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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 2, 2016, p. 5-27
A Política Externa Turca no Pós-2011: das revoltas árabes à ascensão do Estado Islâmico
A chegada de Erdoğan ao posto de primeiro-ministro e o advento do AKP ao
poder marcou o início de um “período de coabitação” no governo turco (ROBINS,
2007), onde um partido com raízes islâmicas foi obrigado a governar junto a um
aparato estatal kemalista, que tinha o laicismo como base de sua visão de mundo.
A convicção central do partido e de Recep Tayyip Erdoğan era a de que democracia
e Islã não eram incompatíveis, e que, inclusive, o maior desejo de grande parte dos
turcos era poder desfrutar de ambos (KINZER, 2008). Erdoğan também defendia
uma outra interpretação do secularismo, não mais como a supressão das escolhas
religiosas individuais, como empregado pela elite kemalista, mas como a liberdade
do indivíduo de poder escolher no que acredita (KINZER, 2008). Essa tentativa
de harmonização entre democracia e Islã foi fundamental para tentar resolver
um dos problemas estruturais apontados por Fuller (2008): o da percepção do
Islã como ameaça.
Em sua campanha, em 2002, Erdoğan também pregava uma “normalização”
da política, o que significava que os resultados eleitorais deveriam ser respeitados.
Buscava-se, assim, resolver o outro problema estrutural, o da tutela militar sobre a
política doméstica (KINZER, 2008). Mas, desde o início, o AKP optou por evitar uma
confrontação direta com o establishment kemalista, diferentemente do antigo partido
islâmico nos anos 1990, o Partido do Bem-Estar de Necmettin Erbakan. Nesse sentido,
a criação do AKP, em 2001, foi o resultado de um processo de amadurecimento dos
grupos islâmicos e sua visão em relação à democracia (FULLER, 2008).
Em relação à política externa, quando Erdoğan assumiu o posto de primeiro-
ministro, deixou claro que sua primeira prioridade seria liderar a Turquia em
direção ao posto de membro da UE, o que surpreendeu a elite kemalista (KINZER,
2008). Essa opção do governo se deu não apenas para consolidar a imagem de
que o AKP era um partido “pós-islâmico” e, portanto, pragmático, podendo seguir
a tradição kemalista (ROBINS, 2007), mas também para impulsionar reformas
domésticas que tirassem poder político dos militares – ou seja, buscou uma
forma indireta para enfrentá-los. A busca pela aproximação com a Europa seria,
portanto, a característica principal da primeira fase da política externa do governo
AKP, entre 2003 e 2005 (ROBINS, 2013). De fato, a aproximação com a UE serviu,
domesticamente, para dar início a um processo bem-sucedido de diminuição
do poder político dos militares, o que incorreu, utilizando a terceira variável de
Hermann (1990), em uma mudança na estrutura política doméstica do país
5
.
5 Em 2003, o parlamento turco aprovou um pacote de reformas que transformou o Conselho de Segurança Nacional
(CSN) em um órgão de aconselhamento, removendo sua influência sobre o governo e a burocracia.