Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 9-62
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Eugenio Diniz
Introdução
Uma posição bastante difundida na área de relações internacionais é que, em si
mesmos, “armamentos nucleares são uma força em prol da paz” (MEARSHEIMER,
1994; 2001). Ninguém menos que Waltz (1993) chega a considerar que a
proliferação de armamentos nucleares seria benéfica. Mais que o fato de que
não houve qualquer explosão de artefatos nucleares que não para testes desde
1945, essa literatura tende a enfatizar o fato de, passados quase 70 anos desde
Hiroshima e Nagasaki, nunca ter havido guerra diretamente entre potências
nucleares, e particularmente entre EUA e URSS durante a Guerra Fria, atribuindo-o,
pelo menos em alguma medida
2
, às autorrestrições induzidas pelo caráter
dissuasório dos armamentos nucleares.
Uma outra vertente, por seu lado, considera que tal situação era muito
mais instável do que parecia à primeira vista, e que, principalmente em função
de problemas de comando e controle (C2)
3
, sempre há o risco de uma guerra
“por inadvertência” (THAYER, 1994) ou “impremeditada” (KAHN, 1961b),
decorrente ou de algum tipo de acidente ou do emprego de artefatos por alguém
sem a autoridade para tanto (p. ex., BLAIR, 1985; BRACKEN, 1983; IKLÉ, 1958;
POSEN, 1991; SAGAN, 1985; SAGAN, 1993a; SAGAN, 1993b).
Esse debate
4
tem implicações muito sérias, para além de seus aspectos
científicos e acadêmicos. O foco excessivo sobre os armamentos, especificamente,
e a desconsideração dos demais componentes da capacidade bélica nuclear
2 Outra explicação, tipicamente realista, seria a distribuição bipolar das capacidades (capabilities), frequentemente
entendida pelos realistas (WALTZ, 1979; MEARSHEIMER, 2001) como inerentemente menos propensa a guerras
entre as principais potências.
3 Note-se que os problemas poderiam estar relacionados a equipamentos, instalações e procedimentos voltados
para o alerta antecipado (early warning), ou seja, a detecção, o quanto antes, do lançamento de mísseis ou
aeronaves nuclearmente armadas por um oponente; ou também a equipamentos, instalações e procedimentos
voltados para a comunicação, seja doméstica, seja entre aliados, seja entre os prospectivos contendores. Em outras
áreas da discussão estratégica, acabou-se consagrando a expressão C3I para comando, controle, comunicação
e inteligência; ou, às vezes, C4I para comando, controle, comunicação, computação e inteligência. No que
concerne às discussões sobre armamentos nucleares, entretanto, a expressão “comando e controle” acabou
prevalecendo. Seguiremos esse uso aqui, mas fica a ressalva.
4 Num texto que em tudo o mais é muito útil e original, Feaver (1997) se refere, de maneira muito infeliz,
à primeira posição como “otimista” e à segunda como “pessimista”, como se o que estivesse em jogo fosse
basicamente um problema de atitude, e não de processos e suas implicações. Talvez a distinção não seja tão
problemática quando se considera apenas o que está abordado no texto – a saber, discutir o que ele chama de
posição “neo-otimista”, segundo a qual os problemas de C2 existem e são sérios, mas eventuais novas potências
dotadas de capacidade bélica nuclear estariam, a esse respeito, em melhor posição que seus predecessores.
Mas a caracterização em si mesma é infeliz, e por isso não será adotada aqui.