
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 12, n. 2, 2017, p. 174-196
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Raphael Padula
ou firmando buscam aprofundar a regulação em temas já presentes na agenda
da OMC, os chamados “OMC-plus” – regras de origem, salvaguardas, serviços e
propriedade intelectual – e “OMC-extra” – que são novos temas, como concorrência,
compras governamentais, meio ambiente e legislação trabalhista, sem discutir
subsídios agrícolas. Enquanto China e Índia vêm promovendo uma série de acordos,
no entanto, mais focados na liberalização de mercados, acesso a investimentos e
na regulação de subsídios. Assim, embora os países subdesenvolvidos tenham se
articulado e alcançado a Declaração de Doha para flexibilizar o TRIPS em favor
da área de saúde (ALMEIDA, 2013, p. 276)
5
, atualmente, as grandes potências, e
especialmente os EUA, vêm buscando acordos bilaterais e regionais que buscam
estabelecer regras de propriedade intelectual que vão além do TRIPS (conhecidos
como “TRIPS Plus”)
6
.
Embora o governo Donald Trump venha promovendo algum grau de reversão,
que pode ser temporário, os EUA vêm buscando promover acordos de livre-comércio
e arranjos de integração aberta no hemisfério ocidental, na Ásia-Pacífico e no
Atlântico Norte
7
. Nas negociações bilaterais, os EUA exercem um poder de barganha
5 Para Almeida (2013, p. 276): “As implicações do Acordo TRIPS para a saúde pública levou os países em
desenvolvimento a proporem, e obterem, a adoção da Declaração de Doha, cujas flexibilidades seriam “necessárias
à proteção da saúde pública e nutrição”. Isso ocorreu em abril de 2001, quando o governo norueguês sediou
uma reunião que incluiu OMS, UNICEF, Banco Mundial, as grandes indústrias farmacêuticas transnacionais
e poucas ONGs, para discutir estratégias que possibilitassem melhoria de acesso dos países pobres a drogas
e medicamentos de alto custo. Embora a questão de licença compulsória tenha sido considerada, a reunião
terminou por aprovar a proposta de ‘preços diferenciais’ para países de baixa renda, que continuou a favorecer
a indústria farmacêutica. Essa proposta foi endossada sete meses depois, na reunião do Conselho de Ministros
da OMC, em Doha em 2001, que adotou a Declaração de Doha (o Doha Statement on TRIPS and Public Health),
que reafirmou as flexibilidades previstas no TRIPS para apoiar problemas relacionados à saúde e reiterou os
direitos dos países de usarem a licença compulsória para a produção e melhora do acesso aos medicamentos
genéricos. O princípio subjacente a essa Declaração é que a saúde pública teria prioridade sobre as regras do
comércio internacional e, para tal, afirma a legitimidade da licença compulsória assim como certas flexibilidades
no Acordo TRIPS para países que não dispõem de desenvolvimento industrial. A reunião de Doha comissionou
um processo de elaboração de regulamentos para essas situações”.
6 “A resposta dos EUA e da Europa foi desconsiderar esse acordo negociado na OMC e começar a negociar acordos
livres bilaterais e regionais, o que envolve a aceitação de concessões dos países em desenvolvimento, parceiros
desses acordos (...) A questão da propriedade intelectual nesses acordos bilaterais e regionais (chamados ‘TRIPS
plus’) proporciona muito mais proteção para as grandes indústrias farmacêuticas do que os TRIPS originais da
OMC (...) Desde 2001, qualquer acordo comercial norte-americano inclui aspectos relativos à proteção do direito
de propriedade intelectual dos fármacos por período mais longo que os 20 anos previstos no TRIPS. Esse padrão
‘TRIP-plus’ erodiu de forma importante as flexibilidades previstas na Declaração de Doha” (ALMEIDA, 2013).
7 O EUA liderou a criação do NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte) em 1994. Em relação aos
países da América do Sul, após o fracasso do seu projeto da ALCA – entravado sob a liderança de Argentina,
Brasil e Venezuela na Cúpula de Mar Del Plata de 2005 –, o EUA vêm estabelecendo Tratados de Livre Comércio
(TLC) bilaterais, especialmente com as pequenas economias exportadoras de commodities da costa do Pacífico
– Chile e Peru – e com seu aliado estratégico na região – a Colômbia.