Fernando Luz Brancoli; Tamires Alves
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 2, e1514, 2024
1-23
China e o Conflito Israel-Palestina:
transformações e ambiguidade
estratégica
China and the Israel-Palestine Conflict:
Transformations and Strategic Ambiguity
China y el Conflicto Israel-Palestina:
Transformaciones y Ambigüedad
Estratégica
DOI: 10.21530/ci.v19n2.2024.1514
Fernando Luz Brancoli
1
Tamires Alves
2
Resumo
Analisando a presença e influência da China no conflito israelo-
palestino, este estudo parte da hipótese de que a estratégia chinesa
se baseia numa ambiguidade estratégica, equilibrando apoio político
à Palestina com investimentos econômicos em Israel. Utilizando
técnicas de análise qualitativa, documentos oficiais chineses e
estudos de caso, a relação entre a Proposta de Quatro Pontos de
Xi Jinping e a Diplomacia Tecnológica é investigada. Conclui-se
que a China combina a defesa pública da solução de dois Estados
com a expansão de suas parcerias econômicas, refletindo uma
postura pragmática no Oriente Médio.
Palavras-chave: China, Israel-Palestina, Ambiguidade Estratégica.
1 Doutor pelo Programa San Tiago Dantas e Visiting Scholar na Universidade
da Califórnia – Santa Bárbara. Professor Adjunto de Segurança Internacional
e Geopolítica no IRID/UFRJ. (fernando.brancoli@ufrj.br) ORCID: http://orcid.
org/0000-0003-0429-2154.
2 Doutora em Ciência Política (UFF). Professora de Relações Internacionais no
CEFET/RJ. (tamiresmalves@gmail.com). ORCID: http://orcid.org/0000-0002-
2608-7015.
Artigo submetido em 18/07/2024 e aprovado em 11/11/2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
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Este é um artigo
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ISSN 2526-9038
China e o Conflito Israel-Palestina: transformações e ambiguidade estratégica
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 2, e1514, 2024
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Abstract
Analyzing China’s presence and influence in the Israeli-Palestinian conflict, this study
hypothesizes that China’s strategy is based on strategic ambiguity, balancing political support
for Palestine with economic investments in Israel. Using qualitative analysis techniques,
official Chinese documents, and case studies, the relationship between Xi Jinping’s Four-
Point Proposal and Technological Diplomacy is thoroughly investigated. It concludes that
China combines public defense of the two-state solution with the expansion of its economic
partnerships and programs, reflecting a pragmatic stance in the Middle East.
Keywords: China, Israel-Palestine, Strategic Ambiguity.
Resumen
Analizando la presencia e influencia de China en el conflicto israelo-palestino, este estudio
parte de la hipótesis de que la estrategia china se basa en una ambigüedad estratégica,
equilibrando apoyo político a Palestina con inversiones económicas en Israel. Utilizando
técnicas de análisis cualitativo, documentos oficiales chinos y estudios de caso, se investiga
la relación entre la Propuesta de Cuatro Puntos de Xi Jinping y la Diplomacia Tecnológica.
Se concluye que China combina la defensa pública de la solución de dos Estados con la
expansión de sus asociaciones económicas, reflejando una postura pragmática en el Medio
Oriente.
Palabras clave: China, Israel-Palestina, Ambigüedad Estratégica.
Introdução
Este artigo tem como objetivo analisar a presença e a influência da China
no conflito israelo-palestino, destacando como a política externa chinesa tem
evoluído e se adaptado ao longo dos anos em relação a essa questão. A China,
ao longo de sua história, manteve uma posição estratégica no Oriente Médio,
marcada por seu apoio a movimentos nacionalistas árabes e sua postura crítica
em relação a Israel. No entanto, com o passar dos anos, Pequim passou a adotar
uma abordagem mais pragmática, equilibrando seus interesses econômicos e
diplomáticos na região.
Este estudo adota uma metodologia qualitativa, fundamentando-se na
análise de fontes secundárias, como documentos oficiais, discursos de líderes
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chineses e relatórios de políticas, para explorar as motivações e implicações
da atuação chinesa no conflito israelo-palestino. Essa abordagem permite uma
compreensão aprofundada das nuances e dinâmicas envolvidas na política
externa chinesa.
Desse modo, organizamos este artigo em cinco seções. Contando com essa
introdução, sua estrutura é a seguinte: ii) análise da presença da China no Oriente
Médio; iii) evolução das relações sino-israelenses e sino-palestinas; iv) mudanças
na política externa chinesa no cenário pós-Guerra Fria; v) ambiguidade estratégica
da China, com foco na Proposta de Quatro Pontos de Xi Jinping e a diplomacia
tecnológica.
A China no Oriente Médio: Estratégias e Interesses Geopolíticos
A presença da China na África Subsaariana e no Oriente Médio remonta a
um passado longínquo. Embora os contatos da China com estas regiões tenham
se estendido por centenas de anos, incluindo as antigas rotas da Rota da Seda
que datam de mais de 2.000 anos, a maior parte de sua interação ocorreu nos
últimos 70 anos. Líderes revolucionários da China, como Lin Piao, Enlai Mao
e Mao Zedong, valorizaram sobremaneira a interação política da China com as
nações árabes e islâmicas (Rabkin 2013; Chen 2017). Durante a Segunda Guerra
Mundial, os líderes revolucionários chineses, como Mao Zedong, perceberam
claramente a relevância geoestratégica do Oriente Médio. A preocupação com um
possível cerco à China, no contexto de uma hipotética vitória germano-japonesa,
era central. Mao, especificamente, formulou uma teoria sobre como as “zonas”
estratégicas afetavam a soberania chinesa. Segundo Shichor (1979, 35), o
Oriente Médio estava localizado na “zona intermediária”, a qual poderia ameaçar
seriamente a sobrevivência da República Popular da China e, potencialmente,
precipitar uma terceira guerra mundial. Esse receio de cercamento permaneceu
um elemento essencial da política externa chinesa, mesmo após a derrota do
Japão e da Alemanha, trazendo certo alívio à China. Com o passar do tempo,
essa perspectiva convergiu para uma preocupação crescente com a estratégia
de Containment do Ocidente, que visava isolar a União Soviética dentro de suas
fronteiras, de 1947 a 1991.
No período subsequente à Segunda Guerra Mundial e à instauração da
República Popular da China, houve uma nítida focalização da política externa
chinesa em direção ao Oriente Médio. Chu Enlai, em particular, empenhou-se
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profundamente nas questões relativas aos continentes asiático e africano (Cooley
1972). Entre seus alvos estratégicos estavam o fomento do reconhecimento
diplomático, a oposição ativa às forças coloniais, o suporte aos movimentos
de libertação nacional e o estímulo ao avanço nas nações do Terceiro Mundo.
Durante a Conferência de Bandung em 1955, Enlai fez questão de encontrar-se
com cada uma das delegações presentes. Em suas interações com as delegações
dos recém-independentes países do Oriente Médio, ele adquiriu um entendimento
mais aprofundado do conflito árabe-israelense e da situação palestina, além de
encontrar figuras influentes, como o presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser.
Enfatizando a importância de resolver pacificamente o conflito árabe-israelense,
afastado da influência das superpotências, Enlai comprometeu-se com a causa
palestina. Em episódios marcantes de oposição ao Ocidente – como a Guerra
dos Seis Dias em 1967, a Guerra do Ramadã em 1973, a incursão no Líbano em
1983 e a Crise do Canal de Suez em 1956 – a China se alinhou consistentemente
com grupos nacionalistas árabes e comunistas que enfrentavam o imperialismo
no Oriente Médio (Efron et al. 2019; Burton 2020). Além de apoiar grupos de
esquerda que combatiam monarquias e regimes chamados de “reacionários”,
a China desempenhou um papel notável nos conflitos civis em Omã, Iêmen e
Jordânia. Até a queda dos líderes revolucionários em 1976, a política externa de
Pequim baseava-se principalmente no apoio a grupos comunistas e movimentos
de libertação nacional. Deng Xiaoping, reavaliando essa abordagem, priorizou
a manutenção da ordem vigente e a expansão das relações comerciais entre os
países, em vez de fomentar levantes regionais.
Conforme Nathan e Scobell descrevem, o Partido Comunista Chinês (PCC)
adota um modelo de anéis concêntricos de metas, refletindo sua priorização
criteriosa. O primeiro anel, enfatizando a segurança interna acima da externa,
destaca o território soberano da China como sua principal preocupação de
segurança. O segundo anel engloba os vinte e um estados com os quais a China
compartilha fronteiras, enquanto o terceiro anel abrange interesses de segurança
em seis regiões: Ásia Central, Oceania, Sul da Ásia, Nordeste da Ásia e Sudeste
Asiático Marítimo. Por fim, o Oriente Médio é contemplado apenas no quarto
anel, que abarca o restante do globo, demonstrando uma abordagem de expansão
gradual e calculada da influência chinesa no cenário mundial.
Embora a China continue sendo uma das potências secundárias na região
do Oriente Médio e Norte da África (MENA), sua política externa passou por
uma evolução significativa desde a máxima da Era de Reformas de “esconder
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e aguardar”. Atualmente, está mais alinhada com a exortação do Presidente
Xi Jinping para “ser proativo na busca de realizações”, o que também inclui
atuações no Oriente Médio (Chen 2017; Baroud 2023). Tendo desfrutado do
conforto relativo de ser uma “potência parcial”, surge a interrogação sobre a
decisão da China em adotar um papel mais destacado no palco internacional,
acompanhado do inevitável escrutínio e das expectativas que isso acarreta.
Um dos elementos propulsores dessa mudança foi a alteração da sua postura
diplomática em relação aos Estados Unidos e a consequente reavaliação da
hierarquia internacional. Uma das justificativas para este movimento residia na
percepção de que o crescimento chinês estava sendo ameaçado pelas ações de
presidentes americanos anteriores.
Com a Guerra do Iraque e a guerra global contra o terror desafiando convenções
internacionais estabelecidas, a administração Bush significou um realinhamento
marcante na política externa dos EUA. Durante a segunda parte do mandato de
Hu, a China adotou uma “nova assertividade”, impulsionada pela sua habilidade
em enfrentar a crise financeira global. A estratégia da administração Obama de
reorientar o foco para a Ásia também teve um impacto considerável. Apesar
de coerente com a estratégia dos EUA, ela foi percebida por Pequim como
uma tentativa de contenção, evidenciando o esforço de Washington em frear a
ascensão chinesa. Paralelamente, oficiais chineses começaram a falar com mais
confiança sobre a posição global da China. Nesse contexto, em 2012, o Presidente
Xi Jinping delineou o “Sonho Chinês” em um de seus discursos:
“Nossas lutas nos mais de 170 anos desde a Guerra do Ópio criaram
perspectivas brilhantes para alcançar o rejuvenescimento da nação chinesa.
Agora, estamos mais próximos desse objetivo, e nos sentimos mais confiantes
e capazes de alcançá-lo do que em qualquer outro momento da história”
(Efron et al. 2019).
Apesar do uso abundante de clichês, a confiança com que os oficiais chineses
têm descrito os êxitos do país na última década sugere que a China se vê como
um modelo de desenvolvimento e governança capaz de oferecer lições ao restante
do mundo, particularmente ao Oriente Médio. Um dos aspectos mais relevantes
ao analisar os laços da China com o Oriente Médio, no contexto dessa política
externa mais assertiva, foi o lançamento da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI)
em 2013. Originalmente, a BRI consistia em duas iniciativas: a Iniciativa da Rota
Marítima da Seda (MSRI) e o Cinturão Econômico da Rota da Seda terrestre
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(SREB), abrangendo uma vasta área de terra e mar no Oceano Índico e na Eurásia.
Desde então, foram adicionadas a Rota da Seda Digital, a Rota da Seda Espacial
e a Rota da Seda da Saúde. Em 2017, a BRI foi incorporada à constituição da
China pelo PCC, enfatizando sua importância nos objetivos de política externa
do país (Baroud 2023; Burton 2020).
Durante a década de 1990, a República Popular da China (PRC) direcionou
suas empresas estatais (SOEs) para expandirem suas operações além das fronteiras
nacionais, em uma mudança estratégica de enfoque do mercado doméstico para o
internacional. Esta diretriz levou as SOEs a se estabelecerem em estados e regiões
anteriormente inexplorados, com os componentes SREB e MSRI representando uma
ampliação dessa tática. O Oriente Médio exemplifica essa expansão; o comércio
entre a China e os países do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC) escalou
de $9,5 bilhões em 2000 para cerca de $180 bilhões em 2019. Este aumento
no envolvimento comercial induziu uma presença política mais acentuada,
conforme será evidenciado. A posição estratégica do Oriente Médio, em relação
à Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), que interliga mercados na Ásia do Sul,
África e Europa, é crucial para os interesses chineses em termos de segurança
e prosperidade regional (Chen 2017; Baroud 2023).
O Fórum de Cooperação Sino-Árabe (CASCF), estabelecido em 2004 pela
China e os governos da Liga Árabe, é também uma plataforma que materializa a
mudança na política de Pequim para a região. A China designa um embaixador
para representá-la nesse fórum, refletindo a seriedade com que encara essa parceria
e as reuniões ministeriais do CASCF, realizadas bienalmente e alternando entre
a China e uma cidade árabe, são fundamentais para direcionar a cooperação
futura. Nestes encontros, são estabelecidos objetivos colaborativos para os anos
subsequentes, delineando o futuro das relações sino-árabes. Durante a reunião
ministerial do CASCF em 2014, o Presidente Xi Jinping introduziu o conceito do
“padrão de cooperação 1+2+3” em seu discurso, enfatizando a necessidade
de uma abordagem que combine visão e pragmatismo para o desenvolvimento
da Iniciativa do Cinturão e Rota, através de um planejamento estratégico e
sistemático (Rabkin 2013; Efron et al. 2019). Esta equação de cooperação
divide as prioridades em três níveis distintos: energia representa o número um,
infraestrutura, investimento e comércio correspondem ao dois, e energia nuclear,
satélites espaciais e energias renováveis compõem o três. Com a publicação do
Documento de Política Sino-Árabe em 2016, alinhado à visita de Xi à Arábia
Saudita, essa abordagem foi reiterada. Apesar da inclusão de todos os países
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da Liga Árabe, é evidente que alguns estão mais preparados para se beneficiar
das iniciativas chinesas. Isso reflete uma tendência observada na região MENA,
onde a colaboração com empresas estatais chinesas tende a ser mais frequente
em nações mais abastadas, estáveis politicamente e com vantagens estratégicas
ou recursos abundantes (Burton 2020).
Em 2020, a trajetória da China como potência regional foi ainda mais destacada
pelo impacto profundo da pandemia de COVID-19, afetando significativamente
sua imagem internacional. A crise reverberou nas eleições legislativas dos Estados
Unidos, onde a postura em relação ao governo chinês se tornou um eixo central,
com candidatos de ambos os partidos comprometendo-se com uma abordagem
mais incisiva. O Presidente Trump, de forma pouco diplomática, imputou sua
performance eleitoral desfavorável à China, referindo-se ao “vírus de Wuhan”.
Na Europa, as percepções em relação à China transformaram-se radicalmente,
com uma deterioração notável na visão pública durante a pandemia, conforme
indicado por pesquisas atuais . Por exemplo, uma pesquisa do Pew Research
Center (Deutsche Welle, 2020 ) revelou que, em média, 61% dos entrevistados em
países desenvolvidos avaliaram negativamente a gestão da pandemia pela China,
com aumentos significativos de opiniões desfavoráveis em países como Austrália,
Reino Unido e Alemanha. Contrastando com outras regiões, a situação no Oriente
Médio revela uma trajetória diferente. Com a expansão e o aprofundamento dos
interesses chineses, observa-se um incremento progressivo de sua influência
na região. A despeito de uma possível reticência sub-reptícia em relação ao
manejo inicial da pandemia por Pequim, as críticas não se manifestaram tão
abertamente quanto em outros contextos, e as autoridades regionais têm, de
modo geral, manifestado apreciação positiva em relação à China (Baroud 2023;
Efron et al. 2019).
A postura da China no Oriente Médio se consolidou com a pandemia,
destacando-se por seu auxílio no combate à COVID-19 e seu papel no planejamento
da recuperação econômica pós-pandêmica dos Estados da região. O comércio e
o investimento, juntamente com a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), são vistos
como fundamentais para o desenvolvimento econômico futuro. As inovações
tecnológicas chinesas, como o uso de inteligência artificial e gestão de big data
para monitorar a propagação do vírus, demonstram os benefícios da cooperação
com a China na Iniciativa da Rota da Seda Digital. A abordagem chinesa durante
a pandemia também reforçou a importância da Iniciativa da Rota da Seda da
Saúde. Diante dos impactos sociais, políticos e econômicos da pandemia, é crucial
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monitorar suas consequências geopolíticas, destacando-se o provel aumento
da influência chinesa na região (Burton 2020; Miswar 2023 ).
Evolução Histórica das Relações Sino-Israelenses
e Sino-Palestinas
À medida que analisamos o aprofundamento da influência chinesa no Oriente
Médio é imperativo considerar as dimensões históricas desse engajamento,
particularmente em relação aos conflitos árabe-israelense e palestino-israelense
(Chen 2017; Rabkin 2013). A evolução da posição da China nestes conflitos,
observada ao longo de sete décadas, não apenas reflete as mudanças internas
e estratégicas da nação, mas também espelha as complexidades e os desafios
inerentes ao cenário geopolítico da região. Essa trajetória, marcada pela transição
de uma postura de observador imparcial para um papel mais ativo e influente,
revela as nuances da política externa chinesa e sua capacidade de adaptação
frente às dinâmicas globais e regionais. Entender esse contexto histórico é crucial
para apreciar plenamente o caráter e as implicações da crescente presença da
China no Oriente Médio contemporâneo (Efron et al. 2019).
Ao longo das últimas sete décadas, engajada nos conflitos árabe-israelense e
palestino-israelense, a posição da China evoluiu significativamente. Esta evolução
pode ser compreendida sob três prismas distintos que elucidam a abordagem
chinesa frente a Israel, os governos árabes e os palestinos. Inicialmente, a
perspectiva chinesa sobre o conflito transitou de um observador imparcial de
influência limitada para um agente ativo, uma transformação impulsionada
por sua adesão às Nações Unidas e intensificada pelo seu recente status de
potência global. Em segundo lugar, observa-se a dinâmica da competição sino-
soviética durante a Guerra Fria e a subsequente adaptação à liderança dos EUA,
especialmente no que tange ao processo de Oslo, destacando a relevância de
fatores externos na formulação e execução de sua política para o conflito. Por
fim, o terceiro aspecto reside na discrepância entre as declarações e intenções do
governo chinês e a realidade vivenciada no conflito, revelando uma complexidade
que transcende a retórica oficial (Burton 2020).
Na metade da década de 1950, com sua posição interna e regional consolidada
pós-Guerra da Coreia, a China deu início ao seu engajamento com o Oriente Médio,
estabelecendo primeiramente contatos com líderes e organizações nacionalistas
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árabes. Essas relações iniciais focaram-se no apoio às lutas contra o colonialismo
e imperialismo, como evidenciado no caso dos nacionalistas argelinos contra a
França e de Gamal Abdel Nasser do Egito. Em resposta à decisão de Nasser de
nacionalizar o Canal de Suez, a China ofereceu apoio diplomático e facilitou
a aquisição de armamentos egípcios da Tchecoslováquia, uma ação que se
manteve mesmo após a concessão de crédito a Cairo, pouco antes da invasão
anglo-franco-israelense do Egito (Cooley 1972).
Paralelamente, a China observava atentamente os laços de Israel com os
Estados Unidos e as nações europeias. Apesar de Israel ter sido o primeiro país
do Oriente Médio a reconhecer a República Popular da China em 1950, esse
reconhecimento não teve reciprocidade. Influenciadas pelo conselho americano no
contexto da Guerra da Coreia, as autoridades israelenses hesitaram em aprofundar
laços, desconsiderando a disposição chinesa para relações diplomáticas expressas
por Zhou Enlai em 1954. Quando Israel formalizou um pedido diplomático no
ano seguinte, as relações da China com líderes e grupos árabes já estavam bem
estabelecidas, tornando o pedido israelense tardio (Efron et al. 2019).
No princípio de sua interação com a região, a China contou com líderes como
o Rei Hussein da Jordânia e o Presidente Nasser do Egito para mediar as relações
com os palestinos. Essa necessidade de intermediação decorreu principalmente
da estrutura organizacional incipiente dos palestinos e da circunstância de que
a Cisjordânia e Gaza estavam, na época, sob administração dos dois países,
respectivamente. Com a fundação da Organização para a Libertação da Palestina
(OLP) em 1964, financiada pela Liga Árabe, começou-se a observar uma alteração
significativa nas dinâmicas regionais. A OLP, liderada por Ahmad Shukairy, não
era completamente independente, mas ofereceu aos palestinos uma plataforma de
expressão mais consolidada. Em sua visita a Pequim em março de 1965, Shukairy
buscou apoio militar e estabeleceu uma missão diplomática. A China, visando
reduzir a influência soviética na região, demonstrou prontidão para colaborar. O
desafio residia em como efetivar o fornecimento de equipamentos e materiais,
dada a dependência palestina em relação aos governos árabes anfitriões e as
complexidades logísticas associadas. Adicionalmente, a autonomia crescente da
OLP gerou tensões com Nasser, que via sua autoridade sobre a questão palestina
sendo contestada pela nova entidade (Chen 2017).
Durante a Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967, a China manifestou
explicitamente seu apoio à causa árabe contra Israel, apesar de suas contribuições
efetivas, seja em recursos ou armamento, serem notavelmente limitadas. A
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derrota árabe na guerra precipitou uma transformação nas dinâmicas do conflito,
que evoluiu de uma disputa predominantemente árabe-israelense, centrada
em questões territoriais, para um embate palestino-israelense com contornos
etnonacionalistas, focado no domínio das fronteiras estabelecidas em 1948 pelas
Nações Unidas (Burton 2020). Esta percepção de mudança foi evidenciada pela
análise chinesa do revés árabe, conforme articulado em um ensaio publicado
na “Peking Review”, conhecida por divulgar as políticas e perspectivas do
governo chinês. O ensaio defende a necessidade de uma revisão estratégica,
enfatizando a importância de adotar a tática de uma “guerra popular” na Palestina
e questionando a confiabilidade dos soviéticos como aliados dos árabes, sinalizando
uma reavaliação crítica das alianças e estratégias no contexto do conflito. De
acordo com o relatório, os rebeldes árabes, como os palestinos, deveriam inspirar-
se nas táticas dos comunistas chineses adotadas antes de 1949, como ferramenta
para crescer e sobreviver em tempos difíceis.
O artigo também destacou alguns riscos associados a esse caminho, sendo o
mais significativo o potencial de exacerbar tensões de classe dentro das nações
árabes, podendo, assim, desviar o curso da iniciativa. Paralelamente, no momento
em que a facção nacionalista mais radical do Fatah dentro da OLP ascendia ao
poder, substituindo Shukairy por Yasser Arafat, a dedicação chinesa à “guerra
popular” representava a fase mais extrema do apoio chinês à causa palestina. A
rebelião militar palestina contra Israel contava com o respaldo público de Pequim,
que se adaptava à mudança interna e fornecia recursos e armamentos leves ao
grupo. A postura entusiasta de Pequim em relação à causa palestina encontrava
um obstáculo considerável na influência de Moscou. A União Soviética, ostentando
seu papel de superpotência preeminente, exercia um suporte diplomático e militar
à causa palestina que eclipsava os esforços chineses (Chen 2017). Notavelmente, a
China manifestava uma firme resistência ao plano “terra por paz” incorporado na
Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU. Esta resolução, adotada após
a Guerra dos Seis Dias em 1967, propunha a retirada israelense dos territórios
ocupados em troca de paz com os países árabes. Para Pequim, o plano era
visto como “humilhante” para os árabes e excessivamente benéfico para as
superpotências, refletindo uma abordagem que, na visão chinesa, perpetuava
desequilíbrios de poder regionais e favorecia interesses hegemônicos.
Esta perspectiva de outsider deu à China uma posição única no movimento
rejeicionista, que se opunha às soluções diplomáticas que favoreciam
desproporcionalmente Israel (Burton 2020; Chen 2017). Contudo, a entrada de
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Pequim como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU no início
dos anos 1970 — substituindo Taiwan e formalizando sua participação no sistema
internacional — trouxe consigo desafios para essa postura oposicionista. A nova
posição de Pequim no cenário global implicava uma necessidade de navegar
complexidades diplomáticas adicionais e equilibrar suas inclinações ideológicas
com as realidades pragmáticas da política internacional. A détente entre os
Estados Unidos e a União Soviética desencadeou uma redução na influência
soviética, catalisando uma transição global da beligerância para a diplomacia como
paradigma predominante nas relações internacionais. Paralelamente, dinâmicas
internas na China, especialmente o arrefecimento da Revolução Cultural e a
moderação de seus excessos ideológicos, desempenharam um papel fundamental
nesses desenvolvimentos (Efron et al. 2019). Este cenário se refletiu em 1973,
no contexto da guerra entre Egito e Síria contra Israel, quando a ONU adotou a
Resolução 338. Essa resolução, invocando a anterior Resolução 242, reiterou o
conceito de “terra por paz”, uma abordagem que buscava a resolução pacífica
do conflito árabe-israelense mediante a devolução de territórios ocupados em
troca de acordos de paz. A abstenção da China à resolução, a única em meio a
quatorze votos afirmativos, evidenciou uma significativa reorientação em sua
política externa, alinhando-se de maneira mais pragmática e menos ideológica
às dinâmicas internacionais.
O Acordo de Camp David, uma iniciativa diplomática mediada pelos Estados
Unidos que culminou em um tratado de paz entre Egito e Israel em 1978,
representou um marco adicional na evolução da moderação chinesa. Embora
o processo não tenha recebido apoio unânime, a China optou por não se opor,
reconhecendo sua capacidade limitada de influenciar diretamente as negociações
ou os atores envolvidos. Este período coincidiu com um momento de introspecção
na liderança chinesa, marcado por disputas internas após a morte de Mao Zedong.
A diplomacia chinesa, diante de um cenário intrincado, teve que encontrar um
equilíbrio entre endossar o Acordo de Camp David, percebido como um avanço na
distensão egípcia da influência soviética, e acatar o sentimento de desaprovação
árabe, que interpretava a atitude egípcia como uma traição, resultando na exclusão
do Cairo da Liga Árabe por dez anos (Efron et al. 2019).
A sustentação chinesa às operações armadas da OLP contra Israel, iniciada
após 1967, acarretou implicações significativas. A postura militante da OLP,
particularmente sua base na Jordânia — um estado com uma densa demografia
palestina — era vista pela liderança chinesa com uma mistura de cautela e
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apreensão, em razão da percepção de que a OLP operava como uma entidade
quase estatal. Esta dinâmica levou, em setembro de 1970, ao desencadeamento
de uma ofensiva militar pelo Rei Hussein da Jordânia contra a OLP. Pequim,
inicialmente, censurou os jordanianos, rotulando-os como fantoches dos Estados
Unidos (Burton 2020).
Contudo, a ausência de apoio material mais robusto obrigou a OLP a se
realocar para o Líbano. Neste novo contexto, caracterizado pela instabilidade do
Estado libanês, a presença massiva de refugiados palestinos e as ações contínuas
da OLP em território israelense, emergiram riscos análogos aos enfrentados na
Jordânia. Esse cenário colocou em xeque os objetivos diplomáticos chineses de
estreitar laços com o Líbano, evidenciando um embate entre a necessidade de
manter relações bilaterais harmoniosas e a natureza disruptiva das atividades
palestinas na região. Ainda que o apoio da China à Organização para a Libertação
da Palestina (OLP) se mantivesse, sua ajuda efetiva experimentou um declínio
progressivo durante as décadas de 1970 e 1980. Essa diminuição foi, em parte,
resultado da própria postura palestina, que demonstrou preferência pelo auxílio
soviético em comparação ao suporte chinês. Além disso, as táticas mais extremistas
empregadas por algumas facções palestinas, incluindo sequestros aéreos e abduções,
causaram descontentamento em Pequim (Baroud 2023).
Em um contexto mais amplo, em 1982, Israel empreendeu uma invasão ao
Líbano no auge da guerra civil libanesa. Essa ofensiva militar tinha como finalidade
principal a erradicação da presença da OLP no país. O episódio culminou em
um trágico desdobramento com o massacre de palestinos em Beirute, perpetrado
por milícias locais aliadas a Israel. Esse evento desencadeou a transferência da
sede da OLP para Túnis, marcando um ponto de inflexão tanto para o movimento
palestino quanto para a sua relação com atores internacionais, incluindo a China
(Chen 2017).
Embora houvesse divergências reais na relação sino-palestina, ambas as
partes mantiveram uma expressão externa de simpatia mútua. A China, por
exemplo, não cessou seu apoio à causa palestina pela autodeterminação nacional
e direitos. Além disso, ambos começaram a reconhecer a superioridade da
diplomacia sobre a insurgência. Em Argel, em 1988, a OLP decidiu abandonar
a luta armada, reconhecendo Israel e engajando-se em negociações. A China,
adotando uma abordagem mais pragmática e moderada na região, prontamente
concordou com a postura da OLP. Dois fatores impulsionaram essa mudança:
a transição do radicalismo ideológico para o conservadorismo pragmático e a
Fernando Luz Brancoli; Tamires Alves
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transformação da política externa chinesa de uma arma revolucionária para um
instrumento de crescimento econômico do país (Miswar 2023 ). Paralelamente,
também se observou nesse momento o incremento dos vínculos sino-israelenses.
Tal desenvolvimento teve início com uma troca sub-reptícia de armamentos,
desencadeada pela necessidade chinesa de modernizar e substituir seu arsenal
soviético, uma consequência da Guerra do Vietnã. Israel, beneficiando-se da
apropriação de equipamentos militares sírios e egípcios durante os conflitos de
1967 e 1973, emergiu como um parceiro comercial crucial nesse contexto. Esse
intercâmbio inicial estabeleceu as bases para transações subsequentes envolvendo
armamentos mais sofisticados, além de fomentar outros laços diplomáticos,
exemplificados pela inauguração do consulado israelense em Hong Kong em
1985. Como resultado da melhoria nas relações entre Israel, Palestina e China,
houve um afastamento da postura beligerante em relação ao conflito (Efron et al.
2019). Em 1984, a China defendeu a realização de uma cúpula global patrocinada
pelas Nações Unidas sobre o processo de paz no Oriente Médio. Durante a visita
de Arafat a Pequim em 1989, a oferta foi reiterada (Chen 2017).
Transformações na Política Externa Chinesa Israel-Palestina
no Pós-Guerra Fria
À medida que avançamos para o período pós-Guerra Fria, observamos uma
evolução significativa nas relações diplomáticas da China, particularmente em
seu papel no processo de paz do Oriente Médio (Efron et al. 2019; Burton 2020).
O estabelecimento de laços diplomáticos formais com Israel, a partir de 1992,
tornou-se um passo crucial para Pequim, refletindo não apenas uma mudança
estratégica em sua política externa, mas também um reconhecimento da importância
de ser um participante ativo e legítimo no cenário geopolítico global. Essa nova
fase simboliza um desvio da postura anterior da China, abrindo caminho para
um engajamento mais direto e influente nas dinâmicas complexas da região
(Rabkin 2013; Chen 2017). A busca da China pelo reconhecimento diplomático
de Israel foi influenciada pelo seu envolvimento progressivo no processo de paz
do Oriente Médio. Este envolvimento estava condicionado ao estabelecimento
de laços diplomáticos com todas as partes envolvidas, uma premissa crucial
mesmo com sua posição no Conselho de Segurança da ONU. A ausência da
China na Cúpula de Madrid em outubro de 1991, um encontro significativo para
China e o Conflito Israel-Palestina: transformações e ambiguidade estratégica
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as negociações de paz no Oriente Médio, destacou essa limitação. No entanto,
a situação mudou com o estabelecimento de relações diplomáticas entre China
e Israel em janeiro de 1992, permitindo a participação da China nas discussões
multilaterais subsequentes (Cooley 1972).
O apoio chinês aos Acordos de Oslo, que emergiram de diálogos secretos
entre Israel e a OLP, reflete essa mudança na postura de Pequim (Chen 2017).
Os Acordos de Oslo, marcados por sua abordagem inovadora e compromissos
recíprocos, abriram caminho para possíveis soluções no conflito israelo-palestino.
Nesse contexto, Li Zhaoxing, embaixador da China na ONU, comentou após a
assinatura dos Acordos que eles representavam o início de um acordo justo e
abrangente para a questão palestina, mas sublinhou a necessidade de continuação
dos esforços para alcançar uma solução definitiva (Efron et al. 2019). Ainda durante
os anos 1990, especificamente no contexto da Segunda Intifada, a abordagem
de Pequim estava alinhada em reforçar o papel dos Acordos de Oslo como
ferramenta essencial para a paz na região. Paralelamente, este período marcou
o início da marcha econômica da China rumo a um destaque global, embora
seu poder político ainda não refletisse completamente sua crescente pujança
econômica (Burton 2020; Miswar 2023). As intervenções chinesas nessa fase
concentraram-se principalmente em exortar as partes envolvidas a retomarem as
negociações. Nesse contexto, as manifestações de Pequim durante esse período
ecoam a ênfase dada pelo seu embaixador na ONU em 1992, que salientou: “o uso
de força excessiva gera um ciclo vicioso de violência e conflito descontrolados,
afastando ainda mais a possibilidade de reativar o processo de paz no Oriente
Médio” (Rabkin 2013).
Durante a Segunda Intifada, além dos esforços da China, outros atores
globais também buscavam formas de cessar os combates e reiniciar as discussões.
Em 2002, a Liga Árabe propôs uma oferta de paz, coincidindo com a formação
do Quarteto, composto pelos Estados Unidos, Nações Unidas, União Europeia
e Rússia, com o objetivo de mediar o conflito israelo-palestino (Efron et al.
2019). Diante desse cenário, a China decidiu não pleitear um lugar no Quarteto,
optando, em vez disso, por enviar seu primeiro enviado especial ao Oriente
Médio. Semelhante a outras ações daquele período, a posição possibilitou a
Pequim a prática de diplomacia pessoal. No entanto, essa nomeação foi vista
como “majoritariamente simbólica”, já que não teve um impacto substancial no
curso da guerra (Chen 2017; Cooley 1972).
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A China enfrenta um leque de desafios decorrentes de sua intensa focalização
no processo de paz de Oslo. Um aspecto notável é a insuficiência de esforços para
promover uma equidade diplomática. Essa situação é exacerbada pela discrepância
marcante entre os vínculos da China, tanto comerciais quanto interpessoais,
com Israel e os palestinos, impactando o próprio conflito. Priorizando interesses
corporativos, a postura chinesa tem favorecido Israel em detrimento dos palestinos.
A ascensão da parceria econômica sino-israelense desde 1992 emergiu como um
fator tão dominante que potencialmente eclipsa outras dimensões do conflito
(Rabkin 2013). Entre 2010 e 2019, assistiu-se a um aumento mais do que triplo no
comércio entre a China e a Palestina, de 26 milhões para 82 milhões de dólares,
um indicativo de expansão notável. Contudo, essa tendência foi suplantada
pelo crescimento exponencial do comércio sino-israelense, que observou um
salto de 7,6 bilhões para 14,7 bilhões de dólares, refletindo uma preponderância
econômica marcante (Chen 2017; Miswar 2023). Em uma análise decenal, o
volume comercial entre a China e Israel alcançou uma cifra impressionante de 114
bilhões de dólares, estabelecendo um contraste acentuado com os 619 milhões
de dólares em transações entre a China e os territórios de Gaza e Cisjordânia.
Ademais, é imperativo reconhecer os significativos investimentos e contratos
chineses em Israel, que aproximaram-se dos 13 bilhões de dólares no mesmo
período, um aspecto crucial que adiciona profundidade a essa complexa tessitura
econômica (Efron et al. 2019).
A aparente indiferença da China em relação às questões mais amplas
do conflito, concentrando-se exclusivamente no processo de Oslo, acarreta
consequências adicionais. Uma delas é a diminuição do apoio israelense e
palestino ao acordo. Esse foco restrito também resultou em uma menor abertura a
ideias que não estão centradas em Oslo. Oficiais chineses têm encontrado menos
respaldo na opção do Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS)
em função da crescente importância econômica de Israel como parceiro (Baroud
2023). Dado que o governo chinês e as empresas chinesas têm dado pouca atenção
às demandas do BDS, ativistas deste movimento têm sido compelidos a intervir
e reivindicar crédito por ações chinesas que, embora pareçam alinhar-se aos
objetivos do BDS, na realidade não são reconhecidas oficialmente (Burton 2020).
Em 2015, o governo chinês chamou a atenção ao desencorajar trabalhadores
migrantes de atuarem em assentamentos israelenses, alegando preocupações
com a “segurança” como justificativa. Além disso, é relevante considerar que o
Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) não tem conseguido
China e o Conflito Israel-Palestina: transformações e ambiguidade estratégica
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disseminar eficazmente sua mensagem na China. Isso deve-se, em parte, à estratégia
inicial do movimento, que se concentrou em expandir sua rede de contatos em
nações europeias e norte-americanas com laços políticos e econômicos mais
sólidos com Israel (Efron et al. 2019). Além disso, diante dos recursos limitados
para o lobby e ação da sociedade civil na China, permanece incerta a potencial
influência de um movimento social como o BDS sobre o comportamento do
Estado chinês (Burton 2020).
A discreta atuação da China até o momento no conflito israelo-palestino
merece reflexão. Um dos princípios dos Acordos de Oslo era a necessidade
de assistência financeira aos palestinos para a construção de instituições e a
consecução de uma “paz econômica”. Pressupunha-se que benefícios sociais, como
aumento da renda e oportunidades de emprego, aliviariam queixas e reduziriam
a probabilidade de violência. Esse aspecto do processo sempre foi dominado
pelo Ocidente: a Europa financiou a Autoridade Palestina e o desenvolvimento
palestino, enquanto os EUA assumiram um papel central como patrocinadores
das negociações. Entre 1994 e 2005, doadores internacionais contribuíram com
4,7 bilhões de dólares em ajuda, sendo 40% desse total proveniente dos EUA e
da UE. Em contraste, a ajuda chinesa aos palestinos foi praticamente inexistente.
Ademais, entre 2008 e 2018, suas contribuições à Agência de Obras de Socorro
e Construção das Nações Unidas, que apoia refugiados palestinos, aumentaram
de 80.000 dólares para 2,35 milhões. Isso representa apenas 0,04% dos 10,96
bilhões de dólares despendidos nesse período (Miswar 2023).
A postura da China, focada no processo de Oslo e nos laços comerciais,
sugere uma satisfação com o status quo, estratégia que se mostrou eficaz
para o país nas últimas duas décadas. Contudo, essa abordagem pode estar
começando a mudar devido à pressão dos Estados Unidos. Nos últimos anos,os
EUA manifestaram preocupações com alguns investimentos chineses em Israel.
A aquisição pela China de contratos de construção e administração dos portos
de Ashdod e Haifa gerou inquietação nas autoridades americanas, sendo o
porto de Haifa de particular interesse por ser utilizado pela Sexta Frota dos EUA
(Efron et al. 2019). A possibilidade de a Huawei, empresa de tecnologia chinesa,
participar da rede 5G de Israel levou o país a criar um comitê para analisar
investimentos estrangeiros, em resposta à pressão dos EUA. Com a transição
presidencial nos EUA em 2021, a decisão permaneceu pendente (Rabkin 2013;
Burton 2020).
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Ambiguidade Estratégica: A Proposta de Quatro Pontos
de Xi Jinping e a Diplomacia Tecnológica
Nesta subseção, exploraremos a complexidade da relação entre a China, Israel
e a Palestina, uma dinâmica marcada por ambiguidades estratégicas e movimentos
diplomáticos cautelosos. Enquanto a China intensifica seus investimentos em
Israel, destacando seu interesse crescente em tecnologia e infraestrutura, também
se apresenta como um potencial mediador no prolongado conflito israelo-palestino.
Esta postura dupla, que mescla engajamento econômico com iniciativas de paz,
reflete a tentativa de Pequim de equilibrar seus objetivos estratégicos globais com
uma diplomacia cuidadosamente orquestrada. Neste contexto, discutiremos como
os recentes desenvolvimentos e pressões internacionais influenciam e moldam
a política externa chinesa em uma das regiões mais turbulentas do mundo.
Apesar da animosidade breve, a atual pressão dos EUA expõem as limitações
das relações sino-israelenses (Burton 2020). Atualmente, os chineses parecem
satisfeitos em operar dentro desses limites, mas nos últimos dez anos surgiram
indícios de uma possível mudança nesse panorama (Chen 2017). Nesta subseção,
aprofundaremos o entendimento sobre as ambiguidades contemporâneas na
postura da China frente às dinâmicas israelo-palestinas, destacando como os
recentes desenvolvimentos e pressões internacionais moldam esta relação complexa
(Rabkin 2013).
Há um consenso de que a política externa chinesa se tornou mais assertiva
desde que Xi Jinping assumiu a presidência em 2012 (Burton 2020). Embora outros
conflitos regionais, como as revoltas da Primavera Árabe, as guerras na Síria,
Iêmen e Líbia, e o programa nuclear do Irã tenham ganhado precedência sobre
o conflito palestino-israelense na última década, Xi viu nisso uma oportunidade
para marcar sua primeira influência significativa na região (Chen 2017). Talvez
a manifestação mais significativa do propósito chinês desde sua ascensão como
potência econômica global, seu Plano de Quatro Pontos de maio de 2013 baseava-
se em grande parte no modelo de Oslo. Este plano enfatizava o avanço na
solução de dois Estados, propondo o estabelecimento de um Estado palestino
independente, soberano e viável, coexistindo pacificamente com Israel, com base
nas fronteiras de 1967 e tendo Jerusalém Oriental como capital. Além disso,
destacava o compromisso com negociações pacíficas, incentivando o diálogo
como meio principal para resolver divergências, rejeitando o uso da força e
promovendo a confiança mútua entre as partes envolvidas. Também incluía
China e o Conflito Israel-Palestina: transformações e ambiguidade estratégica
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um apelo para que Israel interrompesse a construção de assentamentos nos
territórios ocupados, visando criar um ambiente propício para as negociações.
No entanto, seu anúncio foi ofuscado quando o então Secretário de Estado dos
EUA, John Kerry, anunciou a “shuttle diplomacy”, técnica de negociação onde
um mediador viaja entre as partes em conflito para facilitar as discussões, sem
que estas se encontrem diretamente, como meio de quebrar o impasse nas
negociações congeladas entre israelenses e palestinos. Na prática, contudo, nada
substancial ocorreu após o anúncio desse plano (Burton 2020).
Durante a visita de Abbas a Pequim em julho de 2017, o Plano de Quatro
Pontos foi relançado (Chen 2017). Apesar de Yoram Evron, pesquisador israelense,
ter descrito a proposta como “mais vaga e menos detalhada que a anterior [proposta
de 2013]”, a China sugeriu agora a realização de um “simpósio pela paz”, além
de discussões trilaterais (Rabkin 2013). Pan Guang, um renomado pesquisador
chinês do Oriente Médio, expressou expectativas moderadas, comentando: “Não
sabemos sequer se será um diálogo oficial ou não oficial...” (Chen 2017). Ele ainda
ressaltou a crença de que Israel não desejaria o envolvimento governamental
(Burton 2020).
As reuniões de dezembro ocorreram poucos dias após o presidente dos EUA,
Donald Trump, desafiar o consenso mundial e anunciar planos de transferir a
embaixada dos EUA para Jerusalém, alterando assim o status quo até que um acordo
de paz final fosse alcançado (Hill and Huggard 2023). Houve um desequilíbrio
nas delegações; os israelenses foram liderados por Hilik Bar, vice-presidente
do Knesset, e os palestinos por Ahmed Majdalani, membro executivo da OLP e
assessor de Abbas. Na realidade, autoridades chinesas encontraram dificuldades
em persuadir ambas as partes a assinarem algo além de uma declaração não
vinculante — “Promovendo o Acordo do Conflito Palestina-Israel com a Solução
de Dois Estados como Base” — que, essencialmente, reiterava o processo de
Oslo, apesar da confiança demonstrada pela China (Baroud 2023). Dentre os
pontos destacados na proclamação estavam: a criação de um estado palestino
com capital em Jerusalém Oriental; a interrupção da construção e expansão de
assentamentos israelenses em Jerusalém; o apoio a moderados como mediadores da
paz; e a inclusão da China no processo de paz (Burton 2020). Conforme discutido
anteriormente, os esforços de mediação da China entre Israel e Palestina estão
permeados por uma notável ambiguidade, dada a simultaneidade do expressivo
aumento dos investimentos chineses em Israel (Cooley 1972). Esta complexidade
reflete-se na intrincada teia de relações econômicas e políticas que moldam a
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postura chinesa na região, sugerindo uma dualidade de intenções e estratégias
(Efron et al. 2019).
A expansão substancial das iniciativas chinesas em território israelense, desde
projetos de infraestrutura até investimentos significativos em tecnologia avançada,
exemplifica uma estratégia que prioriza o crescimento econômico e a inovação
tecnológica (Rabkin 2013). Paralelamente, essa abordagem econômica parece
contrastar com a posição política mais cautelosa da China no conflito israelo-
palestino (Burton 2020). Ao mesmo tempo, Israel iniciou um processo ambicioso
de cooperação tecnológica com a China (LeBaron et al. 2021). Desde 1992 até
2019, a China votou consistentemente contra Israel em fóruns internacionais,
frequentemente alinhando-se com a visão da maioria (Chen 2017). No entanto,
as visitas de estado de alto nível entre Israel e China continuaram como de
costume ao longo desses anos (Zhu 2019). Membros do Knesset e outros oficiais
de alto escalão começaram a compreender a importância global da China quando
viajaram para lá e interagiram com figuras chinesas proeminentes (Sufott 2022).
Os principais oficiais chineses fizeram o mesmo (Chen 2017).
A série de visitas de vice-premiês chineses a Israel — incluindo Qian Qichen
em dezembro de 1997, Tang Jiaxuan em dezembro de 2004, Liu Yandong em
março de 2016 e Wang Qishan em outubro de 2018 —, além da visita do Presidente
chinês Jiang Zemin em abril de 2000, ilustra uma era de diplomacia intensificada
(Burton 2023). Esses encontros, embora primariamente focados em fortalecer laços
econômicos, também facilitaram uma gradual reconciliação política, refletindo
uma estratégia chinesa que busca equilibrar comércio e diplomacia.
Israel, reconhecido por seu ecossistema de inovação, atraiu a atenção
de gigantes tecnológicos globais como Facebook, Apple, Google e Intel, que
estabeleceram centros de pesquisa e desenvolvimento no país (Chen 2017). A
resposta das corporações chinesas a essa proeminência tecnológica também
foi notável. Por exemplo, em 2015, a Xiaomi, uma das maiores empresas de
telefonia móvel da China, inaugurou um centro de desenvolvimento em Israel
(Chen 2017). Além disso, em outubro de 2017, a Alibaba, a principal plataforma
de comércio eletrônico da China, ampliou significativamente sua presença,
anunciando parcerias estratégicas com startups israelenses especializadas em
códigos QR e realidade aumentada, e confirmando a instalação de um novo
centro de pesquisa e desenvolvimento (Burton 2023).
Em 2013, paralelamente aos esforços do governo de Israel para fortalecer as
relações com a China, o Presidente chinês Xi Jinping lançou a Iniciativa Cinturão
China e o Conflito Israel-Palestina: transformações e ambiguidade estratégica
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e Rota (BRI, na sigla em inglês) (Bildirici e Kayikçi 2022). Em dezembro daquele
ano, durante uma visita a Israel com o Ministro das Relações Exteriores chinês,
Wang Yi, o primeiro-ministro israelense abordou a iniciativa, declarando: “Será
importante para o comércio global e para o comércio da China”, e acrescentou:
“Nós valorizamos grandemente o povo chinês. Temos uma história compartilhada
como dois grandes países e ambos ansiamos por um futuro promissor” (Chen
2017). Durante sua segunda visita a Pequim, em março de 2017, Netanyahu
proferiu a assertiva de que as excelentes relações entre os países eram como
“um casamento feito no céu” (Burton 2020).
Desde 2009, a participação de corporações chinesas em projetos de
infraestrutura em Israel cresceu substancialmente, embora a Iniciativa Cinturão e
Rota (BRI) não especifique quais projetos de desenvolvimento chineses ela abrange
(LeBaron et al. 2021). Entre os projetos e aquisições mais notáveis recentemente
iniciados estão: a Corporação de Engenharia Civil Chinesa (CCECC) concluiu
os Túneis Carmel de 8,6 quilômetros em Haifa em 2009, com ambos os trechos
finalizados. Até 2017, a ferrovia Akko-Karmiel foi construída pela CCECC e pela
empresa Danya Cebus (Sufott 2022). Desde 2011, o Túnel da Linha Vermelha do
sistema de metrô leve de Tel Aviv foi uma colaboração entre a CCECC e o Grupo
Co. Ltd de Túneis Ferroviários da China (CRTG) (Chen 2017).
A partir de 2019, os Túneis Carmel e a Rodovia 16 passaram a incluir a CRTG e
a CCECC (Efron et al. 2019). O interesse chinês também cresceu no setor portuário
de Israel, que é vital para a economia do país: enquanto o Grupo Ashtrom e a
Shapir Engineering construíam o Porto Norte de Haifa, o Grupo Internacional
de Portos de Xangai (SIPG) recebeu o contrato para gerenciar a instalação em
março de 2015 (Burton 2020). O Terminal Southport em Ashdod, desenvolvido
pela PMEC, uma divisão da China Harbour Engineering Company, começou a
operar em 2022 e será operado por 21 anos pela China (LeBaron et al. 2021).
Através da aquisição de empresas israelenses, a China também obtém acesso
ao conhecimento técnico israelense (Bildirici e Kayikçi 2022). As seguintes
transações ocorreram em Israel: em 2011, a China National Chemical Corporation
adquiriu o fabricante de pesticidas Adama Agricultural Solutions (anteriormente
Makhteshim Agan); em 2014, a Bright Foods comprou a Tnuva, a maior cooperativa
de processamento de alimentos de Israel; e em 2016, a Fosun International
adquiriu o produtor de cosméticos Ahava (Efron et al. 2019). A lista de compras
chinesas em Israel está longe de ser exaustiva (Burton 2020). O primeiro de cinco
usinas de energia de propriedade da Israel Electric a ser privatizado como parte
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da reforma do setor de energia foi a usina de Alon Tavor, que foi comprada em
julho de 2019 pelo Grupo MRC, que incluía a China Harbour, a Mivtach Shamir
de Israel e a Rapac Communication and Infrastructure Ltd (RAPAC) (Bildirici
e Kayikçi 2022). Independentemente da motivação por trás de cada compra,
todas contribuíram para satisfazer a necessidade interna da China por bens de
consumo (Rabkin 2013).
Embora Israel tenha sido tradicionalmente considerado um destino de
investimento atraente devido à sua estabilidade política e acordos de paz com
antigos adversários, a situação econômica atual apresenta desafios significativos.
A guerra em curso com o Hamas, iniciada em outubro de 2023, impactou
negativamente diversos setores da economia israelense. O PIB do país sofreu uma
contração de 5% no quarto trimestre de 2023 em relação ao mesmo período do
ano anterior. Além disso, a agência de classificação de crédito Moody ‘s rebaixou
a nota de Israel, citando riscos políticos e fiscais decorrentes do conflito. Apesar
dos muitos engajamentos da China com Israel, o país recebeu muito pouco
financiamento de Pequim como parte da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) (Efron
et al. 2019). Os fatores que desencorajaram o investimento chinês em Israel
incluíam o pequeno tamanho do país e sua falta de experiência com projetos de
desenvolvimento internacional, enquanto os fatores que atraíam o investimento
chinês incluíam a proximidade do país com rotas de navegação importantes
e outros centros de trânsito (Burton 2020). As principais rotas comerciais, no
entanto, não favorecem Israel com sua presença (Chen 2017).
O aumento da violência entre Israel e o Hamas, que começou em 7 de outubro,
rapidamente atraiu a atenção do Conselho de Segurança da ONU (Miswar 2023).
A China, como membro permanente do Conselho, adotou uma posição ativa nas
discussões, especialmente em relação às resoluções propostas para lidar com
a crise (Burton 2020). Em uma reunião, o Representante Permanente da China
na ONU, Zhang Jun, criticou as ações israelenses contra instalações civis e a
situação de cerco em Gaza, enfatizando a necessidade de uma implementação
rigorosa das resoluções do Conselho para restaurar serviços básicos como água
e combustível o mais rápido possível (Efron et al. 2019).
Apesar dos esforços, a China expressou frustração com os vetos dos EUA
a resoluções que buscavam estabelecer um cessar-fogo e abrir corredores
humanitários, ressaltando o desafio de alcançar um consenso dentro do Conselho,
onde várias propostas têm enfrentado bloqueios (Chen 2017). A posição chinesa
reflete uma tentativa de equilibrar a proteção dos civis e a busca por uma solução
China e o Conflito Israel-Palestina: transformações e ambiguidade estratégica
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diplomática para o conflito, mesmo que isso signifique enfrentar obstáculos
significativos nas negociações internacionais (Rabkin 2013). Em julho de 2024, a
China sediou um encontro histórico em Pequim, reunindo 14 grupos palestinos,
incluindo os rivais Hamas e Fatah, com o objetivo de promover a unidade
nacional palestina. O resultado foi a assinatura da “Declaração de Pequim”, na
qual concordaram em formar um governo provisório de reconciliação nacional
para administrar a Faixa de Gaza no período pós-guerra.
Portanto, ao final desta subsessão, torna-se evidente que, enquanto a China
aumenta seu envolvimento econômico com Israel, a clareza de suas intenções
políticas permanece nublada (Burton 2020). Este comportamento pode ser
interpretado como um movimento estratégico para fortalecer sua posição global
sem comprometer profundamente sua capacidade de influenciar o processo de
paz (Efron et al. 2019). O aumento dos investimentos chineses em Israel, ao lado
da proposta de mediar o conflito, sugere um esforço para posicionar-se como
uma potência indispensável tanto no âmbito econômico quanto no político, mas
a eficácia dessa estratégia ainda está para ser testada nos desenvolvimentos
futuros da região (Chen 2017).
Conclusão
Este estudo analisou a influência da China no conflito israelo-palestino,
destacando a evolução da política externa chinesa que, de uma postura de
apoio aos movimentos nacionalistas árabes, passou a adotar uma abordagem
mais pragmática. A estratégia chinesa de equilibrar apoio político à Palestina
com investimentos econômicos em Israel é evidenciada pela Proposta de Quatro
Pontos de Xi Jinping e pela Diplomacia Tecnológica, permitindo à China manter
uma posição de mediador potencial no conflito.
No cenário pós-Guerra Fria, a China solidificou seus laços diplomáticos com
Israel enquanto participava do processo de paz do Oriente Médio, apoiando os
Acordos de Oslo. Contudo, a disparidade entre seus investimentos econômicos em
Israel e o apoio financeiro limitado aos palestinos reflete uma clara preferência
comercial. Essa ambiguidade estratégica permite à China fortalecer sua posição
global, mas sua eficácia no avanço do processo de paz ainda necessita de avaliação
à medida que Pequim enfrenta pressões internacionais e complexidades políticas
regionais.
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Referências
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