é uma questão impeditiva para a
integração do setor elétrico da América do Sul. Os amplos potenciais de energia
primária hidráulica e eólica no continente tornam essa questão menor em
comparação a regiões que contam apenas com recursos naturais não renováveis
como fontes primárias de energia. Enfatizando a implantação de projetos a partir
de energias renováveis e sustentáveis, a questão do esgotamento seria evitada.
Assimetrias entre os países
As principais questões ligadas às assimetrias são porte dos mercados
dos diferentes países, porte das companhias dos diferentes países, grau de
industrialização diferente dos países e diferentes níveis de competitividade
de suas economias. Discutem-se abaixo alguns desses pontos, mas registra-se
que, na maioria das vezes, tais assimetrias são recursos retóricos utilizados para
justificar a falta de interesse, de grupos determinados nos países, em efetivamente
viabilizar a integração (DESIDERÁ NETO et al., 2014; CASTRO et al., 2015).
A assimetria relacionada ao porte ou escala das economias é muito discutida,
pois a economia brasileira é muito maior que as dos países vizinhos. Há uma
percepção de que as empresas brasileiras acabariam por dominar todo o mercado
integrado. Entretanto, uma solução para o pequeno porte das outras economias
é a própria integração que dá acesso ao mercado integrado e permite ganhos de
escala para suas empresas públicas ou privadas (DESIDERÁ NETO et al., 2014;
KAS, 2016; MAYO, 2012). Esse problema ocorreu também na Europa, em relação
aos mercados sub-regionais e aos dos grandes países continentais, como Alemanha,
França, Reino Unido e Itália. Por exemplo, o mercado escandinavo promoveu,
em um primeiro momento, uma intensa integração regional, buscando ganhar
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2018, p. 148-173
168 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
porte, para depois se integrar ao mercado energético do Norte da Alemanha
e Holanda. Ocorreu, inclusive, a fusão de empresas, que ganharam maior
escala para fazer frente à concorrência de empresas maiores de países vizinhos
(POLLITT; MUSILIU, 2016).
Atração de investimentos nacionais e internacionais
O setor de eletricidade é uma indústria de rede em que as instalações são
intensivas em capital e atravessam as fronteiras dos países. As regras de operação
e comercialização devem ser comuns aos vários países, atravessar as fronteiras
e vigorar durante 20 ou 30 anos para viabilizar a remuneração dos investidores
(HALLACK, 2014). Há duas fontes primárias de recursos para investimento: público,
provido pela ação dos Estados; e privado, provido pela iniciativa privada dos
vários países sul-americanos e do exterior. Para ocorrer investimentos públicos é
necessário o acerto entre governos e, atualmente, o grau de institucionalização
existente no COSIPLAN já é suficiente para viabilizar investimentos decididos
no nível de governos nacionais (MARIANO, 2014). Para ocorrer financiamentos e
investimentos privados, é necessário um conjunto de regras que dê segurança a
esses agentes. Verificam-se, entretanto, dificuldades para a atração de investimentos
privados. As mais citadas são a falta de instituições para gestão de projetos,
inadequação das formas de financiamento a partir de entes internacionais e falta
de um conjunto harmonizado de regras de comercialização de longo prazo entre
os países (DESIDERÁ NETO et al., 2014). Essa proposta contribui para viabilizar
investimentos privados na região, pois um investidor, para tomar uma decisão,
interagiria com as 4 arenas do sistema elétrico integrado.
Modernização e ganhos de competitividade
A integração do setor elétrico sul-americano pode contribuir para a modernização
e avanço tecnológico do continente por meio de ações patrocinadas pelas iniciativas
privada e pública. Contudo, a integração da América do Sul dificilmente levará
seus países automaticamente a participar das cadeias produtivas globais de ponta
simplesmente porque os países mais avançados do continente ainda não têm
uma participação expressiva em tais cadeias. Entretanto, o investimento privado
internacional (de fora da América do Sul) pode contribuir para esse objetivo
por meio de difusão de tecnologia moderna, inovações de gestão e ganhos de
competitividade de toda a sociedade. A experiência institucional adquirida com a
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2018, p. 148-173
169João Manoel Losada Moreira; Roberto Tadeu Soares Pinto
integração pode ser estendida para outros setores econômicos dos diversos países,
também contribuindo para a modernização (DESIDERÁ NETO et al., 2014).
Maturidade institucional do continente
Das avaliações anteriores ressalta-se a importância de se institucionalizar as
várias arenas que caracterizam a governança necessária para se conseguir uma
comercialização mais intensa de energia elétrica entre os países da América do
Sul e obter otimização de recursos, eficiência econômica e desenvolvimento. Uma
primeira pergunta a ser feita é se há, nos diversos países, condições ou maturidade
institucional que permitam essa comercialização mais intensa da energia elétrica.
A resposta é sim, em vários dos países. Os países com a presença mais marcante
de instituições econômicas de mercado apresentam setores mais complexos de
energia elétrica que se aproximam mais do modelo europeu. Atualmente, é o
caso da Colômbia, Peru, Chile e Brasil. Nesses países, vários agentes atuam na
geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Tecnicamente, esses países
podem buscar implementar uma integração nos moldes europeus com maior
facilidade. Países com políticas econômicas menos liberais e de maior ativismo
estatal apresentam mercados de energia elétrica mais simples, mas com competição
no setor de geração. Atualmente, esse é o caso da Argentina, Bolívia e Equador.
E, finalmente, há países que tem seus sistemas elétricos totalmente verticalizados
(Uruguai, Venezuela e Guiana).
Outro ponto que indica um ganho de maturidade na região para possibilitar
a criação de instituições regionais de características mais operacionais, como as
descritas neste trabalho, é o conjunto de edifícios institucionais já construídos
(UNASUL, MERCOSUL, CAN etc.). Eles foram estabelecidos, não sofreram ameaças
de retrocesso, mesmo em momentos de crise, e as reuniões entre chefes de
Estado ocorrem frequentemente (DESIDERÁ NETO et al., 2014; SPEKTOR, 2010;
TEIXEIRA, 2014).
Conclusões
Este trabalho considerou o problema da integração regional sul-americana
por meio da comercialização de energia elétrica transfronteiriça. A metodologia
adotada foi a do estabelecimento de regras, normas e arenas para o setor elétrico da
América do Sul e a governança diplomática. Buscou-se viabilizar a comercialização
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2018, p. 148-173
170 Instituições para Fomentar a Integração do Setor Elétrico na América do Sul
e despacho de energia elétrica através da criação de instituições e estruturas
de governança em níveis operacionais abaixo daquelas já existentes em níveis
de governo. A preocupação foi viabilizar as atividades cotidianas envolvidas
no processo de desenvolvimento de novos projetos de geração, transmissão
e comercialização de energia elétrica, a integração física, técnica, comercial e
principalmente a solução de conflitos das relações comerciais e de investimento.
Para operacionalizar essas arenas, foi identificada a necessidade de 5
organizações regionais para representar os diferentes interesses dos agentes
econômicos, stakeholders e agentes dos vários países. Essas organizações teriam
as funções de monitoramento, regulação e solução de conflitos, planejamento,
operação da rede regional e de comercialização de eletricidade. Mostrou-se que
tal arquitetura de instituições permitiria a geração e comercialização de energia
elétrica por agentes de mercado dos países envolvidos e também acomodaria as
ações de governo no planejamento da expansão do setor e na operação do sistema
elétrico integrado.
Essa proposta poderia iniciar por meio da integração entre o Brasil e países
vizinhos e se basear em energias renováveis e sustentáveis para evitar a exaustão
de recursos energéticos. Os mercados conectados de ambos os lados da fronteira
seriam vistos como extensões dos respectivos subsistemas nacionais. Projetos
de geração de energia em ambos os lados da fronteira atenderiam os mercados
dos dois países. Essa integração entre países vizinhos pode ser vista como um
processo passo a passo, como aquele ocorrido na União Europeia.
A implementação de tal estrutura institucional requer liderança e envolve
custos. O Brasil, embora tenha avançado bastante em suas ações no âmbito regional,
ainda se apresenta avesso a assumir uma posição de liderança na América do Sul.
Contudo, para as relações sul-americanas atuais evoluírem é necessário um grau
maior de sofisticação das instituições regionais. Os projetos que envolvem ações
multilaterais na área de infraestrutura não são desenvolvidos porque a instância
de alto nível já estabelecida é insuficiente para atividades cotidianas. É preciso
avançar e começar a institucionalização das arenas técnicas, conforme ocorreu
no CAN e no MERCOSUL, que criaram instituições equivalentes para cuidar das
relações comerciais entre os diversos países.
O Brasil deveria considerar liderar esse processo e arcar com uma fração
importante dos custos para a implantação e manutenção dessas instituições, isto é,
atuar como um paymaster parcial para iniciar relações bilaterais de comercialização
de eletricidade com os países vizinhos.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 13, n. 1, 2018, p. 148-173
171João Manoel Losada Moreira; Roberto Tadeu Soares Pinto
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