
A Ordem Monetária e Financeira Internacional no Pós-crise de 2008
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 20, n. 1, e1536, 2025
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do liberalismo enraizado (Ruggie 1982),3 contendo uma governança financeira
global organizada em torno do dólar, das instituições de Bretton Woods, além
de amplo consenso quanto aos princípios keynesianos de gestão econômica.
Ainda, esta ordem previa mecanismos de proteção contra volatilidade e pressões
externas, que poderiam ser produzidas pela livre circulação de capitais de curto
prazo. A ideia era permitir a autonomia de política econômica, ainda que com
heterogeneidade.
Também para Blyth (2022), ancorando a distinção entre as ordens na chave
polanyiana,4 a primeira ordem, a do liberalismo enraizado, tinha como propósito
social o pleno emprego. Já a segunda ordem do pós-guerra (1994-2007) teria
sido baseada em uma ideologia anti-keynesiana, ou ortodoxia pré-keynesiana,
e coincidiu com a emergência da unipolaridade sem rivalidades aos Estados
Unidos. Um dos traços desse período foi a promoção agressiva da globalização,
em especial nas finanças internacionais (Katzenstein e Kirshner 2022: 3).
Nos termos de Grabel (2022: 124), a segunda ordem norte-americana deslocou
sensibilidades keynesianas em nome da doutrina neoliberal. Reverenciando a
capacidade alocativa dos mercados e instalando um multilateralismo restritivo,
a nova ordem promoveu convergência às políticas e normas institucionais dos
Estados Unidos.
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O resultado teria sido a imposição de uma espécie de camisa de
força na autonomia nacional e o reforço da já existente unipolaridade financeira
sob liderança norte-americana. Trata-se de um contexto pouco tolerante a desvios,
a que a autora se refere como “monocultura arquitetônica”, que exerce empuxo
gravitacional na direção de um modelo único e idealizado (ibid.: 137). Já Blyth
(2022), destaca o deslocamento do propósito social para a disciplina do mercado,
visando restaurar o valor do capital, sobretudo via estabilidade de preços.
A década de 1990, em sua primeira metade, parecia referendar as mudanças
trazidas pela segunda ordem norte-americana. A crise mexicana, em 1994, foi
3 Para Ruggie (1982), a ordem econômica do pós-guerra tinha como bases uma forma de liberalismo não baseado
na ortodoxia de livre-mercado e de livre-circulação de capitais, mas que priorizava a capacidade dos estados
de intervirem em suas economias na direção da manutenção dos níveis de renda e emprego.
4 Em “A Grande Transformação”, Karl Polanyi parte da ideia de que as ideologias e doutrinas decorrem de
relações sociais subjacentes. Seu objeto específico era a ascensão da ideologia do livre-mercado na sociedade
europeia no século XIX, relacionada à crença na racionalidade do sistema de mercado. As tensões sociais
produzidas no período da Belle-Époque teriam levado às reações sociais das décadas de 1920 e 1930, que
geraram formas de Estado que vão do New Deal norte-americano ao Nazismo alemão.
5 Para críticas a abordagens que se valem da alternância entre ordens enraizadas e desenraizadas, baseadas em
Polanyi, mas que convergem no diagnóstico de que ocorre uma internacionalização das práticas financeiras
norte-americanas (ou “americanização das finanças internacionais”), ver Konings e Panitch (2009) e Panitch
e Gindin (2012).