Andréia Beppu; Joaquim Racy
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 2, e1435, 2024
1-21
O Comércio Internacional na
Perspectiva do Islamismo Xiita no Irã
International trade from the Perspective
of Shia Islam in Iran
El Comercio Internacional desde la
Perspectiva del Islam Chiita en Irán
DOI: 10.21530/ci.v19n2.2024.1435
Andréia Beppu
1
Joaquim Racy
2
Resumo
A partir de uma análise bibliográfica e de entrevistas realizadas
no Irã, este artigo apresenta a perspectiva do Islã xiita sobre as
relações econômicas internacionais, com um enfoque específico na
realidade iraniana. O objetivo é debater o pensamento econômico
no contexto do comércio internacional, destacando as questões
éticas e morais que delimitam o comércio exterior no Islã e como
essas questões podem ser consideradas tanto no âmbito da OMC
quanto nas relações bilaterais entre países islâmicos e não islâmicos.
Além disso, o artigo examina como esses países têm utilizado áreas
de Zona Franca e o regionalismo para desenvolver o comércio
internacional.
Palavras-chave: Comércio Internacional, Economia Islâmica,
Legislação Islâmica.
1 Pós-doutora pela USP. (lopes.acosta@usp.br). ORCID: https://orcid.org/0000-
0003-2579-0769.
2 Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Professor de graduação e pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. (racjo@uol.com.br).
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1790-5722.
Artigo submetido em 14/05/2024 e aprovado em 02/12/2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
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ISSN 2526-9038
O Comércio Internacional na Perspectiva do Islamismo Xiita no Irã
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 2, e1435, 2024
2-21
Abstract
Based on a bibliographic analysis and interviews conducted in Iran, this article presents
the perspective of Shiite Islam on international economic relations, specifically focusing on
the Iranian context. The aim is to discuss economic thought in the context of international
trade, highlighting the ethical and moral issues that delimit Islamic foreign trade and how
these issues can be considered both within the framework of the WTO and in bilateral
relations between Islamic and non-Islamic countries. Additionally, the article examines how
these countries have utilized Free Trade Zones and regionalism to develop international
trade.
Keywords: International Trade, Islamic Economy, Islamic Legislation.
Resumen
Basado en un análisis bibliográfico y entrevistas realizadas en Irán, este artículo presenta
la perspectiva del islam chiita sobre las relaciones económicas internacionales, centrándose
específicamente en el contexto iraní. El objetivo es debatir el pensamiento económico en
el contexto del comercio internacional, destacando las cuestiones éticas y morales que
delimitan el comercio exterior islámico y cómo estas pueden ser consideradas tanto en el
marco de la OMC como en las relaciones bilaterales entre países islámicos y no islámicos.
Además, se examina cómo estos países han utilizado las Zonas de Libre Comercio y el
regionalismo para desarrollar el comercio internacional.
Palabras clave: Comercio Internacional, Economía Islámica, Legislación Islámica.
Introdução
A economia islâmica não apresenta diferenças muito grandes do capitalismo
convencional. Ambos os modelos buscam a melhor alocação e distribuição de
recursos. Na década de 60, quando o movimento do socialismo se expandia
pelo mundo, os estudiosos islâmicos aceleraram os debates no Oriente Médio,
buscando posicionar os muçulmanos no cenário da Guerra Fria. Para estes, o
Islã deveria abranger todo o espectro da vida de seus fiéis e o aprofundamento
desse movimento levaria a um crescimento do debate sobre o modelo econômico-
financeiro do Islã.
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No comércio internacional, levanta-se a questão: as regras divinas aplicadas
à realidade econômica criariam problemas para o comércio internacional?
De certa forma, sob esse aspecto, observa-se apenas um desvio – como não
consumir bebidas alcoólicas e carne suína – em alguns setores, dado que, de uma
forma geral, na economia estabelece-se uma lista de proibições baseadas numa
ética que busca eliminar a exploração por meio de regras rígidas sob controle
do Estado.
Em entrevistas realizadas no Irã, quando questionado sobre o relacionamento
entre o capitalismo convencional e a economia islâmica, o Professor Tavakoli
reconheceu haver diferenças entre as culturas e os modelos: ...há alguns conflitos
entre essas duas culturas[...] não é tão difícil a ponto de ser intransponível...
Reciprocidade [...] o banco islâmico pode adotar essas regras para as interações
comerciais negociáveis3.”
O objetivo deste artigo é debater como essas diferenças podem, em
determinados momentos, ter um caráter significativo no relacionamento comercial
entre capitalismo e economia islâmica. A pesquisa realizada para a elaboração
deste artigo, se deu primeiramente por meio da análise bibliográfica, em que
analisamos artigos e livros de Muhammad Baqir Sadr para compreender a
economia islâmica e, a partir desse ponto, verificar as questões do comércio
internacional. Utilizamos também entrevistas realizadas em duas visitas técnicas
ao Irã, onde discutimos as questões do comércio entre países islâmicos e
não-islâmicos, e a partir daí elaboramos um quadro do posicionamento da
economia islâmica.
Metodologia de pesquisa
Em nossa pesquisa, partimos da economia islâmica como um sistema
econômico amplo, no qual as finanças constituem um subsistema. Nosso objetivo
foi compreender e explicar como esse subsistema conseguiu interagir com o
sistema capitalista liberal. Optamos pelo método empírico, especificamente o
histórico-dedutivo, que nos permitiu observar a realidade empírica, identificar
padrões e generalizá-los. Com base nessas observações, desenvolvemos hipóteses
e formulamos uma série de deduções para aprofundar nossa análise.
3 TAVAKOLI, Muhammad Javad Tavakoli. Entrevista julho de 2014.
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A lei econômica e o comércio internacional
Como outras religiões monoteístas, o Islã desenvolveu uma ética para a
economia, sob a ideia de que o homem precisa mostrar sua fé em atos, assim
delimitando as regras de compra e venda que afetam o comércio. Essa ética se
apresenta sob uma legislação, estabelecendo diversos princípios utilizados na
criação dos contratos islâmicos. Alguns deles são citados a seguir: princípio
da intenção e do ato4, da dúvida e da certeza5, da eliminação do prejuízo ou
detrimento6, das regras de relaxamento7, normas sobre dar e tomar8 e sobre
benéficos e responsabilidade9. Todos estão baseados no Corão e nos costumes
do Profeta (Islamic Trade, Export-Import Laws and Regulations Handbook).
O debate sobre o comércio mundial ainda reflete, em parte, uma visão
idealista. A ideia seria organizar o mundo como se fosse um único Estado, ou
4 A relação entre intenção e ato pode ser mais explorada como por exemplo, quando um homem faz um ganho,
este pode ser para satisfação de impulsos egoístas, pode ser para consumo pessoal, para sua sobrevivência
e manutenção da família, bem como para gastos com causas nobres. Em todos os casos o ato é o mesmo,
porém a intenção/objeto é diferente. Citemos aqui também o exemplo da plantação de uva, que pode ser
para o consumo da fruta em si, ou para a produção de vinho. O que deve se considerar é a intenção, esta
determina a legalidade ou ilegalidade do ato de um indivíduo.
5 A regra básica que resolve a questão do conflito entre a dúvida e a certeza está contida no princípio: “Uma
crença no valor de condenação não pode desaparecer por uma dúvida”. Essa crença é baseada em versos
corânicos que descartam os efeitos da dúvida que desorientam uma posição original. A questão é providenciar
um guia no qual reserva, julgamento pessoal e evidência subjetiva são invocados. Essa regra tem grande
significância no evento de controvérsia a respeito de direitos e obrigações no contencioso entre partes na falta
de prova por cada lado da demanda.
6 A regra mais importante da lei islâmica que regula todo o sistema econômico e financeiro “proíbe a imposição
do dano e desencoraja a retaliação”. Esta regra básica é tratada como um pilar da lei islâmica e forma a
base das leis de opções, restrição, devolução de mercadorias com defeitos, preempção, retribuição, hudud,
compensação e indenização etc. Esta regra também permite a indivíduos agirem unilateralmente para protegerem
a si mesmos e outros do dano.
7 As restrições muitas vezes podem levar a pessoa a morrer de fome por conta de um ganho que é contra a
lei ou não está viável de forma permissível. Nessas circunstâncias, a lei islâmica permite o que é contra a
lei, pois a lei é para a própria proteção do muçulmano e pode ser aliviada e promover um relaxamento de si
mesma, com o intuito de proteger os fiéis
8 Da regra de dar e tomar no Islã, o princípio que a governa é: “O que é haram para tomar é haram para dar”,
ou “O que é haram fazer também é haram para demandar”. Essa regra é relevante não somente nas transações
financeiras, gratificações ilegais etc, mas também por gratificações não financeiras como adotar profissões
que são rejeitadas na lei islâmica. Essas regras de fato são claras para os indivíduos, porém requerem alguma
elaboração referente às ações e políticas para o governo. O Estado tem o papel de estabelecer instituições
para conduzir a vida dos muçulmanos, cumprir as normas religiosas e manter os valores islâmicos agindo na
vida do homem.
9 A relação entre o direito de aproveitar um benefício de uma propriedade e a responsabilidade de incorrer em
perda devido a posse ser ordenada por um número de regras que carregam grande significância em transações
de natureza comercial.
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seja, um sistema onde os arranjos sociais, econômicos e políticos que regem a
vida e o trabalho das pessoas estivessem sob uma única estrutura. Para isso,
seria necessário estabelecer diferentes níveis de organização e funções, sendo
a política o elemento mais crucial, pois desempenha um papel fundamental na
organização da vida humana (Hassan 2006).
A lei nunca desenvolveu em si uma teoria geral dos contratos, mas para
estes serem válidos precisam preencher certas condições10 da sharia, similares
aos contratos tradicionais. Esses princípios são resumidos da seguinte forma: o
comércio internacional deve estar envolvido somente com mercadorias permitidas
pelo Islã11; o comércio internacional não pode conter nenhum elemento de
incerteza (Gharar)12; as relações comerciais devem satisfazer todos os termos e
condições estabelecidas pela lei islâmica (Hassan 2006).
Uma das ramificações da lei islâmica é a Siyar, que regula as relações
internacionais da sociedade islâmica, sendo que, com a globalização, acabam
se desenvolvendo novos debates a respeito dos aspectos econômicos. É preciso
ressaltar que o Islã aceita as tradições do comércio, sabendo que o relacionamento
com não-muçulmanos é necessário e deve ser harmônico. Dessa forma, considera
as relações econômicas como parte importante das relações internacionais,
defendendo apenas uma ética diferente do livre mercado. Nesse sentido, tem
como um dos principais princípios a busca da justiça, confiança, irmandade e
benevolência no sistema internacional (Khadduri 1966).
Na visão islâmica coleta das entrevistas realizadas no Irã, os conceitos da
economia que são aplicados a questões domésticas, serão levados ao mercado
internacional. As qualidades intrínsecas desse sistema deverão ser implantadas
no sistema internacional. Um dos pontos mais debatidos na ética econômica
islâmica é a busca da justiça na sociedade. Tanto no âmbito doméstico quanto
no internacional o sistema deve ter como meta a justiça em seus procedimentos,
sendo que para o Islã cabe ao Estado promover a justiça social e a colaboração
entre as nações para proporcionar o desenvolvimento e a prosperidade do mundo,
buscando uma ordem econômica internacional igualitária.
10 Um contrato válido deve ser basear em seis elementos, o nome de quem oferece o produto e quem está
aceitando, o oferecimento e aceitação devem estar bem descritos, o assunto do contrato e a consideração
sobre ele. As partes do contrato devem ser legalmente competentes.
11 Negociar mercadorias não permitidas pelo Islã somente serão possíveis em períodos de necessidades.
12 A escola de jurisprudência Hanafi defende que somente os contratos de bens que realmente não são entregues
são inválidos, ou seja, é realizado o contrato, caso ocorra diversos problemas e não seja entregue este será
invalidado. De qualquer forma é realizado o contrato com data de entrega no futuro.
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O sistema econômico e social naquela realidade é, entretanto, muito complexo.
Mas do ponto de vista islâmico só haverá um sistema verdadeiramente islâmico
atuando com base em dois princípios básicos, igualdade e justiça. A ética islâmica
não está livre de manipulação e falsa aplicação nas mãos de alguns líderes.
Durante o Império Otomano, quando a administração islâmica da justiça foi
aplicada e as ideias foram colocadas em prática com êxito, ficou claro que não é
impossível que tais regras sejam implementadas no mundo atual (Kuran 1989).
A base para as transações na lei islâmica consiste na ideia de que “tudo é
permitido exceto aquilo estabelecido como haram no Corão
13
. Coisas como a riba
14
,
gharar15, o consumo de bebidas alcoólicas, carne suína, etc. Algumas transações,
mesmo que não tenham rejeição direta, carregam elementos abominados pela
lei islâmica e por meio do exercício da ijma16 e qiyas17 são tornadas proibidos.
No entanto, a lei islâmica está em conformidade com as regras do GATT/OMC,
sendo que apenas dois pontos devem ser ressaltados: a requisição da proteção
da moralidade pública e os arranjos para o mercado halal (Hayes 2023).
O sistema permite que os governos usem medidas restritivas de comércio
para proteger diversos aspectos considerados como “questões nacionais”
18
,
tais como a indústria doméstica, a segurança nacional e as exceções gerais
incluindo proteção de sua própria população, “moral pública”19, “tesouros
13 “E que vos impede de desfrutardes de tudo aquilo sobre o qual foi invocado o nome de Deus, uma vez que.
Ele já especificou tudo quanto proibiu para vós, salvo se vos fordes obrigados a tal? Muitos se desviam, devido
a luxúria, por ignorância; porém, teu Senhor conhece os transgressores.” (Corão 6:119)
14 “Riba é uma palavra árabe que significa “aumentar” ou “exceder” e é comumente usada em referência a
trocas desiguais ou encargos e taxas de empréstimos. Os juros são considerados riba, ou um ganho injusto e
explorador, e tal prática é proibida pela lei islâmica”.
15 Gharar tem um conceito amplo que carrega diferentes formas em diferentes tipos de relações. Em um contrato
de venda gharar sempre se refere a incerteza e ignorância de uma ou ambas as partes sobre as substâncias ou
atributos do objeto da venda, ou a dúvida sobre a existência no período de assinatura do contrato. Ou seja,
esse conceito é usado nas transações no sentido de risco, incerteza ou danos.
16 Ijmāʿ é o consenso na lei islâmica, o acordo universal e infalível da comunidade muçulmana como um todo
ou dos estudiosos muçulmanos em particular. O consenso – às vezes justificado por um ditado do Hadith.
17 Qiyas na lei islâmica significa raciocínio analógico aplicado à dedução de princípios jurídicos do Corão e da
Sunna (a prática normativa da comunidade). Com o Corão, a Sunna e ijmāʿ (consenso acadêmico), constitui
as quatro fontes da jurisprudência islâmica.
18 Artigo XIX (Medidas de Salvaguarda). Este artigo permite que um país tome medidas temporárias, como
restrições às importações, para proteger uma indústria doméstica contra prejuízos causados por um aumento
inesperado de importações. Essas medidas são chamadas de “medidas de salvaguarda” e devem ser aplicadas
de forma não discriminatória e apenas em situações de emergência.
19 Artigo XIV (Exceções Gerais para o Comércio de Serviços) no contexto do Acordo Geral sobre o Comércio de
Serviços (GATS), o artigo XIV é equivalente ao artigo XX do GATT. Ele permite exceções semelhantes às regras
do GATS, incluindo aquelas necessárias para proteger a moralidade pública ou manter a ordem pública.
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nacionais”, sendo que os Estados têm usado estas exceções por diferentes razões
20
(Hassanuz 1991).
Um membro da OMC pode restringir a importação de produtos com base
na política de proteção da moral pública, desde que não seja arbitrário ou haja
discriminação injustificada entre países, e desde que não importe produtos que
envolvam tratamentos menos favoráveis do que os domésticos. A moralidade,
de fato, desempenha um papel na regulação do comércio e influencia a
legislação doméstica e os tratados internacionais. Em uma entrevista, o Professor
Hadavinia (2014)21 menciona a questão dos produtos que são limitados pela
lei islâmica:
Sim, então nós estamos em apenas alguns pontos. Na economia islâmica
e no capitalismo, é possível que se confrontem, apenas o ponto de que
a sharia está dizendo:” isso é que você não pode usar “. todas estas
coisas. Então, nós somos livres para ter comércio. Nós não somos um
país protegido, podemos dizer. Mas, só temos alguns pontos que temos
de lidar. Mas talvez a porcentagem de noventa ou oitenta por cento desta
liberdade de interação, talvez para dois por cento, como eu lhe disse, um
dos produtos de barreiras que há no sistema capitalista.
A seção do artigo XX da OMC22 pode fornecer espaço para que os Estados
islâmicos imponham restrições ao comércio de mercadorias e serviços que violem
seus preceitos religiosos e morais. Esse artigo abrange atividades como a importação
de música, literatura ou cinema religiosamente ofensivos. Ele também abrange a
importação de drogas ilegais, que são substâncias cuja produção, comercialização
ou consumo são proibidos por legislações nacionais ou internacionais, devido
aos seus efeitos nocivos à saúde e à sociedade, como cocaína, heroína e outras
substâncias entorpecentes, bebidas alcoólicas, alimentos não halal, equipamentos
e serviços relacionados a jogos de azar e apostas. No entanto, os países de maioria
20 Artigo XIV (Exceções Gerais para o Comércio de Serviços). No contexto do Acordo Geral sobre o Comércio
de Serviços (GATS), o artigo XIV é equivalente ao artigo XX do GATT. Ele permite exceções semelhantes às
regras do GATS, incluindo aquelas necessárias para proteger a moralidade pública ou manter a ordem pública.
21 HADAVINIA, Dr. Ali Asghar. Entrevista de julho de 2014.
22 O Artigo XX da OMC faz parte do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) de 1947, que é um dos
principais acordos que formam a base da Organização Mundial do Comércio (OMC). O GATT foi incorporado
ao sistema da OMC quando esta foi criada em 1995. Podemos encontrar o texto completo do Artigo XX no
próprio Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT 1947), disponível em:<https://www.wto.org.> e no
documento consolidado do GATT 1994, que atualiza e incorpora os princípios do GATT 1947 no contexto
da OMC.
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muçulmana, com uma sociedade religiosamente diversa, devem considerar os
direitos dos cidadãos não-muçulmanos (Hassan 2006).
No Islã, o consumo de alimentos segue certos requisitos de limpeza conhecidos
como halal. Alimentos que não atendem a esses requisitos, como suínos, cães
ou animais não abatidos de acordo com os procedimentos corretos, ou alimentos
que contenham ingredientes proibidos, como bebidas alcoólicas, são considerados
haram (proibidos).
Com o rápido crescimento do comércio internacional, a Comissão Codex
23
,
uma organização internacional de padronização alimentar, aprovou uma série de
diretrizes para o uso do termo halal. Essas diretrizes gerais foram estabelecidas para
permitir pequenas diferenças de interpretação entre as diferentes escolas islâmicas
de pensamento. Reconhece-se que esses termos estão sujeitos à interpretação
das autoridades dos países importadores.
No entanto, em princípio, o certificado emitido pelas autoridades religiosas
do país exportador deve ser aceito pelo país importador, a menos que exista
uma justificativa específica para outra exigência. Isso significa que, geralmente,
os países de importação aceitam o certificado halal emitido pelas autoridades
religiosas do país exportador.
Para um produto ser considerado halal, é necessário que todos os materiais
brutos e ingredientes utilizados em sua fabricação sejam permitidos pela lei
islâmica. Além disso, os utensílios, equipamentos ou maquinários empregados
em sua produção devem estar devidamente limpos de acordo com os preceitos
islâmicos.
A lei islâmica estabelece que o alimento halal deve estar livre de qualquer
tipo de contaminação e não pode entrar em contato com substâncias haram
(proibidas) durante todo o processo de preparação, fabricação, processamento,
armazenamento e transporte.
No caso do abate de animais, para que seja considerado halal, é necessário
que um muçulmano qualificado realize o abate, invocando a frase “Bismillah” (em
nome de Deus) imediatamente antes de abater cada animal. Esse procedimento
é realizado com o objetivo de garantir que o animal seja abatido de forma
humanitária e de acordo com os princípios islâmicos.
É importante ressaltar que os critérios para a certificação halal podem variar
entre diferentes autoridades islâmicas e países, mas o objetivo geral é garantir que
23 Acordo aprovado em 1997. Codex Alimentarius Comission.
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os produtos alimentícios atendam aos requisitos estabelecidos pela lei islâmica
para serem considerados halal24.
No contexto dos alimentos geneticamente modificados (GM), a visão islâmica
é, geralmente, baseada na análise dos ingredientes específicos utilizados e se
eles estão relacionados a produtos proibidos pela lei islâmica. Se os ingredientes
modificados não estão ligados a substâncias proibidas, então, do ponto de vista
islâmico, não há necessidade de debate adicional (Ercanbrack 2015).
No entanto, é importante observar que a questão dos alimentos geneticamente
modificados ainda não foi completamente abordada e definida pela Academia
Islâmica da Fiqh25 (jurisprudência islâmica) e dentro do Islã shiita ainda não
foi emitida uma fatwa, que é um pronunciamento religioso emitido por uma
autoridade islâmica, não foi abordado esse assunto em particular.
Portanto, atualmente, a posição islâmica sobre alimentos geneticamente
modificados pode variar entre diferentes líderes religiosos e comunidades islâmicas,
e pode haver diferentes interpretações e opiniões sobre a permissibilidade desses
alimentos. É possível que, no futuro, a Academia Islâmica da Fiqh ou outras
instituições islâmicas emitam diretrizes ou fatwas específicas sobre alimentos
geneticamente modificados, fornecendo uma orientação mais clara para os
muçulmanos (Ercanbrack 2015).
É correto afirmar que a coordenação de esforços entre os países é importante
para estabelecer uma participação ativa na definição e regulamentação dos
produtos halal. Isso é fundamental para garantir a proteção dos direitos de
consumo dos muçulmanos em relação aos produtos halal (Ercanbrack 2015).
Nos últimos anos, tem havido um aumento na padronização das etiquetas
dos produtos de consumo, com o objetivo de fornecer informações claras sobre
se os ingredientes são halal ou não. Essa padronização facilita aos consumidores
muçulmanos identificarem quais produtos são adequados para o consumo de
acordo com suas crenças religiosas.
Além disso, os governos têm buscado utilizar todas as brechas legais
disponíveis para introduzir regulamentações técnicas e requisitos para garantir
que os produtos destinados ao público muçulmano atendam aos padrões de halal.
24 Aqui também há a questão do procedimento correto para a morte do animal, sendo que deve ser poupado
de sofrimento. O animal deve ser morto com uma faca afiada e o corte deverá fazê-lo perder o sangue
imediatamente, sendo que perderá a consciência e terá uma morte rápida.
25 The Islamic Fiqh Academy é um órgão subsidiário da Organization of the Islamic Conference, criado na terceira
conferência islâmica em Meca, em janeiro de 1981.Ali atuam especialistas que buscam repensar a situação
dos muçulmanos como uma minoria em países não muçulmanos, em cada campo do conhecimento.
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A participação ativa dos países, juntamente com a adoção de padrões
internacionais como os definidos pelo Codex Alimentarius, é fundamental para
promover a confiança e a transparência no mercado de produtos halal, fornecendo
aos consumidores muçulmanos uma variedade de opções confiáveis e de acordo
com suas necessidades religiosas.
Em entrevista, esta temática foi muito destacada pelos pesquisadores iranianos.
O Professor Tavakoli
26
mencionou a questão do relacionamento entre os países
capitalistas e o Irã:
Como eu mencionei em nosso último encontro, então o que são os problemas
de agora? Talvez existam alguns obstáculos; talvez existam alguns tipos
de problemas. Eu acabei de mencionar alguns problemas, por exemplo,
existem algumas cepas internacionais para exemplos, alguns países estão a
proteger os direitos dos animais, eu mencionei isso. Nós não gostamos do
jeito que você abate de ovinos, ok, de modo que deve haver algum tipo de
limitação para nos apoiar ou as ovelhas estão bem com o Irã, certo? Isso
significa que existem alguns mal-entendidos ou talvez alguma diferença
de valores, ou aqui estamos lendo algo mas são problemas como este.
É verdade que muitos países islâmicos, especialmente os menos desenvolvidos,
podem enfrentar desafios na implementação de mecanismos regulatórios eficazes
para proteger os consumidores de produtos considerados haram. Isso pode ser
atribuído a uma variedade de fatores, incluindo limitações econômicas, falta de
infraestrutura e capacidade regulatória.
Nesse contexto, países islâmicos mais desenvolvidos têm a responsabilidade
de liderar esforços para negociar estratégias e estabelecer mecanismos de proteção
do consumidor em conformidade com a lei islâmica. Essas estratégias podem
envolver a criação de agências reguladoras, adoção de padrões e certificações
halal, além do fortalecimento da cooperação entre os países islâmicos para
facilitar o comércio de produtos halal.
A intervenção governamental nesse contexto pode ser guiada pelo conceito
de maslahah, que busca aplicar a lei islâmica de maneira adaptada e relevante
às circunstâncias atuais. O maslahah permite que os governos islâmicos adotem
medidas que promovam o interesse público e protejam os consumidores contra
práticas proibidas pela lei islâmica.
26 TAVAKOLI, Muhammad Javad Tavakoli. Entrevista julho 2014.
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No entanto, é importante garantir que a intervenção governamental seja
equilibrada e leve em consideração os princípios de livre mercado, transparência
e responsabilidade. O estabelecimento de uma proteção especial dos produtos de
acordo com a lei islâmica deve ser feito de forma a incentivar o desenvolvimento
econômico, a inovação e a competitividade, ao mesmo tempo em que protege
os consumidores muçulmanos de produtos haram (Kuran 2011).
Dentre essas práticas, destaca-se o monopólio (ishtikar), que foi proibido pelo
Profeta. Na lei islâmica, ele é definido como a redução intencional da quantidade
de produtos oferecidos, visando aumentar os preços de forma injusta. Em geral,
qualquer forma de manipulação no mercado que busque artificialmente elevar o
preço de um produto específico em prejuízo do consumidor é proibida. Portanto,
os países teocráticos islâmicos buscam eliminar essa prática também no âmbito
internacional, promovendo um ambiente de comércio justo e equitativo.
Outra prática restringida pelo Islã, e que busca ser aplicada no cenário
internacional, é a fixação de preços (tas’eer) por parte das autoridades de mercado
ou por meio de cartéis. O Islã defende a livre interação entre as forças de oferta
e demanda, permitindo que os preços sejam determinados pelo mercado. No
entanto, no comércio internacional, observamos restrições religiosas que delimitam
certas práticas, muitas vezes por meio da intervenção estatal, como veremos a
seguir (Hassanuz 1991).
O papel do Estado na aplicação da lei islâmica
No Islã, o Estado exerce controle sobre o sistema de comércio por meio da
aplicação da lei. A legislação é considerada fundamental pelos órgãos reguladores,
pois garante a conformidade com os princípios islâmicos do sistema econômico.
O Estado pode intervir quando deseja promover um determinado nível de
desenvolvimento econômico e social, e também durante períodos de guerra. Essa
intervenção é realizada pelos órgãos estatais, que possuem funções regulatórias
e de supervisão.
A lei islâmica, por meio da instituição da hisbah
27
, estabelece certas diretrizes
divinas para as atividades de ganho, definindo os limites do halal (permitido) e do
27 Hisbah é uma doutrina islâmica que se refere à defesa da “moral da comunidade”, baseada na injunção do
Corão de “ordenar o bem e proibir o errado.”
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haram (proibido). Essas diretrizes têm o objetivo de prevenir a opressão, combater
a injustiça, evitar ganhos imorais e coibir atividades comerciais prejudiciais ao
interesse coletivo da sociedade (Hassanuz 1991).
Em outras palavras, o Islã considera que a conformidade das instituições
com suas regras é essencial para a salvação dos seres humanos. Nesse contexto,
o Estado desempenha um papel indispensável como instrumento doutrinário para
alcançar os objetivos religiosos. Portanto, as atitudes em relação a outros Estados
no Islã são baseadas nos exemplos e ensinamentos do Profeta. A filosofia e a
ética islâmicas promovem amizade e cooperação, mas também podem se opor
a posturas específicas adotadas por Estados líderes no sistema internacional.
O professor e pesquisador Hadawinia (2014)28, em entrevista, deu grande
ênfase ao papel do Estado para o equilíbrio econômico, citando exemplo do Irã:
Sistema islâmico e o sistema bancário islâmico no Irã. Há dois pontos
importantes. Uma delas é que no regulamento deste sistema, temos sido
bem-sucedidos em trinta anos. Combinamos a relação perfeita entre a
regulação do sistema bancário islâmico e os seres humanos. [...] porque
depois da revolução, o Estado no Islã apoia os mercados. [...].... mas
às vezes, você sabe, devido a guerra, e a tensão desde o início de uma
revolução, a situação econômica, por vezes, não era tão próspera. Esse
era o problema. Assim, o problema mais importante para os bancos era
a situação, como a guerra, a tensão, então foi o banco que deveria ter
tentado estar na posição vertical, para não ser dependente do orçamento
nacional.
O uso da doutrina da Hisbah na lei islâmica tem como objetivo regular e
supervisionar as atividades comerciais. Através de uma política fiscal rigorosa
e outras medidas, busca-se promover a justiça e a igualdade na sociedade. O
governo tem a responsabilidade de proteger os direitos econômicos e obrigações
dos indivíduos e da sociedade por meio da intervenção e supervisão. Isso inclui
a redução da manipulação do mercado por grandes empresas e a busca pela
distribuição equitativa da riqueza (Ercanbrack 2015)
O controle do comércio é exercido de forma contínua, visando proteger
os interesses do governo e da população. Nesse sentido, o Estado adota uma
postura protecionista no setor do comércio. No entanto, a globalização apresenta
desafios para o Islã em sua busca por um sistema econômico justo, uma vez
28 HADAVINIA, Dr. Ali Asghar. Entrevista fevereiro de 2016.
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que as forças do mercado global podem afetar as políticas e regulamentações
locais (Kuran 1989).
É importante destacar que a promoção da justiça e igualdade no sistema
econômico islâmico pode ser interpretada e implementada de diferentes maneiras,
dependendo do contexto e das interpretações da lei islâmica. Diversas abordagens
e visões podem existir entre os estudiosos e praticantes do Islã em relação à
implementação desses princípios em um mundo globalizado.
Em entrevistas realizadas no Irã, sobre as questões de um sistema justo
para o comércio internacional, o Professor Tavakoli (2024)
29
, procurou defender
a posição das finanças islâmicas e respondeu com certa indignação:
[..] os países que participaram nesta conferência e o ponto definido foi que
para preparar este novo projeto de lei do comércio internacional, não se
tem qualquer confronto entre os países em desenvolvimento e os países
islâmicos. A necessidade da presença dos países islâmicos para adaptar estes
regulamentos é de suma importância. O ponto é que embora estas regras
e regulamentos, por exemplo, no âmbito da OMC, falem sobre o apoio das
economias menores e os países em desenvolvimento praticamente o poder
está nas mãos das superpotências. Na prática, as pequenas economias e os
países em desenvolvimento não são protegidos. Esta é a realidade. Em recente
lei, eles dizem que devemos tentar apoiar os países e assim por diante...
Assim, devemos encontrar uma maneira e devemos estar presentes nestas
organizações e convenções para gradualmente para remover a injustiça.
Na visão dos pesquisadores entrevistados no Irã, um problema identificado
é a falta de princípios claros de justiça no atual sistema legal que rege as relações
internacionais. A questão da justiça é considerada um tanto evasiva. Embora a
igualdade seja teoricamente reconhecida, na prática ela não é alcançada, uma
vez que os Estados não têm a mesma capacidade de exercer direitos e assumir
obrigações.
Na lei islâmica, assim como na OMC, a prática do dumping é considerada
uma interferência no livre mercado, que, segundo os princípios muçulmanos,
deve ser determinado pela compra e venda de produtos. No entanto, é permitido
aos Estados islâmicos participar e recorrer a acordos antidumping para proteger
seus produtores domésticos e buscar reparações se seu mercado estiver sendo
prejudicado por práticas não éticas de exportadores estrangeiros. Muitos países
29 TAVAKOLI, Muhammad Javad Entrevista julho de 2014.
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islâmicos têm utilizado o mecanismo antidumping da OMC para penalizar
exportadores que tentam prejudicar seus mercados30.
Essa abordagem busca equilibrar a proteção dos interesses econômicos
domésticos com os princípios do livre comércio, permitindo que os Estados
islâmicos adotem medidas para proteger sua indústria local contra práticas
comerciais injustas. No entanto, é importante ressaltar que a interpretação e a
implementação dessas medidas podem variar entre os países islâmicos, assim
como ocorre em outros sistemas legais e comerciais internacionais. O Professor
Tavakoli(2014)31 trouxe uma descrição curiosa para expressar a visão islâmica
do sistema comercial internacional:
É uma espécie de torta, torta da economia, mas é uma espécie de bolo,
ok? É o que dizem, se a torta era pequena, por isso, as fatias eram muito
pequenas. Mas eles dizem que se deixar o bolo crescer, terão fatias maiores.
Como em uma torta, essa ideia do bolo estará disposta a deixar outras
pessoas terem acesso às fatias maiores? Isso é injusto. Eles dizem ok,
aceitamos que a distribuição seja mais justa, mas há alguns benefícios para
os pobres, para que eles tenham a sensação de ter mais. Mas na realidade
estão negligenciados a isso, a eficiência e a justiça não estão pautadas
nessa receita, e sim o quão grande as fatias de bolo podem ser, enquanto
as fatias de torta permanecem pequenas.
Para o Islã, é fundamental que o ambiente de mercado seja justo. Os subsídios
podem ser considerados em conformidade com os princípios islâmicos se forem
utilizados para equalizar os estados32. No entanto, devido ao colonialismo, os
princípios da lei islâmica foram negligenciados e novas leis foram introduzidas.
Houve a necessidade de adaptação ao mercado e preparação para enfrentar
essas mudanças.
Desde o século XIX, os governos têm desempenhado um papel significativo
na expansão da economia capitalista, introduzindo produtos industriais nos
mercados em desenvolvimento e influenciando a internacionalização das empresas.
Embora tenham proclamado o livre comércio em grande medida, muitas vezes
adotaram medidas protecionistas para manter essa expansão.
30 São apenas 4 estados islâmicos membros da OMC – Egito (38 casos), Indonésia (49 casos), Malásia (22 casos)
e Turquia (53 casos). Todos têm reportado suas buscas por ações anti-dumping.
31 TAVAKOLI, Muhammad Javad Entrevista junho de 2014.
32 Nas entrevistas, foram citadas formas de como o Profeta promovia a justiça no comércio, através de regras
para a limitação e justiça na negociação.
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O Islã promove e apoia a função do mercado, desde que os países participem
de negociações de maneira justa e equitativa, com mecanismos que mantenham
as forças naturais em operação. Essa abordagem é tratada pela lei islâmica por
meio da instituição da hisbah, que regula as atividades econômicas de acordo
com as prescrições divinas, definindo os limites entre o halal (permitido) e o
haram (proibido) (Ercanbrack 2015)
O Islã busca minimizar, de todas as maneiras possíveis, as tentações de
utilizar métodos ilegais para a aquisição de riqueza, como o comércio baseado
em riba (usura), especulação e outros comportamentos contrários ao mercado.
Nesse sentido, o Profeta não apenas desaprovou certas formas de negócios, mas
também descreveu elementos que devem ser observados em cada transação,
a fim de que estejam de acordo com a lei islâmica.
Relações econômicas internacionais: áreas de livre comércio
e cooperação internacional no Islã
A lei econômica islâmica passou por um processo de renovação,
rejuvenescimento e atualização para se adaptar à transnacionalização e às
necessidades da realidade contemporânea. A reinterpretação da lei tem sido
necessária para acompanhar sua própria evolução e se adequar ao cenário global.
Os desafios enfrentados no desenvolvimento e na manutenção das relações
econômicas levaram os atores islâmicos a se adaptarem como nunca antes,
flexibilizando e implementando a lei em nível internacional (Khadduri 1966).
O Islã busca influenciar o cenário internacional e as organizações
internacionais, colocando como temas centrais o desenvolvimento, a justiça
social, a eliminação da pobreza e a igualdade entre os Estados. Sua agenda se
concentra no debate sobre a pobreza e a miséria no mundo. Assim como foram
criadas instituições islâmicas para proteger os mais vulneráveis, os Estados
devem colaborar com as organizações internacionais para combater a pobreza
nessa perspectiva. Para o Islã, as leis contra a riba (usura), a obrigação do zakat
(contribuição caritativa obrigatória) e a prática da caridade têm sua origem no
princípio da justiça social, visando uma distribuição mais equitativa dos recursos
econômicos.
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Nesse contexto, os países-membros da Organização de Cooperação Islâmica33
possuem vastos recursos econômicos, como energia, capital, recursos humanos,
agricultura e terras aráveis, em uma área estratégica. Diante dessa realidade, os
países do grupo debatem a necessidade de impor determinadas condições para
buscar o equilíbrio em suas relações. Existe a ideia de apoio ao livre mercado34,
porém com a regulamentação não apenas pelos mecanismos tradicionais
35
, mas
também pelas instituições islâmicas, que têm a capacidade de reformar, aprimorar
e promover a eficiência desse sistema econômico36 (Ercanbrack 2015).
Essa perspectiva busca encontrar um equilíbrio entre a liberdade econômica
e a necessidade de regulamentação para garantir justiça, proteção dos interesses
dos países-membros e promoção do bem-estar social. As instituições islâmicas
desempenham um papel fundamental nesse processo, contribuindo para a
formulação de políticas econômicas que sejam consistentes com os princípios e
valores islâmicos, visando a eficiência, a equidade e a sustentabilidade.
O objetivo principal das leis voltadas ao mercado externo no Islã é servir ao
povo muçulmano e à sua causa. Existem cinco fatores que iluminam o sistema
islâmico: (1) os princípios básicos do Islã devem ser sempre considerados,
sendo que o Corão e a história do Islã fornecem a base e os princípios para as
ações; (2) as ameaças e oportunidades devem ser consideradas para alcançar
os objetivos do Islã; (3) existem limitações e forças na sociedade islâmica que
devem ser analisadas, levando em conta a posição dos países islâmicos em
relação ao sistema internacional; (4) os recursos aliados e adversários devem ser
avaliados para que também possam servir aos objetivos do Islã; (5) as limitações
33 República do Azerbaidjão, Reino Hashemita da Jordânia, República Islâmica do Afeganistão, República da
Albânia, Estados Unidos dos Emirados dos Árabes, República da Indonésia, República do Uzbequistão, República
da Uganda, República Islâmica do Irã, República Islâmica do Paquistão, Reino do Barein, Brunei-Darussalam,
República de Bangladesh, República do Benin, Burquina Faso, República do Tadjiquistão, República da Turquia,
Turcomenistão, República do Chade, República do Togo, República da Tunísia, República Democrática da
Argélia, República do Djibuti, Reino da Arábia Saudita, República do Senegal, República do Sudão, República
Árabe da Síria, República do Suriname, República da Serra Leoa, República da Somália, República do Iraque,
Sultanato de Omã, República do Gabão, República da Gâmbia, República da Guiana, República do Guiné,
República da Guiné-Bissau, Estado a Palestina, União do Comoros, República do Quirguistão, Estado do
Catar, República do Cazaquistão, República dos Camarões, República da Costa do Marfim, Estado do Kuwait,
República do Líbano, Líbia, República das Maldivas, República do Mali, Malásia, República Árabe do Egito,
Reino do Marrocos, República Islâmica da Mauritânia, República do Moçambique, República do Niger, República
Federal da Nigéria, República do Iêmen.
34 Através da instituição da hisbah.
35 Vide as questões abordadas por Assadr na distribuição antes da produção e depois da produção.
36 Como os bancos e as instituições legais regulatórias governamentais.
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do ambiente devem ser levadas em consideração, pois restringem a atuação de
um país (AbuSulayman 1993).
Esses fatores são fundamentais para orientar as políticas econômicas e
comerciais dos países islâmicos, garantindo que estejam alinhadas com os
princípios e objetivos do Islã. Ao considerar esses aspectos, é possível buscar
uma abordagem estratégica que leve em conta a realidade social, política e
econômica, bem como os desafios e oportunidades enfrentados pelos países
islâmicos no contexto internacional.
Os países islâmicos são orientados a buscar a diplomacia, reciprocidade e
alianças em vez de entrar em conflito com países não muçulmanos. O princípio
de neutralidade é valorizado, considerando que os países islâmicos não estão
em uma posição confortável no sistema internacional. Um exemplo histórico
disso é o Império Otomano, que enviava missões diplomáticas à Europa com o
objetivo de estabelecer alianças que facilitassem a troca de tecnologia, trazendo
benefícios e poder para ambas as partes (AbuSulayman 1993).
É importante destacar que o Islã não aceita a dualidade entre um sistema
secular e um sistema religioso. As diferenças de opinião entre a autoridade
política e jurídica não significam necessariamente que apenas os juristas agem
de acordo com o Islã. As autoridades políticas precisam considerar diversos
fatores e elementos dentro do sistema em que atuam.
Quando não há uma lei específica na religião islâmica que proíba uma
determinada ação, essa ação é permitida pela lei islâmica. Por exemplo, países
como o Irã e outros que desenvolveram uma economia de mercado com restrições
religiosas podem utilizar zonas de livre comércio, permitidas pelo Islã, para
impulsionar sua economia de mercado. Essas abordagens refletem a busca
por equilíbrio entre os princípios e ensinamentos do Islã e a promoção do
desenvolvimento econômico, tendo em consideração as restrições religiosas e
as oportunidades oferecidas pelo mercado global (Ercanbrack 2015).
A lei comercial islâmica permite a formação de agrupamentos e zonas de
livre comércio, nos quais os países podem estabelecer acordos que levam em
consideração suas condições locais e respeitam as particularidades da lei islâmica.
Essas zonas podem ter impostos diferenciados com base no maslahah, que é o
princípio de promover o bem-estar e o interesse público.
Durante o século XX, esses agrupamentos foram desenvolvidos em regiões
de subdesenvolvimento, como na América Latina. No entanto, foi somente em
janeiro de 2005 que a “Grande Área de Livre Comércio Árabe” foi estabelecida.
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Nessa área, a Liga Árabe37 forma um bloco que pode competir internacionalmente
e promover o desenvolvimento econômico da região. Nesse bloco, foram reduzidos
os custos alfandegários, as tarifas para produtos manufaturados na região foram
desenvolvidas e o Pacto para Agricultura nos Países Árabes foi estabelecido,
eliminando restrições comerciais.
Essas iniciativas visam fortalecer a cooperação econômica entre os países
islâmicos, estimular o comércio regional e impulsionar o desenvolvimento das
economias dessas regiões. Tanto o Irã, quanto outros países da região buscaram
a parceria asiática como forma de expandir o comércio. De fato, as empresas
chinesas têm desempenhado um papel significativo na expansão do comércio e
cooperação econômica com os países da região árabe, especialmente por meio
de programas de logística e infraestrutura. A China tem buscado fortalecer as
relações comerciais bilaterais e apoiar as estratégias de diversificação econômica
de países como a Arábia Saudita, como parte de sua iniciativa “Saudi Vision 2030”.
Embora o envolvimento da China inicialmente esteja focado em questões
econômicas e comerciais, é natural que essa expansão de influência também
tenha implicações políticas e diplomáticas. Através do fortalecimento dos laços
econômicos e comerciais, a China pode ampliar sua presença e influência na
região, o que pode levar a uma maior participação nas questões de política externa.
É importante ressaltar que as relações sino-árabes têm se desenvolvido de
maneira bilateral, com benefícios mútuos para ambas as partes. O comércio e a
cooperação econômica são ferramentas que ajudam a fortalecer os laços entre
a China e os países árabes, permitindo uma maior interação e colaboração em
várias áreas. No entanto, é fundamental que essas relações sejam baseadas
em princípios de benefício mútuo, respeito mútuo e cooperação justa, a fim de
garantir uma parceria equilibrada e sustentável.
É correto afirmar que a presença e o interesse dos investidores chineses
na região do Oriente Médio têm crescido significativamente nos últimos anos.
O relatório do Instituto de Xangai, destaca que mais da metade dos investidores
chineses planeja expandir seus empreendimentos na região. Isso indica que a
presença chinesa é vista como uma oportunidade de negócios e investimentos,
mesmo considerando os desafios e questões específicas da região (PCW 2022).
37 A Liga Árabe, nome corrente para a Liga de Estados Árabes é uma organização de estados árabes fundada em
1945 no Cairo, capital do Egito, por sete países, com o objetivo de reforçar e coordenar os laços econômicos,
sociais, políticos e culturais entre os seus membros, assim como mediar disputas entre estes.
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A infraestrutura existente e as questões fronteiriças desempenham um papel
importante na facilitação do comércio e nos investimentos chineses. A China tem
investido em projetos de infraestrutura na região, como parte de sua iniciativa
One Belt, One Road” (também conhecida como Iniciativa do Cinturão e Rota),
que visa fortalecer as conexões comerciais e de transporte entre a China e outras
regiões do mundo, incluindo o Oriente Médio.
Além disso, o Oriente Médio tem se tornado cada vez mais importante
no plano de investimento chinês devido às oportunidades de negócios e aos
recursos naturais da região. O fornecimento de energia, em particular, é uma área
de interesse estratégico para a China, uma vez que o Oriente Médio é rico em
recursos energéticos, como petróleo e gás. É importante destacar que, apesar das
diferenças culturais e religiosas, a religião não é vista como um impedimento pelos
investidores chineses na região. O foco principal está nos aspectos comerciais,
econômicos e estratégicos das relações sino-árabes.
De fato, a abordagem da China em relação ao Oriente Médio difere daquela
adotada por muitos países ocidentais. Enquanto alguns países ocidentais buscaram
promover mudanças políticas e impor sua visão de democracia e governança
na região, a China tem se concentrado principalmente em desenvolver relações
comerciais e econômicas com os países do Oriente Médio.
Essa abordagem baseada no comércio e na cooperação econômica tem sido
vista como uma alternativa aos métodos ocidentais de intervenção política. Além
disso, a China tem buscado desenvolver relações bilaterais com os países do
Oriente Médio, oferecendo assistência econômica e investimentos. Um exemplo
mencionado é o auxílio oferecido ao Irã, que enfrenta sanções econômicas impostas
por outros países. A China tem sido um parceiro comercial importante para o
Irã, realizando trocas comerciais que incluem a compra de petróleo iraniano em
troca de produtos manufaturados chineses.
Essa abordagem da China tem sido vista como vantajosa para os países do
Oriente Médio, pois oferece oportunidades econômicas e comerciais, sem impor
condições políticas ou interferir em questões internas. Isso cria um ambiente de
cooperação e vantagem mútua para ambas as partes.
No entanto, é importante destacar que essa abordagem também enfrenta
desafios e críticas. Alguns argumentam que a China pode estar buscando exercer
influência política por meio de suas relações econômicas, usando sua influência
econômica para obter concessões políticas.
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Em resumo, a China adotou uma abordagem baseada no comércio e na
cooperação econômica em relação ao Oriente Médio, buscando desenvolver
relações comerciais e oferecer assistência econômica aos países da região.
Essa abordagem difere das intervenções políticas ocidentais e tem sido vista
como uma alternativa vantajosa para os países do Oriente Médio em termos de
desenvolvimento econômico e comércio.
Considerações finais
O Islã realiza um tipo de “protecionismo religioso na economia”, busca
equilibrar a abertura ao comércio internacional com a preservação de sua
identidade e valores morais. Embora haja críticas à intervenção do governo
islâmico na economia, a religião islâmica não tem sido um grande obstáculo para
o comércio internacional. A abertura de mercado é seletiva e os países islâmicos
têm utilizado as Zonas de Livre Comércio e o regionalismo como alternativas
ao sistema multilateral, considerado por eles como injusto.
A formação de blocos e zonas de livre comércio não é vista como contrária
à lei islâmica, e os países islâmicos podem utilizar essas ferramentas para
impulsionar seu desenvolvimento econômico. A visão de um sistema desigual,
em que os Estados têm assimetria de informações e capacidade de negociação,
valida o discurso interno dos países islâmicos em relação às restrições impostas
em alguns setores, como consumo, regulações ambientais e controle das grandes
corporações.
A lei islâmica encoraja a cooperação e a celebração de acordos comerciais
com o objetivo de alcançar um comércio justo e promover o desenvolvimento. Em
contraste com a atual dinâmica da OMC, na qual os países em desenvolvimento
muitas vezes se encontram em posição defensiva e têm poucas oportunidades de
defender seus interesses, a lei islâmica oferece uma abordagem mais favorável
aos países islâmicos. Assim, esses países têm buscado o regionalismo e acordos
bilaterais que sejam mais benéficos para eles.
Em resumo, a lei islâmica não impede o comércio internacional, mas sim busca
assegurar um comércio justo e desenvolvimento equitativo. Os países islâmicos
têm utilizado estratégias como as Zonas de Livre Comércio e o regionalismo
para promover seu crescimento econômico, buscando alternativas ao sistema
multilateral que consideram desfavorável. A lei islâmica não é vista como restritiva
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ao comércio e ao crescimento, e os países islâmicos têm buscado moldar suas
relações comerciais de acordo com seus interesses e valores.
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