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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 12, n. 3, 2017, p. 104-129
O histórico da segurança humana e o (des)encontro das agendas de desenvolvimento e segurança
qual a segurança humana foi descrita como liberdade do medo (freedom from
fear) e liberdade de necessidades (freedom from want). A definição conta com a
contribuição de Estados-membros, órgãos e agências internas, e também de figuras
políticas e acadêmicas na liderança e modelagem da discussão. O relatório tentou
aproveitar as reflexões do pós-Guerra Fria, juntamente com novos temas e atores
que emergiam do período. É necessário lembrar que, nesse período, os temas de
segurança eram restritos e enquadrados em um debate Leste-Oeste. Enquanto a
questão do desenvolvimento era Norte-Sul.
Nef (1999) ressalta que, nesse período, a segurança e o desenvolvimento não
mais eram vistos através de perspectivas de soma zero, mas sim como ganho e perda
quando colocados em conjunto, principalmente quando pensamos nas ameaças
transfronteiriças como pobreza ou epidemias, por exemplo. Logo, altos níveis de
segurança levam ao desenvolvimento econômico, o que promove segurança e, por
conseguinte, altos níveis de desenvolvimento, o que gera segurança e promove
desenvolvimento, e assim em diante. A segurança humana é fundamentada no
desenvolvimento humano. Porém, o RDH foi recebido com ceticismo pelo G77,
pois os Estados temiam que o conceito levaria a violações da soberania estatal,
o que fez com que a segurança humana não fosse adotada durante a Cúpula
Mundial para o Desenvolvimento Social de Copenhague em 1995.
Mesmo assim, a Rede de Segurança Humana (RSH) formada por uma coalizão
de 13 países
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, liderados pelo Canadá, uniu esforços para campanhas de advocacy
que levaram à assinatura da Convenção de Ottawa em 1997 e do Estatuto de
Roma em 1998. A RSH se organiza em torno da temática da Convenção de Ottawa
que se formaliza em 1999. Além disso, a RSH liderou encontros ministeriais que
discutiam questões como direitos humanos, prevenção de conflitos e HIV/AIDS.
Em 2000, é criado — por iniciativa japonesa — o Fundo das Nações Unidas para a
Segurança Humana (FNUSH), a fim de concretizar e operacionalizar o conceito, ao
financiar projetos relacionados à construção da paz, à restauração pós-conflito, às
abordagens da pobreza crônica, à redução de risco de desastre, ao tráfico humano
e à segurança alimentar, buscando traduzi-lo em atividades operacionais que
proporcionem benefícios sustentáveis às pessoas e comunidades que tenham sua
sobrevivência, dignidade e sustento ameaçados; além de empoderar os indivíduos
6 Áustria, Canadá, Chile, Costa Rica, Grécia, Irlanda, Jordânia, Mali, Holanda, Noruega, Suíça, Eslovênia e
Tailândia, além da África do Sul como observador. O Japão foi convidado para participar desde o início da rede,
mas declinou em duas ocasiões devido à ênfase na intervenção humanitária e à reserva fundamental japonesa
em usar a força sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU (TAKASU, 2015: p. 245).