Pedro Henrique Pedreira Campos; Nathan Morais Pinto da Silva
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 1, e1417, 2024
1-21
A internacionalização das
empreiteiras e a política externa
brasileira durante a ditadura: o caso
da Mendes Junior na Mauritânia
The internationalization of
construction companies and Brazilian
foreign policy during the dictatorship:
the case of Mendes Junior in Mauritania
La internacionalización de las
empresas constructoras y la política
exterior brasileña durante la dictadura:
el caso de Mendes Junior en Mauritania
DOI: 10.21530/ci.v19n1.2024.1417
Pedro Henrique Pedreira Campos
1
Nathan Morais Pinto da Silva
2
Resumo
O artigo busca analisar a internacionalização das construtoras
brasileiras durante a ditadura empresarial-militar e a sua relação
com a política externa brasileira e com os interesses empresariais
durante a ditadura. Utilizando fontes primárias empresariais e
estatais, nos baseamos em marcos teóricos e metodológicos da
concepção ampliada de Estado, oriundo das reflexões de Gramsci.
No trabalho fazemos um estudo sobre o caso da Mendes Junior
1 Pós-doutor em História pela PUC-SP. Professor e chefe do Departamento de
História (DHist) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
(phpcampos@yahoo.com.br). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9280-3649.
2 Doutorando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGRI/UERJ).
(nathan.morais@hotmail.com). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6192-8158.
Artigo submetido em 01/03/2024 e aprovado em 22/08/2024.
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ISSN 2526-9038
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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 1, e1417, 2024
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na Mauritânia. Concluímos notando o intenso imbricamento entre Estado e empresas
privadas no período e o forte favorecimento proporcionado pelas políticas estatais e pela
diplomacia em relação à atuação das companhias brasileiras no exterior.
Palavras-chave: história da política externa brasileira; ditadura empresarial-militar brasileira;
internacionalização de empresas; empreiteiras; Mendes Junior.
Abstract
The article seeks to analyze the internationalization of Brazilian construction companies
during the business-military dictatorship and its relationship with the country’s foreign
policy and business interests during the dictatorship. Employing business and state-derived
primary sources, we draw on theoretical and methodological frameworks of expanded
conception of the State, arising from the reflections of Gramsci. We study the case of
Mendes Junior in Mauritania. We conclude by noting the intense overlap between the
State and private companies in the period and the strong favor provided by state policies
and diplomacy in relation to the activities of Brazilian companies abroad.
Keywords: history of Brazilian foreign policy; Brazilian business-military dictatorship;
internationalization of companies; contractors; Mendes Junior.
Resumen
El artículo busca analizar la internacionalización de las constructoras brasileñas durante la
dictadura empresarial-militar y su relación con la política exterior del país y los intereses
empresariales durante la dictadura. Empleando fuentes primarias comerciales y estatales,
nos basamos en marcos teóricos y metodológicos de concepción ampliada del Estado,
surgida de las reflexiones de Gramsci. Estudiamos el caso de Mendes Junior en Mauritania.
Concluimos observando la intensa superposición entre el Estado y empresas privadas en
el período y el fuerte favor brindado por las políticas estatales y la diplomacia en relación
con las actividades de las empresas brasileñas en el exterior.
Palabras-clave: historia de la política exterior brasileña; dictadura empresarial-militar
brasileña; internacionalización de empresas; contratistas; Mendes Junior.
Pedro Henrique Pedreira Campos; Nathan Morais Pinto da Silva
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Introdução
A prática de proteção e projeção das empresas domésticas pelos Estados
nacionais e por lideranças políticas é uma ação corrente e deliberada no sistema
internacional capitalista no qual o Brasil está inserido. O favorecimento, defesa e
suporte às atividades das companhias públicas e privadas no exterior por parte
de agentes políticos e diplomáticos e organismos estatais é recorrente na história
brasileira, seja durante governos progressistas ou conservadores, seja em tempos
democráticos ou autoritários. Esse fenômeno ocorre desde que o processo de
internacionalização das empresas — em particular as empreiteiras, pioneiras
nesse processo — brasileiras teve início, no período da ditadura empresarial-
militar que governou o país, quando um conjunto de medidas e políticas foi
desenvolvida para potencializar a ação desses grupos econômicos no exterior.
O presente artigo versa sobre a relação entre a internacionalização das
empresas brasileiras de construção e a política externa do país durante o período
da ditadura. Para problematizar o imbricamento desta relação, analisamos
detidamente o caso da atuação da Mendes Junior, a maior multinacional brasileira
da engenharia daquele período, na Mauritânia, país africano detentor de reservas
de petróleo que teve uma série de intervenções de infraestrutura realizadas pela
empreiteira mineira no período. Nossa intenção é justamente discutir e tentar
avançar na compreensão da complexa relação entre os interesses privados e
a política externa brasileira durante a década de 1970. Para tal, utilizamos
fontes empresariais e estatais, sobretudo do campo diplomático. Para proceder
a abordagem do caso, utilizamos as reflexões e o conhecimento acumulado pela
área da Análise da Política Externa (APE), partindo de uma concepção ampliada
de Estado inspirada por Antonio Gramsci, compreendendo o mesmo em sua
totalidade, ou seja, através da associação entre sociedade política — o Estado
em sentido estrito — e sociedade civil.
Este artigo está dividido em três seções. Na primeira delas, procedemos uma
breve reflexão teórica e metodológica, realizando um balanço e indicando a linha
que adotaremos no artigo no que diz respeito à Análise da Política Externa (APE).
Em seguida, realizamos uma contextualização histórica, abordando as linhas gerais
e algumas interpretações sobre a política externa brasileira durante a ditadura, em
particular com os países periféricos e produtores de petróleo. Abordamos nessa
parte também o processo de transnacionalização das construtoras brasileiras
naquele período. Por fim, tratamos do caso específico da atuação da empreiteira
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Mendes Junior na Mauritânia, acessando documentos e informações acerca do
processo que evidenciam uma relação complexa entre política externa e interesses
da empresa. Percebemos ao final do processo uma política de intenso caráter
pró-empresarial, com favorecimento e promoção da firma em suas atividades
no país africano, respaldada na justificativa de defesa dos interesses nacionais
e nas diretrizes de política econômica empregadas então.
Interesses econômicos e análise de política externa
Entendemos como Análise de Política Externa (APE) a sub-área das Relações
Internacionais definida como “o estudo da conduta e da prática das relações
entre atores distintos — principalmente Estados — no sistema internacional”
(Alden e Aran 2017, 3, tradução nossa3). Os estudos identificados com a APE
focam na investigação sobre os processos de tomada de decisão em política
externa e as condições que os afetam, bem como os atores neles envolvidos e
as fontes que os influenciam.
Uma grande parte dos trabalhos inseridos nesta sub-área, dentro e fora do
Brasil, foca exclusivamente na análise das ações de atores estatais, como os chefes
de Estado e suas características e motivações pessoais, além das interações destes
com a burocracia estatal e outras instâncias governamentais. Principalmente no
contexto brasileiro é recente o interesse e incorporação de atores não-estatais
como organizações internacionais, movimentos sociais, grupos de interesse e
empresas multinacionais nas análises, principalmente a partir da popularização
da noção de que a política externa é uma política pública (Milani e Pinheiro
2013 ), sujeita à interferência e participação de atores distintos.
Neste sentido, é comum dentro do campo a concepção da política externa
como pura expressão de um “interesse nacional” formulado e implementado
apenas por atores inseridos na burocracia estatal, sem interferência externa.
Isto se dá, principalmente, porque grande parte da literatura tradicional da sub-
área parte da concepção de Estado observada nas ditas “teorias de solução de
problemas”4 das Relações Internacionais (Cox 1981), como aquelas identificadas
3 “The study of the conduct and practice of relations between different actors, primarily states, in the international
system”, no original em inglês.
4 Partimos aqui da distinção entre “teorias de solução de problemas” e “teorias críticas” proposta por Cox (1981).
Para o autor, teorias críticas são todas aquelas que se pretendem a questionar e transformar um determinado
status quo e como ele foi estabelecido, em contraponto às teorias de solução de problemas.
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com os programas de pesquisa realista e do liberalismo institucional, que tendem
na maioria dos casos a tratar o Estado e a sociedade como estruturas separadas
e não levar em conta a existência de classes sociais e suas frações, bem como a
natureza de classe do Estado.
As exceções são os trabalhos que analisam a política externa a partir de uma
perspectiva crítica, voltando suas atenções para além dos atores inseridos na
burocracia estatal em sentido estrito. Enquanto que cada vez mais recorrentes,
ainda se constituem como minoria os estudos que analisam a incidência da ação
política de grupos econômicos e frações de classe que interagem com o Estado
propriamente dito e de seus respectivos interesses na política externa dos países
(Van Apeldoorn 2014; Van Apeldoorn e De Graaff, 2016), e especialmente no
caso brasileiro (Berringer 2015; Berringer e Ferreira, 2022; Carvalho 2020; Garcia
2012), seja tanto na análise do tempo presente quanto em perspectiva histórica.
Um exemplo emblemático de trabalho que analisa a política externa brasileira
considerando estes atores é a tese de doutorado de Tatiana Berringer (2015).
A autora emprega conceitos inspirados por Nicos Poulantzas, como o bloco no
poder e as noções de burguesia nacional, interna e compradora, para analisar
a política externa brasileira nos governos de Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002) e Lula da Silva (2003-2010), apontando as alterações na correlação
de forças dentro do Estado brasileiro como elementos catalisadores das mudanças
na atuação internacional do país entre estes dois contextos.
Propomos aqui a utilização de uma concepção alternativa sobre o Estado,
de modo a permitir uma análise mais robusta, aprofundada e crítica da incidência
de forças e atores econômicos e sociais, como o empresariado industrial do setor
da construção pesada — objeto deste artigo —, nos processos de formulação e
implementação da política externa. Para tal, fazemos uso da concepção do Estado
ampliado (ou Estado integral) presente nas obras do teórico político italiano Antonio
Gramsci e de autores por ele inspirados. Esta concepção trata o Estado não como
um sujeito separado da sociedade, reduzido à burocracia estatal e/ou às suas
capacidades militares, como na maioria das teorias de solução de problemas, e
muito menos enquanto um ator unitário e monolítico, sem contradições internas.
Por outro lado, o Estado aqui também não é percebido como um mero objeto
das classes dominantes, como no marxismo tradicional — “tão somente um
comitê que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa” (Marx e
Engels 2012 [1848], 27). Aqui, o Estado é concebido como uma relação social,
definição presente em Gramsci e em outros autores associados ao materialismo
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histórico, como Nicos Poulantzas. Este, ao caracterizar o Estado, afirma que este
constitui uma “condensação material e específica de uma relação de força, que
é uma relação de classe” (Poulantzas 1980, 82). Assim, a definição de políticas
estatais — como a política externa — é resultado das dinâmicas sociais que
ocorrem entre os grupos que compõem o Estado em seu sentido ampliado, como
proposto por Gramsci.
Em seus Cadernos do Cárcere, Gramsci afirma que a separação entre Estado
e sociedade é um “erro teórico”, e que sociedade civil e Estado “se identificam
na realidade dos fatos” (Gramsci 2022 [1936], 47), e por isso, o Estado deve ser
compreendido em sua totalidade, a partir da associação entre sociedade política
(composta pelas instituições que regulamentam as relações entre atores sociais,
ou seja, a administração pública e a burocracia estatal, incluindo a burocracia
diplomática) com a sociedade civil (caracterizada pelo conjunto de organismos
privados que participam da vida pública como associações privadas, partidos,
imprensa, sindicatos, o sistema educacional, entre outros). Propõe-se aqui
uma utilização não apenas teórica do conceito, mas também como ferramenta
metodológica (Mendonça 2014), pelo seu potencial de fomentar a investigação
do processo de formulação de políticas estatais — como a política externa —
para além das instâncias burocráticas, além da sua utilidade na análise da
representação de interesses privados.
Ainda que em seus escritos originais Gramsci não tenha sistematizado uma
teoria das relações internacionais, o autor se debruça sobre a política internacional
e a sua relação com o contexto político no âmbito doméstico. O autor afirma que
as relações internacionais seguem logicamente as relações sociais, e “reagem
passiva e ativamente sobre as relações políticas” (Gramsci 2022 [1836], 20) dentro
dos Estados. Concordamos com Cox (1981) quando este, partindo do conceito
gramsciano de Estado, argumenta que a unidade básica de análise do sistema
internacional é o “complexo Estado-sociedade”, em contraste com as teorias
de solução de problemas que partem do Estado em sentido estrito. Assim, este
é considerado o elemento de análise central das relações internacionais, sem
diminuição da sua importância. O que muda é o próprio conceito de Estado, que
passa a incluir a sua base social, levando em conta as suas diversas dinâmicas
internas, como as disputas de poder domésticas entre classes sociais e atores
políticos distintos (Cox 1983).
Aqui é útil recuperar o conceito de autonomia relativa do Estado presente
em Poulantzas (1980; 2019 [1968]). Para este autor, o Estado em sentido estrito
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— que ainda é a última instância de decisão no processo de formulação das
políticas estatais — tem a função de organizar os interesses das frações da classe
dominante e, por isso, dispõe de um grau de autonomia relativo à sociedade,
derivado da sua natureza de classe. Assim, ele se encontra em constante estado
de transformação, de acordo com as relações entre as diferentes forças sociais nele
inseridas. Desta forma, o Estado funciona como uma “arena” de disputas entre
distintos atores interessados em direcionar as políticas dentro dele formuladas.
Ao adotarmos a concepção ampliada de Estado e considerando que grupos
econômicos, como o empresariado e suas frações, são atores interessados
na formulação da política externa e, principalmente, nas políticas de âmbito
comercial, como de exportação e importação, promoção comercial, financiamentos,
empréstimos, investimentos diretos, entre outras, concluímos que suas motivações,
posições e preferências devem ser levadas em conta na análise do processo
decisório. Ainda que estes grupos não participem diretamente do processo de
tomada de decisão final (e muito menos exercem influência direta sobre os
resultados deste processo, graças à autonomia relativa do Estado), eles possuem
canais de transmissão de informações estabelecidos com os atores que dele
participam e, assim, seus interesses e demandas podem ser considerados no
processo de formulação.
Consideramos o período da ditadura empresarial-militar brasileira (1964-
1985), recorte temporal do presente artigo, um caso emblemático de uma dinâmica
de Estado ampliado no sentido aqui exposto. Ao longo das duas próximas
seções, observaremos como a sociedade política (representada pela burocracia
diplomática estatal) e a sociedade civil (representada pelos empresários do
setor da construção pesada) estabeleciam conexões, principalmente através da
penetração de empresários e indivíduos a eles ligados em instâncias estatais
responsáveis pela formulação da política externa durante o período.
Contexto histórico — ditadura, política externa, aproximação
com países produtores de petróleo e internacionalização das
empreiteiras brasileiras
O golpe de 1964 pôs termo a um breve e instável período democrático da
história brasileira, dando início a um novo regime político instituído no país,
de viés autocrático e feição militarizada. A derrubada do governo foi desferida
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por um conjunto de forças sociais que incluiu oficiais conservadores das forças
armadas e favoráveis a um estreito alinhamento do país aos Estados Unidos.
Esses militares estavam associados a empresários, em particular os de grande
escala, em sua maioria ligados ao capital estrangeiro e defensores da abertura
da economia brasileira para a presença de empresas transnacionais e grupos
econômicos internacionais. O trabalho de René Armand Dreifuss (1981) revela como
essa frente empresarial-militar não agiu somente no sentido de desestabilizar o
governo Jango e preparar o golpe de Estado, mas também atuou para confeccionar
um projeto de redefinição do Estado capitalista e das políticas públicas visando
promover um processo de modernização autoritária e excludente no capitalismo
brasileiro, o que acabou sendo implementado — com certas adaptações e filtros
específicos — pelos governos posteriores à derrubada do regime democrático.
Dessa forma, consoante a análise de Dreifuss, a chegada ao poder pelas forças
golpistas em abril de 1964 visava impor uma ordem empresarial no Brasil,
forjando um ambiente propício para um processo de aceleração da acumulação de
capital, com a redução dos custos com a força de trabalho e um reforço de uma
inserção subalterna do Brasil nos marcos da divisão internacional do trabalho.
A inauguração do novo regime político em 1964 teve incidência sobre o
Itamaraty e a política externa brasileira. O Ministério de Relações Exteriores
sofreu ações repressivas com o golpe, havendo afastamento de funcionários e
diplomatas, além de exoneração de agentes que cumpriam determinadas funções,
apesar de não ter havido uma intervenção tão violenta como outros órgãos
estatais no mesmo período (Cheibub 1985).
Não faremos uma longa digressão sobre a política externa brasileira durante
a ditadura. A respeito disso, há extensa bibliografia5. De qualquer forma, no que
diz respeito ao presente artigo, cabe destacar que após um realinhamento para
um viés mais afinado com os Estados Unidos na Guerra Fria durante o governo
Castello — chamado de “passo fora da cadência” por Amado Cervo e Clodoaldo
Bueno (2014 ) —, a política externa brasileira retomou certos aspectos da Política
Externa Independente (PEI) e passou a adotar um viés mais pragmático e menos
ideológico, aproximando-se dos países periféricos, que representavam um bom
mercado para as exportações industriais brasileiras e para a atuação das empresas
nacionais — e as empreiteiras em particular —, dado que nesses mercados não
5 Ver, dentre outros, Vizentini 1998; Martins 1972; Martins 1975; Pereira 2010; Gonçalves e Miyamoto 1991;
Gonçalves e Miyamoto 1993; Lafer 1979; Fico 2008; Fragoso 1984; Fragoso 1981; Camargo e Ocampo 1988; Cruz
2009; Silva e Svartman 2014; Saraiva 1998; Pinheiro 2000; Pinheiro 2013; Lima e Moura 1982; Hurrell 2013.
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havia construtoras com alta capacidade técnica e experiência de trabalho com
projetos de infraestrutura e os mercados dos países centrais estavam fechados à
atuação das construtoras brasileiras. Assim, a política externa brasileira no período
ao mesmo tempo foi resultado desse movimento das construtoras brasileiras
junto aos países do chamado Terceiro Mundo, como, principalmente, ajudou a
viabilizar a presença das empresas brasileiras de engenharia nesses mercados,
sobretudo na América do Sul, África e Oriente Médio (Fragoso 1981). Dentro
dessa guinada da política exterior do país, cabe ressaltar o avanço diplomático
e econômico sobre os países africanos, em meio aos processos de libertação
nacional ocorridos no continente. Diversas representações diplomáticas foram
abertas nos países recém-libertos, bem como a chegada de empresas brasileiras
e abertura de canais comerciais, muitas vezes em uma lógica Norte-Sul, ou
melhor, o Brasil exportando produtos manufaturados e chegando com projetos
de infraestrutura e propostas de exploração de riquezas locais (Dávila 2011).
Dentre as forças empresariais que cresceram durante a ditadura podemos
destacar a posição das construtoras que atuavam no setor de infraestrutura.
Alguns dirigentes dessas empresas participavam do Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (Ipes), que, de acordo com o trabalho de Dreifuss (1981), teve
uma posição decisiva no golpe de Estado e na elaboração de projetos de políticas
estatais que em boa medida ganharam forma após a tomada do poder. Esses
empresários estavam associados em organizações patronais desde os anos 50 e
tinham emergido em sua força econômica e política com os investimentos aplicados
na área de infraestrutura durante o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961).
O ramo econômico era tinha uma preeminência de companhias baseadas no São
Paulo, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. O setor era composto por empresas
de controle nacional, conduzidas por engenheiros e empresários brasileiros. O
principal demandante dos serviços desses grupos empresariais era próprio aparelho
de Estado, que contratava essas construtoras por meio de autarquias e companhias
estatais. Desde a construção da nova capital federal e de todas as rodovias e
usinas hidrelétricas implementadas em meio à execução do Plano de Metas,
as grandes empreiteiras brasileiras ganharam um patamar nacional, possuindo
obras em diversas regiões do país. Dessa forma, essas companhias passaram a
se associar, organizando-se politicamente e jogando um papel fundamental na
derrubada do governo Goulart (Chaves 1985; Campos 2014).
As administrações posteriores ao golpe foram intensamente benéficas às
atividades das empreiteiras de obras públicas e tiveram políticas que incorreram
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no fortalecimento e expansão desses grupos econômicos. A contenção salarial e
a perseguição às organizações sindicais e dos trabalhadores levaram à redução
dos custos das empresas, que eram grandes empregadoras de força de trabalho.
Além disso, a ditadura criou novas agências estatais, como o Banco Nacional de
Habitação (BNH), fundamental para as áreas de atuação das construtoras durante a
ditadura. Os orçamentos anuais durante a ditadura foram crescentemente favoráveis
às empresas de construção, com dotações cada vez mais infladas em áreas como
Transporte e Energia. As políticas públicas implementadas principalmente a partir
do governo Costa e Silva (1967-1969) levaram à elevação das inversões em obras
públicas, dando origem a um ciclo inédito de investimentos em empreendimentos de
infraestrutura da história no país, proporcionando encomendas para as companhias
do ramo e promovendo a ascensão dessas empresas privadas como alguns dos
principais grupos econômicos do país. Se não fosse o bastante, o regime autoritário
impôs uma série de medidas protecionistas direcionadas especificamente para a
área de atuação das empreiteiras. Em 1969, um decreto-lei expedido pelo ditador
Costa e Silva, com o parlamento em recesso imposto pelo Ato Institucional número
5, as obras públicas e projetos de engenharia desenvolvidos no país deveriam
ser encomendados exclusivamente junto a empresas brasileiras, controladas por
cidadãos do país. Essa proteção seletiva das empresas de engenharia fortaleceu
os carteis do segmento controlassem o maior pique de obras públicas da história
do país, que teve lugar nos anos 70 (Camargos 1993).
Para além desse mecanismo de reserva do mercado nacional para as
empreiteiras brasileiras, outra ação da ditadura em apoio às construtoras dizia
respeito ao apoio à sua internacionalização. Desde fins dos anos 60, as empreiteiras
brasileiras passam a tentar realizar obras fora do país. Após o choque do petróleo
de 1973, o governo implementou um conjunto de ações de suporte às incursões
das construtoras brasileiras no mercado internacional, com subsídios isenções
de impostos (IRPJ — Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica, ICM — Imposto
sobre Circulação de Mercadorias, IPI — Imposto sobre Produtos Industrializados),
além de mecanismos de financiamento (da Carteira de Comércio Exterior do
Banco do Brasil — Cacex/BB). Para além desses incentivos fiscais, havia todo
um suporte por parte do corpo diplomático para auxiliar na obtenção de projetos
pelas empresas brasileiras de engenharia no exterior. Como resultado, até fins
dos anos 80, as construtoras nacionais obtiveram um total de 73 contratos de
obras no exterior. Essas obras foram realizadas por um total de 26 empreiteiras
nacionais em 23 países, principalmente na América do Sul, África e Oriente Médio.
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Esses empreendimentos perfaziam um total de US$ 8,87 bilhões, em projetos cujo
valor estava centrado em projetos de custo mais elevado estabelecidos em países
que eram exportadores de petróleo. As construtoras brasileiras alcançaram no
início da década de 1960 a condição de empresas de porte nacional e, durante a
ditadura, algumas delas se cacifaram como companhias de patamar multinacional
(Ferraz Filho 1981; Campos 2022).
Assim, vimos que a ditadura configurou um regime pró-empresarial e
proporcionou um ambiente favorável para o impulso internacional das construtoras
brasileiras. Condicionado pelo choque do petróleo e diante das oportunidades
proporcionadas pelo reforço de um mercado internacional de infraestrutura e da
necessidade de obtenção de divisas internacionais para fazer frente ao déficit
no balanço de pagamentos, o regime desenvolveu um pacote de medidas de
auxílio à atuação desses grupos econômicos no exterior. Um caso interessante
de relação afinada e combinada entre Estado e empresa privada ocorreu com a
atuação da empreiteira Mendes Junior na Mauritânia, conforme veremos adiante.
A atuação da Mendes Junior na Mauritânia:
A Mendes Junior foi a maior multinacional brasileira da construção durante
o período da ditadura, além de ser uma das principais empresas nacionais da
economia do país como um todo, tendo atividades no exterior nas décadas de
1970 e 1980. A companhia acumulou até o final dos anos 80 um total de mais de
US$ 3 bilhões de receita fora do território brasileiro, com mais da metade desse
faturamento concentrado no Iraque, chegando a constar entre as 15 empresas de
engenharia do mundo com mais obras no exterior. Assim, a edição de setembro
de 1981 da revista O Empreiteiro noticiou que o periódico técnico norte-americano
Engineering News Record trazia a empreiteira mineira como a 13ª em faturamento
obtida fora do seu território no ranking das 250 empresas de engenharia mais
internacionalizadas do globo (Revista O Empreiteiro 1981). Em 1981, ela esteve
na 18ª posição nessa mesma lista e na 123ª posição em 1982 (Chaves 1985).
Apesar de boa parte dos seus ganhos estarem concentrados no Iraque até o final
da década de 1980, a empresa desenvolveu atividades em 10 diferentes países
espalhados por América do Sul, África, Oriente Médio e Europa, contabilizando
ao menos 20 contratos assinados fora do Brasil.
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Mesmo com seu sucesso no exterior, a empresa não era a maior empreiteira
brasileira no período, tendo faturamento global menor que a Camargo Corrêa
na maior parte dos anos 60, 70 e 80. A companhia de Minas Gerais ascendeu
com suas obras rodoviárias e, em especial, com as usinas hidrelétricas para a
Cemig, a Eletrobrás e suas subsidiárias. A construtora disputava com a Camargo
Corrêa o posto de principal barrageira brasileira durante a ditadura. Além disso,
a firma foi bastante atuante em projetos emblemáticos do período como a
Transamazônica, a ponte Rio-Niterói, a hidrelétrica de Itaipu, dentre outras
iniciativas (Campos 2014).
A Mendes Junior sondava a possibilidade de realização de obras no exterior
já desde 1966. A empresa foi pioneira na realização de empreendimentos fora
do país, iniciando seus primeiros projetos no mercado internacional no final da
década de 1960. A primeira construção no exterior foi a pequena hidrelétrica de
Santa Izabel, na região de Cochabamba, na Bolívia. A Mendes Junior venceu a
licitação internacional concorrendo com duas empresas mexicanas, uma alemã e
uma suíça (Revista O Empreiteiro 1973). A usina tinha 36 megawatts de potência
e foi construída ao custo de US$ 12 milhões, com financiamento do Banco
Mundial. Sua energia deveria abastecer minas de estanho da região (Revista O
Empreiteiro 1970). A usina foi inaugurada em 1973 e a revista O Empreiteiro
fez uma reportagem especial sobre a cerimônia comemorando a finalização
da obra, que contou com Murillo Mendes representando a empreiteira, além
do ditador Hugo Banzer, que apontava para possibilidades de continuidade do
projeto, com construção de linha de transmissão e ampliação da usina (Revista
O Empreiteiro 1973).
Depois da experiência na Bolívia e de acordos frustrados com o governo
argelino, a Mendes Junior conseguiu realizar um conjunto bastante expressivo de
obras na Mauritânia, país muçulmano da África saariana produtor de petróleo.
Brasil e Mauritânia mantinham relações diplomáticas sem nível de representação
oficial. A representação brasileira no Mauritânia era cumulativa com o Senegal,
em Dacar. As embaixadas de ambos os países só foram abertas durante o governo
Lula, em 2008 (Brasília) e 2010 (Nouakchott). A primeira obra arrematada no
país pela empreiteira foi a da estrada Nouakchott-Kiffa, ou Transmauritânia, a
“rodovia da Esperança”. A via, de 600 quilômetros, cruzava boa parte do território
do país, unindo a capital e maior cidade do país, a litorânea Nouakchott, à
cidade de Kiffa, no meio do deserto do Saara. O projeto era orçado em US$ 110
milhões e teve financiamento dos Fundos Árabes Unidos e da Cacex. Seu contrato
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foi assinado em 1974 e as obras transcorreram entre os anos de 1975 e 1979.
A revista O Empreiteiro assim noticiou a realização daquele trabalho:
Não satisfeita com os seus empreendimentos no País, a empresa voltou
muito cedo suas atenções para os mercados da América Latina e da África,
onde acaba de obter o seu maior êxito: a construção de uma estrada de
600 km nos desertos da Mauritânia, na África Ocidental, na qual terá
a oportunidade de aproveitar toda a experiência que acumulou com as
obras na região Amazônica. É o maior contrato até hoje conseguido por
uma empresa de engenharia nacional — US$ 825 milhões, vencendo
várias concorrentes européias no preço e no prazo de execução. (Revista
O Empreiteiro 1975, 16)
A revista associava a experiência da empreiteira nas obras na Amazônia
com o empreendimento feito também em condições muito adversas no deserto
africano. A publicação assinalava que a obra deveria receber US$ 10 milhões em
equipamentos nacionais, com 200 brasileiros trabalhando no projeto. A edição
indicava também que o projeto foi alvo de ampla concorrência e a Mendes
Junior venceu oito rivais, lançando uma proposta 30% mais barata do que
a da segunda colocada. Um documento na pasta de despachos do ministro
Azeredo da Silveira indica que a empreiteira mineira teria superado não oito, mas
sim um total de 25 empresas pré-qualificadas para a obra (CPDOC/FGV,1975).
O empreendimento foi dividido em três trechos, todos entregues à Mendes Junior,
sendo o valor global trazido na citação acima — US$ 825 milhões — referente
aos três trechos do contrato, dado que o primeiro tinha um valor de US$ 110
milhões (Revista O Empreiteiro 1978). Como O Empreiteiro assinala, a obra
constituía naquele momento o maior contrato já assinado por uma empreiteira
brasileira no exterior, recorde que seria depois quebrado pela própria Mendes
Junior no Iraque.
A respeito da atuação da Mendes Junior no país africano, o vice-presidente
executivo da empresa, Murillo Mendes, da família controladora do grupo, chegou
a enviar, no dia 14 de outubro de 1975, um memorando endereçado ao ministro
chefe da Casa Civil, general Golbery do Couto e Silva. No documento o empresário
chamava a atenção para o interesse da sua construtora na Mauritânia e demandava
ação governamental para facilitar o ingresso da empreiteira naquele mercado:
Solicito atenção de vossa excelência para um evento no qual a Mendes
Junior tem interesse direto, mas do qual, dependendo presença. Atuação
uma delegação brasileira, poderá também o país tirar proveito, tanto no
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sentido de possíveis exportações adicionais como no estreitamento de
relações com países produtores de petróleo.
Trata-se das comemorações, em 28 de novembro próximo, do décimo quinto
aniversário da independência da Mauritânia. Conforme convite enviado, o
governo do referido país espera que o Brasil se faça representar, naquelas
comemorações, por delegação chefiada por ministro de Estado.
Comparecerão delegações semelhantes, de cerca de 40 países, muitos deles
produtores de petróleo. Quase todos atuais ou potenciais compradores de
bens e serviços brasileiros.
Por outro lado, como é do conhecimento de vossa excelência, a Mendes
Junior, empregando duzentos brasileiros, mil mauritanianos, constrói
atualmente, na Mauritânia, a estrada Nouakchott-Kiffa, com 603 quilômetros,
maior obra do país.
Curso no Oeste da África. É a primeira vez que uma firma brasileira
realiza, naquela região, serviço desse vulto e exportação de tecnologia
tão expressiva.
Outrossim, salientamos que, em função dessa obra, já foram geradas
exportações brasileiras de cerca de dez milhões de dólares em equipamentos,
mais seis milhões de dólares em asfalto, mais frete.
[...] Pelas razões expostas, estamos ansiosos de o governo brasileiro aceite
o convite e designe delegação altamente expressiva, a nível de ministro, o
que, além de outros benefícios, viria também incentivar os brasileiros já
empenhados em operações geradoras de recursos externos, a prosseguirem
em seus esforços na busca de novos mercados. (CPDOC/FGV 1975a)
Esse documento, encontrado no fundo do ministro Azeredo da Silveira no
arquivo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil (CPDOC/FGV) — para quem o ministro Golbery encaminhou o memorando
—, nos parece revelador de várias questões. Em primeiro lugar, parece claro que o
empresário possuía um canal direto com um ministro de Estado altamente poderoso
que era o caso de Golbery do Couto e Silva, um dos principais articuladores do
golpe de 1964 e da abertura política da ditadura. Em segundo lugar, parece ser
evidente que a empreiteira demanda a ação estatal, alegando ganhos gerais à
economia brasileira, para protegê-la e apoiá-la no exterior. Ou melhor, a empresa
privada sugere uma ação de política externa aos agentes que cumprem funções
oficiais no Estado brasileiro, sinalizando a possibilidade de usar um evento como
mecanismo para promover os interesses brasileiros junto aos países presentes no
encontro. O documento é antecedido por um despacho do ministro de Relações
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Exteriores assinado pelo ditador Ernesto Geisel 14 dias antes indicando não ser
necessário enviar ministro à solenidade, sugerindo enviar apenas um embaixador
(CPDOC/FGV 1974).
A revista O Empreiteiro chegou a enviar o seu editor, Pedro Luna, ao país. Ele
presenciou e relatou as dificuldades passadas no local, onde as temperaturas de
dia chegavam ao pico de 50 graus e havia dificuldade para obtenção de rochas para
a obra no meio do deserto (Revista O Empreiteiro 1975). Porém, as condições de
trabalho não eram as únicas adversidades encaradas pela construtora brasileira
na Mauritânia. Em agosto de 1976, a revista trazia o seguinte relato em meio à
realização dos serviços pela empreiteira na nação africana:
Contudo, em maio último, um comando saharoui com cerca de 200
guerrilheiros apoiados por tanques e viaturas atacou Nouakchott;
o engenheiro Fernando Diniz disse que o pessoal brasileiro acompanhou a
luta de perto, com projéteis cruzando o acampamento por toda a noite do
dia 8, mas sem trazer prejuízos materiais. (Revista O Empreiteiro 1976, 6)
A Mendes Junior encarou uma disputa pelo poder no país, que resultou
inclusive em um golpe de Estado. No entanto, o novo governo manteve o
empreendimento e a obra não teve interrupção. De acordo com o relato de
Antonio Siqueira, a empresa era muito bem vista no país, o que fez com que ela
conseguisse seguidas obras naquele mercado. De acordo com o seu artigo, isso se
deve ao fato de os colonizadores franceses terem realizado poucos melhoramentos
no local, ao passo que a rodovia gerou uma mudança significativa de vida no
país, dado que, além da via, a Mendes Junior perfurava poços para obtenção de
água no caminho da estrada, garantindo o abastecimento de diversas regiões ao
longo da estrada, além de ter construído escolas e hospitais, aproveitados pela
população (Siqueira 1979).
A rodovia foi concluída em 1979 e entregue com 112 dias de antecedência
em relação ao prazo original determinado (Mendes e Attuch 2004). Essa era uma
prática corriqueira da empresa também no Brasil, onde ela alegava que recebia
seguidos prêmios por entregar seus projetos antes do prazo (Revista Exame 1973).
O êxito da empresa mineira foi tal que, nos anos seguintes, a empreiteira assinou
mais quatro contratos no país: em 1978, acertou a construção do aeroporto de
Nema, em obra de US$ 9,6 milhões, financiada por bancos privados alemães;
em 1979, garantiu a construção da rodovia Butilinit-Kiffa, no valor de US$ 8,5
milhões e financiada pelos Fundos Árabes Unidos; em 1981, foi contratada para
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construir o segundo trecho da rodovia da Esperança, com 486 km e custo de
US$ 130 milhões; e, por fim, em 1984, assinou contrato para a realização da
estrada Timbra-Nema, de 106 km, e valor de US$ 33 milhões (Revista O Empreiteiro
1983). No total, a empreiteira realizou cinco obras no país, contabilizando
quase US$ 300 milhões em serviços realizados na Mauritânia nas décadas
de 1970 e 1980.
A realização desses trabalhos foi garantida e viabilizada por um entendimento
bilateral entre os dois países. Assim, a construção da primeira dessas obras, a
Transmauritânia, foi respaldada por protocolo comercial assinado pelos dois
governos em 10 de março de 1976, que previa a presença das empresas brasileiras
de engenharia no país africano (Fragoso 1984). Dessa forma, o governo Geisel
dava apoio à atuação da empresa no país, fornecendo inclusive recursos da Cacex
para um dos projetos realizados pela Mendes Junior na Mauritânia.
Vimos nesta seção do artigo como se deu o processo de internacionalização
da empreiteira Mendes Junior e sua atuação na Mauritânia. Verificamos o intenso
apoio conferido pelo Estado brasileiro às atividades da construtora brasileira
no país e a próxima relação entre os agentes do grupo econômico com figuras
de primeiro escalão do governo Geisel. A partir dessas evidências, podemos
estabelecer certas conclusões.
Conclusão
Vimos ao longo deste artigo como se deu o processo de projeção internacional
das empresas brasileiras de engenharia desde o final da década de 1960,
movimento que ganhou fôlego nos anos 70 com os programas de modernização
da infraestrutura dos países produtores de petróleo após o choque de 1973 e com
as políticas estatais favoráveis inauguradas pelo Estado brasileiro em meados
da década de 70. No caso da internacionalização da construtora Mendes Junior
na Mauritânia, vimos o apoio do governo brasileiro na forma de financiamento,
suporte estatal e diplomático às atividades da empreiteira. A proximidade e
interlocução íntima entre agentes da construtora e figuras com cargos em postos
estatais chegava ao ponto de um empresário escrever para o ministro solicitando
atuação do Estado brasileiro em uma atividade comemorativa realizada no país
africano e que poderia proporcionar negócios e oportunidades para a construtora
e outros grupos econômicos nacionais.
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Assim, as evidências trazidas no presente artigo reforçam as leituras a
respeito do caráter classista e pró-empresarial do Estado e das políticas públicas
assumidas após o golpe de 1964. Além de todo apoio no mercado doméstico
— com ações como a reserva de mercado, a ampliação dos investimentos em
projetos de infraestrutura, a repressão aos sindicatos e o congelamento dos salários
dos trabalhadores — a ditadura apoiava a internacionalização das empresas
brasileiras através de pacotes de isenção fiscal, financiamento, apoio estatal
e diplomático para o estabelecimento de contratos por parte das construtoras
nacionais no exterior. Apesar de concluir apontando o caráter classista e pró-
empresarial das políticas estatais e mesmo da política externa naquele período,
é preciso chamar a atenção de que as políticas aplicadas no período não devem
ser lidas exclusivamente como uma expressão dos interesses do empresariado,
de uma forma mecânica e direta. As ações de apoio à transnacionalização das
empreiteiras no período constituíam prática corrente no mercado internacional e
convergiam com as diretrizes estatais de aumento das exportações de serviços e
diminuição do déficit público causado pelo choque internacional do petróleo de
1973. O outro extremo também não parece adequado, ou melhor, a compreensão
das políticas públicas como representação do planejamento e da elaboração
de agentes estatais e burocráticos desimplicados de interesses econômicos e
alheios às demandas e objetivos dos empresários. Assim, o presente episódio
analisado parece constituir um bom exemplo a partir do qual se pode avançar
na reflexão acerca da complexidade da relação entre interesses empresariais,
Estado e política externa, fugindo dos extremos da leitura da política exterior
como simples manifestação dos interesses econômicos de agentes privados e
também da leitura da ação internacional de um Estado como fruto exclusivo das
ideias, dos valores e dos objetivos de um pretenso e suspostamente homogêneo
“interesse nacional”. Sendo assim, conceitos como o de “autonomia relativa do
Estado” (Poulantzas 1980 [1978]) parecem ajudar no incremento dessa reflexão
de uma via do meio afastado desses dois extremos.
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