Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 2, 2016, p. 222-242
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José Alexandre Altahyde Hage
à política internacional, em que os Estados fortes sobressaem na luta em meio a
uma ordem internacional desigual.
A luta não é um capricho da natureza, mas uma lei que brinda os mais bem
preparados para ascender em meio a concorrências, nesse caso, entre os Estados
territoriais. Não se sabe, com segurança, se Euclides conhecia Ratzel, embora o
que escreve lembra o autor do livro Antropogeografia
13
: “A dilatação territorial
impõe-se lhe como uma condição de vida, não já no sentido superior de um
primado de ideias, senão também no sentido estritamente biológico da própria
alimentação” (CUNHA, 1967a, p. 48).
O jogo tornara-se pesado. A Alemanha bismarckiana, os Estados Unidos de
Ted Roosevelt e o Japão militarista eram os atores mais agressivos dessa “savana”
apontada por Euclides da Cunha. Nesse aspecto, pode haver a interpretação de
que nosso autor vê naqueles Estados um exemplo, como sobreviver com sucesso.
Se assim for, na ótica de Nelson Werneck Sodré, Euclides falha ao não condenar
o imperialismo daquelas potências, visto que o fluminense não era partidário da
exclusão social e do racismo (SODRÉ, 1984).
Em outra instância, as imperícias de governo são encontradas em Os Sertões.
O problema brasileiro estaria em sua divisão cultural, ambiental e, por seu turno,
política que fazia com que o Brasil tivesse distorções espalhadas pelo território.
Afinal, o que foi a Guerra de Canudos, no sertão da Bahia, a não ser o mal-estar
em que jagunços, adaptados na crueza da terra, tornam-se ferozes lutadores pela
vida, esquecidos pelo novíssimo regime republicano? Enquanto isso, a formação
cultural do homem litorâneo, mais europeizado e cosmopolita, projeta-se para
valores que poderiam ser considerados desvigorados.
Em outras palavras, o problema do Brasil é sua separação geográfica,
econômica e social. São dois brasis que não dialogam, sendo que um insiste
em manter o outro por causa de uma doutrina jurídico-histórica; e não por uma
solicitação mais congruente para o povo propriamente dito. Dessa forma, o lado
litorâneo, do Rio de Janeiro, procura imprimir sem oferecer todos os recursos,
poder nas áreas esquecidas da Amazônia e do Nordeste. Seria uma luta entre a
civilização, do mar, contra a barbárie, do sertão. Escreve:
13 Saber se Euclides da Cunha conhecia Ratzel é algo que fica em aberto. Em todo caso, José Honório Rodrigues
comenta que Capistrano de Abreu, no prefácio de Capítulos de História Colonial, de 1906, entrara em contato
com o trabalho do geógrafo alemão (RODRIGUES apud ABREU, 1963). Não seria hipótese longínqua esperar
que o fluminense também o conhecesse, uma vez que já havia iniciado leitura de Karl Marx (MOURA, 1964).