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Karina Lilia Pasquariello Mariano, Regiane Nitsch Bressan, Bruno Theodoro Luciano
Eleições diretas no Parlamento Andino:
a percepção popular sobre a integração regional
Direct Elections to the Andean Parliament:
the popular perception on regional integration
DOI: 10.21530/ci.v11n1.2016.320
Karina Lilia Pasquariello Mariano
1
Regiane Nitsch Bressan
2
Bruno Theodoro Luciano
3
Resumo
O objetivo deste trabalho é discutir os efeitos das eleições diretas para o Parlamento Andino
(Parlandino) na percepção da população em relação à integração. No âmbito da integração
andina, o Parlandino, criado em 1984, procurou inserir elementos de legitimidade democrática
ao projeto sub-regional, especialmente a partir de 1996, com a realização de eleições diretas,
em uma tentativa de aproximar a população dos representantes andinos por meio do voto
e da participação popular. Partindo do pressuposto de que a inclusão de representatividade
direta ao parlamento não supriu as demandas dos atores sociais, o argumento desta análise
é de que a democratização da integração exige uma institucionalidade mais autônoma,
o que não se verifica no caso do Parlandino. Este artigo usa como ponto de partida dados
do Latinobarômetro para identificar as expectativas na população em relação a essa questão,
complementando a análise com informações de meio de comunicações locais e de materiais
bibliográficos especializados que tratam do assunto.
Palavras-chave: Integração Regional; América Latina; Comunidade Andina; Parlamento
Andino.
1 Professora adjunta da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
2 Professora da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP), curso Relações Internacionais, área Integração Regional.
3 Doutorando em Ciência Política e Estudos Internacionais na Universidade de Birmingham, Reino Unido.
Artigo recebido em 14/04/2016 e aprovado em 17/06/2016.
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Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
Abstract
The purpose of this article is to discuss the effects of the direct elections to the Andean
Parliament (Parlandino) to the social perception regarding regional integration. Within the
Andean integration, Parlandino, created in 1984, aimed to increase democratic legitimacy
in this regional project, particularly since 1996 with the prevision of direct elections for its
representatives, as an attempt to bring the Andean parliamentarians closer to citizens, through
voting and popular participation. Assuming that the inclusion of direct representativeness
in this parliamentary body has not met the demands of social actors, the argument of this
analysis is that the democratization of integration requires more autonomous institutions,
which is not verified in Parlandino’s case. This analysis is grounded in the data from the
Latinobarometer to identify the popular expectations and perception on this matter. Our
assessment is also complemented by media information as well as previous specialized
literature on this topic.
Key words: Regional integration, Latin America, Andean Community, Andean Parliament.
Introdução
A discussão sobre os efeitos das eleições diretas para o Parlamento Andino
(Parlandino) envolve vários aspectos: preocupação com a democratização do
processo de integração, papel do poder legislativo no âmbito regional e percepção
da população em relação à integração. Tradicionalmente, atribui-se no plano
nacional uma aura de democratização à presença de representação parlamentar,
considerando-se que a participação desses parlamentares garantiria a atenção aos
interesses e demandas da sociedade.
É nesse sentido que os processos de integração regional tendem a estabelecer
desde o início uma representação parlamentar como mecanismo de legitimação
e democratização. Essas representações seguem lógicas e funções bastante
variadas, apresentando em cada situação poderes bastante distintos. No caso da
Comunidade Andina (CAN), criou-se em 1984 o Parlandino com a perspectiva
de inserir elementos de legitimidade democrática ao processo integracionista e,
a partir de 1996, a escolha de seus integrantes passaria a se realizar por meio de
eleições diretas, em uma tentativa de aproximar a população dos representantes
andinos por meio do voto e da participação popular.
Com essas medidas buscava-se sanar o problema do déficit democrático
no processo andino de integração e aumentar o envolvimento e apoio das
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populações, partindo do pressuposto de que a inclusão de representatividade
direta ao parlamento serviria como elemento dinamizador dessa relação sociedade-
integração, assim como um instrumento de fortalecimento e aprofundamento de
todo o projeto.
A realidade mostrou-se bem diferente das expectativas dos atores, pois a
existência do parlamento regional não aumentou o interesse pelo processo de
integração na população, não serviu como um canal eficiente de participação
e demandas, assim como não promoveu a superação do déficit democrático.
O argumento desta análise é que a democratização da integração exige uma
institucionalidade mais autônoma, o que não se verifica no caso do Parlandino. Uma
mudança na percepção populacional passaria necessariamente por uma alteração
nas expectativas destas sociedades em relação ao papel que seus representantes
parlamentares desempenhariam no âmbito regional e na sua efetiva capacidade
de influir no processo decisório integracionista.
Para demonstrar como essa maior autonomia institucional é importante para
a democratização do processo, iniciamos nossa análise apontando o que significa
falar em déficit democrático na esfera regional. Em seguida, apresentamos uma
caracterização do Parlandino e discutimos o seu papel dentro do Sistema Andino
de Integração, apontando a sua real capacidade de intervenção e representação
dos interesses presentes nas sociedades envolvidas. Na terceira parte deste artigo
discutimos quais seriam as demandas e interesses dessas populações, utilizando
como referência dados colhidos pelas pesquisas realizadas pelo Latinobarômetro.
O intuito neste caso é apontar a percepção dessas sociedades em relação aos
aspectos regionais e à cooperação entre os países-membros da CAN, refletindo
ao final sobre os efeitos que as eleições para o Parlandino tiveram sobre essa
percepção.
Democratização das instituições regionais e internacionais
Críticas foram feitas ao desenvolvimento de instituições a escala internacional.
A distância do processo de tomada de decisões das instituições internacionais
perante os cidadãos dos Estados-partes, a ausência de participação popular nas
discussões internacionais e a falta de transparência e accountability pública das
mesmas favoreceram a defesa da existência de um déficit democrático no âmbito
das organizações internacionais (KEOHANE, 2011; SCHMIDT, 2013; GRANT,
2002). Como resposta a essa constatação, a implantação de esferas parlamentares
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internacionais, vinculadas ou não a organismos internacionais e regionais pré-
existentes, seria um possível instrumento para a redução desse déficit de democracia
e legitimidade das instituições internacionais (CUTLER, 2001; DRUMMOND, 2005;
FOLLESDAL; HIX, 2006; GOETZE; RITTBERGER, 2010).
No entanto, a atuação parlamentar está tradicionalmente vinculada aos
temas prioritários da agenda política doméstica que no imaginário popular não
teriam vinculação com o que ocorre no plano internacional. Este último também é
entendido como não tendo nenhuma relação com as questões centrais – fortemente
ligadas aos estímulos eleitorais como os temas de segurança, saúde, emprego e
educação. Podemos dizer que a política externa não é um tema central para a
opinião pública doméstica e, de modo geral, a atuação nela não se traduz em
visibilidade política e nem em mais votos.
Mas a globalização afeta essa separação porque o doméstico torna-se
crescentemente permeado pelo internacional. Esta nova realidade apresenta um
grande desafio para os parlamentares porque ao mesmo tempo em que os poderes
legislativos têm participação restrita na formulação da política externa, enfrentam
atualmente uma crescente pressão por intervenção nessa área ou por produzir
respostas para processos sobre os quais não possuem mecanismos de influência e
nem participação. As estruturas parlamentares nacionais estão sendo pressionadas
a repensar suas atribuições e funções, e a elaborar novos mecanismos para lidar
como essa nova agenda de trabalho (MARIANO, 2015).
As experiências de constituição de parlamentos internacionais têm se
concentrado nas instituições de integração ou cooperação regional (Parlamento
Europeu, Parlamento Andino, Parlamento do Mercosul e Parlamento Pan-Africano),
nas quais há, ao menos, previsão de eleições diretas para seleção dos representantes
dessas organizações de integração regional. A realização de eleições diretas para a
escolha dos parlamentares regionais acresceria de legitimidade essas organizações,
por meio da inclusão de representantes de interesses coletivos globais (e não
nacionais) ao processo decisório controlado exclusivamente pelos governos
nacionais (BUMMEL, 2011).
A necessidade de acréscimo de valores democráticos nas instituições
internacionais está diretamente relacionada às transformações do papel do
Estado Nacional e da democracia no âmbito nacional em um cenário de intensas
transformações políticas, econômicas e sociais intensificados pelo fenômeno da
Globalização (HABERMAS, 1995; SCHMITTER, 2004; MALAMUD; STAVRIDIS,
2011). Aos teóricos funcionalistas de integração regional, a democracia constitui um
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requisito para a integração regional, da mesma forma que os vínculos internacionais
estreitos entre partidos políticos, elites políticas e outras instituições semelhantes
seriam essenciais para uma integração regional mais profunda (HAAS, 2004).
As condições relacionadas à democracia e ao pluralismo na moderna sociedade
ocidental aparecem como elemento crucial no processo de integração regional
defendido.
As conjunturas globais, regionais e sub-regionais afetam a governabilidade dos
sistemas democráticos. O progresso da transformação mundial tem levado à revisão
das concepções tradicionais de democracia, de soberania do Estado e de segurança
(PINTO, 2001). Integração assumiu novas dimensões e possibilidades, devido a
esses novos desafios. Os Estados devem lidar com questões que transcendem suas
fronteiras, que vão além da interdependência econômica, a ponto de buscarem
resolver os problemas de forma conjunta e cooperativa (PINTO, 2001). Níveis altos
de interdependência estabelecem o ritmo de um processo contínuo de cooperação
que leva à integração política. Por sua vez, o caráter de supranacionalidade é
entendido como meio mais efetivo para resolver problemas comuns.
Portanto, os modelos de integração regional, mormente estabelecidos em
virtude da necessidade de aprofundamento da integração econômica e comercial
das regiões e sub-regiões do globo, passam a vislumbrar novas formas de atuação
que perpassam as temáticas mercadológicas, em direção ao tratamento de temas
de natureza política, social e ambiental que não podem mais ser solucionados
somente através da atuação dos governos nacionais e subnacionais. O momento
em que esses modelos de integração de projeções mais profundas surgem e se
desenvolvem relaciona-se ao processo de democratização vivenciado pelos países-
membros dos blocos regionais.
Para a consecução das iniciativas de integração regional, é condição sine
qua non a existência de regimes democráticos na organização política interna de
cada Estado participante. A incompatibilidade entre regimes políticos ditatoriais
e a integração regional é evidente. Portanto, mesmo que na prática, o regime
democrático apresente obstáculos e distorções, este é um pressuposto à cooperação
e aos projetos de integração. Entre suas motivações básicas, a cooperação regional
prevê a redução do grau de incerteza de cada país em relação ao comportamento
dos demais, possibilitando a criação de estruturas institucionais (KEOHANE,
1989). Tais estruturas influenciariam os comportamentos dos Estados, os quais
passariam a considerar as ações dos demais atores como reflexos das regras,
normas e convenções estabelecidas no interior da instituição de cooperação.
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É nesse sentido que um olhar específico para um dos processos de integração
regional estabelecidos na América do Sul, a integração dos países da Comunidade
Andina (CAN), pode trazer reflexões acerca da possibilidade de inclusão de
valores democráticos, não somente representativos, aos processos de integração
regional, com a institucionalização de um Parlamento Andino, com representantes
diretamente eleitos.
A integração andina é o processo integracionista mais antigo da América
do Sul. Iniciada no ano de 1969, “(...) data de criação do Acordo de Cartagena,
até princípios dos anos 80, se insistia na necessidade de um desenvolvimento
integral e harmônico, centrado em uma perspectiva economicista, com muito
pouca atenção ao político.”
4
(ARELLANO, 2003, p. 79). Durante sua primeira
década de existência, a integração andina esteve associada fundamentalmente aos
objetivos econômico-comerciais, de construção de uma Área de Livre Comércio e
de uma União Aduaneira a nível sub-regional. Nenhum projeto político ou social
ambicioso foi pensado nesse período pelos Estados andinos, haja vista a existência
de regimes militares nos países da região.
Uma das características mais relevantes da integração dos países andinos,
que a difere dos demais projetos de integração construídos na América Latina, é
que sua institucionalidade recorreu significativamente à experiência da integração
europeia, ao analogamente incorporar o papel protagonista das instâncias
regionais na integração (ZEGARRA, 2005). O estabelecimento da Junta do Acordo
de Cartagena, órgão executivo regional de caráter supranacional, autônomo aos
interesses nacionais, indica que a integração andina contou com a institucionalidade
mais complexa dos processos de integração do continente.
A ênfase nas estruturas institucionais regionais autônomas é uma característica
do contexto em que esses processos de integração ocorriam e foi influenciada pela
perspectiva neofuncionalista elaborada por Ernst Haas (2004) que enfatizava a
importância dessas instâncias supranacionais para a promoção da expansão da
integração e seu aprofundamento, numa lógica que este autor chamou de spillover.
No entanto, um aspecto central da supranacionalidade para o neofuncionalismo
era que essa nova institucionalidade estimularia expectativas positivas nos atores
em relação à integração regional e promoveria uma transferência de lealdades para
as instâncias comunitárias, permitindo que interesses coletivos transnacionais
pudessem ser considerados sem os entraves das lógicas nacionalistas dos governos
4 (...) fecha de creación del Acuerdo de Cartagena, hasta principios de los 80, se insistía en la necesidad de un
desarrollo integral y armónico, centrado en una perspectiva economicista, con muy poca atención hacia lo político.
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que muitas vezes priorizam interesses de curto prazo, em detrimento de projetos
de longa duração.
Esse fortalecimento institucional e aumento de expectativas positivas em
relação à integração não se verificaram nas experiências integracionistas da
América Latina. Nos primeiros anos de sua criação, o Pacto Andino contava com
a participação de Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela e Chile. Esses
dois últimos deixaram o processo de integração ao longo do tempo. Enquanto a
saída do Chile data de 1977, no contexto de liberalização comercial do regime do
General Augusto Pinochet, a da Venezuela é mais recente (2006), quando deixou
a integração andina e fez, em seguida, seu pedido de adesão ao Mercado Comum
do Sul (Mercosul).
Mesmo durante a onda de democratização dos anos 1980 e de relançamento da
lógica regionalista, que atingiu toda a América Latina e também a sub-região andina,
não é possível perceber nos processos de integração da região um reconhecimento
de que estruturas comunitárias mais autônomas seriam as instâncias adequadas
para promover a cooperação e o desenvolvimento dos países integrantes da CAN.
O parlamento regional não foi identificado pelas populações como uma
instância de promoção de direitos e bem-estar, nem tampouco de efetiva participação
democráticas, embora sua institucionalização fosse contemporânea aos processos
de transição democrática observados no Equador (1977-79), no Peru (1978-80)
e na Bolívia (1982), bem como ao desenvolvimento democrático na Colômbia
e Venezuela. A convergência dos regimes políticos na sub-região favoreceu a
aproximação entre eles, devido à identidade política comum e à necessidade de
promover a consolidação democrática em conjunto (PINTO, 2001).
Esse contexto de significativas mudanças econômicas e políticas trouxe um
novo impulso ao projeto de integração andino. Em 1987, o Protocolo Modificativo
de Quito atualizou o ordenamento jurídico do Pacto Andino, bem como sua
estrutura institucional, com a inclusão, na integração andina, de um Tribunal de
Justiça, de um Parlamento Andino e de um Conselho Consultivo Empresarial e
Laboral Andino (AVENDAÑO, 1999). O reforço da institucionalidade da integração
andina veio em conjunto à democratização dos países da região, os quais passaram
a demandar a participação social, tanto por vias representativas (Parlamento)
como participativas (Conselho Consultivo), além do reforço da segurança jurídica
(Tribunal Andino) do processo de integração.
Apesar do alto grau de complexidade institucional da integração andina e da
existência de estruturas supranacionais, análogas à integração europeia, a integração
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andina apresenta um baixo grau de eficiência (AVENDAÑO, 1999). A falta de um
país que se posicione como paymaster da integração e lidere o processo de impulsão
política do projeto integracionista têm impedido que os resultados políticos da
integração acompanhem seu desenvolvimento institucional.
Por outro lado se diz que sempre na base de todo processo de integração se
encontra um ou dois países que se constituem na locomotora dos mesmos;
para Europa tem disso Alemanha e França para o Mercosul Brasil e Argentina
e para a Comunidade Andina basicamente Colombia e em algum momento
também Peru ou Venezuela. No entanto nos últimos tempos Colômbia tem
reduzido substancialmente seu interesse geopolítico pela CAN a favor dos
Estados Unidos. (ZEGARRA, 2005: 88)
5
Nos diagnósticos da dificuldade de avanço da integração andina, mais quatro
elementos são adicionados ao rol de empecilhos ao desenvolvimento do projeto
integracionista: ausência de um projeto político comum; baixíssimos níveis de
consolidação democrática nos países da região; aumento do populismo neoliberal;
e baixa participação da sociedade civil na integração (PINTO, 2001). Além desses,
pode ser adicionado o fato de que os países andinos constituem a região com
maior grau de instabilidade política na América Latina (ZEGARRA, 2005), em
virtude das questões relacionadas ao narcotráfico e à presença na região de grupos
paramilitares como as Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC) e o
Exército de Libertação Nacional (ELN).
Nos anos 1990, em um contexto regional de expansão de projetos de integração
regional pela América Latina, o Pacto Andino sofreu uma alteração constitutiva. Em
1997, com a entrada em vigor do Protocolo de Trujillo, uma nova institucionalidade
é construída na integração andina, na qual, entre outras modificações, o Pacto
Andino é substituído pela CAN. Trujillo criou uma Secretaria Geral da CAN, que
substituiu a antiga Junta do Acordo de Cartagena, entidade supranacional de
caráter administrativo na integração.
Um dos destaques identificados no referido Protocolo é a consolidação do papel
do Parlamento Andino como órgão deliberante da integração andina. Composto por
cinco representantes titulares de cada congresso nacional dos Estados-membros
5 Por otro lado se dice que siempre en la base de todo proceso de integración se encuentra uno o dos países que
se constituyen en la locomotora de los mismos; para Europa lo han sido Alemania y Francia para el Mercosur
Brasil y Argentina y para la Comunidad Andina básicamente Colombia y en algún momento también Perú o
Venezuela. Sin embargo en los últimos tiempos Colombia a reducido sustancialmente su interés geopolítico por
la CAN a favor de los Estados Unidos.
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(e dez suplentes), segundo as regulamentações nacionais e do próprio Parlamento,
o Parlandino tem a responsabilidade de emitir sugestões normativas com o objetivo
de facilitar a harmonizar das legislações nacionais. Ademais, apresenta a função
de se relacionar com os legislativos nacionais, garantindo maior contato desses
com o processo de integração (AVENDAÑO, 1999).
Ainda que o desenvolvimento da Comunidade Andina apontasse para a
supranacionalidade com a criação do Parlandino, o bloco vem sofrendo retrocessos
no campo da supranacionalização de normas, evidenciando a característica
governamental no processo decisório. O desenvolvimento da estrutura institucional
provocado pela alteração ao Pacto Andino aumentou a preocupação de um possível
enfraquecimento da soberania estatal, levando a maioria dos governos a decidir
por uma estrutura de caráter intergovernamental, na qual os governos constituem
os principais atores e centralizadores da tomada de decisão (BUSTAMANTE, 2006).
A evolução do Parlamento Andino no âmbito da integração Andina
O fortalecimento do Parlamento Andino institucionalizou-se através do
Tratado Constitutivo do Parlamento Andino (1997). Como corpo deliberativo e
representativo dos povos andinos, o Parlandino adquiriu o compromisso de fortalecer
a integração; promover a justiça social, a democracia, o respeito aos direitos
humanos, a participação povos andinos na integração, a consciência comunitária, a
paz e a justiça internacional. Através deste documento, que alargou os poderes do
Parlamento Andino sobre a elaboração de sugestões e recomendações, buscou-se
fortalecer institucionalmente a CAN, a fim de torná-la mais eficaz, com a finalidade
de alcançar uma maior harmonização de políticas entre Estados-Membros. Ademais,
com vistas à facilitação da adoção das deliberações parlamentares, as decisões
passaram a ser tomadas por maioria simples (PINTO, 2001).
A ausência de menção à dimensão social e democrática da integração no
Acordo de Cartagena categoriza o baixo papel da sociedade civil no âmbito
da integração andina, mencionado anteriormente, como uma das principais
dificuldades do processo integracionista. Há um entendimento de que existe um
déficit na participação social andina, em virtude da fraca existência de canais de
interlocução da integração andina com os cidadãos, embora atores econômicos,
como trabalhadores e empresários tenham alguma voz nesse processo (ZEGARRA,
2005). Fomentar a participação social e fortalecer o contato e interlocução da
sociedade civil com o setor empresarial no contexto regional seriam instrumentos
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Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
para a conformação de uma identidade comum andina, que aproximaria os cidadãos
dos países da região de forma comunitária (PINTO, 2001). A garantia de pré-
existência de espaços de participação social na integração pode ser alcançada pelo
reforço de atribuição de competências de instituições regionais como o Parlamento
Andino e o Tribunal, ambos com um papel muito limitado na integração regional
(ZEGARRA, 2005).
O Protocolo Adicional do Protocolo Constitutivo do Parlandino, também
assinado em 1997, trouxe outra modificação significativa ao parlamento: a adoção
da representatividade direta na composição das bancadas nacionais do Parlamento
Andino. O Parlamento passou a ser composto por representantes eleitos direta e
universalmente pelos cidadãos de cada país andino.
A criação do Parlamento Andino foi uma das primeiras tentativas em
vincular o cidadão ao processo de integração. Durante muito tempo, seus
integrantes eram pessoas designadas pelos congressos nacionais, deixando
o cidadão excluído do processo. O cidadão elegia seus representantes no
nível nacional e não no nível supranacional. Afortunadamente, a reforma
do Parlamento permitiu agora eleger parlamentares de maneira direta. Mas,
apesar disso, os cidadãos ainda não estão preparados para o processo, nem
realmente conscientes do objetivo destas eleições. E, ainda que assim o fosse,
atualmente as margens de manobra do Parlamento são tão estreitas que a
intervenção do cidadão fica reduzida a quase nada (AVENDAÑO, 1999, p. 11,
tradução nossa).
Espera-se que a consolidação da democratização do Parlandino, por meio
da realização de eleições diretas em todos os países da sub-região para a escolha
de seus representantes permitiria a conquista futura de maiores atribuições ao
parlamento regional (AVENDAÑO, 1999). Apesar das mudanças constitutivas
traçadas nos anos 1990 no seio da integração andina, pouco se conseguiu alcançar
em termos de legitimação democrática do processo integracionista. A inclusão
de eleições diretas no Parlamento Andino, nesse sentido, foi concebida como
ferramenta para converter o parlamento em uma instituição supranacional, que
favoreça a construção de uma cidadania andina e a participação dos povos nas
políticas regionais (CERA, 2009).
Conforme indicado previamente, o Tratado Constitutivo do Parlamento
Andino de 1997 reforçou as atribuições e as competências do Parlandino no âmbito
da integração. Além de esclarecer o papel do parlamento na institucionalidade
do bloco e de dotar o parlamento de personalidade jurídica internacional, seu
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Protocolo Adicional inseriu a representatividade direta na composição das bancadas
nacionais.
A incorporação de eleições diretas já estava prevista nos textos constitutivos da
integração andina desde 1979, com o primeiro Protocolo Constitutivo do Parlandino:
Artigo 2 O Parlamento Andino estará constituido por Representantes de os
povos de cada uma das Partes Contratantes eleitos por sufragio universal e
direto, segundo procedimento que os Estados Membros adotaram mediante
Protocolo Adicional que incluirá os adequados criterios de representação
nacional que acordem as Partes.
Artigo 3 – Até que o Protocolo adicional a que se refere o Artigo anterior antre
em vigencia, o Parlamento Andino estará constituído por cinco representantes
eleitos pelos respectivos órgãos legislativos das Partes Contratantes de entre
seus integrantes, segundo o procedimento que cada um daqueles adote para
o efeito. (PARLAMENTO ANDINO, 1979)
6
Somente na década de 1990 foi confeccionado o referido Protocolo Adicional,
já no âmbito da Comunidade Andina, o qual regulamenta e traz a obrigação de
realização de eleições diretas para a escolha dos representantes do Parlandino.
Esse documento deixa a cargo dos governos nacionais estabelecerem as regras
eleitorais para escolha direta dos parlamentares andinos, enquanto não seja
formulada uma legislação eleitoral uniforme para o pleito dos mesmos. No entanto,
algumas diretrizes gerais são estabelecidas pelo Protocolo Adicional em relação
à futura eleição dos representantes andinos:
(...) os representantes são no total cinco Estados membros. A estes
parlamentares se lhes outorga entre outros: imunidade diplomática, a
possibilidade de serem reeleitos; igual se lhes establece um regime de
incompatibilidades que debe ter-se em conta desde o momento mesmo em
que sejam postulados. (CERA, 2009).
7
6 Artículo 2.-El Parlamento Andino estará constituido por Representantes de los pueblos de cada una de las
Partes Contratantes elegidos por sufragio universal y directo, según procedimiento que los Estados Miembros
adoptarán mediante Protocolo Adicional que incluirá los adecuados criterios de representación nacional que
acuerden las Partes.
Artículo 3.-Hasta que el Protocolo Adicional a que se refiere el Artículo anterior entre en vigencia, el Parlamento
Andino estará constituido por cinco representantes elegidos por los respectivos órganos legislativos de las Partes
Contratantes de entre sus integrantes, según el procedimiento que cada uno de aquellos adopte para el efecto.
7 (...) los representantes son en total cinco Estados miembros. A estos parlamentarios se les otorga entre otros:
inmunidad diplomática, la posibilidad de ser reelegidos; igual se les establece un régimen de incompatibilidades
que debe tenerse en cuenta desde el momento mismo en que sean postulados
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Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
Nos últimos anos, todos os países elegeram diretamente seus parlamentares
andinos, conforme previa o referido Protocolo Adicional. Dos países-membros
da integração sub-regional andina, somente a Colômbia deixou de realizar
eleições diretas para o Parlamento Andino e voltou a escolher seus representantes
indiretamente, dentro de seu Congresso Nacional. Todos os países, contudo,
incorporaram a previsão de escolha direta dos representantes andinos nos
arcabouços constitucionais domésticos (CERA, 2009).
O primeiro país a eleger diretamente os parlamentares andinos, curiosamente,
foi a Venezuela, país que se retirou do processo de integração andina e pediu
adesão ao Mercosul (BUSTAMANTE, 2006). O país escolheu seus representantes
para o Parlandino nas eleições gerais de 2002, realizando novamente o pleito
regional em 2005, antes de se retirar da integração, em meados de 2006.
O Equador é o país que mais vezes realizou eleições diretas para o Parlamento
Andino. Os equatorianos já elegeram seus representantes andinos em três
ocasiões: 2002, 2009 e mais recentemente em 2013. O Peru desde 2006 seleciona
diretamente seus parlamentares andinos, regulamentado pela lei nacional 28.360
de 2004 (CERA, 2009). Em 2011, nas eleições que deram a vitória presidencial a
Ollanta Humala, novamente escolheram a composição da bancada peruana no
Parlandino.
Na Colômbia, a primeira e única vez que os representantes andinos do país
foram eleitos foi nas eleições de 2010, conjunta às eleições para cargos nacionais.
Em virtude do alto número de votos nulos e brancos, o qual superava o número
de votos recebidos pela lista partidária mais votada para o Parlandino, houve
um debate político interno sobre a validade das eleições para a escolha dos
parlamentares andinos pelo país. Foi feito o pedido, por parte de setores sociais e
políticos do país, de repetição somente das eleições para os parlamentares andinos
no país, não acatado pelo Conselho Nacional Eleitoral da Colômbia (CONSEJO
NACIONAL ELECTORAL, 2010). No entanto, nas eleições realizadas em 2014, o voto
branco e nulo superou a totalidade dos votos válidos e as eleições ao parlamento
Andino foram suspensas, voltando o Congresso Colombiano a selecionar seus
representantes ao parlamento regional, que curiosamente tem sua sede na capital
colombiana, Bogotá (EL PAÍS COLOMBIA, 2014).
O último país a escolher diretamente seus parlamentares andinos foi a
Bolívia, que em 2014 selecionou 18 parlamentares (9 titulares e 9 suplentes) para
ocupar mandatos em instituições parlamentares supranacionais, entre as quais o
Parlandino (EL PAÍS, 2014).
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Embora permaneça a diversidade de modelos eleitorais e de datas de realização
das eleições diretas para o Parlandino, sem mencionar a falta de eleições no
caso colombiano, a escolha nacional dos representantes andinos representa, em
alguma medida, a vontade dos atores políticos estatais nacionais em favorecer
a democratização da integração andina (CERA, 2009). A legitimidade trazida à
integração andina por meio da escolha direta dos membros do Parlandino não é
suficiente para resolver o problema do déficit democrático nesse projeto de integração,
porém pode ser um instrumento na redução do mesmo, o qual não pode deixar de
ser seguido por outras inovações políticas institucionais no âmbito da integração.
A percepção dos atores sociais sobre a integração Andina
e o Parlamento Andino
A análise da percepção das sociedades sobre a integração regional e o
Parlandino que realizamos nesta seção apoia-se em dados apresentados pelo
Latinobarômetro, cuja coleta foi realizada principalmente nos anos de 2009 e
2010. O estudo abrangeu dados de 4200 pessoas dos quatro países da Comunidade
Andina – Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Como são dados categóricos, foi
aplicado o teste de Chi-Quadrado, zelando pela distribuição normal dos dados.
Entretanto, devemos fazer algumas ressalvas sobre esse o perfil desta base
de dados. Em primeiro lugar, esse survey preocupa-se em identificar o grau de
apoio à democracia presentes nas populações entrevistadas, e não o seu apoio à
integração regional. Ainda assim, algumas questões relativas à cooperação regional
e processos de integração foram incorporadas no questionário e é a partir delas
que desenvolveremos algumas reflexões.
Um primeiro aspecto a ser questionado é se haveria um posicionamento
positivo das populações em relação à integração, pois alguns autores trabalham com
a perspectiva de que alguns aspectos presentes nesses países seriam limitadores da
possibilidade de um maior aprofundamento da integração. Nesse sentido, Carlos
Malamud (2009) chama a atenção para o fato de que: “El exceso de nacionalismo
impide la construcción de las instituciones e instancias supranacionales sin
las cuales es imposible que avance cualquier proceso de integración regional.”
(2009: 104). Essa suposição do nacionalismo explicaria uma resistência à
promoção da cooperação, mas não se confirma nos dados analisados, os quais
apresentam uma alta disposição à cooperação. Nas entrevistas realizadas em
258
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 245-273
Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
2009 pelo Latinobarômetro, perguntou-se sobre a posição dos entrevistados em
relação à integração regional entre os países da América Latina, com o seguinte
resultado:
Gráfico I. Integração Econômica Regional entre os países da América Latina
Fonte: Latinobarômetro, 2009.
Ainda que existam oscilações na intensidade do apoio assim como na
porcentagem em cada país assinalado, verifica-se que a proporção geral daqueles
que são contrários à integração econômica regional não ultrapassa os 17% dos
entrevistados. Destaca-se o fato de que quando a pergunta refere-se especificamente
à cooperação política entre os países as proporções sofrem alterações no que
se refere ao apoio, mas intensificam-se no tocante aos opositores. Estes dados
poderiam indicar que os entrevistados manifestam uma resistência maior à
simples cooperação política que pode ocorrer sem uma institucionalização ou
o estabelecimento de um processo de integração, reforçando a hipótese de que
não haveria uma resistência significativa à promoção da integração regional na
América do Sul.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 245-273
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Karina Lilia Pasquariello Mariano, Regiane Nitsch Bressan, Bruno Theodoro Luciano
Tabela I. Cooperação política entre os países da América Latina (%)
Bolívia Colômbia Equador Peru Total
Muito a favor 18,33 18,08 14,17 15,17 15,31
Algo a favor 44,42 37,58 38,17 41,58 40,44
Algo em contra 19,08 18,17 23,93 14,25 18,83
Contra 9,42 7,92 9,08 4,67 7,77
NS/NR 12,25 18,25 14,75 23,33 17,74
Total 100 100 100 100 100
Chi-Quadrado ,000
Fonte: Latinobarômetro, 2009.
No entanto, apesar dos dados do Latinobarômetro, a afirmação de Carlos
Malamud não está incorreta, se for entendida referindo-se aos governos. Não há
disposição efetiva entre os mandatários desses Estados de promover um processo
de integração mais aprofundado, o que implicaria numa cessão de parcela de
sua soberania para as instâncias regionais. Como apontamos anteriormente, a
reformulação da integração na passagem do Pacto Andino para a CAN representou
um recuo na supranacionalização institucional e a reafirmação da preferência pelo
intergovernamentalismo, que representa uma maior autonomia aos participantes.
Instituições supranacionais autônomas, como seria em princípio o caso
do Parlandino, apresentam grandes restrições de atuação no processo decisório
andino, o qual se mantém atrelado às culturas políticas presidencialistas da região
sul-americana, fazendo com que a forma (institucionalidade supranacional)
predomine sobre o real conteúdo de suas decisões e atuações (DRI, 2009).
A manutenção de irregularidades e atrasos na eleição direta dos parlamentares
andinos, a ausência de bancadas proporcionais às diversidades populacionais da
sub-região, e essa ausência de maiores atribuições decisórias garantiram uma
evolução tímida do Parlandino, assim como do próprio bloco regional do qual
faz parte (MALAMUD; SOUZA, 2007).
Haveria então um descompasso entre a percepção popular sobre a integração
e as ações efetivas dos governos? Em caso de resposta afirmativa, poderíamos
supor um descontentamento com o posicionamento dos governos em relação à
integração e a sua manifestação por meio de mobilizações, o que reforçaria a
percepção do déficit democrático. Ou ainda, poderíamos esperar um maior apoio
aos partidos políticos que defendem um aprofundamento da integração, postura
260
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 245-273
Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
esta tradicionalmente vinculada aos partidos de esquerda do espectro político.
Mas não é isso que os dados demonstram.
Na verdade, esse apoio não é consistente. A percepção da população dos
países-membros da CAN sobre a integração regional oscilou significativamente
na última década – como demonstra o gráfico II –, tendo encontrado seu ápice no
início do século XXI. Essas variações no nível de apoio à integração econômica
podem ser explicadas pelo contexto e pelo significado que essa questão possui
para essas populações.
No que se refere ao aspecto contexto, o grande apoio coincide com o momento
em que ainda eram bastante perceptíveis os ganhos gerados pela intensificação
do comércio promovida pela abertura econômica e em que as negociações da
ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) eram intensas, colocando a
perspectiva de acesso facilitado ao mercado norte-americano. Mas esse apoio
sofreu uma queda acentuada por volta de 2005 – como reflexo da crise econômica
de 2003 e do fracasso das negociações da ALCA – e sua recuperação ocorreu
apenas no final da primeira década, provavelmente impulsionado pelos discursos
integracionistas de vários governos da região e pela implementação de projetos de
infraestrutura promovidos pela IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura
Sul-Americana) e incorporados pela Unasul (União das Nações Sul-Americanas).
Gráfico II. Favorável à Integração Econômica Regional dos países
da América Latina (em %)
Fonte: Latinobarômetro, 2001, 2005, 2009 e 2010.
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Karina Lilia Pasquariello Mariano, Regiane Nitsch Bressan, Bruno Theodoro Luciano
Quanto à questão do significado, é preciso ressaltar que o apoio à integração
econômica não significa necessariamente apoio aos processos efetivamente
implementados. Os dados do Latinobarômetro indicam forte interesse na realização
de acordos econômicos com os Estados Unidos – como demonstra o Gráfico III –
e num baixo conhecimento, e, portanto, apoio, ao processo da CAN.
Gráfico III. Favorável à Relação entre seu país e Estados Unidos (em %)
Fonte: Latinobarômetro, 2008.
A discrepância notada entre a percepção da sociedade boliviana e dos demais
países em relação aos Estados Unidos é explicada pelo acordo de livre comércio
firmado pelos três países em 2006 com a potência estadunidense. A percepção
destas sociedades acompanhou o interesse destes países em estreitar a relação com
os Estados Unidos. Este fato ocasionou o enfraquecimento da própria Comunidade
Andina, com a saída da Venezuela por esta razão, e dos prejuízos comerciais à
Bolívia com o livre comércio dos demais países da CAN com os Estados Unidos.
Com isso, surgiram entraves na relação com os demais membros deste bloco,
gerando inclusive repulsão doméstica boliviana pelo acordo andino. Ademais, o
antiamericanismo presente nos países onde o discurso bolivariano ganhou força ao
longo do século XXI (Equador, Bolívia e Venezuela) parece ter um maior impacto na
percepção da população desses países acerca dos benefícios de um relacionamento
político e comercial mais denso com os Estados Unidos (AYERBE, 2007; GARIBAY,
2004; ROMERO, 2006; ROETT, 2006). As declarações antiamericanas advindas dos
discursos políticos desses países ressoam na percepção de suas sociedades. Por sua
vez, o surgimento de organizações regionais de alcance hemisférico como CELAC
262
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 245-273
Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
e UNASUL as quais, ao excluírem Estados Unidos e Canadá e se sobreporem à
OEA, materializam o interesse pelo distanciamento dos EUA na região (BRENNER;
HERSHBERG, 2013).
Outro aspecto a ser salientado é que à exceção da Colômbia a percepção da
população dos demais países em relação aos Estados Unidos sofre uma queda
constante da segunda metade da primeira década deste século, num movimento
oposto ao que aconteceu na opinião em relação à integração econômica com
países da América Latina. Verifica-se que o apoio à aproximação dos EUA diminui
em proporção semelhante à do aumento do interesse pelos vizinhos. No entanto,
esse aumento de interesse não se reflete num reforço ou apoio ao processo de
integração vigente no caso das populações dos países-membros da CAN.
A partir do ano 2000 com a implantação do Plano Colômbia, há uma reversão
na opinião pública colombiana em relação aos EUA, principalmente devido aos
efeitos econômicos positivos desse país nas últimas duas décadas, atribuído em
boa medida aos desdobramentos dessa iniciativa do governo estadunidense e
do forte interesse demonstrado por esse governo em consolidar sua relação com
a Colômbia. Uma situação oposta é encontrada no caso da Bolívia, para o qual
o governo dos EUA não apresentava nenhum interesse e passava também por
uma situação de forte instabilidade política, que só foi superada com a ascensão
do presidente Evo Morales ao poder com um discurso alinhado ao do governo
venezuelano de Hugo Chávez, defendendo uma integração não-comercial e o
antiamericanismo no plano discursivo.
Os dados apresentados na Tabela II chamam a atenção porque nas populações
dos países-membros da CAN há um maior conhecimento sobre o Mercosul do que
sobre o processo no qual efetivamente participam, a exceção do caso do Peru.
Outro dado interessante é que nos países mais pobres desse processo – Equador e
Bolívia – há um conhecimento maior sobre o CAF (Banco de Desenvolvimento da
América Latina) do que sobre a CAN, a qual essa instância de fomento pertence.
Neste caso, poderíamos explicar essa distorção pelo fato de que as atividades do
CAF estariam mais próximas ao cotidiano dessas populações do que a percepção
do processo como um todo.
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Karina Lilia Pasquariello Mariano, Regiane Nitsch Bressan, Bruno Theodoro Luciano
Tabela II. Você conhece estas Instituições? (em %)
Bolívia Colômbia Equador Peru Total
FMI
Não Conheço 66,17 66,92 54,17 55,42 60,67
Conheço 33,83 33,08 45,83 44,58 39,33
Banco Mundial
Não Conheço 57,25 61,67 54,75 51,42 56,27
Conheço 42,75 38,33 45,25 48,58 43,73
ONU
Não Conheço 55,25 52,08 47,92 43,08 48,83
Conheço 47,75 47,92 52,08 56,92 51,17
OEA
Não Conheço 55,33 56,50 50,17 45 51,75
Conheço 44,67 43,5 49,83 55 48,25
Mercosul
Não Conheço 60,92 73 68,5 72,83 68,81
Conheço 39,08 27 31,5 27,17 31,19
UNASUL
Não Conheço 75,75 73,75 72 86,58 77,02
Conheço 24,25 26,25 28 13,42 22,98
CAN
Não Conheço 75,92 79,33 73,08 67,83 74,04
Conheço 24,08 20,67 26,92 32,17 25,96
ALBA
Não Conheço 76,92 84,67 74,92 78,08 78,65
Conheço 23,08 15,33 25,08 21,92 21,35
SICA
Não Conheço 88 85,5 85,58 88,5 86,9
Conheço 12 14,5 14,42 11,5 13,10
CAF
Não Conheço 72,4 81,1 58,3 74,2 71,5
Conheço 27,6 18,9 41,6 25,8 28,5
Chi-Quadrado ,000
Fonte: Latinobarômetro, 2009, 2010.
Nesse sentido, pressupõe-se que a realização de eleições diretas ajudaria a
aumentar o interesse e conhecimento da população em relação aos processos de
integração regional porque, em princípio, estimulariam debates e a divulgação
de propostas partidárias voltadas para a promoção da integração. Isso seria
intensificado também com a existência de parlamentares dedicados exclusivamente
à representação dessa sociedade no âmbito da integração e escolhidos diretamente
por meio de eleições, o que deveria contribuir para divulgar o processo de
integração andino na opinião pública desses países. Mais uma vez, os dados não
indicam isso.
264
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Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
Gráfico IV. Conhece a Comunidade Andina (antigo Pacto Andino)? (em %)
Fonte: Latinobarômetro, 2001, 2003 e 2009
A realização das eleições diretas para a escolha dos parlamentares membros
do Parlandino inicia-se a partir do ano de 2002, com a experiência do Equador. De
acordo com os dados do Gráfico IV a realização da primeira eleição poderia ter tido
um efeito positivo no aumento do conhecimento sobre a integração, pois houve um
crescimento acentuado de mais de 15 pontos na população entrevistada entre 2001
e 2003, respectivamente um ano antes e um depois do primeiro pleito. No entanto,
após esse primeiro momento positivo houve uma queda acentuada (em torno de 30
pontos percentuais) e constante apesar da realização de uma eleição concomitante
à coleta do último dado, indicando que em 2009 o possível efeito positivo produzido
pela primeira eleição já não existia, como apontam os dados do gráfico V.
Gráfico V. Eleições para Parlandino no Equador – 2009
Fonte: Consejo National Electoral, 2009.
Nessa segunda eleição, o índice de votos brancos e nulos atingiu 25 % dos
votos válidos. O agravante neste caso é que o índice de absenteísmo nessa eleição
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 245-273
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Karina Lilia Pasquariello Mariano, Regiane Nitsch Bressan, Bruno Theodoro Luciano
para o Parlandino chegou a mais de 23% dos votantes, indicando um desinteresse
por parte da população em participar desse processo, desinteresse esse que aparece
em outros dados apresentados neste trabalho.
O mesmo tipo de comportamento é percebido no caso do Peru, onde houve
um aumento no conhecimento sobre a CAN em 2003, mas em 2009 após a realização
da primeira eleição (em 2006) e próximo da segunda (ocorrida em 2011) os índices
caíram mais de 40 pontos percentuais. No pleito de 2006, apesar do nível de abstenção
nas eleições ter sido pouco mais que 12%, foi alto o percentual de votos brancos
(28%)e nulos (13,4%), o que pode ser entendido como reflexo do desconhecimento
e desinteresse dos eleitores para a escolha de seus representantes no Parlandino.
Gráfico VI. Eleições para Parlandino no Peru – 2006
Fonte: Oficina de Procesos Electorales, 2006.
Os dados eleitorais de 2011 apresentados pela Oficina Nacional de Procesos
Electorales indicam uma tendência de manutenção desse desinteresse, com um
pequeno aumento de abstenção para 16,3% dos eleitores, mas resultados bastante
semelhantes na distribuição dos votos, com 26% brancos e pouco mais de 13% de
nulos. No entanto, os resultados eleitorais desse ano mostram um descompasso
com o comportamento dos eleitores em relação aos demais pleitos nacionais
realizados nesse mesmo ano, com quase o dobro de votos brancos em relação ao
mesmo tipo de voto referentes à eleição presidencial e para o Congresso Nacional.
O caso da Bolívia é distinto, porque o país só começou a escolher diretamente
seus representantes a partir de 2014. No entanto é o caso colombiano que reforça
ainda mais essas conclusões. Os índices de desconhecimento sobre o processo de
integração andino em ambos os países é semelhante e bastante acentuado, pois
somente cerca de 25% de suas populações têm conhecimento sobre o mesmo,
ainda que no caso colombiano estivessem praticamente às vésperas da realização
do primeiro pleito direto.
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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 245-273
Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
Esse baixo conhecimento explica em parte o alto índice de abstenção dessa
eleição e o alto índice de votos brancos, que levou ao questionamento de sua
validade e à sugestão da anulação das eleições na Colômbia em 2010. Os votos
brancos receberam quase 1.500.000 votos, enquanto o Partido Social de Unidad
Nacional que foi o mais votado recebeu 1.277.559 votos. Colocou-se em questão
a legitimidade da escolha de parlamentares que haviam sido menos votados que
os votos brancos e a necessidade de se realizar novas eleições. Apesar das críticas
e questionamentos, a anulação não ocorreu e os parlamentares andinos foram
selecionados em 2010. O Gráfico VII e a Tabela III apresentam a distribuição dos
votos nesse pleito cujos resultados se explicariam, segundo a avaliação dos meios
de comunicação, pelo fato de que os eleitores desconheciam tanto os candidatos
como os procedimentos para a sua votação (SEMANA, 2010).
Gráfico VII. Eleições para Parlandino na Colômbia – 2010
Fonte: Consejo National Electoral, 2010
Tabela III. Eleições para Parlandino na Colômbia – 2010
Votos Votação %
Em branco 1445999 21
Partido Social de Unidad Nacional 1277559 19
Partido Conservador 822709 12
Partido Liberal 759646 11
Polo Democrático Alternativo 729536 10
MIRA 549110 8
Partido Verde 479196 7
Partido Cambio Radical 436757 6
PIN 248708 3
Fonte: Consejo National Electoral, 2010.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 245-273
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Karina Lilia Pasquariello Mariano, Regiane Nitsch Bressan, Bruno Theodoro Luciano
Em 2014, o desconhecimento ou desprestígio desse parlamento na Colômbia
se acentua e as eleições andinas são anuladas após os votos brancos e nulos
superarem os votos nas listas partidárias. Desse modo, “El voto en blanco para el
Parlamento Andino sumó 3,576,087 votos, mientras que las listas de aspirantes
sumaron 3,114.005 votos, con el 94,95 % de las mesas escrutadas al cierre de la
edición” (EL PAÍS COLOMBIA, 2014). A Tabela III apresenta os dados finais da
votação para parlamentares andinos colombianos de 2014, destacando o número
dos votos válidos (brancos e por cada lista partidária). Após o resultado eleitoral
de 2014, os parlamentares andinos colombianos voltaram a ser selecionados pelo
congresso nacional desse país até uma segunda nova eleições, a qual ainda não
apresenta nenhuma expectativa de se realizar futuramente. O caso colombiano,
nesse sentido, demonstra que o baixo apoio popular as eleições pode se refletir
em uma reversão do processo de democratização dos parlamentos regionais,
e, consequentemente, da integração regional em si.
Tabela IV. Eleições para Parlandino na Colômbia – 2014
Votos Votação %
Em branco 3623193 35,61
Partido Conservador 947774 9,31
Partido Alianza Verde 815628 8,01
Polo Democrático Alternativo 721681 7,09
Partido Opción Ciudadana 309970 3,04
Partido Unión Patriotica 256779 2,52
Movimiento Cien por Ciento por Colombia 137670 1,35
Fonte: Registraduría Nacional, 2014.
Esse desempenho eleitoral dos partidos poderia ser considerado normal
se as eleições se referissem a uma instituição recém-criada ou a um processo
relativamente recente e que, portanto, ainda não foi devidamente interiorizado
ou divulgado na sociedade. Mas esse não foi o caso. Ainda assim, os dados
apresentados neste trabalho confirmam que na última década a integração na
Comunidade Andina sofre perda de apoio popular e que o Parlamento Andino
permanece desconhecido por boa parte da população da CAN. Até o momento, não
se conseguiu reverter esse quadro apesar da implementação das eleições diretas
para seus integrantes, o que se supunha contribuiria no processo de divulgação da
CAN, de democratização da integração e de fortalecimento da própria instituição
parlamentar. Ademais, o mais recente caso colombiano se apresenta como um
grande revés a aposta nas eleições. Por que isso não ocorreu?
268
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 245-273
Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
Conclusões
As explicações para o que ocorre na experiência da CAN passam normalmente
pela compreensão de dois tipos de fatores: os culturais e os institucionais. No
primeiro caso, há uma tendência a afirmar que o maior envolvimento das sociedades
e uma melhora em sua percepção em relação aos processos de integração regional
passariam por uma alteração em suas culturas políticas. Pressupõe-se que o
desenvolvimento institucional da integração andina, bem como a percepção social
em relação a esse projeto de integração, indicam a necessidade de transformações
na participação social e democrática nos processos de integração regional da
América do Sul e da América Latina.
Dentre as alternativas apresentadas, em prol do desenvolvimento democrático
no âmbito sub-regional e regional, incluem-se a constituição de uma opinião
pública sul-americana favorável à integração e a parlamentarização dos processos
integracionistas existentes, tal como na CAN e no Mercosul (ZOPEL, 2008).
Ademais, agregam-se fatores como a busca pela identidade andina, o fomento de
maior participação da sociedade civil na integração, estabelecimento de maior
conexão entre sociedade civil e a incorporação da condicionalidade democrática
aos tratados assinados pelos membros da CAN (PINTO, 2001).
Essas explicações desconsideram dois elementos importantes: a grande
maioria da população não se interessa por assuntos de política externa de seus
países (HAAS, 2004) e a integração não afeta o desempenho eleitoral dos governos.
Essas duas questões estão interligadas. Como já apontamos em outros trabalhos
(MARIANO, 2011; MARIANO e LUCIANO, 2012), a atenção da opinião pública
está concentrada em temas considerados prioritários (estabilização econômica,
inflação, emprego, violência, saúde, educação etc) e com as questões que parecem
estar diretamente vinculadas a eles, o que normalmente não é o caso com os
processos de integração regional.
As decisões tomadas no âmbito regional são consideradas distantes dessas
populações que têm dificuldade em perceber a influência das mesmas em
seu cotidiano. Portanto, nos momentos eleitorais esse assunto é considerado
secundário. A exceção é o caso europeu em que a posição do governo em relação
à integração regional tende a ser uma questão importante nas eleições nacionais,
o que não invalida o fato de que nas eleições específicas para a composição da
representação do Parlamento Europeu os índices de abstenção sejam altos, tornado
essas eleições também secundárias (SCHMITT, 2005).
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Karina Lilia Pasquariello Mariano, Regiane Nitsch Bressan, Bruno Theodoro Luciano
Nesse caso, entra a explicação a partir do fator institucional. As decisões
tomadas no âmbito regional – isto é, na União Europeia – são facilmente identi-
ficadas pela população, a qual reconhece que as instâncias comunitárias possuem
atribuições e responsabilidades sobre os temas prioritários. Mesmo quando não
acompanham o que acontece na esfera regional, os eleitores posicionam-se
favoravelmente ou contrários a uma intensificação da participação de seus governos
na integração.
No caso das experiências sul-americanas e em particular da CAN, isso não
ocorre porque há uma percepção da população desses países que as instâncias
regionais não possuem um real poder de intervenção nos cotidianos nacionais e
que a implementação de suas decisões depende da vontade política dos governos
de ocasião. Isso representa um desestímulo sobre os processos de integração e
uma percepção negativa porque parecem não servir para muita coisa, uma vez que
a promoção dos temas prioritários da agenda nacional parece estar concentrada
nas mãos dos Estados.
A criação de instâncias regionais de representação parlamentar busca amenizar
essa percepção negativa na medida em que se coloca como um instrumento
potencializador da integração. Em primeiro lugar por sua função de representação,
trazendo uma aura de democratização e legitimidade ao processo e, ao mesmo
tempo, servindo como um canal importante para a agilização da incorporação das
normas comunitárias nos países, pois muitas destas devem ser aprovadas pelos
respectivos Congressos Nacionais.
Na visão de alguns autores (CERA, 2009), apesar do Parlandino não contar
com competências formais de controle como no caso do Parlamento Europeu, que
pode aprovar moção de censura à Comissão Europeia – que é o órgão executivo
supranacional – um parlamento andino diretamente eleito se constitui em um
canal de representação popular e dos interesses políticos das populações dos
Estados-membros.
Outro aspecto potencializador atribuído ao parlamento regional refere-se ao
seu papel de difusor de informações. De um lado, temos a tradicional função de
controle e acompanhamento das ações dos governos que tornariam o parlamento
regional uma importante fonte de divulgação do que ocorre na CAN. De outro, está
o estabelecimento de eleições diretas para a escolha de seus membros que é visto
como o principal meio para estimular na sociedade o debate sobre a integração,
aumentar o conhecimento na opinião pública sobre esse tema e estimular a sua
participação no processo.
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Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional
As eleições diretas são uma ferramenta para que Parlamento Andino se
converta em um pilar a nível das instituições comunitárias, que permita
reforçar o conceito de cidadania andina, assim como a participação política
dos povos dos Estados membros.
8
(CERA, 2009:1)
Essa percepção positiva é intensificada pelo pressuposto de que existem fatores
catalizadores de uma integração mais aprofundada na região: a existência de uma
identidade latino-americana que naturalmente estimula e facilita a aproximação,
o idioma comum no caso da CAN e a proximidade linguística quando o processo
envolve o Brasil, e interesses convergentes. Estes elementos facilitariam o
desenvolvimento de uma opinião pública regional, podendo levar na visão de
alguns ao desenvolvimento de uma comunidade política regional ou sub-regional,
e ao fortalecimento de estruturas parlamentares regionais, como o Parlamento
Andino e o Parlamento do Mercosul, que poderiam se tornar instrumentos para
maior abertura política e social dos projetos de integração regional (ZOPEL, 2008).
No entanto, a mera institucionalização de parlamentos de integração regional,
como o Parlamento Andino, e a realização de eleições diretas para a escolha de
seus componentes, não parecem garantir uma maior participação social no processo
de integração (MARIANO, 2011; MARIANO e LUCIANO, 2012). Como afirma
Malamud (2009), se isso fosse real, a América Latina seria a região mais integrada
do mundo, por contar com vários parlamentos (Parlamento Latino-Americano,
Parlamento Andino, Parlamento do Mercosul, Parlamento Centro-americano e
a proposta de um Parlamento da Unasul). Embora reconheçamos que a escolha
dos parlamentares por eleições diretas poderiam favorecer a democratização na
integração, a capacidade de legislar e de intervir no processo decisório regional
desses parlamentos é praticamente nula.
Os dados apresentados neste trabalho demonstram a validade de nosso
argumento. A realização de eleições diretas para o parlamento regional não é
suficiente para estimular nas sociedades envolvidas uma percepção positiva
em relação ao processo de integração regional e nem tampouco a uma maior
participação. Reforçamos nossa conclusão de que a democratização da integração
exige uma institucionalidade mais autônoma, o que não se verificou no caso do
Parlandino, porque uma mudança na percepção populacional passa necessariamente
por uma alteração nas expectativas destas sociedades em relação ao papel que seus
8 Las elecciones directas son una herramienta para que el Parlamento Andino se convierta en un pilar a nivel de
las instituciones comunitarias, que permita reforzar el concepto de ciudadanía andina, así como la participación
política de los pueblos de los Estados miembros.
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representantes parlamentares desempenham no âmbito regional e na sua efetiva
capacidade de influir no processo decisório integracionista. Por fim, a realização
de processos eleitorais análogos em outros parlamentos regionais da América
Latina, como é o caso recente do Parlamento do Mercosul, que nos últimos anos
realizou suas primeiras eleições no Paraguai e na Argentina, traz a possibilidade
de desenvolvimento de novas análises eleitorais dessa natureza, levando-se em
consideração as conclusões levantadas pela experiência andina.
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