Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 12, n. 3, 2017, p. 54-76
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Diego Pautasso, Alexandre Cesar Cunha Leite, Gaio Doria
questão da interpretação da ascensão chinesa, utilizando conceitos que iriam se
tornar chave no discurso chinês nas décadas seguintes, tais como relação Sul-Sul,
“anti-hegemonismo”, dentre outros. Deng é categórico ao afirmar que “quando a
hora chegar, a China certamente irá desempenhar um grande papel na manutenção
da paz e estabilidade mundial” (DENG, 1994, p. 110-112).
É com os desdobramentos históricos e político-diplomáticos, com as intrínsecas
contradições e conflitos de interesses e direitos, que se poderá captar a verdadeira
natureza da ascensão chinesa. Nesse sentido, a questão do Mar do Sul assume
uma importância singular. O número de países que clamam soberania sobre a
região, a partilha das reservas de recursos naturais e a complexidade em acomodar
as diversas disputas serão um grande desafio para a resolução do imbróglio.
E, naturalmente, o envolvimento da superpotência estadunidense recrudesce
a complexidade da questão. Dessa forma, a consolidação da China como líder
regional e potência mundial passa por saber conduzir tais litígios — que, por
extensão, são essenciais para sua integridade territorial, segurança energética,
integração regional e comércio exterior.
As disputas no Mar do Sul envolvem diversas ilhas e zonas econômicas
exclusivas (mar territorial) entre diversos países da região, nomeadamente a
República Popular da China, a República da China (Taiwan), Filipinas, Vietnã,
Brunei e Malásia. A República Popular da China possui as maiores aspirações
em termos territoriais — almeja uma área definida através do conceito de “linha
de nove-traços” (九段线) (originalmente, “linha dos onze-traços”), proposta pela
República da China durante o governo do Guomindang, com ajuda técnica dos
EUA, antes da derrota para os comunistas, em 1947, com intuito de reivindicar
soberania sob as ilhas Paracels, Prats e Spratly, logo após a rendição japonesa na
Segunda Guerra (FRAVEL, 2011).
O imbróglio aumentou quando o Tratado de São Francisco (1951), que dispôs
sobre a situação do Japão no pós-guerra, não resolveu a questão das ilhas, deixando
a República Popular da China (RPC) e a República da China (Taiwan) de fora de
qualquer negociação. Os comunistas emitiram notas de repúdio e, posteriormente,
o premier Zhou Enlai subtraiu dois traços, retirando o Golfo de Tonkin e formando
a “linha de nove-traços”, que a China reivindica atualmente.
Segundo a entrevista concedida ao Consensus Net por Xue Li (LI, 2016),
chefe da Divisão Estratégica Internacional do Instituto de Economia e Política
Mundial da Academia de Ciências Sociais da China, não existe consenso entre os
acadêmicos chineses sobre o assunto. Há, todavia, quatro grandes interpretações