Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
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Eugenio Diniz
Armamentos Nucleares:
Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
Nuclear Weapons:
Deterrence and Inadvertent Nuclear War
DOI: 10.21530/ci.v11n1.2016.472
Eugenio Diniz
1
Resumo
Aborda-se o problema dos supostos benefícios à segurança internacional que adviriam
da eventualidade de que aumentasse a quantidade de Estados nuclearmente armados,
em função do alegado valor dissuasório que lhes seria intrínseco. A questão é discutida
integrando-se as literaturas sobre dissuasão e sobre os riscos de guerras nucleares
impremeditadas, articuladas pela discussão das necessidades técnicas e estratégicas de
procedimentos e recursos de Comando e Controle (C2), incluindo os aspectos relacionados
a alerta antecipado e capacidade efetiva, segura e garantida de lançar um ataque caso se
decida fazê-lo. Expõem-se os componentes de uma capacidade nuclear plena; as condições
necessárias para que possa haver uma dissuasão nuclear mútua e estável em oposição aos
incentivos para um primeiro ataque e aos riscos de “lançamento-ao-primeiro-sinal”; e, em
1 Professor do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC
Minas; membro do International Institute for Strategic Studies – IISS (Londres); membro do Grupo de Estudos
Estratégicos – GEE; Pesquisador 1C do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq;
Presidente da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI no biênio 2015-2017. A pesquisa da qual
resulta este texto foi apoiada também pelo Programa Pesquisador Mineiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de Minas Gerais – Fapemig e também pelo CNPq e pela Minerva Initiative, Office of Secretary of Defense
& the Army Research Office, Grant No. W911NF-12-1-0355; as ideias, conclusões e visões aqui apresentadas
são exclusivamente do autor, e não devem ser interpretadas como representativas de nenhuma instituição,
pública ou privada, governamental ou não, nem de suas políticas, nem como endossadas por elas. (This work
was supported by the Minerva Initiative, Office of Secretary of Defense & the Army Research Office, Grant No.
W911NF-12-1-0355). The views and conclusions of this paper are those of the author only, and should not be
interpreted as representing sponsor or federal government policies or endorsements.) O autor agradece a todas as
instituições mencionadas, e também a Monica Herz, por ter-me encorajado a fazê-lo; e a Anne Clunan, David
Mares e Harold Trinkunas, que ajudaram a viabilizá-lo.
Artigo recebido em 26/04/2016 e aprovado em 01/07/2016.
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que medida, tais dinâmicas podem ou não contribuir para uma maior estabilidade política.
A conclusão geral é que, na ausência de capacidades de C2 e de alerta antecipado robustas,
complexas, avançadas e caríssimas, a segurança de um país é na verdade diminuída pela
obtenção de armamentos nucleares, e o risco de guerras nucleares impremeditadas aumenta
significativamente; além disso, contrariamente à sabedoria convencional, todos esses
perigos são ainda maiores para países pequenos ou pobres que para países grandes ou ricos.
Armamentos nucleares, por si mesmos, não diminuem a diferença entre ricos e pobres; ao
contrário, aumentam-na.
Palavras-chave: Dissuasão; Guerra Acidenta; Estabilidade Nuclear; Armamentos Nucleares;
Proliferação Nuclear; Comando e Controle Nucleares
Abstract
The text approaches the issue about the desirability of nuclear-weapon proliferation for
its alleged intrinsic deterrent capabilities, integrating the issue of inadvertent nuclear war,
by connecting both literatures with the technical and strategic needs for Command and
Control (C2), including aspects related to early warning and reliable, secure launching.
It addresses the elements of a complete nuclear capacity; the necessary conditions for a
stable, mutual nuclear deterrence, against the incentives for a first nuclear strike and the
risks of launch-on-warning; and to what extent those dynamics contribute, or not, for greater
political stability. The overall conclusion is that, in the absence of robust, very complex
and advanced, expensive, secure C2 and early-warning capabilities, a country’s security is
actually decreased by acquiring nuclear weapons, and the danger of inadvertent nuclear wars
is significantly enhanced; contrary to conventional wisdom, all these dangers are still more
pronounced for smaller, poorer countries than for large, wealthier ones. Nukes themselves
are not equalizers, quite the contrary.
Keywords: Deterrence; Accidental War; Nuclear Stability; Nuclear Weapons; Nuclear
Proliferation; Nuclear Command and Control
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Introdução
Uma posição bastante difundida na área de relações internacionais é que, em si
mesmos, “armamentos nucleares são uma força em prol da paz” (MEARSHEIMER,
1994; 2001). Ninguém menos que Waltz (1993) chega a considerar que a
proliferação de armamentos nucleares seria benéfica. Mais que o fato de que
não houve qualquer explosão de artefatos nucleares que não para testes desde
1945, essa literatura tende a enfatizar o fato de, passados quase 70 anos desde
Hiroshima e Nagasaki, nunca ter havido guerra diretamente entre potências
nucleares, e particularmente entre EUA e URSS durante a Guerra Fria, atribuindo-o,
pelo menos em alguma medida
2
, às autorrestrições induzidas pelo caráter
dissuasório dos armamentos nucleares.
Uma outra vertente, por seu lado, considera que tal situação era muito
mais instável do que parecia à primeira vista, e que, principalmente em função
de problemas de comando e controle (C2)
3
, sempre há o risco de uma guerra
“por inadvertência” (THAYER, 1994) ou “impremeditada” (KAHN, 1961b),
decorrente ou de algum tipo de acidente ou do emprego de artefatos por alguém
sem a autoridade para tanto (p. ex., BLAIR, 1985; BRACKEN, 1983; IKLÉ, 1958;
POSEN, 1991; SAGAN, 1985; SAGAN, 1993a; SAGAN, 1993b).
Esse debate
4
tem implicações muito sérias, para além de seus aspectos
científicos e acadêmicos. O foco excessivo sobre os armamentos, especificamente,
e a desconsideração dos demais componentes da capacidade bélica nuclear
2 Outra explicação, tipicamente realista, seria a distribuição bipolar das capacidades (capabilities), frequentemente
entendida pelos realistas (WALTZ, 1979; MEARSHEIMER, 2001) como inerentemente menos propensa a guerras
entre as principais potências.
3 Note-se que os problemas poderiam estar relacionados a equipamentos, instalações e procedimentos voltados
para o alerta antecipado (early warning), ou seja, a detecção, o quanto antes, do lançamento de mísseis ou
aeronaves nuclearmente armadas por um oponente; ou também a equipamentos, instalações e procedimentos
voltados para a comunicação, seja doméstica, seja entre aliados, seja entre os prospectivos contendores. Em outras
áreas da discussão estratégica, acabou-se consagrando a expressão C3I para comando, controle, comunicação
e inteligência; ou, às vezes, C4I para comando, controle, comunicação, computação e inteligência. No que
concerne às discussões sobre armamentos nucleares, entretanto, a expressão “comando e controle” acabou
prevalecendo. Seguiremos esse uso aqui, mas fica a ressalva.
4 Num texto que em tudo o mais é muito útil e original, Feaver (1997) se refere, de maneira muito infeliz,
à primeira posição como “otimista” e à segunda como “pessimista”, como se o que estivesse em jogo fosse
basicamente um problema de atitude, e não de processos e suas implicações. Talvez a distinção não seja tão
problemática quando se considera apenas o que está abordado no texto – a saber, discutir o que ele chama de
posição “neo-otimista”, segundo a qual os problemas de C2 existem e são sérios, mas eventuais novas potências
dotadas de capacidade bélica nuclear estariam, a esse respeito, em melhor posição que seus predecessores.
Mas a caracterização em si mesma é infeliz, e por isso não será adotada aqui.
12
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produzem entendimentos ingênuos da dissuasão nuclear e da ideia de estabilidade
nuclear que tal dissuasão produziria, com consequências políticas muito perigosas
5
,
notadamente no que se refere à proliferação e não proliferação de armamentos
nucleares, ao controle de armamentos e ao desarmamento, e quanto a que atitudes
tomar diante de determinados comportamentos na política internacional.
O presente texto visa expor os componentes de uma capacidade nuclear
plena; as condições necessárias para que possa haver uma dissuasão nuclear
mútua e estável em oposição aos incentivos para um primeiro ataque e aos riscos
de “lançamento-ao-primeiro-sinal”
6
; e em que medida tais dinâmicas podem ou
não contribuir para uma maior estabilidade política. Eventualmente, tais pontos
serão ilustrados com referências à situação vigente entre EUA e URSS durante a
Guerra Fria, em função tanto do fato de que, no geral, a tensão era máxima e as
capacidades nucleares de ambos eram altamente desenvolvidas, quanto também
em função de significativa abundância de informações.
Antes de prosseguir, uma advertência. A literatura a respeito desses temas é
muito grande, e com variações e nuances significativas entre os diversos autores.
Não obstante, é possível discernir uma linha geral, uma orientação predominante,
que é a que será exposta aqui. Salvo um ou outro caso específico, em que variações
serão apontadas no texto, quem quiser ter conhecimento das diversas nuances do
argumento poderá valer-se das indicações bibliográficas aqui referidas.
A estrutura material da dissuasão nuclear
Em princípio, a maneira mais garantida de não sofrer um ataque nuclear por
alguém nuclearmente armado seria destruir a capacidade bélica nuclear dessa
outra parte. O problema é que, ao tentar fazê-lo, a outra parte poderia contra-
atacar com todo o seu arsenal nuclear que não tivesse sido destruído, ou então
com parte dele. Portanto, à primeira vista, pelo menos um dos resultados abaixo
teria que ser alcançado logo no primeiro ataque:
5 As literaturas sobre dissuasão nuclear e estabilidade nuclear são imensas e variadas, com diferentes perspectivas,
ênfases e com um grande número de subtópicos. O máximo que se pode fazer nesta nota é aludir a alguns textos
muito representativos das discussões mais gerais. Para uma apresentação mais abrangente, veja-se o alentado
volume de Freedman (2003); visões alternativas podem ser encontradas em Kaplan (1983) e Gavin (2012). As
referências clássicas são Wohlstetter (1959); Schelling (2003 [1960];1966), Kahn (1961a; 1961b; 1965); Brodie
(1959). Para uma extraordinária revisão mais recente, v. Delpech (2011).
6 Ver abaixo a discussão sobre “launch-on-warning”.
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a destruição de todos, ou praticamente todos, os meios de entrega
7
de
artefatos nucleares
8
do oponente
9
;
a destruição, ou pelo menos a paralisação temporária, da capacidade
de fazer com que os meios de entrega do oponente sejam lançados
– por exemplo, danificando ou interrompendo o funcionamento da
infraestrutura de comunicação entre autoridades, bases aéreas e centros
de lançamentos de mísseis.
Destruir totalmente, ou quase totalmente, os meios de entrega do oponente
antes que esse os lançasse só seria possível se se pudesse obter um grau
considerável de surpresa; se se pudesse saber com certeza a localização de todos
os alvos; se os meios de entrega tivessem precisão considerável
10
; e seria tão mais
difícil quanto maior fosse a quantidade e quanto mais protegidos estivessem os
alvos. O mesmo valeria para a neutralização da infraestrutura de C2, que poderia
ser conseguida a partir da detonação de um artefato nuclear em condições tais
que o pulso eletromagnético danificasse as instalações elétricas desprotegidas.
A questão é que, caso não fosse possível neutralizar totalmente a resposta
do outro lado, mesmo uma pequena capacidade restante poderia ser suficiente
para produzir dano considerável ao atacante. Entretanto, o estímulo para que o
atacado retaliasse seria drasticamente reduzido se o atacante, por sua vez, também
dispusesse de capacidade nuclear restante para responder à retaliação do oponente,
aumentando ainda mais a destruição de que esse fora vítima. Embora, em tese,
fosse possível que o atacado, ao retaliar, tentasse destruir a capacidade nuclear
restante do atacante, na prática, isso seria impossível: não haveria surpresa, e o
retaliante, cuja capacidade nuclear fora severamente degradada – e que, portanto,
não teria margem para erro –, não teria como saber exatamente quais meios
de entrega teriam sido lançados no primeiro ataque do atacante; portanto, sua
7 Meios de entrega são os sistemas que transportam os artefatos nucleares a seus destinos: tipicamente, mísseis
balísticos (baseados em terra ou em submarinos) e aeronaves (particularmente os bombardeiros de longo
alcance). Ver nota seguinte para os artefatos nucleares.
8 Normalmente, entende-se como artefatos nucleares as bombas (lançadas por aeronaves) e as ogivas de mísseis
– embora não haja qualquer impedimento técnico à produção de artefatos que fossem lançados por peças de
artilharia, por exemplo; na discussão sobre atentados terroristas, frequentemente se menciona a possibilidade
do “caminhão-bomba nuclear”.
9 Caso os artefatos nucleares estivessem fisicamente separados dos meios de entrega, seria possível destruí-los
diretamente, atacando as instalações onde estivessem armazenados.
10 À primeira vista, poderia imaginar-se que o problema da precisão pudesse ser contornado pela redundância, ou
seja, dirigindo-se mais de um artefato ao mesmo alvo. Porém, seria impossível obter detonações absolutamente,
ou praticamente absolutamente, simultâneas. Portanto, a primeira explosão (dita, nesse caso, fratricida) destruiria
os demais artefatos.
14
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retaliação não poderia ter como alvo a capacidade nuclear restante do atacante,
e teria que ser dirigida contra a população e a riqueza desse último.
Portanto, embora, em tese, haja incentivos para evitar sofrer um ataque
nuclear pelo recurso a um ataque prévio à capacidade nuclear alheia, as condições
para consegui-lo são muito exigentes, e um sucesso minimamente aceitável seria
altamente improvel. Assim, a expectativa de evitar ser vítima de um ataque
nuclear desloca-se exatamente para a exploração sistemática da retaliação nuclear,
ou seja, produzir, num prospectivo atacante, a expectativa de que nenhum ataque
nuclear seria capaz de impedir que o atacado lançasse uma retaliação nuclear
desastrosa para o atacante. É a tal desincentivo a um ataque nuclear alheio a
partir da capacidade nuclear própria que se dá o nome de dissuasão nuclear
11
.
Tecnicamente, portanto, trata-se de estabelecer a capacidade de lançar um
segundo ataque, ou, simplesmente, capacidade de segundo-ataque (second-strike
capability); como esse seria dirigido não contra as forças de um eventual atacante,
mas, sim, contra sua população e riquezas, tal tipo de ataque é chamado de ataque
contravalor (countervalue strike). Um ataque contra a capacidade nuclear do
oponente é, nesse contexto, chamado de ataque contraforça (counterforce strike).
Essa expectativa depende de três fatores:
da expectativa de que, mesmo após um ataque nuclear maciço, o atacado
disporia de grandes quantidades de artefatos nucleares suficientemente
poderosos e de veículos de entrega com alcance e capacidade de penetração
das defesas do oponente;
da expectativa de que, mesmo após um ataque nuclear maciço, as
autoridades e a infraestrutura e os procedimentos de comando, controle
e comunicações ainda estariam em condições de tomar e de implementar
a decisão de retaliar nuclearmente;
e, por fim, da expectativa de que a decisão de retaliar seria efetivamente
tomada
12
.
Produzindo a capacidade de segundo ataque
Para obter a capacidade de segundo ataque, é necessário agir sobre os
seguintes pontos:
11 Para uma apresentação sumária e didática da evolução do emprego do termo “dissuasão” (deterrence) na
discussão estratégica, e particularmente no contexto nuclear, v. Kartchner (2005).
12 Esse último ponto será explorado um pouco mais adiante.
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reduzir a possibilidade de ser pego de surpresa. Para tanto, uma ampla
infraestrutura de alerta antecipado (early warning) é necessária, idealmente
com ampla redundância.
Uma rede completa envolveria:
satélites de monitoramento constante dos potenciais atacantes –
principalmente de suas bases aéreas e centros de lançamentos de
mísseis –, com múltiplos sensores, tanto infravermelhos quanto
ópticos;
o sobrevoo regular do território dos potenciais atacantes por
aeronaves especializadas na obtenção de informação – cuja atividade,
notoriamente clandestina, exige: que tenham sensores de vários tipos
e de alta qualidade; que tenham grande autonomia; que sejam pouco
detectáveis; e que tenham grande capacidade de evasão;
radares de alerta antecipado, caríssimos, que permitem detectar,
a longa distância, mísseis e aeronaves e rastrear suas trajetórias –
inclusive de mísseis lançados por submarinos;
bases para instalação dos radares de alerta antecipado, que,
eventualmente, terão que estar em território de outrem, com as
significativas implicações políticas daí decorrentes;
equipamentos, procedimentos e instalações voltadas para a
interceptação e decodificação de mensagens e comunicações de
possíveis atacantes;
redes de sonares submarinos fixos, instalados em possíveis pontos
de passagem dos submarinos lançadores de mísseis do oponente;
meios móveis, incluindo submarinos, aeronaves de patrulha marítima
e meios de superfície, voltados para a detecção, localização e, se
possível, acompanhamento de submarinos lançadores de mísseis
de possíveis atacantes;
instalações, equipamentos e procedimentos para reunião, integração
e processamento das informações decorrentes dessa rede – tais
instalações são tão críticas que a elas costumam ser estabelecidas
condições excepcionais de proteção;
infraestrutura e procedimentos de transmissão das informações obtidas
pelos meios acima citados para as instalações de processamento;
infraestrutura e procedimentos de comunicação entre as instalações
de processamento e as autoridades responsáveis pelas decisões na
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eventualidade de um ataque, e entre essas e as bases aéreas e as
bases de lançamento de mísseis – esses procedimentos poderiam
incluir até mesmo um determinado grau de delegação de autoridade,
em caso de indisponibilidade ou incomunicabilidade com as
autoridades máximas;
infraestrutura e procedimentos de comunicação entre as autoridades
responsáveis pelas decisões na eventualidade de um ataque e
os submarinos lançadores de mísseis – que, quando no mar,
evidentemente não podem ser contatados por canais de comunicação
terrestres;
tudo isso deve ter algum grau de redundância – na medida do
possível, uma vez que seus custos são elevadíssimos –, de modo a
dar conta de eventuais dificuldades ou defeitos técnicos;
rigorosamente falando, é necessário dispor também de capacidade
de obtenção de informações a partir de fontes humanas, o que, na
literatura de inteligência e espionagem, é geralmente designado pela
expressão humint (de human intelligence, ou inteligência humana
em inglês), de modo a tentar obter informações a respeito de outros
possíveis desdobramentos que não tenham sido ou não possam ser
identificados por meios técnicos.
Esse amplo sistema de comando e controle e de alerta antecipado precisa
ser protegido, e, portanto, inclui o que for necessário para tal proteção.
Naturalmente, pode-se abrir mão de um ou mais dos componentes
mencionados acima, ou aceitar uma maior vulnerabilidade deles ou
de alguns deles; mas isso implica aumentar os riscos de um ataque
de surpresa.
aumentar a probabilidade de sobrevivência dos meios, inclusive
do sistema de comando e controle e de alerta antecipado. Trata-se
de garantir que, mesmo na eventualidade de um ataque de surpresa,
ainda haveria capacidade retaliatória (meios de entrega e de comando e
controle) em condições de infligir a um atacante uma resposta contravalor
suficientemente destrutiva, de modo a exatamente desencorajar um ataque
contraforça de um oponente prospectivo. Isso envolveria:
diversificar os meios de entrega, de modo a tornar mais complexa a
tarefa de destruí-los ou neutralizá-los todos num único ataque;
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aumentar as quantidades dos meios de entrega e dos recursos de
comando e controle e de alerta antecipado, de modo a tornar menos
provel que um primeiro ataque reduza a capacidade para aquém de
um determinado patamar – e, ainda, reduzindo o número de potenciais
atacantes, pelo fato de aumentar significativamente os custos de um
primeiro ataque contraforças suficientemente eficaz;
tomar as seguintes medidas, ativas e passivas, de proteção:
reforçar a proteção física (hardening) de instalações que abrigam
meios, infraestrutura e atividades – por exemplo, colocando-as sob
terra e concreto, ou até mesmo no interior de montanhas, com todas
as implicações e exigências em termos de acesso, comunicações,
ventilação, condições de trabalho e estresse das equipes etc. – de
modo a tornar mais difícil sua destruição, exigindo que eventuais
ataques envolvam meios muito potentes e, principalmente, de grande
precisão, complicando significativamente o esforço e o cálculo de
eventuais atacantes e, novamente, aumentando significativamente os
custos de um primeiro ataque contraforças suficientemente eficaz;
proteger instalações e sistemas elétricos e eletrônicos contra pulsos
eletromagnéticos;
criar redundância de meios, infraestrutura e atividades, de modo a
aumentar a probabilidade de que sempre haverá alguma capacidade
funcional, mesmo em casos de mau funcionamento ou após um
ataque nuclear;
dispersar as instalações que abrigam meios, infraestrutura e
atividades, de modo a limitar os danos que cada artefato lançado
contra esses possa produzir, novamente obrigando um prospectivo
atacante a ter que lançar grande quantidade de meios, e, novamente,
diminuindo o número de potenciais atacantes;
negar a informação sobre a localização de meios de entrega e de
alerta antecipado e de comando e controle, seja ocultando-os (o que,
no caso de algumas instalações ou alguns radares, é praticamente
impossível, em função de seu tamanho, a não ser que sejam
subterrâneos
13
); seja disfarçando sua real finalidade (o que, ao
longo do tempo, tende a ser muito difícil); ou ainda movendo-os, o
13 Mesmo assim, a movimentação em torno deles pode, em princípio, ser detectada.
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que é uma excelente alternativa para aeronaves (que transportam
bombas nucleares, que obtêm informações, ou que servem como
postos aeromóveis de comando e controle), para mísseis instalados
em veículos terrestres e, principalmente, em submarinos (que,
além de móveis, ficam também ocultos sob as águas e são muito
mais difíceis de localizar) –, com o inconveniente de que mísseis
instalados em plataformas móveis, e, particularmente, os instalados
em submarinos, têm menor precisão que os fixos, em função de
dificuldades relacionadas aos sistemas de guiagem;
interceptar os meios de entrega de um atacante depois que esse
os lançou, ou seja, destruir aeronaves e mísseis que tenham sido
lançados num ataque – embora isso seja, em princípio, factível contra
aeronaves (mas não necessariamente contra todas, dependendo de
sua quantidade), é muito mais difícil de se obter contra mísseis,
que em princípio teriam que ser atingidos durante sua ascensão
(antes que saíssem da atmosfera), que é uma fase muito curta,
imediatamente posterior ao lançamento, exigindo que os mísseis
voltados para sua interceptação estejam instalados bem próximos
aos seus centros de lançamento, ou seja, muito possivelmente em
território alheio, vizinho ao potencial atacante, com as inúmeras
implicações políticas daí decorrentes;
por fim, a medida mais extrema de proteção seria, após detectado um
ataque por um adversário, lançar os mísseis e aeronaves antes que
os artefatos adversários explodissem e, eventualmente, destruíssem
a capacidade retaliatória do atacado, ou parte dela. Dispor dessa
capacidade seria particularmente importante no desestímulo a um
ataque de surpresa, e principalmente para desestimular um ataque
inicial contra a capacidade de alerta antecipado, de detecção e de
comando e controle – já que a neutralização da capacidade de
detecção implicaria na incapacidade de identificar os acontecimentos
subsequentes (inclusive se um ataque a outros alvos estaria sendo
lançado, e qual o tamanho desse eventual ataque), o que, então,
obrigaria a presumir que o ataque ao C2 seria o prelúdio de um
ataque maciço, que poria em risco a capacidade retaliatória do
atacado, ou parte substancial dela. Nesse caso, a opção preferível
passaria a ser lançar um ataque retaliatório maciço.
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É importante ressaltar que existem limitações e trade-offs na aplicação de tais
medidas. Por exemplo, é evidente que reforçar a proteção física de determinados
meios tende a dificultar a proteção por meio da mobilidade; antenas de radar, ou
arranjos de antenas e de radares, não funcionam no interior de estruturas protegidas;
a combinação de mobilidade e ocultamento (como no caso dos mísseis lançados
de submarinos, por exemplo) implica restrições à comunicação; ou, ainda, países
territorialmente muito pequenos teriam severas limitações quanto à possibilidade de
dispersar espacialmente seus meios de entrega e seus recursos de alerta, comando
e controle. Essa lista é apenas para ilustrar a existência de limitações e trade-offs, e
não pretende ser exaustiva. Portanto, na verdade, trata-se de, em cada caso, adotar
necessariamente uma determinada combinação dessas medidas.
Porém, além dessa limitação estrutural, é evidente que combinações
maximalistas dessas proteções são caríssimas, tanto em termos de aquisição,
quanto de operação e manutenção, quanto até mesmo em termos de desativação
– particularmente quando estiver envolvida a disposição de material nuclear.
Além disso, há os custos indiretos: por exemplo, multiplicar as quantidades de
artefatos exige a produção de mais material nuclear, o que exige mais instalações,
mais pessoal técnico, mais custos de segurança, mais problemas de disposição de
rejeitos nucleares; arranjos muito poderosos de radar exigem grandes quantidades
de energia elétrica para sua operação; submarinos lançadores de mísseis balísticos
precisam de escolta, o que exige mais submarinos, mais tripulações, maior
capacidade de treinamento das tripulações; devem-se levar em conta também, por
exemplo, os custos de oportunidade dos amplos espaços alocados a instalações
e atividades, que não podem ser utilizados de maneira economicamente mais
produtiva; e daí por diante. Portanto, os altíssimos custos diretos e indiretos de
tais arranjos de proteção devem ser considerados como um tipo de limitação à
sua plena implementação, sendo, de certa forma, um privilégio dos muito ricos.
Na medida em que alguma combinação desses procedimentos fosse
implementada, entretanto, isso tenderia a complicar enormemente a expectativa
de sucesso de um primeiro ataque contraforças por algum atacante potencial.
Capacidade contraforças e controle de armamentos
Caso um arsenal nuclear estivesse protegido de maneira consistente, com
os meios e mecanismos expostos acima, a situação se complicaria enormemente
para um potencial atacante:
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antes de mais nada, seria necessário dispor de informação bastante
confiável sobre a localização das instalações e dos meios de entrega do
potencial atacado – o que, se já é uma tarefa difícil para os meios em terra,
é praticamente impossível para a totalidade dos mísseis em submarinos;
seria necessária uma grande quantidade de meios de entrega (mísseis e/
ou aeronaves), tanto para atingir uma grande quantidade dos meios do
oponente, simultaneamente, e ainda preservar uma capacidade contravalor
substancial, de modo a tentar dissuadir o potencial atacado de retaliar
com a capacidade que lhe houvesse sobrado – particularmente através de
mísseis lançados a partir de submarinos;
note-se que, em função das medidas de proteção das instalações e dos
meios de entrega – particularmente o reforço dos silos dos mísseis
balísticos intercontinentais (que estariam enterrados e revestidos,
podendo resistir a sobrepressões altíssimas – 3.000 psi é um valor
presente na literatura)
14
–, os ataques teriam que ter enorme precisão
(PEC inferior a 100 metros)
15
, o que normalmente excluiria os mísseis
lançados de submarinos
16
;
a tentativa de ganhar tempo para um ataque mais demorado, atacando
a capacidade de alerta antecipado e de comando e controle do atacado
provavelmente não funcionaria, pois tal tipo de ataque tenderia a ser
considerado sinal inequívoco de um ataque maciço e, por hipótese,
teria sido preservada alguma capacidade de tomar e executar a decisão
de uma resposta nuclear maciça (talvez antes mesmo de que os meios
do atacante pudessem atingir os outros alvos, que não os de EW e C2);
adicionalmente, seria necessária uma grande quantidade de meios de
entrega, que não seriam empregados no primeiro ataque contraforças,
e cujo papel seria preservar uma capacidade contravalor substancial, de
modo a tentar dissuadir o atacado de retaliar com a capacidade que lhe
houvesse sobrado – particularmente através de mísseis lançados a partir
de submarinos;
14 Ver Davis e Schilling (1973).
15 A PEC, ou Probabilidade de Erro Circular, era uma medida de precisão em metros, definida como o raio de um
círculo (tendo como centro um alvo), dentro do qual se esperava que 50% dos mísseis lançados fossem cair.
16 No entanto, ao final da Guerra Fria, avanços técnicos indicavam que os SLBMs estariam tendo sua precisão
aumentada substancialmente, podendo chegar ao grau de capacidade contraforças. A propósito, ver Ball (1977);
Glasser (1992).
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por essa altura, deve estar evidente que tal capacidade retaliatória teria
as mesmas necessidades de proteção de qualquer outra capacidade de
segundo ataque, descritas anteriormente;
essa consideração deve incluir também a possibilidade de que o ataque
contraforças tenha falhado – por exemplo, se o atacado pôde lançar
o ataque retaliatório antes que as forças do atacante atingissem seus
alvos, caso em que a retaliação por parte do atacado seria catastrófica
para o atacante.
Destruição mútua assegurada e controle de armamentos
Desse modo, fica claro que, se é caro dispor de capacidade de segundo
ataque nuclear segura, mais caro ainda é dispor de capacidade de primeiro
ataque contraforças contra um oponente que tenha aquela capacidade retaliatória.
Fica claro ainda que, diante de um oponente que disponha de capacidade de
segundo ataque nuclear contravalor, tentar obter capacidade de primeiro ataque
contraforças, sem que se disponha antes de capacidade nuclear retaliatória,
implicaria um risco enorme.
Diante disso, uma série de possibilidades se abre. A primeira delas é a seguinte
constatação: na medida em que dois adversários disponham de capacidade
nuclear retaliatória segura, ambos têm fortes incentivos para não iniciarem uma
ação nuclear, devido ao risco de uma catástrofe decorrente de uma retaliação
nuclear. Esse risco contribui para desestimular o desenvolvimento de uma
capacidade de primeiro ataque nuclear – desincentivo que é composto, também,
pelo elevado custo adicional que seria exigido pela busca de tal capacidade.
Ao mesmo tempo, esse cálculo vale também para o adversário: quanto mais segura
estiver a capacidade retaliatória desse, menos incentivo ele também terá para um
primeiro ataque contraforças, e menos incentivo terá também para desenvolver
a capacidade de um primeiro ataque contraforças – o que, por si só, também
contribui adicionalmente para aumentar a segurança do primeiro na sua própria
capacidade retaliatória, novamente desincentivando a obtenção de capacidade
de primeiro ataque contraforças e também novamente impactando no cálculo
do adversário.
Assim, por paradoxal e contraintuitivo que possa parecer, o fato é que os
dois lados têm interesse estratégico e financeiro na sobrevivência da capacidade
retaliatória nuclear de seus respectivos adversários, de modo a reduzir mutuamente
22
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
as expectativas da utilidade de capacidade de ação contraforças e, portanto,
aumentar a expectativa de sobrevivência das capacidades retaliatórias nucleares
próprias e diminuindo, para ambos, as expectativas de virem a ser nuclearmente
atacados pelos adversários. Esse balanço de incentivos e desincentivos ficou
conhecido como “balanço do terror” (WOHLSTETTER, 1959) ou, com um toque
de humor macabro, “destruição mútua assegurada”, cuja sigla, em inglês, é MAD
(mutually assured destruction) – expressões cujas conotações sombrias tendem a
mascarar a extraordinária estabilidade dos relacionamentos que produziram essa
situação que, no limite, constitui a estrutura fundamental da dinâmica dissuasória
mútua entre potências nucleares
17
.
Dissuasão estendida
Note-se que esse grau de exigência (e custo) para uma capacidade de primeiro
ataque vale apenas para o caso de o prospectivo atacado dispor de capacidade de
segundo ataque nuclear, se não garantida, pelo menos bastante segura. Se esse
não for o caso:
todo o aparato de alerta antecipado, comando e controle pode ser bastante
simplificado e bem menos exigente;
a quantidade de meios de entrega necessária é bem menor;
e esses não precisariam ser de grande precisão, pois, no caso, o primeiro
ataque nuclear não precisaria ser contra forças nucleares, podendo ser
diretamente contravalor.
É evidente que, nesse caso, mesmo uma capacidade nuclear comparativamente
modesta traria uma enorme capacidade de chantagem a seu detentor. Note-se que
esse poder de chantagem poderia ser de tal ordem que deixasse o chantageado à
mercê de uma ação de força estritamente convencional, pois, em caso de excessiva
dificuldade encontrada pelas forças convencionais do atacante, sempre haveria a
possibilidade de um ataque nuclear.
Tal problema, porém, torna-se mais complexo quando se considera a
possibilidade de que um atacado potencial, sem capacidade nuclear retaliatória,
fosse parte de um sistema de garantia chamado de “guarda-chuva nuclear” (nuclear
umbrella), ou seja, dispusesse de alguma forma de garantia por parte de alguma
17 Schelling e Halperin (1961) sutilmente descartam tais caracterizações e preferem se referir a essa situação como
“balanço de dissuasão”.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
23
Eugenio Diniz
potência com grande capacidade nuclear – supostamente, caso aquele ator sem
capacidade retaliatória própria sofresse um ataque nuclear, seu aliado nuclear
retaliaria contra o atacante. Nesse caso, em princípio, ou o potencial atacante
amplia sua capacidade nuclear para dar conta da capacidade retaliatória do aliado
do potencial atacado nuclearmente desarmado, ou então busca obter também
um aliado com igual capacidade nuclear para estender-lhe garantia semelhante.
Nesse caso, o problema da dissuasão retornaria então ao relacionamento entre
os principais atores nucleares de cada coalizão.
Credibilidade da retaliação e o risco da impremeditação
Até agora, tratou-se das necessidades materiais da dissuasão, pensada em
termos da expectativa de sobrevivência da capacidade material de lançar um
segundo ataque de retaliação nuclear; afinal, sem haver os meios para uma
resposta nuclear, essa não ocorrerá de forma alguma. De certo modo, pode-se
dizer que a análise da estrutura material da dissuasão nuclear permite estabelecer
a expectativa de que um potencial atacado poderia tomar a decisão de lançar uma
retaliação nuclear.
Entretanto, a mera disponibilidade da capacidade material de retaliação nuclear
não significa que a decisão de lançar uma retaliação nuclear será efetivamente
tomada. No limite, a dissuasão nuclear contra um primeiro ataque nuclear depende
de se estabelecer ou de se aumentar, no potencial atacante, a expectativa de que
aquele contra quem foi lançado um ataque nuclear tomará a decisão de retaliar.
Como ressaltado anteriormente, pode haver vários incentivos para, uma vez
que se foi vítima de um ataque nuclear, não se lançar uma retaliação nuclear. Por
exemplo, é bastante possível que, após lançar um ataque contraforças, o atacante
tenha também preservado, ou deixado intacta, sua capacidade retaliatória; assim,
se o atacado lançar uma retaliação nuclear, ele estará sujeito ao que poderíamos
chamar de uma contrarretaliação nuclear por parte daquele que lançou o primeiro
ataque contraforças, com o agravante de que esse, ao contrário do atacado, já
estará em máximo alerta; nesse caso, aquele que sofreu o primeiro ataque, se optar
por retaliar, quase certamente estará aumentando exponencialmente a destruição
sofrida, pois, ao contrário do primeiro ataque (presumivelmente contraforças),
a contrarretaliação já não terá como alvo as forças nucleares, mas a população
e a capacidade produtiva do atacado. Esse desincentivo à retaliação aumenta
dramaticamente no caso de o primeiro ataque contraforças ter sido bem-sucedido,
24
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
a ponto de destruir uma parcela substancial da capacidade retaliatória nuclear
(inclusive alerta antecipado e C2)
18
. Eventualmente, os danos aos sistemas de
C2 podem ser de tal ordem que o atacado não terá, ao menos imediatamente,
informação suficiente para determinar a extensão dos danos à sua capacidade
retaliatória e nem o quanto do arsenal do atacante foi dispendido no primeiro
ataque contraforças – e, portanto, quanto da capacidade nuclear do atacante
estaria disponível para uma contrarretaliação
19
.
Naturalmente, enquanto perdurar esse cálculo solidamente ancorado na
realidade estratégica, a credibilidade da retaliação diminui, o efeito dissuasório da
capacidade nuclear retaliatória (por mais sofisticada e protegida que possa ser) se
enfraquece, e, portanto, diminui o desincentivo ao primeiro ataque contraforças;
deve-se ressaltar, ainda, que tal efeito se exerce sobre todos. Mais uma vez, por
paradoxal e contraintuitivo que pareça, todas as partes têm interesse em reverter
essa situação, não apenas produzindo em suas contrapartes a expectativa de que
a decisão de retaliar será efetivamente tomada – as partes também têm interesse
em que suas contrapartes façam o mesmo, ou seja, cada lado tem interesse em que
as expectativas de que suas contrapartes retaliarão sejam críveis e, de preferência,
inequívocas. Desenvolvendo tal raciocínio ao seu extremo lógico, seria razoável que
as partes cooperassem entre si no sentido de fortalecer, mútua e reciprocamente,
os procedimentos que aumentassem a expectativa de que a decisão de retaliar,
se atacados, seria tomada por todos os envolvidos.
Respostas automáticas e retaliação maciça
Um exercício: mecanismos de resposta automática
Um exercício intelectual muito interessante e muito fecundo a respeito do
estabelecimento de uma altíssima expectativa, praticamente uma certeza, de que
um ataque nuclear não deixaria de ter uma resposta devastadora é o da Máquina
do Juízo Final (Doomsday Machine), popularizada no filme de Stanley Kubrick,
Dr. Fantástico ou Como Parei de me Preocupar com a Bomba e Passei a Amá-la. Em
18 Note-se que, nesse caso, o desincentivo à retaliação aumenta dramaticamente, mas, ainda assim, apenas
aumenta; o desincentivo não depende de um extraordinário sucesso de um primeiro ataque contraforças para
existir.
19 Naturalmente, supondo-se que o atacado tivesse confiança na informação, disponível antes do primeiro ataque,
sobre a capacidade nuclear do atacante, o que, por si só, já é uma suposição benevolente.
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25
Eugenio Diniz
princípio, o conceito seria simples: a informação proveniente de vários sensores
seria repassada a uma espécie de computador que estaria ligado a dispositivos que
produziriam a destruição de quase toda a vida na Terra. Tão logo a informação
transmitida à máquina indicasse que um determinado limiar fora ultrapassado, a
máquina seria acionada automaticamente, sem qualquer decisão ou interferência
humana. Evidentemente, todo o sistema teria que ser protegido contra danos e
contra interferência, mas o conceito em si mesmo é bastante simples: a retaliação
nuclear seria automática, e, portanto, o problema de gerar, num potencial atacante,
a expectativa de que a decisão de retaliação nuclear seria tomada pelo atacado,
estaria resolvido, restando apenas o problema da disponibilidade dos meios de
retaliação.
Ao contrário do que se poderia imaginar, já mesmo nos anos de 1960, tal
sistema era, em princípio, tecnicamente viável. Entretanto, os problemas eram
muito maiores que os benefícios da solução. O mais evidente é, provavelmente, a
possibilidade de que a máquina fosse acionada a partir de um mau funcionamento do
sistema
20
– seja dos sensores ou do processamento da informação deles proveniente,
seja por alguma forma de acionamento não autorizado. Adicionalmente, haveria o
problema de estabelecerem-se os limiares: se esses forem muito baixos, qualquer
acidente ou imprevisto poderia acionar a Doomsday Machine – eventualmente, uma
explosão acidental, por qualquer motivo, ou não autorizada, ou uma determinada
quantidade de radiação que vazasse; por outro lado, limiares muito altos, de certa
forma, permitiriam que ataques limitados ficassem sem resposta. Esse último ponto
revela, então, outra limitação de dispositivos do tipo Doomsday Machine: a única
resposta que ela dá é do tipo “tudo ou nada”, impossibilitando, portanto, que a
resposta seja calibrada de modo a moldar a dinâmica subsequente das interações
e, portanto, gerir e administrar politicamente o emprego da força (no caso, da
resposta a uma ação nuclear) – por exemplo, se se trata de responder na mesma
moeda, ou de escalar o conflito; tratar-se-ia sempre de escalar drasticamente o
conflito, necessariamente, até suas máximas consequências (no caso, a destruição
da vida na Terra, e não apenas dos lados envolvidos, e, claramente, não apenas do
atacante), o que, em outras formas de dissuasão, seria apenas uma possibilidade.
Por fim, a partir desse último aspecto, deve-se ressaltar o caráter indiscriminado da
20 Sob esse aspecto, Kahn (1961a, p. 147-149) considera que a Doomsday Machine seria muito menos sujeita a
acionamentos acidentais ou não autorizados que as alternativas e seus múltiplos, variados e complexos meios
e sistemas de comando e controle; por outro lado, os riscos decorrentes desses acontecimentos seriam altos
demais, em função do caráter incontrolável da Doomsday Machine.
26
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Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
Doomsday Machine, e, portanto, o impacto e repercussão que a decisão de construí-
la e a sua posse teriam em outros que não a parte a ser dissuadida
21
– inclusive
aliados e até mesmo parcela expressiva, possivelmente amplamente majoritária,
das próprias autoridades e populações daquele que estivesse contemplando a ideia.
Diante das implicações, Kahn (1961a) discute a oportunidade de uma outra
máquina: a Máquina do Pacto de Homicídio. Diferentemente da Doomsday Machine,
a Máquina do Pacto de Homicídio não destruiria o planeta, mas a outra parte
— que presumivelmente teria também a sua Máquina do Pacto de Homicídio
22
.
A Máquina do Pacto de Homicídio, em princípio, padece das mesmas dificuldades
da Máquina do Juízo Final, exceto quanto ao último aspecto, o da indiscriminação.
À primeira vista, os que seriam diretamente destruídos seriam apenas os envolvidos
(embora o desaparecimento de ambos fosse produzir seríssimas consequências
sobre os demais). Entretanto, essa consideração embute uma premissa implícita:
a de que haveria apenas dois adversários em condições de lançar um primeiro
ataque nuclear significativo, um contra o outro; porém, a partir do momento em que
haja, pelo menos, mais um ator capaz de fazê-lo, o problema da indiscriminação
se poria também para a resposta automática da Máquina do Pacto de Homicídio.
Embora tais máquinas ou outras semelhantes
23
pudessem ser concebidas,
a ideia de apresentá-las não é a de propor sua construção, mas a de iluminar alguns
problemas. Mesmo não se tratando de “máquinas” no sentido estrito, e mesmo
que, portanto, os procedimentos de resposta nuclear não sejam “automáticos”
no sentido estrito, o importante a destacar é que o problema da credibilidade da
dissuasão padece de um enorme dilema: aumentar a certeza da resposta a um
ataque nuclear aumenta, na mesma medida, ou talvez até mais, a possibilidade
de que as partes sejam impremeditadamente arrastadas a uma guerra nuclear
24
aberta, ou seja, para uma situação de ataques nucleares maciços mútuos.
21 Embora Kahn (1961a) identifique e louve essa relutância, essa poderia ter uma consequência que ele não
explorou: a possibilidade de um grande efeito de bandwagoning exatamente em favor da parte que se pretenderia
dissuadir, de modo a constituir uma coalizão que impedisse a produção da Doomsday Machine.
22 Schelling (1966) refere-se ao pacto de homicídio (não à Máquina do Pacto de Homicídio) como o procedimento
de troca de reféns.
23 Kahn (1961a, 1961b) discute ainda a Doomsday-in-a-Hurry Machine.
24 Empregou-se aqui a expressão “guerra nuclear” por simples comodidade. Não se trata, de modo algum, de
afirmar, sugerir ou insinuar que exista algum fenômeno específico “guerra nuclear”, conceitualmente distinto
de “guerra”, simplesmente. A expressão visa somente a assinalar o fato de que haveria o emprego aberto de
artefatos nucleares em grande quantidade pelas partes envolvidas no confronto.
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27
Eugenio Diniz
Retaliação maciça em qualquer caso
Tome-se o caso da seguinte posição maximalista, que, presumivelmente,
visaria a eliminar ou diminuir a expectativa de ocorrência de qualquer guerra:
qualquer ataque a nós ou a nossos aliados será respondido com uma retaliação
nuclear maciça. Essa é uma ameaça dificilmente crível:
isso significaria que um pequeno incidente de troca de tiros numa fronteira
entre o alvo da declaração acima e um pequeno aliado do declarante seria
respondido com um ataque nuclear maciço?
Se não:
o que seria respondido com uma retaliação nuclear maciça? Dois
incidentes daquele tipo? Três? Quatro? Quais seriam os critérios
que determinariam esse limiar? Haveria concordância entre todos
os aliados quanto ao limiar? Ou pelo menos quanto aos critérios?
Quanto tempo seria necessário para negociar critérios e limiar? Seria
razoável correr o risco de que um, dois ou três aliados importantes,
insatisfeitos com o critério ou com o limiar, optassem por abandonar
a aliança? Se forem, por exemplo, quatro, isso significaria que,
após três incidentes em fronteira, o quarto implicaria uma resposta
nuclear maciça, ainda que entre o terceiro e o quarto se tivessem
passado, por exemplo, 10 anos? Se não, qual seria o intervalo
mínimo aceitável? Quais seriam os critérios para estabelecê-lo?
Quais seriam os critérios que determinariam tal intervalo? Haveria
concordância entre todos os aliados quanto ao intervalo? Ou pelo
menos quanto aos critérios? Quanto tempo seria necessário para
negociar critérios e intervalo? Seria razoável correr o risco de que
um, dois ou três aliados importantes, insatisfeitos com o critério
ou com o intervalo, optassem por abandonar a aliança?;
se incidentes de fronteira não forem suficientes para desencadear
uma retaliação nuclear maciça, o que seria? Um ataque envolvendo,
pelo menos, digamos, uma divisão? Nesse caso, se houver um
ataque envolvendo uma brigada, não haveria a retaliação nuclear
maciça? Se não, o que impediria o atacante de reforçar essa
brigada com outros batalhões e com maior apoio aéreo? Isso seria
suficiente para desencadear a resposta nuclear maciça? E se a
ação da divisão ficar restrita à fronteira, ou muito próxima a ela,
28
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Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
mas sem maiores consequências para a parte atacada, ainda assim
haverá a resposta nuclear maciça? Se sim, suponhamos que uma
unidade menor – um batalhão, por exemplo – conduza uma ação
com consequências limitadíssimas e, portanto, por ser uma unidade
menor que uma divisão, não desencadeie a resposta nuclear maciça;
que, posteriormente, uma ação com consequências equivalentes seja
conduzida por uma brigada, mas, também por ter sido realizada
por uma unidade menor que uma divisão, também não desencadeie
uma retaliação nuclear maciça; que incidentes semelhantes ocorram
mais duas, três ou quatro vezes; como explicar que uma ação
posterior, com as mesmíssimas consequências ou até menores, mas
conduzida por uma divisão
25
, deva sofrer uma retaliação nuclear
maciça? Mesmo que isso fosse possível, tal expectativa seria crível?
Qual seria o impacto dessa ambiguidade no comportamento dos
aliados? E dos adversários?
Porém, se a declaração de que qualquer ataque a nós ou a nossos
aliados será respondido com uma retaliação nuclear maciça significa
que um pequeno incidente de troca de tiros numa fronteira entre o
alvo da declaração acima e um pequeno aliado do declarante seria
respondido com um ataque nuclear maciço:
Isso certamente geraria uma resposta nuclear maciça por parte do
que sofresse o ataque nuclear, o que seria devastador também para o
atacante. Em princípio, pareceria muito difícil convencer um aliado
a acreditar naquela declaração. Ao mesmo tempo, é evidente que
todas as partes sabem que todas as partes sabem
26
que um incidente
dessa natureza pode ocorrer por diversas razões, sendo uma das
menos proveis a intenção de iniciar uma guerra nuclear. Portanto,
tal declaração seria também vista com descrédito pelas partes a que
se desejasse dissuadir.
Portanto, para aumentar a credibilidade daquela declaração, o
declarante poderia aumentar a sua capacidade contraforças, de
modo a aumentar a possibilidade de que seu primeiro ataque
nuclear degradasse substancialmente a capacidade de resposta
25 Note-se que as mesmíssimas considerações se aplicariam para quaisquer limiares e intervalos que pudessem
ser considerados.
26 A repetição foi intencional.
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29
Eugenio Diniz
da outra parte, portanto diminuindo para si os custos esperados
da retaliação e aumentando a expectativa de que o incidente de
fronteira viesse a ser respondido nuclearmente; deliberadamente
aumentar os próprios custos políticos
27
de não retaliar quando um
aliado for atacado – por exemplo, aprovar uma lei segundo a qual
não retaliar nuclearmente contra qualquer agressão a qualquer aliado
seria crime de responsabilidade e implicaria perda de mandato e
de direitos políticos para as autoridades responsáveis; declarações
públicas e recorrentes de que todos os seus aliados teriam a obrigação
de abandoná-lo caso se falhasse em retaliar nuclearmente contra
qualquer agressão a qualquer aliado; formalizar essas obrigações
em tratados de alianças e ratificá-los. Por fim, seria possível, ainda,
fazer um forte investimento no desenvolvimento e, no devido tempo,
desdobramento de defesas ativas contra mísseis balísticos, de modo
a reduzir o sucesso do ataque retaliatório do oponente, e ainda
investir pesadamente em procedimentos de defesa civil, incluindo
planos de evacuação de cidades e estabelecimento de instalações
protegidas com recursos básicos para sobrevivência.
Caso tais medidas ou outras semelhantes fossem bem-sucedidas
em aumentar significativamente a credibilidade de que qualquer
ação seria respondida com uma retaliação nuclear maciça da parte
do declarante, isso exigiria, portanto, diante de qualquer incidente
menor, ainda que completamente acidental, o lançamento imediato
de um ataque contraforças pela outra parte, de modo a tentar
enfraquecer a retaliação nuclear do declarante – o que exigiria então
que esse último aumentasse a sua capacidade contraforças.
Como essa capacidade contraforças aumentada poderia ser empregada
também em outras circunstâncias; e como, diante de um ataque ou da
iminência de um ataque contraforças maciço, é prudente lançar, antes
que os nossos meios de entrega sejam atingidos, tanto um ataque
retaliatório contravalor quanto um ataque maciço contraforças, de
modo a diminuir a capacidade de chantagem posterior do outro
lado e para impedir que a própria capacidade nuclear contravalor
27 A exploração sistemática do aumento de custos políticos, como uma maneira de garantir o comprometimento
com um determinado curso de ação, é feita principalmente por Schelling (1960; 1967); para uma abordagem
um pouco diferente, mas convergente em suas linhas gerais, ver Fearon (1997) e Martin (1993).
30
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Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
seja enfraquecida, o declarante também teria que aumentar sua
capacidade contraforças.
Assim, instala-se uma espiral (JERVIS, 1976) inteiramente contrária
à dinâmica de desincentivo e inutilidade da capacidade contraforças
exposta anteriormente, com o agravante de que cada movimento
nessa dinâmica é, por si mesmo, um elemento de aumento recíproco
na tensão do relacionamento, de modo que qualquer outro incidente
– envolvendo ou não disparos ou mortes, podendo ser algo tão
simples como uma declaração infeliz – possa ser interpretado como
sinal de iminência de um ataque nuclear, levando a um ataque
antecipatório para diminuir os riscos diante daquilo que pareceria
ser a inevitabilidade do ataque alheio. Ou seja, aumentam-se os
riscos de uma guerra nuclear independentemente da ocorrência ou
não do tal incidente de fronteira.
Antecipando, portanto, essa possibilidade, a mera ocorrência de
um pequeno incidente ou a mera intensificação das tensões levaria
imediatamente a uma corrida para um primeiro ataque nuclear por
todas as partes envolvidas, de modo a evitar os riscos de sofrer
um primeiro ataque nuclear que reduzisse a capacidade nuclear
retaliatória própria e a diminuir os danos decorrentes da retaliação
nuclear do oponente.
Portanto, além da possibilidade evidente de que as duas partes
poderiam ser levadas a se atacar nuclearmente porque determinado
soldado ou comandante de fronteira entendeu certa atitude de
forma equivocada e reagiu, e o outro lado reagiu de volta (talvez
não se saiba com clareza nem mesmo quem começou tal hipotético
incidente), a própria credibilidade da postura da retaliação maciça,
ao invés de diminuir os riscos de ocorrência de guerras, em função
da virulência esperada da destruição, acaba por aumentar os riscos
de uma guerra nuclear aberta impremeditada.
Retaliação maciça contra o emprego de artefatos nucleares ou contra danos à
capacidade retaliatória nuclear
Diante de tudo isso, uma alternativa possível seria que apenas situações
onde houvesse o emprego de artefatos nucleares ou então que pusessem em risco
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a própria capacidade de retaliação nuclear – por exemplo, se houvesse danos
ou risco severo de danos, decorrentes da ação de uma outra parte, ainda que
empregando apenas meios convencionais, a meios de entrega de artefatos nucleares
ou a capacidades de alerta antecipado e/ ou de C2 – seriam respondidas com uma
retaliação nuclear maciça.
Essa declaração é intrinsecamente mais crível que a anterior, pois o que
está em jogo é claramente tão crucial que a ausência de resposta, ou
uma resposta com consequências muito pequenas, é que parece ser a
possibilidade pouco crível.
Entretanto, ela também padece de problemas de credibilidade:
caso houvesse uma explosão mal esclarecida em, digamos, um
radar integrante da rede de alerta antecipado, sediado no território
de um aliado, ou em um submarino lançador de mísseis balísticos,
uma resposta nuclear maciça desencadearia novamente uma
contrarretaliação nuclear maciça pela outra parte. Isso seria crível?
Aliás, mesmo que imediatamente ficasse claro que o ocorrido se deveu
a uma ação da outra parte (ainda que por intermédio de algum aliado),
a expectativa da contrarretaliação nuclear maciça não dissuadiria a
própria retaliação nuclear maciça? Uma outra parte, portanto, poderia
duvidar da credibilidade da resposta acima, e tentar ir gradualmente
reduzindo a capacidade de retaliação nuclear do declarante.
Nesse caso, qualquer resposta diferente de uma retaliação nuclear
maciça pelo declarante minaria a credibilidade de que, mesmo em
situações mais graves e ousadas, o declarante fosse efetivamente
lançar uma retaliação nuclear maciça, e aumentaria os prospectos de
que a outra parte fosse gradual e efetivamente minando a dissuasão
nuclear mútua. Portanto, das duas, uma: ou o declarante perde sua
capacidade de dissuadir ou sofre uma contrarretaliação nuclear
devastadora – que seriam exatamente as coisas que a declaração
acima visaria a evitar.
Seria necessário, portanto, aumentar a expectativa de que qualquer
situação daquele tipo levaria a uma retaliação nuclear maciça, de modo
a desencorajar a ousadia da outra parte. Como no caso da outra postura,
poder-se-ia aumentar a capacidade nuclear contraforças para reduzir a
capacidade de contrarretaliação nuclear do outro lado, e aumentar os
custos políticos de não retaliar.
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Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
Seguindo a mesma lógica exposta anteriormente, instaurar-se-ia uma
dinâmica de incentivo ao incremento da capacidade contraforças e
uma desestabilização da dissuasão mútua.
Também nesse caso, portanto, a própria credibilidade da postura da
retaliação maciça, ao invés de diminuir os riscos de ocorrência de
guerras em função da virulência esperada da destruição, acaba por
aumentar os riscos de uma guerra nuclear aberta impremeditada.
Mas, nesse caso, seria prudente também diminuir a possibilidade de
que, no decorrer de hostilidades envolvendo o emprego da força, mas
não de artefatos nucleares, a capacidade de resposta nuclear (meios
de entrega e de alerta antecipado, comando e controle) fosse atingida
– ainda que, ou principalmente, involuntariamente –, de modo a evitar
o emprego dos artefatos nucleares.
Naturalmente, a melhor maneira de fazê-lo é diminuir a ocorrência
dessas outras situações que envolvam o emprego da força física.
Torna-se necessário, então, dispor também de quantidade significativa
de capacidade bélica que não a nuclear, ou seja, daquilo que se
convencionou chamar de capacidade bélica “convencional”, de modo
a ser capaz de contra-arrestar e repelir ações hostis convencionais,
em princípio, diminuindo então a probabilidade de ocorrências
dessas e, por conseguinte, do risco de que algum componente da
capacidade retaliatória nuclear fosse atingido e desencadeasse a
retaliação nuclear maciça.
Tal proteção convencional teria que ser estendida também aos
aliados, tanto para diminuir os riscos acima quanto para diminuir
os de defecção de aliados. Portanto, essa capacidade dissuasória
dita convencional tenderia a ser muito grande e bastante complexa.
Possivelmente, haveria o problema de assegurar, tanto junto aos
aliados quanto às partes a serem dissuadidas, a credibilidade de
que tais forças seriam efetivamente empregadas em prol dos aliados
em caso de hostilidades. A alternativa mais evidente é já dispor
de forças no território dos aliados, principalmente naqueles que
tenderiam a ser os primeiros a sofrerem ação hostil, como uma
garantia de envolvimento futuro. Aumenta-se, com isso, o tamanho
e a complexidade dessa capacidade bélica dita convencional.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
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Eugenio Diniz
Essa força dita convencional, grande e complexa, compete com as
capacidades associadas à resposta nuclear pelos recursos destinados
à defesa e dissuasão. Assim, é possível que, de algum modo, a
capacidade de resposta nuclear tenha que ser redimensionada
à luz dos custos dessa capacidade dissuasória dita convencional
28
.
Características das forças para a retaliação maciça
Nos dois casos de retaliação maciça pensados acima, os riscos de que qualquer
incidente de pequeno porte desencadeasse uma guerra nuclear aberta seriam
exacerbados pelas características que as forças de cada ator deveriam ter para
que fossem coerentes com aquelas posturas:
além de grande quantidade de mísseis nuclearmente armados para retaliar
contra um ataque, haveria necessidade de grande quantidade de mísseis
de grande precisão para ataque contraforças;
haveria necessidade muito menor de forças convencionais;
todos os mísseis baseados em terra deveriam estar permanentemente em
estado de máxima prontidão para lançamento imediato
29
;
todas os bombardeiros carregados com bombas nucleares que não
estivessem em manutenção ou com a tripulação descansando ou em outras
atividades deveriam estar em sobrevoo na vizinhança imediata de suas
contrapartes nucleares, ou dirigindo-se a essa vizinhança ou voltando dela;
todos os submarinos lançadores de mísseis balísticos deveriam estar
desdobrados, exceto os que estivessem em manutenção ou cujas tripulações
estivessem em outras atividades;
28 Exatamente por considerar que a economia dos EUA não poderia sustentar simultaneamente as capacidades
dissuasórias nuclear e convencional, a administração Eisenhower adotou, em janeiro de 1954, uma postura de
retaliação maciça (massive retaliation), que autorizava o emprego, em larga escala, de artefatos nucleares contra
qualquer agressão por parte do que era então considerado o bloco comunista constituído pela China e pela
União Soviética e aliados desses. Em função disso, entre setembro de 1954 e abril de 1955, os EUA estiveram
à beira de uma guerra nuclear por causa das ilhas de Quemoy e Matsu, pois estava em risco a credibilidade de
suas garantias a Taiwan e, por extensão, a todos os seus aliados. Há um debate em torno da questão de por
que, no final, a República Popular da China recuou. A propósito, ver Brands Jr. (1988) e Chang (1988).
29 Note-se que, a rigor, isso só é possível para os mísseis de combustível sólido – que, por sua vez, são muito
mais rápidos (três a quatro vezes) que os mísseis de combustível líquido. Como os combustíveis líquidos
são altamente corrosivos, não é possível que os mísseis estejam permanentemente abastecidos, e o tempo de
abastecimento costuma ser estimado em aproximadamente 8 horas para os mísseis balísticos intercontinentais.
No caso de mísseis de combustível líquido, o máximo que se poderia obter é que houvesse um rodízio entre
eles, com alguns abastecidos por algum tempo e depois desabastecidos para evitar maiores danos. Naturalmente,
portanto, isso exigiria uma multiplicação dos mísseis para que se pudesse garantir a capacidade contraforças
e a capacidade retaliatória exigidas pelas posturas de retaliação maciça.
34
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
o processo de decisão seria altamente simplificado, reduzindo-se a um
único e simplíssimo plano – lançar imediatamente um ataque nuclear
maciço – e sendo a decisão reduzida a um simples “sim ou não” diante
de qualquer sinal de confrontação
30
, ou de que algum artefato nuclear
tenha sido empregado, ou de que algum míssil com ogiva nuclear tenha
sido lançado, ou de que algum bombardeiro tenha adentrado o espaço
aéreo de uma potência nuclear, ou de que algum componente dos sistemas
de alerta antecipado e de comando e controle tenha sido atingido ou
danificado – decisão que, supõe-se, seria, para todos os fins práticos,
necessariamente um “sim”;
diante disso, haveria incentivos para que uma quantidade maior de pessoas
tivesse a autoridade para ordenar o lançamento maciço dos meios, para
o caso de não ser possível contatar o presidente ou o vice-presidente ou
seus equivalentes em governos que não sejam presidencialistas – o que
seria perfeitamente possível no caso de um incidente que ocorresse numa
situação em que a tensão política não estivesse aumentada muito além
do normal;
Com isso, além dos riscos de uma guerra nuclear impremeditada já identificados
anteriormente, somam-se ou exacerbam-se os riscos decorrentes de mínimas falhas
no sistema de alerta antecipado, como um erro técnico num satélite ou num radar,
ou na interpretação do sinal, ou na transmissão da informação, ou no processamento
dessa; ou de uma ordem de lançamento por alguma autoridade relativamente
subalterna, por qualquer razão, sem que as condições que determinariam o
lançamento pelas mais altas autoridades estivessem presentes.
Resposta Flexível e Escalada
A postura de resposta flexível
Diante das dificuldades e impasses das posturas de retaliação maciça, uma
postura alternativa, que acabou ficando conhecida como resposta flexível, seria
a seguinte: qualquer ataque convencional ou nuclear será respondido com força,
convencional ou nuclear, equivalente ou, se necessário, superior de modo a encerrar
as hostilidades
31
.
30 Essa postura ficou conhecida como “lançamento ao primeiro sinal” (launch-on-warning).
31 Essa formulação foi adaptada de Sloan (2005, p. 135).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
35
Eugenio Diniz
Essa postura elimina muitos dos problemas da retaliação maciça:
uma vez que pequenos incidentes, mesmo em situações ambíguas, tenderiam
a ser no máximo respondidos com força equivalente ou ligeiramente
superior, e, portanto, com danos comparavelmente limitados, as situações
onde haveria incentivo para o lançamento de um ataque contraforças
preemptivo praticamente desaparecem, ficando restritas apenas aos casos
de virtual neutralização da capacidade de alerta antecipado; ataques de
grande porte às capacidades de alerta antecipado e de comando e controle;
ou quando houvesse sólidos e múltiplos indícios de que um adversário
estaria prestes a lançar um ataque nuclear de grande porte – sendo que,
exatamente em virtude dos riscos da retaliação nuclear e da ausência do
incentivo decorrente da possibilidade de que pequenos incidentes levassem
a ataques nucleares maciços, a probabilidade de ocorrência daqueles
eventos diminui consideravelmente.
Diante disso, a utilidade da capacidade contraforças também diminui
drasticamente, em função do desincentivo aos ataques preemptivos;
por conta disso, mais recursos podem ser alocados às forças convencionais
e à capacidade nuclear retaliatória;
como o desincentivo à capacidade nuclear contraforças vale também
para os outros atores nucleares, até mesmo a capacidade nuclear
retaliatória pode ser diminuída – uma vez que, diante de uma capacidade
contraforças reduzida de outros atores nucleares, um primeiro ataque
contraforças produziria perdas bem menores à capacidade retaliatória,
exigindo, então, menores números para compensá-las;
tais dinâmicas têm as seguintes implicações:
uma quantidade ainda maior de recursos pode ser alocada a
forças convencionais, aumentando a probabilidade de que nenhum
incidente significativo fique sem resposta – uma vez que diminuem
drasticamente as possibilidades de que tais respostas desemboquem
numa guerra nuclear aberta;
ao mesmo tempo, os custos de não responder a um ou outro
incidente são muito menores – já que não está imediatamente em
jogo a credibilidade da resposta retaliatória nuclear;
portanto, a urgência da resposta a pequenos incidentes diminui,
permitindo que haja mais tempo para esclarecimento de situações
ambíguas, fazendo com que diminua a probabilidade de incremento
36
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
das tensões decorrentes de respostas a falhas técnicas, erros de
interpretação, eventos acidentais ou claramente isolados;
assim, o processo interativo entre as potências nucleares se desenvolve
num ambiente em que as tensões e a urgência tendem a ser
marcadamente menores do que seria o caso na vigência de posturas
de retaliação maciça – novamente fazendo com que diminua a
probabilidade de incremento das tensões decorrentes de respostas
a falhas técnicas, erros de interpretação, eventos acidentais ou
claramente isolados.
Por outro lado, o processo decisório da resposta a um incidente ou ataque,
inclusive envolvendo artefatos nucleares, torna-se muito mais complexo
do que a mera opção entre “responder” ou “não responder” do caso da
retaliação maciça – em que, presumivelmente, tudo teria que levar à virtual
automaticidade da opção “responder”.
A própria natureza da postura de resposta flexível supõe que ataques
diferentes sejam respondidos de maneiras diferentes.
Portanto, a ocorrência de um incidente ou a iminência de um
ataque exigem que se avaliem e se determinem as características
e extensão dos danos do evento – se um ataque deliberado ou um
acidente; se envolve forças nucleares ou não; se é um ataque maciço
ou limitado ou muito pontual; se os alvos são as capacidades de
alerta antecipado e de comando e controle, ou os meios de entrega
nuclearmente armados, ou forças convencionais, ou populações e
capacidade produtiva (ou, ainda que não sejam os alvos, que tipo
de danos estes sofrerão)...
...e também da resposta ao evento – por exemplo: deve-se responder
ou não ao evento?; no mesmo nível ou num nível ligeiramente
superior?; e se no ataque não foram empregados artefatos nucleares,
mas uma resposta, num nível superior de força, tivesse que incluir
um artefato nuclear, ainda que de pequeno porte?; se se tratou
de um ataque limitado a uma pequena base ou quartel, e se se
decidiu responder no mesmo nível, qual base do oponente deverá
ser atacada?; se se tratou de uma ação executada por um aliado de
uma potência nuclear, a resposta será contra o executor da ação ou
contra a potência nuclear? Evidentemente, essa lista de questões
não é, nem de longe, exaustiva, mas apenas ilustrativa.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
37
Eugenio Diniz
Entretanto, deve-se ter em mente que, principalmente diante da
iminência de um ataque nuclear, ainda que limitado, ou imediatamente
após esse ataque, o tempo decorrido entre o lançamento de um míssil
balístico intercontinental e a chegada da ogiva ao seu alvo (intervalo
comumente chamado de time-on-target) é muito pequeno
32
, o tempo
disponível para tomada de decisão seria limitado. Não haveria
como, naquele momento, debater as diversas alternativas de
resposta. Assim, o correto seria dispor previamente de um conjunto
de respostas padrão, para determinados tipos de incidente e de
contextos em que estes ocorressem, para que a tomada de decisão
pudesse ocorrer, de maneira minimamente consistente, dentro dos
limites do tempo disponível
33
.
Portanto, aqueles que teriam autoridade para tomar decisões
relativas a respostas a eventos nucleares precisariam estar bastante
familiarizados, e previamente, com aquele conjunto de respostas
estabelecidas, o que exigiria, em princípio, treinamento e exercício
regulares a respeito do assunto.
O processo decisório, então, se mostra muito exigente em termos
de planejamento, informações e treinamento.
Porém, isso não é propriamente ruim:
a própria complexidade da tomada de decisão, associada à sua
menor urgência, diminui fortemente os incentivos para que haja a
multiplicação de pessoas autorizadas a tomar a decisão de lançar
um ataque nuclear;
diante disso, a possibilidade de que uma guerra nuclear aberta seja
desencadeada por uma decisão tomada pela iniciativa ou reação
exagerada de um ou outro comandante diminui drasticamente;
assim, a própria complexidade da decisão inerente a uma postura
de resposta flexível contribui para diminuir o grau de tensão da
dinâmica interativa entre potências nucleares.
32 Entre EUA e URSS, no final dos anos 1980, esse intervalo seria, para ICBMs baseados em terra, tipicamente
estimado em meia-hora.
33 Essa era a lógica do Plano Estratégico de Operações Integradas – SIOP: um conjunto exaustivo de opções
de resposta, para diversos tipos de situação e contexto de ataque, de modo a que se reduzissem os tempos
necessários para decidir qual seria a resposta adequada em caso de um ataque.
38
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
Escalada e desescalada
A própria natureza da resposta flexível gera também uma oportunidade de
usar a resposta a um incidente, convencional ou nuclear, como um elemento do
processo de negociação e de barganha entre as partes.
Pelo menos uma das partes pode sinalizar às outras – eventualmente
identificando-o e enunciando-o formalmente – o que caracterizaria cada
nível equivalente de força, e o que consideraria, então, uma resposta de
força equivalente àquele nível. A metáfora associada a essa política é a
da escalada (escalation)
34
, sendo os níveis identificados como os degraus
da escalada
35
.
Uma vez que a própria formulação antevê a possibilidade de que a resposta
envolva força equivalente ou superior à usada num eventual ataque, o nível
em que uma resposta ocorresse seria em si mesmo um tipo de mensagem
a ser enviada às outras partes.
Uma resposta num nível imediatamente superior, por si só, já poderia
ser uma comunicação de grande disposição para o confronto, de tal
modo que, se alguém estiver testando a possibilidade de explorar
vantagens circunstanciais a partir de fatos consumados, a resposta em
nível mais alto aumentaria os custos dessa exploração e indicaria que
as consequências poderiam ser ainda mais graves, aumentando o risco
de que a situação pudesse ir se intensificando quanto à gravidade e,
eventualmente, envolver o emprego de artefatos nucleares;
uma resposta no mesmo nível indicaria, também, uma disposição a
confrontar, mas, ao mesmo tempo, uma sinalização de moderação;
uma resposta vários níveis acima aumentaria significativamente a
possibilidade de que as coisas saíssem de controle e envolvessem
uma passagem rápida e, talvez, incontrolável, ao emprego de artefatos
nucleares – claro que envolvendo riscos gravíssimos, pois a outra parte
poderia se ver na contingência de dar uma resposta também aumentada,
34 A principal referência é Kahn (1965).
35 Costuma-se dividir a escalada em duas categorias: escalada vertical, quando se trata da variação da quantidade
de força empregada; e escalada horizontal, quando se trata do escopo do emprego da força. Essa última tende
a ser mais ambígua do que a vertical, já que é mais difícil sistematizar ex ante níveis de violência em termos
de tipos ou localização de alvos, principalmente na ausência de um contexto específico que lhe dê sentido. O
foco aqui recai principalmente sobre a escalada vertical.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
39
Eugenio Diniz
sob pena de passar uma imagem de fraqueza. Com isso, as coisas
poderiam sair do controle, levando a uma guerra nuclear;
porém, embora tal possibilidade de perda de controle da escalada possa
ser mais visível no último caso, na verdade, ela pode estar presente
também no caso de qualquer resposta aumentada, e, em função das
possibilidades de equívocos de interpretação, erros de implementação
e condução, danos imprevistos ou acidentais, até mesmo no caso de
respostas em nível equivalente: isso significa que correr o risco de que a
escalada possa sair do controle pode ser exatamente a maneira mais fria e
calculista de demonstrar firmeza
36
. À manipulação desse risco, Schelling
(2003 [1960]; 1966) dá o nome de brinkmanship, ou, numa tradução
literal livre e informal, “a arte do cara que se põe à beira do abismo”;
mais tecnicamente, o termo refere-se a uma atitude deliberadamente
temerária, de modo a que a outra parte recue diante dos riscos.
Por outro lado, uma resposta num nível inferior de intensidade, ou num
nível equivalente de intensidade, por uma parte que vinha respondendo
com níveis aumentados, pode sinalizar a intenção de reduzir a intensidade
do conflito, eventualmente até o ponto em que as divergências sejam
enfrentadas sem o recurso à força. Essa possibilidade costuma ser
chamada de desescalada (de-escalation), e pode ser uma maneira eficaz
de comunicar disposição para o diálogo sem sinalizar fraqueza
37
.
Problemas específicos da postura de resposta flexível
A adoção de uma postura de resposta flexível pode trazer duas dificuldades
próprias.
A primeira delas é que, exatamente em função da redução drástica da
probabilidade de que pequenos incidentes, que não envolvam artefatos explosivos
nucleares, levem imediatamente a uma confrontação, envolvendo grandes
quantidades de armamentos nucleares de grande porte, os custos e riscos associados
a guerras convencionais diminuem, o que, por sua vez, em princípio, aumentaria
36 A análise clássica dessa manipulação de risco pode ser encontrada em Schelling (1960), cap. 8, e (1966), cap. 3.
37 Kahn (1965, p. 230-243), ao estudar a desescalada, chama atenção para o fato de que essa não é simplesmente uma
escalada reversa” (escalation in reverse), pois apresenta dificuldades próprias, principalmente de comunicação
e de interpretação. Para uma discussão mais específica da desescalada em assuntos nucleares, ver o volume
organizado por Nation (1992).
40
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
a probabilidade de sua ocorrência. Dito de outro modo, à primeira vista, quando
comparadas às posturas de retaliação maciça, posturas de respostas flexíveis
tenderiam a aumentar a probabilidade de ocorrência de guerras convencionais
deliberadas – se não diretamente entre grandes potências nucleares, pelo menos
entre essas e outros atores, particularmente os aliados de uma outra potência nuclear.
Porém, embora isso seja verdade, tal tendência é moderada em função de
outras considerações. Afinal, guerras convencionais:
multiplicam as ocasiões para que, deliberadamente ou não, haja danos a
recursos cujo valor para a parte atingida seja maior do que o previamente
estimado pelo atacante, gerando uma resposta em escalada;
multiplicam as ocasiões para erros de interpretação quanto a respostas,
e, particularmente, quanto à intensidade da resposta – para nos valermos
da metáfora já aludida, se a resposta foi no mesmo degrau da escalada ou
em um ou mais degraus acima, seja verticalmente, seja horizontalmente;
intensificam dramaticamente pressões, altamente emocionais, de dentro
e de fora do aparato governamental, sobre as autoridades, multiplicando
oportunidades de que decisões sejam tomadas sem o devido sangue-frio,
ou de que as decisões de máximo sangue-frio sejam aquelas tomadas
de modo a exatamente satisfazer aqueles apelos emocionais, de modo a
garantir que as autoridades possam, de alguma forma, manter algum tipo
de controle sobre seu público – e, no limite, evitar que sejam substituídas
por outras mais suscetíveis àquelas reações emocionais, ou mesmo mais
alinhadas com elas.
Ou seja, embora seja pouco provável que se chegue subitamente a uma guerra
nuclear, em grande escala, a partir de pequenos incidentes, não é impossível que
se chegue a essa situação a partir da dinâmica interativa das respostas a ações
convencionais. Embora essa consideração tenda a produzir pouco efeito quando
do confronto direto entre potências nucleares – os incentivos seriam muito altos
no sentido de haver uma resposta –, por outro lado, é bastante plausível que,
diante daquela possibilidade, os beneficiários da dissuasão nuclear estendida
de uma potência nuclear tenham dúvidas sobre a disposição dessa última de
efetivamente vir em seu socorro quando forem alvos de uma ação convencional por
parte de uma outra potência nuclear. Aliás, esse receio se estenderia até mesmo
para a possibilidade de virem a ser alvos de ação convencional por parte de um
ator que não disponha de armamentos nucleares, mas que seja aliado de uma
potência nuclear que possa vir em seu socorro, ainda que empregando apenas
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
41
Eugenio Diniz
forças convencionais. Essa seria a segunda dificuldade própria de posturas de
resposta flexível.
Em tais circunstâncias, mesmo um aumento substancial das forças conven-
cionais, incluindo aí um aumento substancial da capacidade de transportá-las
para outros teatros, pode não ser garantia suficiente. Uma garantia mais sólida
seria dispor, permanentemente, mesmo em períodos em que as tensões estejam
no seu nível normal, de forças convencionais em quantidades substanciais
desdobradas nos territórios dos aliados, ou pelo menos de alguns deles. Nesse
caso, seria muito pouco provel que, em caso de ações de alguma envergadura,
essas forças deixassem de ser empregadas; adicionalmente, caso as forças
previamente desdobradas sofressem reveses significativos, ou estivessem diante
dessa perspectiva, as pressões seriam muito intensas no sentido de reforçá-las,
intensificando, assim, o engajamento da potência nuclear aliada. Evidentemente,
pela sua função de garantidoras da credibilidade da dissuasão estendida, tais forças
estariam largamente indisponíveis para serem empregadas em outras situações
38
.
A multiplicação de aliados tenderia a aumentar a quantidade de forças a serem
empatadas de maneira semelhante. Assim, o enfrentamento das dificuldades
específicas de posturas de resposta flexível exige uma quantidade considerável
de recursos alocados a forças convencionais, largamente inflexíveis em termos
de seu desdobramento.
Mas esse não é o único inconveniente. A presença duradoura de tais forças
tende a ser um fator permanente de tensão, em função de possíveis incongruências
em termos de hábitos, valores, costumes e, particularmente, se houver uma
diferença muito grande entre a qualidade de vida das forças estrangeiras e
das populações locais a elas vizinhas. Ou seja, junto com as garantias, vêm
também fontes importantes de tensões significativas e de grandes dificuldades
no relacionamento político entre os aliados envolvidos
39
.
Características das forças para resposta flexível
No caso de uma postura de resposta flexível, há muito menos rigidez nos
arranjos das forças de cada ator, o que, como se verá mais adiante, permite
38 No auge da Guerra Fria, por exemplo, havia algo em torno de 400.000 efetivos estadunidenses desdobrados na
Europa Ocidental; no ano em que a URSS foi extinta, em 1991 – ou seja, já após a queda do Muro de Berlim –,
havia aproximadamente 222.500 efetivos estadunidenses apenas na Alemanha.
39 São muito conhecidos os problemas até hoje existentes em torno da presença estadunidense no Japão,
particularmente em Okinawa e Yokosuka.
42
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
conceber maneiras de diminuir a probabilidade de que falhas técnicas, erros de
interpretação, eventos acidentais, ou claramente isolados, ou uma decisão de
alguma autoridade isoladamente levem a uma guerra nuclear impremeditada,
pelo menos em comparação com as posturas de retaliação maciça:
haveria uma necessidade muito menor de mísseis de precisão para
capacidade contraforças;
embora, no que se refere às forças nucleares, a ênfase se desloque claramente
para a capacidade retaliatória contravalor, mesmo essa exige quantidades
relativamente menores, em função da menor expectativa de que grande
parte delas possa ser destruída num primeiro ataque contraforças;
por outro lado, haveria a necessidade de artefatos nucleares de menor
porte, de modo a permitir tanto incrementos graduais no nível de violência
da resposta, mesmo quando do emprego de forças nucleares, quanto
respostas no mesmo nível de violência, se uma outra parte utilizar um
artefato nuclear de pequeno porte;
haveria necessidade muito maior de forças convencionais, de modo a dispor
de ampla capacidade de resposta contra ações convencionais, inclusive
em prol de aliados, com isso permitindo demonstrar firmeza sem que se
descambe imediatamente para uma guerra nuclear generalizada;
pode haver grande variação na prontidão das forças nucleares, tanto
em nível quanto em quantidade – ou seja, não há a necessidade de que
toda a força imediatamente disponível esteja sempre no nível máximo de
prontidão;
como mencionado anteriormente, o processo de decisão relacionado ao
lançamento de um ataque nuclear seria bastante complexo, gerando a
possibilidade de divergência quanto a qual seria a resposta adequada,
o que produz incentivos para a produção de algum tipo de consenso,
o que, consequentemente, diminuiria a possibilidade de uma resposta
descontrolada por uma única autoridade diante de um evento de menor
porte – ainda que envolvendo artefatos nucleares;
diante disso, haveria incentivos para que uma quantidade menor de
pessoas tivesse a autoridade para ordenar o lançamento maciço dos
meios, ainda que haja provisões para o caso de não ser possível contatar
o presidente ou o vice-presidente ou seus equivalentes em governos que
não sejam presidencialistas – o que, diga-se de passagem, é um pouco
menos provel de ocorrer na vigência de posturas de resposta flexível, em
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
43
Eugenio Diniz
que, presumidamente, haveria muito menos probabilidade de que a crise
escalasse tão rapidamente a ponto de que tal decisão tivesse que ser tomada
durante uma indisponibilidade temporária das máximas autoridades.
Com isso, abre-se a possibilidade de constituição de um sistema de comando
e controle que contemple, simultaneamente, a capacidade de responder a
incidentes, inclusive a incidentes nucleares de grande porte; a expectativa de que
tais decisões serão efetivamente tomadas; e a diminuição do risco de que tais
decisões decorram de falhas técnicas, erros de interpretação, eventos acidentais
ou claramente isolados ou uma decisão de alguma autoridade isoladamente. Com
isso, passa-se a uma das discussões mais importantes, e ao mesmo tempo menos
frequentes, do complexo processo de gestão das forças na presença de arsenais
nucleares: os controles positivo e negativo.
Controle Positivo e Negativo:
Implementando a Dissuasão e Evitando a Impremeditação
Para garantir que armamentos nucleares permaneçam instrumentos coerentes,
de fato e na percepção do oponente, dois problemas têm que ser resolvidos
simultaneamente:
evitar que armamentos nucleares sejam empregados indevidamente, ou
seja, em decorrência:
da decisão de alguém que não as autoridades apropriadas;
de uma reação emocional ou de pânico de alguma autoridade;
de falhas técnicas (por exemplo, dos sistemas de alerta antecipado ou
de comunicações) ou de procedimento;
de problemas de interpretação de informações (por exemplo, interpretar
um teste de um míssil como um ataque);
garantir que a decisão válida de empregar armamentos nucleares seja
efetivamente implementada.
Para designar os recursos e procedimentos voltados para evitar o emprego
indevido de armamentos nucleares, costuma-se empregar a expressão controle
negativo; aos recursos e procedimentos voltados para garantir a implementação
da decisão válida de empregar armamentos nucleares, costuma-se chamar
controle positivo.
O problema é que, normalmente – com a exceção dos mecanismos de segurança
embutidos nos próprios artefatos nucleares (bombas e ogivas) –, os procedimentos
44
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
voltados para reforçar o controle negativo costumam enfraquecer o controle
positivo, e vice-versa
40
: se fica mais difícil empregar armamentos nucleares, isso
vale tanto para situações indesejadas quanto para a implementação de decisões
válidas; se fica mais fácil empregar armamentos nucleares, facilita-se também
empregá-las indevidamente. Em outras palavras, enfatizar um controle significa
diminuir a importância do outro; priorizar um controle significa pôr o outro em
segundo plano.
A grande dificuldade reside, portanto, em estabelecer o balanço entre eles.
À primeira vista, parece razoável que, em situações em que os relacionamentos
entre atores nuclearmente armados estejam em graus comparativamente baixos
de tensão, a ênfase e a prioridade recaiam sobre o controle negativo; quando as
tensões se exacerbam, a tendência é que predominem as preocupações com o
controle positivo. Em nenhum momento, porém, torna-se desnecessário evitar
que armamentos nucleares sejam empregados indevidamente ou garantir que
uma decisão de emprego válida seja implementada. O ideal, então, é que haja
várias alternativas de balanço entre os controles negativo e positivo, de modo que
a mudança de situação ou de condição reflita o estado do relacionamento entre
atores nuclearmente armados. A mudança de condição serve, também, como um
poderoso instrumento tácito de sinalização de intenções e de firmeza e, como
consequência, pode ter impacto significativo na negociação e no desenrolar de
uma situação de tensão ou de crise. (SAGAN, 1985; BLAIR, 1987)
A seguir, serão detalhados alguns aspectos dos controles e das condições. Aqui,
porém, é inevitável o recurso a exemplos. Por praticidade, os exemplos serão dados
a partir da experiência dos EUA, já no final da Guerra Fria, por volta de 1986-1987
41
.
Segurança Física dos Artefatos
Um primeiro ponto a considerar é a segurança física
42
dos próprios artefatos,
ou seja, evitar não que sejam lançados, mas, sim, que haja uma explosão nuclear
40 Sobre os controles positivo e negativo e seus dilemas (e alguns outros dilemas relacionados a outros aspectos
das operações nucleares), ver Steinbruner (1987).
41 Nesse período, os meios de entrega e os procedimentos, equipamentos e instalações de alerta antecipado e
comando e controle já haviam amadurecido; apesar da aproximação iniciada quando da ascensão de Mikhail
Gorbachev na URSS, o contexto ainda era caracterizado por um grau elevado de tensão; e a informação,
particularmente para o caso dos EUA, é razoavelmente disponível.
42 Em inglês, a expressão consagrada é safety and security. Entretanto, a distinção entre uma e outra não é tão
facilmente identificável em português, e, portanto optou-se aqui simplesmente por segurança física. Outros
elementos da segurança serão chamados de procedimentos de segurança.
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45
Eugenio Diniz
acidental – danos às instalações, queda ou acidente de um bombardeiro carregado
com bombas nucleares etc.
De acordo com Cotter (1987), inicialmente os artefatos – no caso, havia
apenas as bombas nucleares – eram simplesmente guardados com suas partes
separadas, com os componentes estritamente nucleares num lugar e os arranjos
de altos-explosivos em outro, e a bomba era montada durante o voo. Embora tal
procedimento contribuísse também para evitar o emprego não autorizado – haveria
uma quantidade maior de pessoas envolvidas, tornando muito difícil uma ação
sub-reptícia –, ele era ineficiente e, além de tudo, notoriamente inadequado no
caso de ogivas de mísseis.
Desenvolvimentos técnicos tornaram possível a busca e obtenção do critério
dito “one-point safety. Ou seja, a probabilidade de que a detonação dos altos-
explosivos de um artefato nuclear produza uma explosão – equivalente a de,
aproximadamente, 2 quilogramas de TNT – deveria ser igual ou menor que 1 em
1.000.000 (ou seja, 0,0001%). Dentre esses desenvolvimentos técnicos, estavam
os chamados Altos-Explosivos Insensíveis (IHE – Insensitive High-Explosives),
ou seja, que não explodirão em decorrência apenas de condições ambientais
desfavoráveis (particularmente incêndios e choques), mas somente se o sinal
elétrico específico for emitido. Tais sinais eram selecionados dentre um leque de
sinais rarissimamente encontrados em quaisquer outras circunstâncias.
No caso das bombas, há um complicado arranjo de sistemas e travas
eletricamente ativados e desativados, constituídos de modo a que tentativas
de os modificar levariam à ruptura de circuitos e ao travamento automático do
artefato, tornando fisicamente impossível explodi-la. A não ser que, já durante o
voo, a sequência adequada de interruptores seja ativada, a bomba não é armada
(isto é, seus circuitos de ignição não são conectados), e, portanto, não explodirá.
Esse procedimento era reversível, e as bombas poderiam ser desarmadas pela
tripulação da aeronave. Para lançar as bombas, o comandante da aeronave deve
inserir o código apropriado, ou as portas do compartimento de bombas não se
abrirão para lançá-las. Mesmo após o lançamento, um leque de sensores ambientais
(environment sensing devices – ESDs) só permitem a detonação da bomba se
as condições do entorno forem próximas às esperadas; sensores de altitude ou
inerciais só permitem a ativação do sistema de detonação (fuzing system) caso
uma determinada distância seja percorrida pela bomba. Outros sensores podem ser
adicionados para situações específicas (por exemplo, para explosões subterrâneas
ou subaquáticas).
46
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Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
Mas o principal desenvolvimento técnico a permitir, ao mesmo tempo, um
elevado grau de prontidão e um grau considerável de controle dos artefatos, por
parte das autoridades políticas, foram os Permissive Action Links (PALs)
43
. Os PALs
são dispositivos acionados pela inserção, por controle remoto, de códigos que
permitem que o artefato seja armado. Esses códigos, em princípio, ficam sob
controle do presidente (a proverbial “maleta”) e de outras altas autoridades, e
sempre à sua imediata disposição. A desativação das travas duplas, que impedem
o armamento da bomba, exige que duas autoridades diferentes insiram seus
respectivos códigos (que são diferentes entre si). Desse modo, os artefatos podem
ficar à disposição dos respectivos comandantes, sem que essa posse implique uma
perda de controle por parte das autoridades. Os PALs foram progressivamente
instalados em mísseis e bombas – mas, dadas as características e exigências de
funcionamento de submarinos, os PALs não foram instalados em SLBMs.
Foram desenvolvidos e implementados outros dispositivos de segurança – por
exemplo, a hoje familiar restrição do número de tentativas de inserção de uma
senha ou código, após o que novas tentativas de inserção ficam bloqueadas; uma
membrana com sensores para detecção de tentativas de penetração ou acesso,
alimentada por uma bateria de longa duração (tentativas de modificação ou
interferência no funcionamento do artefato também geram respostas que o tornam
inoperante ou disfuncional) –, mas a descrição acima permite uma apreciação
da complexidade e originalidade dos mecanismos de segurança embutidos nos
próprios artefatos.
Procedimentos e dispositivos de controle dos lançamentos
Outro integrante crítico dos controles negativo e positivo é o conjunto de
procedimentos e dispositivos voltados para o lançamento dos artefatos
44
.
Sucinta e seletivamente, para fins de ilustração, teríamos, entre outras medidas,
no caso de mísseis:
1. uma regra de procedimento fundamental, válida para todas as situações,
era a regra das 2 pessoas (2-men rule): toda decisão sensível envolvendo
43 Sobre o desenvolvimento dos PALs, a obra de referência é Stein e Feaver (1987).
44 A descrição aqui terá que ser sucinta e muito seletiva, em função do grau de detalhe e das variações que
caracterizavam todo o processo, mas espera-se que suficiente para iluminar a discussão e a importância de
salvaguardas e controle positivo e negativo. Detalhes podem ser obtidos em Babbit (1987); Bracken (1987);
Carter (1987a; 1987b); Cotter (1987); Sagan (1993, especialmente p. 53-117); Slocombe (1987); Steinbruner
(1987); Zraket (1984). Para o caso da OTAN, ver Kelleher (1987).
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47
Eugenio Diniz
armamentos nucleares só podia ser tomada e implementada por duas
pessoas de igual treinamento e autoridade. Isso valia até mesmo para
o presidente, cuja decisão teria que ser corroborada por alguma outra
autoridade de alto escalão;
2. caso seja detectado um lançamento de mísseis por uma outra parte,
o NORAD (North American Air Defense Command, e, mais tarde, North
American Aerospace Defense Command) instalaria uma conferência entre
os oficiais de turno dos centros de comando pertinentes e, enquanto
se confirmava ou não a informação de que havia ocorrido de fato um
lançamento, decidia-se se seriam alertados outros comandantes e as
autoridades políticas pertinentes para uma segunda conferência;
3. confirmava-se (ou não) o lançamento;
4. reuniam-se as autoridades para a segunda conferência;
5. na segunda conferência, seriam decididas as medidas a serem tomadas,
inclusive se seriam lançados ou não armamentos nucleares, e, se sim,
qual seria a opção do SIOP
45
(Single Integrated Operations Plan – Plano
Único Integrado de Operações) a ser empregada;
6. caso se decida pelo lançamento de mísseis, seria necessário preparar e
transmitir as Mensagens de Ação de Emergência (EAM – Emergency Action
Messages) –, o que implicava, inclusive, identificar o código apropriado,
seguir os procedimentos de autenticação da mensagem e dispor de canais
seguros e confiáveis para transmiti-las;
7. em seguida, aqueles que recebessem as EMAs teriam que autenticá-las
e decodificá-las – e, como se verá mais abaixo, tais procedimentos eram
complexos, particularmente no caso de submarinos (cujos mísseis não
dispunham de PALs);
8. caso as EMAs fossem autenticadas, dar-se-ia início à sequência de
lançamento dos mísseis
46
;
9. por fim, os mísseis eram lançados
47
.
45 Sobre o SIOP, as principais referências são Ball (1983) e Ball e Richelson (1988).
46 Os procedimentos relacionados às sequências de lançamento, tanto no caso de ICBMs quanto de SLBMs, também
incorporavam diretamente procedimentos e dispositivos de controle negativo, que eram ainda mais rigorosos no
caso dos SLBMs, em função da inviabilidade de instalação de PALs. O ideal seria ilustrá-los também aqui, mas
restrições de espaço nos impedem de fazê-lo. Para o caso dos ICBMs, antes da instalação dos PALs, v. Sagan
(1993, p. 82-91); para os submarinos, v. Cotter (1987, p. 51-52).
47 Essa sequência foi elaborada a partir das diversas fontes já mencionadas. Steinbruner (1984) apresenta uma
sequência mais detalhada, e ligeiramente diferente, mas cujos intervalos são ainda menores e mais estritos,
o que tornaria as condições ainda mais exigentes.
48
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
Estima-se que o tempo necessário para a execução das etapas de 1 a 4
seria de, aproximadamente, 10 minutos, e para as etapas de 6 a 9 seria, também,
de aproximadamente 10 minutos; já o tempo esperado para que os alvos
fossem atingidos (no jargão, time-on-target) pelas ogivas dos mísseis balísticos
intercontinentais do oponente seria de aproximadamente 30 minutos ou menos
48
.
Portanto, supondo que tudo ocorresse conforme o previsto, haveria apenas 10
minutos ou menos para a tomada de decisão sobre o tipo de resposta a ser dada
após a detecção de um lançamento de mísseis por um adversário.
Esse ponto e suas implicações costumam ser completamente desconsiderados
nas argumentações em prol da noção de que armamentos nucleares seriam uma
“força para a paz”. As implicações seriam:
se as distâncias entre os atores nuclearmente armados forem tais que o
time-on-target esteja abaixo de 30 minutos, pelo menos um dos seguintes
sacrifícios abaixo teriam que ser feito:
a decisão sobre o tipo de resposta terá que ser tomada com muito menos
tempo para deliberação – aumentando a probabilidade de uma reação
inadequada;
e/ou será necessário relaxar ou abrir mão da 2-men rule para as principais
autoridades – aumentando a probabilidade de uma reação baseada em
pânico ou outro tipo de pressão;
e/ou será necessário delegar autoridade para a decisão sobre o tipo
de resposta para uma quantidade maior de pessoas – aumentando a
probabilidade de que as decisões sejam tomadas por pessoas com pouca
sensibilidade política;
e/ou haverá menos tempo para confirmar se houve mesmo um ataque
ou se se tratou de uma falha nos sistemas de detecção – aumentando a
probabilidade de que uma decisão de empregar artefatos nucleares seja
tomada com base numa falha técnica;
e/ou os procedimentos de autenticação das mensagens terão que ser
relaxados ou abandonados – aumentando a probabilidade de que uma
decisão de empregar artefatos nucleares seja tomada por alguém sem
a autoridade para tanto.
se as distâncias entre os atores nuclearmente armados forem tais que o time-
on-target esteja muito abaixo de 30 minutos, todos os sacrifícios acima serão
48 As ogivas dos mísseis lançados de submarinos poderiam explodir em 15 minutos ou menos, mas, como sua
capacidade contraforças era limitada, a urgência era dada principalmente pelo tempo de impacto dos ICBMs.
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49
Eugenio Diniz
necessários, e teria que ser adotada uma postura de launch-on-warning
49
,
o que enfraquece substancialmente o grau de flexibilidade possível das
posturas nucleares das partes envolvidas.
A principal consequência política disso é óbvia: distâncias inferiores às
compatíveis com time-on-target de, pelo menos, 30 minutos impõem limitações no
controle negativo do lançamento dos meios de entrega nucleares, o que aumenta
significativamente a probabilidade de guerras nucleares impremeditadas.
As
Defense Readiness Conditions
50
As diferentes condições do relacionamento entre EUA e URSS refletiam-se nos
diferentes estados de equilíbrio entre controle negativo e positivo, sistematizados
e normatizados, no caso dos EUA, no sistema de condições de prontidão de defesa
(Defense Readiness Conditions) ou DEFCON:
DEFCON 5: Condição normal em tempo de paz, exceto para o Comando
Aéreo Estratégico (SAC – Strategic Air Command);
DEFCON 4: Condição normal em tempo de paz para o SAC, com prontidão
e alerta um pouco superiores às condições da DEFCON 5;
DEFCON 3: Forças em posição, à espera de novas ordens;
DEFCON 2: Forças prontas para combate;
DEFCON 1: Forças desdobradas para combate
51
.
O limiar mais dramático era exatamente a passagem para DEFCON 3. Nessa
condição, várias medidas que alteravam significativamente a rotina das forças, das
autoridades e até mesmo da população podiam ser tomadas. Podemos mencionar,
a título de exemplo (BLAIR, 1987, p. 84-93):
a única flexibilidade na aplicação da 2-men rule – a saber, a possibilidade
de que 1 dos 2 oficiais em cada Centro de Controle de Lançamento de
ICBMs
52
poderia estar dormindo enquanto o outro estivesse acordado –
seria suspensa, e todo o material necessário para o lançamento dos mísseis
(chaves de segurança, material para decodificação e autenticação das EAMs
etc.) passaria a estar imediatamente disponível nas respectivas mesas;
49 Sobre launch-on-warning, ver, principalmente, Steinbruner (1984).
50 As informações sobre as Defense Conditions são retiradas basicamente de Blair (1987).
51 Ver Blair (1987), Sagan (1985). Forças nas vizinhanças de regiões onde havia combate tendiam a estar em um
nível acima das demais.
52 Os ICBMs eram controlados a partir dos Centros de Controle de Lançamento (LCCs – Launch Control Centers)
subterrâneos, cada um deles responsáveis por um conjunto de 10 mísseis, desdobrados em silos subterrâneos
separados um do outro por uma distância de pelo menos 6 quilômetros (a rigor, 4 milhas).
50
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Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
os submarinos lançadores de mísseis balísticos (SSBNs) que estivessem
em portos deveriam ser aprontados para partir – só sairiam do porto
efetivamente em caso de DEFCON 2;
iniciar-se-iam os preparativos para evacuação de lideranças políticas,
incluindo a preparação de instalações e comunicações para realocações
de emergência;
imediata realocação de pessoal (particularmente militares) para instalações
alternativas;
aeronaves de reconhecimento seriam enviadas para bases no exterior;
mais bombardeiros seriam posicionados já nas respectivas pistas, em
condição de decolar imediatamente;
submarinos de ataque (SSNs) seriam posicionados de modo a interditar a
movimentação de submarinos soviéticos, particularmente nas vizinhanças
de pontos de passagem obrigatória.
Em DEFCON 2, várias das medidas preparadas em DEFCON 3 seriam
efetivamente implementadas, notadamente a ativação de instalações alternativas,
inclusive os centros móveis de comando (terrestres e aerotransportados); a
constituição de diferentes equipes de autoridades políticas e militares, a serem
desdobradas em instalações diferentes e protegidas; a saída do porto de SSBNS
– que, por sua vez, passariam a monitorar comunicações mais frequentemente;
mais bombardeiros, aeronaves de reconhecimento e aeronaves de comunicações
e comando e controle estariam em patrulha no ar. Outras medidas, porém, seriam
tomadas, como, por exemplo:
havendo anuência dos membros da OTAN, as forças nucleares na Europa
seriam colocadas sob a autoridade do Supremo Comandante Aliado na
Europa (SACEUR – Supreme Allied Commander Europe);
poderia haver a descentralização de autoridade para diversas operações
e decisões relacionadas ao emprego da força – significando, na prática,
o abandono de algumas medidas de controle negativo e reforçando o
controle positivo;
alguns bombardeiros poderiam ser enviados para a Europa, colocando-se,
assim, em condições de, dentre outras atividades, bombardear forças
convencionais;
aeronaves na Europa também se colocariam em condições de minar portos
e pontos de passagem obrigatória dos submarinos soviéticos.
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51
Eugenio Diniz
Por sua vez, a DEFCON 1 indica que uma guerra convencional é iminente,
o que implica múltiplas oportunidades de que recursos cruciais de comando e
controle e de alerta antecipado sejam atingidos, ainda que involuntariamente
— o que pode acabar comprometendo a capacidade de resposta a ataques nucleares,
como já salientado. Assim, na DEFCON 1, diversas medidas relacionadas à
preparação da decisão de empregar armamentos nucleares podem ser tomadas.
Tal decisão, entretanto, continuaria sendo prerrogativa das autoridades políticas.
(BLAIR, 1987)
A passagem a uma DEFCON superior e, com isso, a progressiva e gradual
mudança de ênfase do controle negativo para o positivo, presumivelmente,
contribui para a dissuasão, na medida em que aumenta não apenas a probabilidade
de que, efetivamente, uma decisão de retaliar seja tomada, mas, também, de que
incidentes envolvendo apenas meios convencionais, ou mesmo a interpretação
de incidentes, ou mesmo a detecção errônea de incidentes, ou ainda o contexto
emocional e de pressão em que tais eventos se desenrolem, possam levar ao
emprego de meios nucleares. Assim, em princípio, cada mudança de DEFCON
para um patamar superior aumentaria o incentivo para reduzir as tensões.
Em função das exigências do estado de alerta e de prontidão a ela associadas,
entretanto, a DEFCON 1 não pode ser mantida por muito tempo, até mesmo pelo
risco de que a tensão e a fadiga acabem por reduzir a capacidade de resposta,
ao invés de aumentá-la. Por outro lado, essa insustentabilidade de se manter
a DEFCON 1 por períodos muito prolongados pode ser útil, do ponto de vista
do relacionamento político entre as partes. Afinal, a inviabilidade de se manter
DEFCON 1 por muito tempo gera uma oportunidade para que um eventual retorno
à DEFCON 2 possa ser explorado, como um gesto de boa-vontade para propiciar
o diálogo, ou algo parecido, sem que isso seja percebido como sinal de fraqueza
ou, ainda, e talvez pior, tenha efeito desmoralizador sobre aqueles que terão que
implementar as medidas e as decisões difíceis.
Essa lógica pode ser claramente estendida aos outros níveis de alerta, mesmo
que, nesses casos, o estado de prontidão não seja tão exigente em termos de fadiga
e tensão. Para Blair (1987), na verdade, o fato de a redução do nível de alerta
ser menos necessária possivelmente reforça a sinalização de boa-vontade; mas,
por outro lado, pode ser interpretada também como sinalização de fraqueza, de
falta de firmeza. O problema é que o contrário não é verdadeiro: dificilmente a
passagem a um nível superior de alerta será interpretado como falta de firmeza.
Essa é uma das razões pelas quais a desescalada costuma ser considerada mais
52
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Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
difícil do que a escalada – o que, paradoxalmente, reforça o sinal de firmeza que
é passado quando da mudança para uma DEFCON superior.
O que é preciso ter claro, porém, é o seguinte: para se ter o grau de flexibilidade
permitido pelos diversos estados de equilíbrio entre controle negativo e positivo, é
necessário dispor dos recursos necessários, e esses nem sempre estão disponíveis:
se isso é verdade para os recursos financeiros necessários para dispor da tais
capacidades – dispositivos, procedimentos e instalações –, ainda mais verdadeiro
– e grave – é o fato de que nem todos os recursos necessários são adquiríveis.
Dentre esses, o mais problemático talvez seja o tempo, ou melhor, as distâncias
medidas em termos de time-on-target.
Balanço: Resposta Flexível, Controles Negativo e Positivo, Credibilidade
da Retaliação e Estabilidade da Dissuasão Mútua
Do exposto até agora, fica claro o quanto uma situação em que atores,
nuclearmente armados, dissuadem um ao outro de empregar seus armamentos
nucleares depende não só de tais armamentos nucleares, mas, mais significativamente
ainda, de instalações, equipamentos, pessoas e procedimentos que aumentem a
capacidade de sobrevivência desses armamentos; instalações, equipamentos,
pessoas e procedimentos de alerta antecipado, que, além de aumentar a capacidade
de sobrevivência dos armamentos nucleares, podem aumentar o tempo disponível
para resposta – e, portanto, diminuir a probabilidade de reações emocionais, ou
decorrentes de sinais equivocados ou interpretação errônea de sinais, ou tomadas
por pessoas sem a devida qualificação política; instalações, equipamentos, pessoas
e procedimentos de comando e controle – inclusive de planejamento de longo
prazo, como o SIOP ou o sistema de DEFCON, e todos os equipamentos, instalações
e procedimentos pensados e implementados em tempos de baixa tensão, para
que estejam disponíveis nos momentos em que a tensão se intensifique, como
as instalações protegidas de emergência, postos de comando móveis, sistemas
de comunicação protegidos e alternativos entre os diversos centros, bases
aéreas, bases de lançamento, mais o treinamento constante no exercício dos
procedimentos, inclusive envolvendo as altas autoridades políticas etc.; meios de
força convencionais para fazer face a incidentes que não envolvam o emprego de
força nuclear, como forma de demonstrar firmeza e comprometimento, inclusive
para com aliados, sem que isso leve, imediatamente, ao emprego maciço de
forças nucleares; instalações e comunicações no exterior para alocação de forças
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convencionais (e, eventualmente, também nucleares) e de parte dos sistemas
de alerta antecipado; arranjos e relacionamentos políticos que permitam essas
instalações e a negociação de garantias e compensações relacionadas a essas
instalações e recursos; e, talvez mais difícil de se obter, formas de comunicar não
apenas intenções, mas, muitas vezes, entendimentos, limites, limiares, sugestões,
muitas vezes sem negociar e às vezes até mesmo sem que haja uma declaração
oficial, de modo a que as outras partes possam eventualmente interpretar
determinadas decisões.
Tome-se o exemplo da escalada, tanto vertical quanto horizontal. Há várias
maneiras possíveis de categorizar e articular os diversos passos ou degraus da
escalada vertical e, muitas mais ainda, no caso da escalada horizontal. Como
garantir que a outra parte vai entender certa resposta como pertencente ao
mesmo degrau do incidente que originou a resposta, ou a um degrau acima, ou a
um degrau abaixo, ou a vários degraus acima ou abaixo do nível de intensidade
daquele incidente? Trata-se de matéria praticamente impossível de ser efetivamente
negociada até mesmo com aliados (pelo menos em público), e ainda mais com
adversários – afinal, isso quase equivaleria a atribuir a uma outra parte poder de
veto sobre o tipo de resposta a ser dada. Por outro lado, mesmo uma declaração
oficial poderia gerar oportunidades para que um adversário explorasse algum
ponto cuja ambiguidade não tivesse sido identificada pela parte declarante, ou até
mesmo gerar insegurança em algum aliado mais reticente. Assim, outras maneiras
de sinalizar o entendimento de quais são os passos da escalada têm que ser
encontrados, identificados, com todo o preço que tais sutilezas e informalidades
podem acarretar em termos de compreensão – e, portanto, de reação – por parte
de aliados e de adversários.
Dito de outro modo, a estabilidade da dissuasão depende de encontrar e
estabelecer formas, canais, até mesmo códigos diferentes para o diálogo, muitas
vezes na forma de sinalizações embutidas em determinadas decisões tomadas
e não tomadas, e, ainda, de habituarem-se as partes – aliados e adversários –
a essas formas de diálogo
53
.
Vê-se, assim, que a estabilidade da dissuasão mútua depende de um processo
que é integralmente político, e que está sujeito a todas as vicissitudes da interação
política – inclusive a falhas de comunicação, erros de interpretação, pressões para
decisões por interesses e motivos, em princípio, alheios aos aspectos internos de
uma crise e mais ligados às posições domésticas dos diversos atores etc.
53 Schelling (1960), especialmente os capítulos 3 e 5.
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Armamentos Nucleares: Dissuasão e Guerra Nuclear Acidental
Conclusões
A mera consideração das condições para a estabilidade da dissuasão mútua já
revela o quanto é, na melhor das hipóteses, ingênua a noção de que armamentos
nucleares seriam, em si mesmos, uma força para a paz. Há que se considerar
ainda, porém, outras noções correlatas, decorrentes da mesma reificação ingênua
dos armamentos e da desconsideração de processos e procedimentos.
A primeira delas é a de que a proliferação de armamentos nucleares poderia
resultar em um certo nivelamento, uma redução do peso das assimetrias tradicionais
em assuntos estratégicos e, em combinação com a grande capacidade destrutiva
dos armamentos nucleares, a um desincentivo à guerra; ou, dito de outro modo,
“mais pode ser melhor” (WALTZ, 1993):
em primeiro lugar, já se viu que, dependendo das condições (p. ex., postura
nuclear, configuração das forças, alerta antecipado, arranjos de comando
e controle etc.), a destrutividade dos armamentos nucleares pode produzir
fortes incentivos para o primeiro ataque e para launch-on-warning;
em segundo lugar, os dispositivos e tecnologia de segurança dos artefatos
quanto a detonações acidentais e quanto a tentativas de interferência, e
a infraestrutura, a tecnologia e os procedimentos de alerta antecipado,
de comando e controle, de comunicações (incluindo instalações seguras,
postos de comando alternativos, incluindo os móveis etc.) – que não só
podem contribuir para a diminuição daqueles riscos e incentivos, mas que
são pré-requisitos para uma postura que os minimize – são caríssimos.
Isso traz as seguintes implicações:
a obtenção de armamentos nucleares representa apenas uma parte do
esforço e do custo de um arranjo completo, e esse esforço será menor
na medida em que um ator disponha de infraestrutura para energia
nuclear – e quanto mais completa tal infraestrutura, menores serão as
dificuldades para a obtenção de armamentos nucleares. Assim, quanto
mais pobre for o ator que obtiver armamentos nucleares, menor será
a sua capacidade de dispor das condições de segurança, de alerta
antecipado e de comando e controle para a gestão dos armamentos e dos
processos de interação política relacionados. A falta dessas capacidades
torna vulneráveis os armamentos nucleares do ator em questão; a posse
de armamentos nucleares o torna alvo mais provel, e não menos
provel, dos armamentos nucleares de outrem – inclusive em função
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da maior probabilidade de que, numa situação de crise, o ator com
menor capacidade venha a empregá-los por alguma falha de detecção
ou de comando e controle;
por outro lado, a indisponibilidade de capacidade de alerta antecipado
e de comando e controle aumenta a probabilidade de que tal ator lance
um ataque decorrente de falhas técnicas ou de pânico ou de usurpação
de autoridade, o que presumivelmente produziria uma resposta nuclear
da outra parte. Como isso só pode ocorrer se o ator mais pobre dispuser
de armamentos nucleares, a posse de armamentos nucleares por um
ator mais pobre pode aumentar sua vulnerabilidade, e não diminuí-la;
e aumenta a probabilidade de guerras envolvendo armamentos nucleares,
ao contrário de reduzi-la.
em terceiro lugar, quanto maior a quantidade de armamentos nucleares
(incluindo os meios de entrega), maior a capacidade retaliatória e, portanto,
a capacidade coercitiva daí decorrente, devido à menor probabilidade de
que uma grande parte dessa capacidade seja destruída por um primeiro
ataque de um oponente; por outro lado, quanto menor a quantidade de
armamentos nucleares, menos sobrarão após um primeiro ataque adversário,
ou após um primeiro ataque próprio, limitando a força de dissuasão do
país em questão. Ora, é evidente que atores mais ricos podem ter maiores
quantidades de armamentos nucleares, ou, no mínimo, têm que fazer bem
menos sacrifícios para obtê-los em grandes quantidades.
Em outras palavras, armamentos nucleares intensificam as vantagens
dos atores mais ricos e as vulnerabilidades e desvantagens dos atores
mais pobres, ao invés de reduzi-las.
em quarto lugar, temos a questão da sobrevivência dos armamentos
nucleares. Então, além da consideração óbvia da fortificação das instalações
que os abrigam (que, incidentalmente, põe novamente em tela a disparidade
de recursos financeiros), um elemento crucial da sobrevivência dos arsenais
nucleares é a sua dispersão espacial, ou seja, a capacidade de fazer com
que um adversário tenha que dispender mais armamentos para poder
destruir armamentos do adversário. Ora, em princípio, quanto maior
a extensão territorial de um país, maior a sua capacidade de dispersar
seus armamentos; e a disponibilidade de saída para o mar aumenta-a
significativamente, na medida em que esses possam ser desdobrados em
submarinos. As implicações daí decorrentes são:
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atores com maior extensão territorial têm significativas vantagens em
termos de sobrevivência de seus arsenais nucleares, ao passo que atores
muito pequenos ficam em extrema desvantagem;
com isso, geram-se fortes incentivos para a redução dessa desvantagem,
o que pode significar uma intensificação da busca para obtenção de
espaço adicional: para um ator pequeno, cada ganho aparentemente
pequeno pode significar um aumento significativo da capacidade de
sobrevivência de sua capacidade retaliatória nuclear – e, se esse ganho
pequeno for uma saída para o mar, o benefício pode ser imenso. Como
é bem provável que esse espaço adicional tenha que ser obtido mediante
recurso à força, a posse de armamentos nucleares por um ator pequeno
do ponto de vista espacial gera incentivos adicionais para o emprego de
força visando ao aumento da sua extensão territorial, ou seja, aumenta-
se a probabilidade de guerra, ao invés de diminuí-la;
como o sucesso nessa empreitada é muito mais provável se se tratar
de um ator mais bem armado, tentando aumentar seu espaço às custas
de um ator menos bem armado, a posse de armamentos nucleares por
atores muito pequenos aumenta o valor das vantagens em termos de
forças convencionais, e não as diminui.
A conclusão geral dessa discussão é que, ao contrário do que frequentemente
se afirma, todas as assimetrias tradicionais são reforçadas e intensificadas pela
disponibilidade de armamentos nucleares, e não o contrário.
Um outro ponto a destacar, e que é frequentemente negligenciado, é a
importância da geografia para a estabilidade da dissuasão nuclear mútua. Já se
mencionou sua importância em termos de extensão territorial para a sobrevivência
dos armamentos nucleares e, portanto, para os incentivos para o primeiro ataque,
e daí suas implicações para a probabilidade de lançamento de artefatos nucleares.
Anteriormente, examinou-se já sua importância com relação à distância entre os
arsenais, medida em termos de time-on-target. Viu-se que intervalos inferiores
a 20 minutos necessariamente implicam aumento da probabilidade de que a
decisão de lançar um ataque nuclear decorra de falhas de alerta antecipado e de
problemas de comando e controle. O ponto a considerar aqui é que, quanto mais
se multiplicarem os atores com capacidade nuclear, maiores as situações em que
tal intervalo será menor que 20 minutos, às vezes menor que 10 minutos, e, além
de tudo, em combinação com as demais assimetrias já mencionadas (riqueza,
extensão territorial, capacidade bélica convencional), com isso multiplicando
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substancialmente as oportunidades para a ocorrência de guerras nucleares
impremeditadas. Cabe aqui apontar um importante fenômeno ao mesmo tempo
político e cognitivo: há uma tendência a extrapolar-se acriticamente a vigência do
equilíbrio dissuasório nuclear entre as superpotências da Guerra Fria para quaisquer
situações envolvendo a disponibilidade de armamentos nucleares. Acostumou-se
às consequências políticas do processo de produção da estabilidade dissuasória
nuclear mútua, mas essas consequências foram reificadas: de certo modo, as
condições necessárias para essa estabilidade foram esquecidas e progressivamente
identificadas com a própria posse dos arsenais nucleares. Mesmo que todo o resto
não tivesse muita importância, porém, a mera consideração dos problemas de
time-on-target, que em si mesmo é função apenas da capacidade dos artefatos,
da velocidade dos meios de entrega e da localização dos alvos, já seria suficiente
para pôr em tela que a multiplicação de detentores de capacidade bélica nuclear
– ou seja, a proliferação de armamentos nucleares – tende a aumentar, e não a
diminuir, a probabilidade de ocorrência de guerras nucleares, a partir da dinâmica
combinada de impremeditação e incentivos.
Mas o fato é que todo o resto tem extraordinária importância. A proliferação
de armamentos nucleares faz crescer exponencialmente a probabilidade de
erros de sinalização e de interpretação de sinais no processo de diálogo político
caracterizado pela interação entre declarações, omissões, decisões concertadas,
decisões unilaterais, acordos formais e informais, recusas declaradas e não
declaradas, formais e informais, a acordos e convergências produzidas no tempo,
respostas e audiências de respostas a incidentes e acidentes. Esses equívocos são
tão mais proveis quanto mais desacostumadas forem as partes a essas formas
de diálogo e de interação política, e muito maiores ainda quanto maior for o
número de recém-chegados.
Assim, armamentos nucleares não apenas não reduzem a necessidade de
constante atividade política, inovação, persistência, monitoramento, imposição de
custos e oferta de incentivos: eles intensificam e tornam tais processos e atividades
muito mais complexos, muito mais sujeitos a erros e muito mais delicados em
função da gravidade das consequências de determinados fracassos. O estresse
sobre o sistema de interações políticas posto pelos armamentos nucleares é muito
grande, e isso nunca é uma boa coisa.
Daí não decorre que a eliminação completa dos arsenais nucleares, ou Global
Zero, como se vem chamando, seja necessariamente desejável. Independente da
grande dificuldade em eventualmente atingir tal objetivo, o maior problema reside
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em como gerar expectativas críveis de que nenhum ator vá ser capaz de burlar
os arranjos e adquirir ou readquirir arsenais nucleares antes que outros possam
fazê-lo – o que daria a esse ator um monopólio sobre os armamentos nucleares
e a capacidade de valer-se deles para assegurar esse monopólio e aumentar seus
arsenais. Evidente, o ator que o conseguisse, muito provavelmente, seria um
ator rico e poderoso, com menos sujeição a restrições normativas, domésticas ou
internacionais
54
. Trata-se do problema de construir-se a dissuasão estável contra
o rearmamento
55
. Essa é talvez a questão mais negligenciada no debate sobre as
dinâmicas políticas relacionadas ao mundo dos artefatos nucleares
56
.
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54 Esse ponto é explorado por Iklé (1961) e retomado por Roberts (2001).
55 A identificação da importância e os primeiros tratamentos do assunto podem ser encontrados em Schelling e
Halperin (1961), Schelling (1962); o tema é retomado em Schelling (2009).
56 O autor vem trabalhando esse tema, mas restrições de espaço impedem a sua discussão neste texto.
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