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Felipe Ferreira de Oliveira Rocha
Temas de Relações Internacionais
nos discursos de posse de presidentes e
de chanceleres brasileiros (1995-2017)
1
Issues of International Relations in inauguration
speeches of brazilian presidents and chancellors
(1995-2017)
DOI: 10.21530/ci.v12n3.2017.707
Felipe Ferreira de Oliveira Rocha
2
Resumo
O artigo investiga as ênfases temáticas de presidentes e de chanceleres brasileiros durante os
seus pronunciamentos de posse. O objetivo principal é saber se tais atores políticos tenderam
a manter um padrão de continuidade no que tange à priorização de temas e categorias ou se
os mesmos tendem a minimizar e maximizar citações de forma específica e particular. Para
verificar isso, técnicas de análise de conteúdo e de mineração textual foram empregadas.
Através delas, constatou-se a existência de uma continuidade, no sentido de que há categorias
que são constantes na sua insignificância, independente do ator. Há também categorias que,
via de regra, são mencionadas repetidamente em todos os pronunciamentos. Ademais, ao
considerar medidas associativas e de distâncias de palavras, foi possível agrupar os atores
em níveis de proximidade. Nesse aspecto, é visível um agrupamento muito coeso entre os
chanceleres, ao passo que os presidentes tendem a se localizar de forma mais esparsa.
Palavras-chave: Agenda de Políticas; Diplomacia Presidencial; Ministro de Relações Exteriores,
Política Externa Brasileira; Análise de Conteúdo.
Abstract
In this paper, I question the thematic emphasis of Brazilian Presidents and Chancellors during
their inauguration speeches. The main objective is to know if the actors maintain a pattern
of continuity when it comes to the prioritization of topics and categories or if they tend to
1 O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico — Brasil.
2 Programa de Pós-Graduação em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em
Recife/PE, Brasil. E-mail: rocha.felipeferreira@gmail.com
Artigo submetido em 12/09/2017 e aceito em 11/12/2017.
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minimize and to maximize mentions in a particular way. By means of Content Analysis and
Text Mining, it was found a continuity in the sense that there are insignificant categories,
regardless of the actor. There are also categories maintained repetitively important in every
speech. Besides, when measures of associations and distance of words had been used, it
was found clusters of actors in different levels of proximity. In this aspect, it is conspicuous
the existence of a cohesive cluster between Chancellors, whereas Presidents tend to be in
a sparser localization.
Keywords: Political Agenda; Presidential Diplomacy; Brazilian Chancellors, Brazilian Foreign
Policy; Content Analysis.
Introdução
Durante muito tempo, a mudança em processos políticos foi debatida a
partir de dois ângulos: o incremental e o racional. Enquanto o primeiro entende
que as alterações de políticas públicas resultam de variações sobre o passado,
no sentido em que há uma tendência de continuidade, de conservadorismo e de
inércia em relação ao status quo, o segundo afirma que, a cada nova gestão, há
novos contextos e novos cálculos decisórios que fazem com que as modificações
sejam radicais (SOUZA, 2006; DYE, 2010).
Entretanto, True, Jones e Baumgartner (2006) sinalizaram uma terceira
possibilidade, a do equilíbrio pontuado (punctuated-equilibrium), que trata da
existência de alterações incrementais no subsistema como regra e a ocorrência de
mudanças radicais que acontecem na macroestrutura de forma pontual, sorrateira
e dependente da visibilidade que determinados eventos passam a ter em círculos
políticos, midiáticos e sociais (BAUMGARTNER et al. 2009). A partir de então,
monitorar a inclusão, a priorização, a redução e a eliminação de pautas temáticas
na agenda de atores políticos se tornou essencial para explicar como questões
transbordam de instâncias decisórias rotineiras para estruturas macropolíticas, a
ponto de romper a inércia e provocar alterações radicais do status quo.
Essa tem sido uma corrente de pesquisa basilar para a compreensão de temas
relacionados a políticas públicas. Apesar disso, estudos dessa natureza são raros
na academia brasileira e se tornam ainda mais rarefeitos quando se trata da relação
entre a agenda de políticas do presidente da República e a do seu ministro de
Relações Exteriores (ou chanceler), já que, apenas recentemente, a política externa
brasileira (PEB) passou a ser considerada analiticamente como política pública
(MILANI, PINHEIRO, 2013; FARIAS, RAMANZINI JÚNIOR, 2015).
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Para minimizar tal lacuna, esse artigo faz uma comparação da agenda dos
dois atores supramencionados em um momento temporal específico, o de posse
dos mesmos. O que Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma
Rousseff e Michel Temer disseram ao serem empossados foi comparado com o
que os seus respectivos chanceleres disseram também ao serem empossados.
Para estruturar isso, o restante do artigo está dividido em quatro partes.
A primeira traz debates teóricos sobre o papel do presidente da República e do
ministro de Relações Exteriores na formulação e implementação da política externa.
Os tópicos de destaque serão o insulamento burocrático do Itamaraty, a pluralização
e horizontalização da PEB, bem como as possíveis relações entre a diplomacia
presidencial e a diplomacia tradicional. A segunda seção é de metodologia. Nela,
estão presentes todos os componentes necessários para assegurar a replicabilidade
dos resultados, que são apresentados na terceira parte; e, na quarta, são feitas
as conclusões.
A figura do presidente da República e do chanceler na PEB
Por ser formulada domesticamente e implementada internacionalmente, a
política externa levanta calorosos debates acerca da análise de suas especificidades,
sendo que duas correntes prevalecem: a dos tradicionalistas e a dos pluralistas
(FIGUEIRA, 2011; MILANI, PINHEIRO, 2013).
Para os primeiros, variáveis relacionadas a correlações de forças materiais são
preponderantes para o padrão de inserção e de interação dos Estados no sistema
internacional, já que a estrutura se regula por uma espécie de equilíbrio de poder
que impõe limites para as manobras dos entes estatais (WALT, 1985). Assim,
quanto mais centralizado for o núcleo decisório, quanto mais ele for baseado em
critérios técnicos e isolado de fatores políticos domésticos, mais racional será
a decisão tomada. Já que se acredita que agentes com objetivos individualistas
estarão impedidos de influenciar o cálculo decisório (FIGUEIRA, 2011), a política
externa é tida como uma política de Estado.
Os pluralistas pensam de forma oposta. Para eles, política externa é política
pública e, portanto, a análise dos tradicionalistas é, por definição, incompleta,
uma vez que retira ou minimiza o peso das variáveis domésticas. A tradição
pluralista tende a enfatizar a lógica do jogo de dois níveis, em que os cenários
internos e externos são mobilizados para entender a tomada de decisão. Através
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desse ângulo, se originaram trabalhos sobre o papel do Executivo, do Legislativo,
do Judiciário, da sociedade civil e da opinião pública na definição da política
externa (PUTNAM, 1988; HOUGHTON, 2007).
Nesse ínterim, faz sentido problematizar a figura do presidente da República
e de seu chanceler em assuntos internacionais. Mas, para isso, é preciso
distinguir as funções constitucionalmente definidas para ambos os atores daquelas
historicamente desempenhadas pelos mesmos (SATO, 2015). Nesse caso, o artigo
84 da atual Constituição serve como ponto de partida:
Compete privativamente ao Presidente da República: VII — manter relações
com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;
VIII — celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo
do Congresso Nacional; XIX — declarar guerra, no caso de agressão estrangeira,
autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida
no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total
ou parcialmente, a mobilização nacional; XX — celebrar a paz, autorizado ou
com o referendo do Congresso Nacional; XXII — permitir, nos casos previstos
em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional
ou nele permaneçam temporariamente (BRASIL, 2003)
Ainda na seara legal, o chanceler é o substituto direto do presidente da
República, devendo colaborar no processo de formulação e execução da política
externa (FIGUEIRA, 2009). Entretanto, a análise fundamentada em critérios
estritamente jurídicos transmite uma realidade distorcida do processo decisório
em PEB (SATO, 2015). Por isso, é preciso discutir também tópicos referentes ao
insulamento burocrático do Itamaraty e à diplomacia presidencial.
O papel dos diplomatas na formulação da PEB foi historicamente constituído
em paralelo com a evolução do Itamaraty no cenário administrativo do Estado
nacional. Quanto mais o Ministério de Relações Exteriores (MRE) se afastava
do modelo patrimonialista e se aproximava do modelo weberiano burocrático-
racional
3
, mais insulado, isolado e centralizado, ele ia se tornando e mais
rapidamente se conformava uma coesão identitária entre os diplomatas, ampliando
3 As discussões sobre modelos ideais para representar a evolução histórica, sociológica e organizacional do
Itamaraty foram feitas por Zairo Cheibub. Para o autor, pode-se dividir a cronologia de tal instituição em alguns
marcos temporais. O primeiro vai de 1822 até 1902. Nesse período, chamado de patrimonialista, prevalece
uma noção distorcida entre o que pertence à esfera pública e à privada, predominando relações patrimoniais
e mesmo clientelistas. O segundo período coincide com a gestão do Barão do Rio Branco, quando prevaleceu
uma dominação carismática e eclodiram as primeiras mudanças em direção a um terceiro modelo, o modelo
burocrático-racional. Nele, foram feitas reformas administrativas para tornar a instituição técnica, racional,
profissional e de excelência, pouco havendo espaço para interesses políticos privados.
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o ensimesmamento dos mesmos e a crença de que eles seriam a classe melhor
preparada para identificar e guardar o interesse da nação (CHEIBUB, 1989; MOURA,
2006; FIGUEIRA, 2010).
O Itamaraty se destacou como uma ilha de excelência em meio a um oceano
administrativo confuso e clientelista e, portanto, um modelo a ser seguido e que
deveria sofrer poucas alterações exógenas. Ademais, tal ministério se beneficiava
do fato de que a política externa não exercia, via de regra, influência decisiva no
eleitor mediano. Por consequência, congressistas e presidentes tenderam a delegar
seus papéis de atuação para tal instituição a fim de dedicarem tempo e talento às
questões mais sensíveis e salientes nas disputas políticas (FARIA, 2012).
A nomeação de chanceleres não provenientes da carreira diplomática se tornou
um desvio à regra na história de nosso presidencialismo de coalizão (ONUKI,
OLIVEIRA, 2006; DINIZ, RIBEIRO, 2008; DINIZ FILHO, 2013; LOPES, FARIA, 2014).
Uma das provas empíricas é apresentada por Bersch, Praça e Taylor (2017) ao
compararem agências federais brasileiras e demonstrarem que o MRE é um dos órgãos
cujos níveis de capacidade e de autonomia permanecem dentre os mais elevados.
A relevância da burocracia diplomática fez possível emergir linhas mestras de
pensamento que asseguraram um padrão de continuidade
4
em períodos autoritários
e democráticos e fez com que a PEB fosse vista como sendo puramente uma
política de Estado, constante e técnica (BATISTA, 2010; MIYAMOTO, 2011).
Tal espécie de consenso em relação à produção da PEB foi se desfazendo com
a queda do muro de Berlim e o final da Guerra Fria, com o início da liberalização
comercial e a democratização do Estado brasileiro. A partir de então, os especialistas
identificaram um processo de pluralização, de politização e de horizontalização
5
sobre temas internacionais com vários atores demandando envolvimento, dentre
4 A questão da mudança e da continuidade em assuntos de Política Externa é discutida tanto por tradicionais
quanto por pluralistas. Desse modo, dizer que uma política é pública não significa necessariamente que, a
cada nova gestão, mudanças radicais ocorrerão. Na verdade, os países têm uma margem de manobra para
atuação. A grande diferença entre as duas visões é que, para tradicionalistas, as mudanças são tão pontuais e
tão técnicas que não refletem de um modo significativo — são ruídos que dificilmente alteram o status quo. Já
para os pluralistas, ajustes ocorrem e são relevantes, mas dificilmente revolucionários (MIYAMATO, 2011).
5 Em geral, ao falarmos em termos de horizontalização, de pluralização, de descentralização, de desencapsulamento,
de democratização ou de politização estamos nos referindo ao crescimento vertiginoso de agentes e instituições
interessadas em se envolver com as etapas de formulação, implementação e/ou avaliação do ciclo da política
externa brasileira. Assim, esses conceitos buscam refletir a transição entre um suposto período em que era de
interesse de alguns poucos falar em temas internacionais e outro período mais recente em que vários atores
passaram a inserir tais temáticas como pautas de suas agendas políticas. É também importante salientar que,
embora aqui tais termos sejam usados de forma intercambiada, eles não são necessariamente sinônimos. Para
quem deseja obter mais informações sobre a utilização de tais termos pela literatura, recomenda-se a leitura
de Farias e Ramanzini Júnior (2015).
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os quais, empresários, organizações não governamentais, órgãos do Executivo,
congressistas e o próprio presidente da República (CASON, POWER, 2009; LOPES,
2011; FARIA, 2012; DINIZ FILHO, 2013; FARIA, LOPES, CASARÕES, 2013; FARIAS,
RAMANZINI JÚNIOR, 2015).
No que se refere a esse último ator, cabe enfatizar que, embora alguns
presidentes tenham se envolvido na esfera internacional — como Getúlio Vargas,
Juscelino Kubitschek e Ernesto Geisel —, a literatura considera que ninguém antes
de Fernando Henrique Cardoso exerceu, de fato, uma influência tão sistemática
a ponto de ser coerente falar em diplomacia presidencial. A razão disso é que
tal conceito diz respeito ao envolvimento e à condução pessoal por parte do
presidente da República em projetos de política externa, de modo a extrapolar as
funções protocolares definidas constitucionalmente (PRETO, 2006; DANESE, 2009;
BARNABÉ, 2010; NETO, 2011; SATO, 2015; BURGES, CHAGAS BASTOS, 2017).
O ponto da questão é que, com a entrada mais assertiva do presidente no cálculo
decisório da PEB, fatores pertencentes ao domínio político-eleitoral de curto prazo
passaram a ser variáveis relevantes na inserção internacional do Brasil, o que levou
os especialistas a questionarem a natureza da relação entre a vertente tradicional
da diplomacia e a recém vertente presidencial da mesma (CASON, POWER, 2009;
DANESE, 2009; BURGES, 2010, 2013, 2014; FENWICK, BURGES, POWER, 2017).
Para Danese (2009), essa presença sistemática do presidente trouxe novos
desafios, tensões e obstáculos. Para ele, é preciso evitar constrangimentos, no
sentido de que o exercício presidencial da diplomacia deveria não apenas estar
em sintonia com as diretrizes diplomáticas tradicionais, mas também seu emprego
deve ser calibrado e dosado. Já Barnabé (2010) argumenta que:
não houve, em nenhum dos dois governos [FHC e Lula], atritos importantes
entre o Ministério e os “Mandatários Diplomatas”. Isso se deve, por um lado, a
uma abertura do próprio Itamaraty, que tem acompanhado com sabedoria as
transformações mundiais das últimas décadas e, por outro lado, à clareza dos
Presidentes no que diz respeito à manutenção da importância da Chancelaria
e dos canais próprios do Ministério das Relações Exteriores, ou seja, da
Diplomacia Tradicional, no complexo cenário internacional contemporâneo.
(BARNABÉ, 2010, p. 44)
Para Cason e Power (2009), a ascensão presidencial na diplomacia pode
levar a três efeitos perigosos. O primeiro é de que a política externa passe a ser
cada vez mais submetida aos caprichos (the whims) dos presidentes. A segunda
implicação é a de que o raciocínio estratégico em política exterior comece a
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buscar apenas resultados salientes e de curto prazo, permitindo, assim, que o
líder presidencial faça uma boa propaganda política. Por fim, seria danosa para os
interesses nacionais a percepção de que os presidentes passam a ter mais carisma
e laços de amizade com alguns líderes em detrimento de outros.
Em sentido semelhante, Burges (2010) argumenta que a diplomacia presidencial
pode acabar sendo demasiadamente instável, já que o líder não foi profissionalmente
treinado para exercer ritos diplomáticos. Consequentemente, suas palavras podem
ser escutadas de forma equivocada e ele também pode acabar interpretando
erroneamente determinadas situações que precisam ser levadas com paciência e
através de um procedimento diplomático.
Destarte, ao que parece, duas visões prevaleceram nos estudos existentes.
A primeira é a que há, via de regra, consonância e convergência entre as pautas
enfatizadas por diplomatas profissionais e pela diplomacia presidencial. A segunda
é que há dissonância e divergência entre as agendas, já que os objetivos e os
interesses entre diplomatas e políticos são diferentes.
Convém mencionar, entretanto, que há pouca literatura teórica e dados
empíricos sobre o tema e que, portanto, esse artigo tenta preencher, com um
instrumento necessário — mas insuficiente —, uma lacuna que, por si só, é enorme.
Ou seja, estudos sobre o conceito de diplomacia presidencial e a natureza de
suas interconexões com a vertente tradicional da diplomacia precisam aumentar
em número e em qualidade. Para contribuir minimamente com a pluralização
desse tema, o restante do artigo trata da metodologia utilizada no emprego dos
dados, da apresentação dos resultados obtidos e da discussão acerca do potencial
explicativo dos mesmos.
Metodologia
Os resultados a serem apresentados foram obtidos a partir de técnicas de análise
de conteúdo e mineração textual. Elas são ferramentas para a redução
6
e conversão
de dados textuais em categorias quantitativas com o propósito de fazer inferências
científicas acerca de atributos latentes nos discursos analisados (WEBER, 1990).
Para isso, é necessário seguir um esquema pré-definido de análise para que níveis
significativos de validade, de replicabilidade e falseabilidade dos resultados sejam
6 Por serem justamente técnicas de redução de dados, é visível que uma série de informações são perdidas em
prol de descobrir determinados padrões de estrutura. Os seus resultados fornecem uma medida aproximada —
e, portanto, incompleta — da realidade do tecido textual.
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mantidos
7
(NEUENDORF, 2002). Nesse caso, primeiro, os objetivos da pesquisa
foram definidos, depois o corpus foi coletado, os esquemas de codificação escolhidos,
em seguida, os textos foram codificados e os resultados obtidos.
Como é de interesse comparar as prioridades do presidente da República com
as do seu chanceler em temas ligados às RI durante a posse dos mesmos, o corpus
coletado reuniu os discursos de ambos os atores desde o primeiro governo FHC —
quando se começou a falar em diplomacia presidencial — até a mais recente gestão
de Temer. Só não foi possível encontrar o pronunciamento de Celso Amorim no
segundo governo Lula, fato que pode subestimar os valores encontrados para tal ator.
Terminada a coleta dos pronunciamentos, iniciou-se a fase da escolha do
esquema de codificação que melhor refletisse as necessidades da pesquisa. Para
isso, primeiro, era necessário distinguir os temas de política doméstica dos de
política externa nos pronunciamentos dos presidentes. A codificação proposta pelo
Comparative Agendas Project
8
foi adotada, por se tratar de um conjunto de códigos
que foi aplicado em vários estudos ao redor do mundo e continuou com significativos
níveis de validade, o que aumentou a sua confiabilidade (BATISTA, VIEIRA, 2016).
Ela conta com mais de 200 subcategorias predispostas em 21 categorias (BEVAN,
2015). Apenas as categorias foram utilizadas, já que foge ao escopo do artigo realizar
uma comparação detalhista do discurso presidencial. A esse respeito, o quadro 1
apresenta esse esquema de codificação, responsável por indicar a tonalidade geral
dos pronunciamentos presidenciais e separar temas domésticos de externos.
Quadro 1 — Codificação do Comparative Agendas Project.
Categorias
Macroeconomia Direitos Civis Saúde Agricultura Trabalho
Educação Meio Ambiente Energia Imigração Transporte
Lei e Crime Questões Sociais Moradia Comércio Interno Defesa
Tecnologia Comércio Exterior Relações Internacionais Operações Governamentais Terras Públicas
Cultura Outro
Fonte: Elaboração própria com base no Comparative Agendas Project Codebook: BEVAN (2015)
7 O grande desafio da análise de conteúdo é alocar textos em categorias, já que variáveis podem ser enviesadas
pelo grau de ambiguidade das frases e por atributos do pesquisador, como processos cognitivos, percepções
semânticas, entre outros. Desse modo, nessa pesquisa e em todas as que utilizam tal técnica, é provel a
existência de erros. Em função disso, a replicabilidade é tão importante, já que quanto mais repetida uma
pesquisa for, mais bem definido será o grau de confiabilidade de seus resultados. Por isso, todos os arquivos
de textos, banco de dados e códigos utilizados estarão disponíveis no seguinte repositório: https://dataverse.
harvard.edu/dataset.xhtml?persistentId=doi%3A10.7910%2FDVN%2FMQCASI
8 Para quem deseja obter maiores informações: http://www.comparativeagendas.net/pages/About.
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Originalmente, não existe a categoria “Outro”, mas sua inclusão foi necessária,
devido à natureza dos pronunciamentos analisados. Nela, reuniram-se os
agradecimentos, as frases cujo conteúdo se referiam à trajetória do emissor e
os tópicos sobre a situação contextual da fala. Após ter codificado os discursos
presidenciais, os trechos dos pronunciamentos que se ligam às categorias de
relações internacionais e de comércio exterior foram separados e novamente
categorizados junto aos discursos dos chanceleres, através de outro esquema
codificador que se derivou da estrutura presente na página virtual do Itamaraty
9
.
O quadro 2 informa tais categorias.
Quadro 2 — Codificação da Página do Itamaraty.
Categorias
Relações
Bilaterais
Diplomacia econômica,
comercial e financeira
Mecanismos
Inter-regionais
Integração
Regional
Cooperação
Direitos humanos
e temas sociais
Desenvolvimento sustentável
e meio ambiente
Energia
Ciência, tecnologia
e inovação
Diplomacia
cultural
Paz e segurança
internacionais
Brasileiros no exterior
Atos
internacionais
Outros
Fonte: elaboração própria com base na estrutura da página virtual do Itamaraty (2017)
Inicialmente, a categoria “Outros” foi pensada para reunir conteúdos
relacionados a agradecimentos, referências a amigos e familiares e, também, para
as frases cuja ambiguidade seria tão significativa a ponto de se tornar impossível
alocar uma tonalidade predominante dentre as categorias dessa codificação.
Entretanto, como mostrado mais à frente, tal grupo categórico foi um dos mais
frequentes entre os pronunciamentos de posse. Por conseguinte, será mais bem
examinado em outros gráficos feitos a partir do conteúdo semântico de suas frases.
Cada categoria foi alocada de acordo com a predominância da sua narrativa
frasal, sendo, por conseguinte, essa a unidade de análise. Para tanto, optou-se
por distinguir o início e o final de uma frase através do ponto final. Isso impõe
vantagens e desvantagens.
Dentre os benefícios, destaca-se a utilização de um critério objetivo e
automatizado de seleção e de estruturação do corpus. Quanto às desvantagens, as
9 O sistema de codificação apresentado foi baseado na aba “Política Externa” presente na página virtual do
Itamaraty, assim como estava disponível no mês de agosto de 2017 (podendo ter havido alguma mudança
com o decorrer do tempo). Optou-se por utilizar tal codificação em detrimento de outras, por se tratar de uma
divisão endógena e institucionalmente oficial feita pelo próprio Itamaraty para representar os temas de política
externa. Para quem deseja obter maiores informações: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/
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principais são: a) a possibilidade de que uma só sentença reúna, entre vírgulas,
várias categorias; b) a possibilidade de que alguns discursos se tornem mais ou
menos extensos apenas por causa de se ter adotado o ponto final como critério de
seleção; e, por fim, c) algumas categorias podem ser subestimadas, enquanto outras
sobrestimadas, por causa da opção do emissor — ou até mesmo do responsável
pela transcrição textual do discurso — em pontuar mais ou menos as falas.
Para saber se as desvantagens da utilização do ponto final foram marginais
ou sistemáticas, foram verificadas, cautelosamente, medidas de tendência central
e de dispersão. Obtém-se, então, uma noção mais precisa acerca da variação
de caracteres com espaço em cada linha de cada pronunciamento
10
. Chegou-se,
então, à conclusão de que isso não criou diferenças sistemáticas, com exceção
de alguns casos desviantes.
Em termos de formas de visualização, serão apresentados os seguintes tipos
de gráficos. Os dois primeiros são gráficos de ponto que mostram o percentual
de vezes em que cada ator político analisado citou determinada temática. Em
seguida, há uma nuvem de palavras comparando os termos mais frequentes nos
discursos de chanceleres e de presidentes. Nela, quanto maior o tamanho das
palavras, maior o número de citações. Depois, um dendrograma agrupa os atores
políticos de acordo com a distância euclidiana das palavras. Os dois últimos gráficos
examinam mais profundamente as subcategorias dentro da categoria “Outros”.
Por último, convém deixar claros os seguintes pontos. Primeiro, o potencial
de generalização do artigo é baixo. O corpus não é apenas muito pequeno,
mas também muito específico. Isso significa que os resultados podem ou não
representar a prioridade geral dos atores, o trabalho não entra nesse mérito, já
que para isso seria necessário um desenho de pesquisa bem mais robusto e com
uma amostra bem maior e aleatória. Entretanto, espera-se com tal artigo que
novas reflexões sobre o tema aconteçam e que novas pesquisas se desenhem,
vindo a complementar os achados da área. Segundo, convém lembrar que diretriz
retórica não necessariamente tem correlação com prática política. O artigo trata
de expectativas discursivas, não de realizações materiais. Não obstante, ele pode
servir, novamente, como unidade de comparação para pesquisas que desejem
cruzar e comparar retórica com realidade. Terceiro, a dominância do método
quantitativo impõe uma grande perda de informação sobre o material textual.
10 Um dos comandos de base do R para manipulação de variáveis textuais é o “nchar. Com ele, foi possível obter a
medida do tamanho de elementos contidos em cada frase textual. Vale salientar que esse comando contabilizou
também espaços em branco.
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Portanto, sugere-se a ampliação de estudos que usem métodos diversos (qualitativos
e quantitativos) para, assim, avançar ainda mais no tema.
Resultados
O gráfico 1 apresenta as ênfases temáticas nas posses presidenciais. A partir
dele, é possível visualizar, através de um indicador quantitativo, o peso dado às
RI durante esse rito protocolar dos atores políticos.
Gráfico 1 — Percentuais das Ênfases Temáticas nas Posses dos Presidentes
Fonte: Elaboração própria.
A categoria mais mencionada foi “Outro” (média de 30,1%). Isso indica que,
em média, a codificação empregada foi capaz de alocar e classificar o conteúdo
de 70% dos pronunciamentos presidenciais. A considerar os propósitos do artigo,
esse é um bom nível de proporção. Agregados, os temas voltados às RI e comércio
exterior ocuparam, em média, 5,7% dos discursos de posse. Os presidentes que
menos e mais mencionaram tais tópicos foram Michel Temer (4%) e Lula (8,8%),
respectivamente.
Nota-se que, em suas duas posses, FHC priorizou as categorias referentes
às questões sociais (11,8%), operações governamentais (11,8%), RI (10,2%) e
macroeconomia (9,3%). Em Lula, foram mais mencionadas: RI (14%), questões
sociais (13,1%), macroeconomia (7,7%) e operações governamentais (6,3%).
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Dilma falou mais em termos de operações governamentais (13%), macroeconomia
(9%), questões sociais e Temer pronunciou mais as categorias de macroeconomia
(26,7%) e operações governamentais (26,7%). Com efeito, ele dedicou mais da
metade de sua fala de posse a tais tópicos.
É perceptível a repetição das categorias cuja frequência nunca diminui
drasticamente, como macroeconomia, operações governamentais e questões
sociais, enquanto há outras cuja ênfase, dificilmente, foi ampliada de forma
significativa, tais quais imigração, terras públicas, moradia e trabalho. Uma exceção
é agricultura, cujos valores, via de regra, variaram entre 0 e 1,5% no espaço de
posse dos pronunciamentos, salvo em Lula, que dedicou 4,5% para tal questão.
Tendo distinguido temas domésticos de externos, é possível verificar a
frequência de citações às questões internacionais na posse dos presidentes e dos
chanceleres, conforme mostrado no gráfico 2.
Gráfico 2 — Percentuais das Ênfases Temáticas dos Presidentes e dos Chanceleres
Fonte: Elaboração própria.
Energia, atos internacionais, brasileiros no exterior, ciência, tecnologia e
cooperação possuíram um nível de citações constantemente baixo nas posses dos
presidentes e dos chanceleres. Em razão disso, não há muito detalhe a sublinhar
sobre os mesmos, já que eles estão mais próximos de constantes do que de
variáveis, ao menos, no rito de posse.
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Felipe Ferreira de Oliveira Rocha
Quanto à categoria “Outros”, surpreendentemente, ela foi muito significativa.
Em média, explica 45,2% do conteúdo dos pronunciamentos. Esse número é maior
para os chanceleres (média de 56,8%) do que para os presidentes (média de 22%),
fato que indica que os primeiros tendem a ser mais gerais e menos adjacentes aos
tópicos definidos na página virtual do Itamaraty do que os últimos. Ainda assim,
isso indica a baixa qualidade da codificação construída e mostrada no gráfico 2.
Portanto, na última parte dessa seção, tal categoria será mais aprofundada.
Em suas cerimônias de posse, três categorias dominaram 47,4% do discurso de
FHC ao se referir a temas de RI e comércio exterior, sendo elas: relações bilaterais
do país (23,7%), diplomacia econômica (18,4%) e paz e segurança internacionais
(5,3%). Luiz Felipe Lampreia, chanceler de 1995 a 2001, enfatizou temas ligados
à diplomacia econômica, comercial e financeira (13,5%), direitos humanos e
temas sociais (6,3%), relações bilaterais e mecanismos inter-regionais, ambos com
5,4%. Ao que parece, não houve grandes assimetrias na priorização dada a esses
tópicos entre ambos os atores. Com a aposentadoria de Lampreia, FHC escolheu
Celso Lafer para ser seu chanceler entre 2001 e 2003. Por sua vez, Lafer enfatizou
os temas de diplomacia econômica (23,8%) e de integração regional (9,9%).
Durante as posses de Lula, diplomacia econômica (23,8%), integração regional
(17,9%), mecanismos inter-regionais (15,4%) e relações bilaterais (12,8%)
receberam as maiores citações. De forma convergente, Celso Amorim — chanceler
de 2003 a 2010 — priorizou temas referentes à integração regional, diplomacia
econômica (ambos com 14,7%) e relações bilaterais (10,8%).
Em Dilma, as maiores menções se referem à diplomacia econômica (31,2%),
relações bilaterais (18,8%) e desenvolvimento sustentável e meio ambiente
(12,5%). Antonio Patriota, chanceler da presidente de 2011 a 2013, não priorizou
o espaço dos temas de desenvolvimento sustentável e meio ambiente (0%), mas
mencionou tópicos de integração regional (9,8%) e de diplomacia econômica
(7,3%). Já Luiz Alberto Figueiredo, chanceler de 2013 a 2015, optou por voltar a
aumentar a visibilidade dos temas de desenvolvimento sustentável e meio ambiente
(19%) e enfatizar a diplomacia econômica e mecanismos inter-regionais, ambos
ocupando 4,8% de seu discurso. Por fim, Mauro Vieira, chanceler de 2015 a 2016,
priorizou temas sobre brasileiros no exterior (4%), cooperação e diplomacia
econômica (ambos com 3%).
Por último, Temer deu maior prioridade para tópicos de diplomacia econômica,
diplomacia cultural (ambos com 27,3%) e paz e segurança internacionais (18,2%).
O primeiro chanceler dele foi José Serra, entre 2016 e 2017, que enfatizou
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Temas de Relações Internacionais nos discursos de posse de presidentes e de chanceleres brasileiros [...]
diplomacia econômica (20,6%) e relações bilaterais (10,8%). Já Aloysio Nunes,
chanceler a partir de março de 2017, priorizou tópicos de relações bilaterais
(12,6%) e diplomacia econômica, comercial e financeira (10,7%).
Com tais evidências, pode-se concluir que, ao menos em discursos de posse,
tanto os presidentes quanto os seus chanceleres tenderam a manter um padrão de
ênfase temática constante, sendo que mudanças ocorreram pontual e marginalmente.
Tópicos relacionados à diplomacia econômica, relações bilaterais e integração
regional, por exemplo, permaneceram priorizados ao longo do tempo. Por outro
lado, energia, atos internacionais, brasileiros no exterior e ciência e tecnologia
tenderam a um grau de saliência constante e insignificativo, quando não nulo.
Para construir uma noção mais precisa acerca de qual foi o nível de associação
entre os presidentes e os chanceleres, é importante verificar os valores de correlação
entre eles. Para tanto, utilizou-se os textos dos discursos voltados para RI e técnicas
de mineração textual foram executadas nos mesmos. Ou seja, a partir de agora,
ignora-se as categorias e considera-se, novamente, o conteúdo. A primeira forma
de verificar semelhanças e diferenças é verificando os termos mais utilizados por
presidentes e por chanceleres, isso pode ser visto a partir da figura 1.
Figura 1 — Nuvens de Palavras Comparando Presidentes e Chanceleres
Fonte: Elaboração própria.
Chanceleres tendem a mencionar termos como Itamaraty, ministro, presidente,
serviço, brasileiros. Presidentes, por sua vez, tendem a falar em “países”, “mundo”,
“defesa”, “sul” etc. A partir dessa abordagem, é possível ir ainda além e calcular
medidas de distância e de similaridade. A figura 2 traz um dendrograma que
mostra como a distância euclidiana normalizada das palavras permite agrupar
os atores aqui analisados em clusters.