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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 12, n. 3, 2017, p. 130-152
“Ganhei na loteria! Mas e o prêmio?”: a mobilização sócio-legal do direito internacional [...]
direitos humanos e, por conta disso, não deve ser aplicada, uma vez que desrespeita
a obrigação de investigar, processar e punir decorrente da Convenção Americana
de Direitos Humanos, aderida pelo Brasil em 1992
3
.
Em abril de 2010, sete meses antes da emissão dessa sentença, e já tendo em
vista o provável conteúdo da decisão da CoIDH, o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu preventivamente em favor da constitucionalidade da Lei de Anistia no
julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental ADPF 153.
O objetivo era neutralizar a eventual condenação e salvaguardar a controversa
interpretação judicial hegemônica segundo a qual os crimes comuns praticados
pelos agentes do Estado teriam sido anistiados por tratarem-se de crimes conexos
aos crimes políticos previstos pela legislação.
Entretanto, apesar dessa e de outras seguidas derrotas nos tribunais nacionais,
a condenação do Brasil impulsionou uma alteração na postura da cúpula do
Ministério Público Federal (MPF) em favor da posição defendida por um grupo
minoritário de procuradores mais progressistas e abertos ao direito internacional
dos direitos humanos, os quais ajuizaram 27 ações penais sobre violações da
ditadura até o início de 2017 (BRASIL, 2017). Assim, os esforços em favor da
persecução criminal individual seguem em curso, ancorados na sentença da
CoIDH, a mais importante ferramenta jurídico-legal disponível para confrontar a
decisão do STF na ADPF 153.
De modo geral, porém, no que tange à implementação e cumprimento global
dos pontos resolutivos da sentença, o Brasil pouco avançou. Na resolução de
supervisão de cumprimento da sentença de 2014, a CoIDH faz uma avaliação
ainda válida: excetuando medidas indenizatórias e a criação da Comissão Nacional
da Verdade, a situação é de ausência de resultados na responsabilização penal
dos perpetradores das violações; na localização das vítimas desaparecidas; na
3 No tocante à hierarquia das normas internacionais de direitos humanos dentro do ordenamento jurídico brasileiro,
desde a incorporação do parágrafo 3
o
ao artigo 5
o
da Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional
(EC) n. 45/2004, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, terão
status constitucional. Já os tratados posteriores à EC 45/2004 que não sejam aprovados por maioria qualificada,
isto é, por três quintos dos votos, em dois turnos, pela Câmara dos Deputados e Senado, receberão apenas
status infraconstitucional, de legislação ordinária. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal decidiu em favor da
tese da supralegalidade para os tratados de direitos humanos incorporados ao direito brasileiro antes da EC
45/2004, como a Convenção Americana de Direitos Humanos. Nesses casos, o status dos tratados situa-se
acima de todas as leis ordinárias do país, mas abaixo da Constituição (cf. Ramanzini, 2014). Por sua vez, no
que diz respeito à relação do Brasil com o sistema interamericano de direitos humanos, os pronunciamentos
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos têm caráter de recomendações, enquanto os julgamentos da
Corte Interamericana de Direitos Humanos constituem sentenças de natureza vinculante.