Marina Paula Oliveira
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 1, e1416, 2024
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O avanço da exploração do lítio
no Vale do Jequitinhonha (MG)
e a reprodução das desigualdades
e dependências internacionais
The expansion of lithium mining
in the Jequitinhonha Valley (MG)
and the reproduction of international
inequalities and dependencies
El avance de la minería del litio
en el Valle de Jequitinhonha (MG)
y la reproducción de las desigualdades
y dependencias internacionales
DOI: 10.21530/ci.v19n1.2024.1416
Marina Paula Oliveira
1
Resumo
Diante do agravamento das mudanças climáticas e da intensificação
da demanda por minerais críticos para a transição energética, a
mineração vem expandindo suas operações em países periféricos.
A partir da justificativa de desenvolvimento sustentável, uma série
de impactos socioambientais recaem sobre territórios de sacrifício.
Este artigo analisa, sob a abordagem da teoria da dependência
marxista, os efeitos da exploração do lítio em Minas Gerais, a maior
reserva de lítio brasileira.
Palavras chaves: Impactos socioambientais; Minas Gerais; Lítio;
Transição energética; Dependência.
1 Doutoranda, mestre e graduada em Relações Internacionais pela PUC-Minas.
(marinapaulaoliveira@gmail.com). Atualmente é Professora Substituta do
Departamento de Relações Internacionais da PUC-Minas. ORCID: https://orcid.
org/0009-0001-4176-888X. O presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES)
– Código de Financiamento 001.
Artigo submetido em 29/02/2024 e aprovado em 16/08/2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
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Este é um artigo
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ISSN 2526-9038
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Abstract
Faced with worsening climate change and intensifying demand for minerals critical to the
energy transition, mining has been expanding its operations in countries of the global south.
Based on the justification of sustainable development, a series of socio-environmental impacts
are falling on sacrificial territories. This article analyzes, under the Marxist dependency
theory approach, the effects of lithium mining in Minas Gerais, Brazil’s largest lithium
reserve.
Key words: Socio-environmental impacts; Lithium; Minas Gerais; Energy transition;
Dependency.
Resumen
Ante el agravamiento del cambio climático y la intensificación de la demanda de minerales
críticos para la transición energética, la minería ha ido expandiendo sus operaciones en
países del sur global. Basándose en la justificación del desarrollo sostenible, una serie de
impactos socioambientales recaen sobre territorios sacrificados. Este artículo analisa, bajo
el enfoque de la teoría marxista de la dependencia, los efectos de la minería del litio en
Minas Gerais, la mayor reserva de litio de Brasil.
Palabras clave: Impactos socioambientales; Minas Gerais; Litio; Transición energética;
Dependencia.
Introdução
Este artigo pretende investigar como a intensificação da demanda por lítio
para a transição energética reproduz a relação de dependência e subalternidade do
Brasil no Sistema Internacional. Para isso, analisou-se os avanços da exploração
do lítio na região do Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas Gerais. A primeira
seção se dedica ao modelo analítico da Teoria da Dependência Marxista, adotado
nesta pesquisa. As seções subsequentes são introdutórias do processo de transição
energética, da demanda por minerais críticos e das desigualdades internacionais (re)
produzidas a partir deste cenário. Posteriormente, é apresentada uma caracterização
do caso analisado.
A seção seguinte apresenta a análise de 12 entrevistas semiestruturadas
realizadas com lideranças comunitárias dos municípios atingidos e em risco pela
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exploração do lítio na região, entre setembro e novembro de 20232. As informações
coletadas foram sistematizadas em: (1) Acesso à informação e participação popular;
(2) Impactos da expansão e exploração do lítio; (3) Demandas e necessidades
das comunidades; e (4) Privatização dos lucros e socialização dos prejuízos.
A partir dessas entrevistas, buscou-se compreender como a região, que detém a
maior reserva brasileira do respectivo mineral (SGB 2023), se inscreve na disputa
internacional do lítio. Por fim, são apresentadas as considerações finais.
Desigualdades e Dependência no Sistema Internacional
Compreendendo a relação de desigualdade entre os países no Sistema
Internacional, a Teoria da Dependência Marxista, fundada por Ruy Mauro Marini,
André Gunder Frank, Teothônio dos Santos e Vânia Bambirra fornece um modelo
analítico adequado para analisar o avanço da exploração do lítio em territórios
latino-americanos. Os autores defendem que o sistema econômico capitalista
beneficia os países centrais (desenvolvidos), em detrimento dos países periféricos
(subdesenvolvidos, em desenvolvimento, emergentes ou pobres). Isso ocorre
justamente em razão do processo de desenvolvimento não ocorrer de maneira
homogênea em todas as regiões do planeta.
Desse modo, países pobres cumprem papel de fornecedor de matéria prima
para países desenvolvidos, que se apropriam dos recursos naturais a preços baixos,
enquanto concentram processos de alta tecnologia, reforçando uma relação de
hierarquia e dependência permanente entre países centrais e periféricos. Para
Marini, a dependência pode ser compreendida como uma “relação de subordinação
entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção
das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução
ampliada da dependência” (Marini 1973).
Como os países periféricos se especializam na produção e exportação de bens
primários, e importam produtos industrializados e com maior valor agregado,
essa relação se baseia em uma deterioração dos termos de troca. Para compensar
essa relação desigual no mercado mundial, países desfavorecidos adotam uma
2 Agradecemos a todos os atingidos impactados pelo avanço da exploração do lítio no Vale do Jequitinhonha
(MG), que apresentaram suas preferências e demandas no processo das entrevistas. Além disso, eles resistem
diariamente às violações de seus direitos, contribuindo para o fortalecimento da democracia no estado de
Minas Gerais.
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maior exploração da força de trabalho, o que Marini chama de “superexploração
do trabalho”, que ocorre a partir de uma maior intensidade e esforço físico, da
extensão da jornada de trabalho e da compressão dos salários.
Ou seja, esse arranjo de desenvolvimento desigual, promovido pelo sistema
capitalista, produz e retroalimenta a situação de dependência e subalternidade
dos países periféricos. Na seção seguinte, será apresentado como o processo
de transição energética e a resultante intensificação da demanda por minerais
críticos se inserem na conformação desta relação de dependência.
O processo de transição energética e a demanda por
minerais críticos
Nos últimos anos o debate sobre a necessidade de implementar uma transição
energética, ou seja, de reduzir o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo
etc) e ampliar as fontes de energia limpa (solar, eólica, hidráulica etc) tem se
aguçado. Isso se dá principalmente devido ao aprofundamento e intensificação
dos impactos socioambientais das mudanças climáticas em diversos territórios
espalhados pelo globo.
Amparados pela lógica de que as fontes de energia limpa não geram impactos,
representantes de importantes setores econômicos se esquecem de que “o
processo de conversão energética, bem como o armazenamento e a transmissão
da eletricidade, depende de máquinas e equipamentos cuja fabricação necessita de
diferentes minerais” (Milanez 2021). Ou seja, o processo de transição energética
depende de uma base material de minerais que são finitos, não renováveis e
que estão distribuídos de forma desigual ao redor do planeta (Milanez 2021).
Essa base material necessária à transição energética é composta por vários
minerais específicos que ficaram conhecidos como “minerais críticos” (IEA 2021).
A lista desses minerais pode variar conforme as diferentes fontes. No entanto, a
partir de pesquisas prévias de Buchholz e Brandenburg (2018), Milanez propõe
uma sistematização dos minerais mais comumente mencionados:
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Quadro 1 - Substâncias importantes para sistemas de energia renovável
Utilização Substâncias relevantes
Geração de energia solar Cádmio, estanho, gálio, germânio, índio, molibdênio, prata,
selênio, silício, telúrio
Geração de energia eólica Bário, boro, cobalto, cobre, cromo, elementos terras raras
(disprósio, ítrio, neodímio, praseodímio, térbio), ferro, manganês,
molibdênio, níquel
Equipamentos para
armazenamento de energia
Cobalto, cromo, ferro, lítio, manganês (baterias de íon-lítio),
níquel, vanádio, zinco (baterias redox de vanádio)
Redes de transmissão
elétrica
Aço, alumínio, cobre, estanho, zinco
Fonte: Milanez 2021.
Ao analisar a distribuição desses recursos naturais no planeta, percebe-se
a presença de importantes reservas de minerais críticos na América Latina,
especialmente na América do Sul. Chile, Argentina e Bolívia são responsáveis
por aproximadamente 60% das reservas de lítio no mundo. Este artigo, por
sua vez, pretende analisar especificamente a região que detém a maior reserva
brasileira de lítio (SGB 2023).
No contexto da transição energética, há uma intensificação pela demanda
desses minerais críticos, que resulta numa ofensiva do setor mineral em regiões
periféricas. Para além desta demanda concreta por minerais críticos, existem
autores - Auciello (2019), Hopkins e Kemp (2021) - que argumentam sobre como
o setor mineral vem se reorganizando a partir da narrativa da necessidade da
transição energética como estratégia para se recolocar no mercado. Isso se dá em
razão de uma “crise de reputação em escala mundial” (Milanez 2021) do setor.
Essa crise de credibilidade teria se agravado ainda mais em razão de
desastres causados pelo setor mineral, que produziram impactos socioambientais
e humanitários em larga escala, provocando a morte de centenas de pessoas,
destruindo a biodiversidade nativa e contaminando bacias hidrográficas
responsáveis pelo abastecimento hídrico de regiões extensas, como é o caso do
rompimento da barragem da Vale em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), em
Minas Gerais (Oliveira 2023).
Diante dos graves impactos provenientes das mudanças climáticas, o setor
mineral se apoia na argumentação de que os impactos negativos gerados pela
mineração são um custo social aceitável, tendo em vista a grande ameaça do
aquecimento global. Ou seja, a mineração se coloca como ator central para
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combater as mudanças climáticas, justificando o avanço de empreendimentos
minerários em diversas regiões, incluindo reservas indígenas, o que é proibido
pela lei brasileira.
De acordo com Milanez (2021), existem duas questões relevantes que são
recorrentemente inviabilizadas pela discussão majoritária do processo de transição
energética. A primeira questão diz respeito à disponibilidade de reservas minerais
que sejam suficientes para atender a demanda por minerais críticos. As reservas
atualmente conhecidas não são suficientes para atender a demanda necessária
ao processo de transição energética. A demanda por Lítio, Cobalto e Níquel para
os próximos 30 anos, por exemplo, é maior do que a disponibilidade de reserva
desses minerais atualmente mapeadas (Dominish, Florin e Teske 2019).
Outra questão são os impactos socioambientais gerados a partir da
intensificação da demanda por minerais críticos. Ao compreender a natureza
produtora de impactos sociais e ambientais por parte das atividades de extração
mineral (Benson e Kirsch 2010), Milanez ressalta que “os novos patamares de
extração de alguns minérios e a velocidade com que tais projetos serão implantados
tenderão a aumentar significativamente a quantidade e a intensidade dos conflitos
territoriais” (Milanez 2021, 9). Não obstante, essa pressão sobre os territórios
seguirá acontecendo de maneira desigual, sobrecarregando e impactando os
países periféricos, em detrimento dos países desenvolvidos.
Transição Energética e a (re)produção de desigualdades
internacionais
Este cenário de injustiça socioambiental no âmbito nacional e internacional
ilustra como os tomadores de decisão raramente são afetados pelos impactos
negativos de seus projetos e proposições. Em contrapartida, os principais afetados
por essas decisões quase nunca têm acesso e direito de participar dos processos
decisórios que impactam diretamente suas vidas (Acselrad, Herculano e Pádua 2004).
Ainda em 2001, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima
(IPCC) apresentou estudos que já apontavam impactos das mudanças climáticas
mais severos sobre países menos desenvolvidos: “os impactos das mudanças
climáticas vão cair de forma desproporcional sobre os países em desenvolvimento
e aos povos pobres em todos os países, agravando, assim, as desigualdades no
que diz respeito à saúde e acesso à água potável e limpa e outros recursos”
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(IPCC 2001). Assim, é possível subentender as mudanças climáticas como
subproduto da abundância das nações mais desenvolvidas e de seus habitantes.
Nesse contexto, a transição energética acaba criando uma nova demanda que
intensifica a expansão do setor mineral nos territórios periféricos, principalmente
em razão da “transferência de atividades intensivas em carbono para esses
países, bem como pelo aumento dos projetos extrativos nessas regiões” (Milanez
2021, 10). Essa ampliação da exploração mineral acaba reforçando conflitos
socioambientais existentes e produzindo novos conflitos. Ou seja, o processo
de transição energética, se não bem orientado por uma política mineral sólida
e democrática, corre o risco de se tornar uma verdadeira indústria de conflitos
socioambientais em países periféricos.
Outro fator importante é a assimetria da demanda por energia elétrica entre os
países desenvolvidos e periféricos. Dados apresentados pelo Banco Mundial (2021)
mostram que a falta de acesso à energia elétrica está concentrada principalmente
nos países em desenvolvimento. Por outro lado, em 2014 a demanda por energia
elétrica por parte dos países desenvolvidos já era três vezes superior à demanda
por parte dos países periféricos (Banco Mundial apud Milanez 2021). Logo,
percebe-se que o padrão de consumo energético de países desenvolvidos tem sido
a força motriz para o processo de transição energética. Contudo, ao invés de haver
uma preocupação dirigida ao padrão de consumo desses países, a centralidade
da pauta tem sido justamente o estabelecimento de fontes renováveis de energia
que sejam suficientes para manter o atual padrão de consumo.
Em outras palavras, além dos impactos negativos do processo de transição
energética se concentrarem nos países em desenvolvimento, a demanda orientada
pelo consumo de energia elétrica per capita se concentra principalmente nos
países desenvolvidos. Há, nesse contexto, uma socialização dos prejuízos com
os países periféricos e uma concentração dos benefícios — por parte dos países
desenvolvidos — do processo de transição energética. Na seção seguinte será
apresentado o caso da exploração do lítio em Minas Gerais.
Lítio em Minas Gerais: o caso do Vale do Jequitinhonha e Norte
de Minas Gerais
O Vale do Jequitinhonha é uma região formada por 52 municípios no estado
de Minas Gerais. A região é conhecida pela riqueza cultural e natural do sertão
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brasileiro, marcada pelo clima semiárido. Possui baixos indicadores sociais, com
problemas estruturais relativos ao abastecimento hídrico, transporte e mobilidade
urbana, acesso à saúde, educação, segurança pública, entre outro (Rodrigues e
Soares 2005).
Em maio de 2023, o governo estadual, juntamente com o Ministério de Minas
e Energia, anunciou o lançamento do projeto “Vale do Lítio”. O lançamento ocorreu
em Nova York, na Nasdak, a maior bolsa de valores do mundo em inovação e
tecnologia. O projeto diz respeito à atração de investimento e empresas para
o Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas Gerais, onde está localizada a maior
reserva comprovada de lítio no Brasil. De acordo com a Agência Minas Gerais, o
“Vale do Lítio” é formado por 14 cidades, sendo elas: Araçuaí, Capelinha, Coronel
Murta, Itaobim, Itinga, Malacacheta, Medina, Minas Novas, Pedra Azul, Virgem
da Lapa, Teófilo Otoni, Turmalina, Rubelita e Salinas (Minas Gerais 2023a).
Estudos realizados pelo Serviço Geológico Brasileiro apontam a existência de
45 jazidas de lítio nesses municípios (SGB 2016).
Mapa: Região atingida pelo Projeto “Vale do Lítio”
Fonte: Oliveira e Barbosa 2023.
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O projeto foi idealizado pela InvestMinas, uma agência estatal cujo objetivo
é atrair empresas e investimentos para Minas Gerais. A gerência responsável pela
atração de empresas é a Gerência de Cadeias de Mineração, Siderurgia e Metal-
Mecânica (InvestMinas 2023). Atualmente, existem cinco empresas interessadas
em explorar o lítio na região. A Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e a Sigma
estão extraindo o mineral nos municípios de Araçuaí e Itinga. A Latin Resources,
Atlas Lithium e Lithium Ionic ainda estão no processo de sondagem. Até outubro
de 2023, foram realizados 1.721 processos de lítio em Minas Gerais. Destes, 637
foram requerimentos de pesquisa, 1079 foram autorizações de pesquisa e 5 foram
requerimentos de lavras (Minas Gerais 2023b).
Em julho de 2023, buscando articular diferentes setores e organismos
interessados, o governo estadual decretou a Resolução SEDE nº 23, que instituiu
o “Grupo de trabalho para análise de políticas públicas intersetoriais voltadas
para a agenda da cadeia produtiva do lítio em Minas Gerais (Lithium Valley
Brazil), com vistas a subsidiar as ações do estado na tratativa do tema” (Minas
Gerais 2023c). Contextualizada a iniciativa do governo estadual, na próxima
seção serão apresentados os efeitos da exploração do lítio na região.
Efeitos da exploração do Lítio
Para identificar os efeitos da exploração do lítio na região, foram realizadas
entrevistas de roteiros semiestruturados com lideranças comunitárias das cidades
que fazem parte da área de interesse do governo Zema (1º Mandato: 2019-2022;
2º Mandato: 2023-2026) para implantação do projeto. As entrevistas abarcaram
as seguintes localidades: Itaobim, Teófilo Otoni, Pedra Azul, Araçuaí, Itinga,
Medina, Capelinha, Aldeia indígena Cintra Vermelha de Jundiba, Quilombo
Jenipapo Pinto.
As lideranças entrevistadas entre setembro e novembro de 2023, fazem
parte de redes e organizações com atuação em nível regional, como partidos
políticos, sindicatos, movimentos sociais, pastorais, organizações da sociedade
civil, associações comunitárias etc. Os dados coletados foram sistematizados
em: (1) Acesso à informação e participação popular; (2) Impactos da expansão
e exploração do lítio; (3) Demandas e necessidades das comunidades; e
(4) Privatização dos lucros e socialização dos prejuízos.
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Ausência de informação e participação popular
Ao longo das entrevistas, identificou-se a ausência de informação sobre o
projeto “Vale do Lítio”. Observou-se a não existência de canais de comunicação
formalizados por parte do governo e das empresas em operação ou em processo de
realização de pesquisas exploratórias: “se tem algum canal oficial de informações
do governo, da empresa, eu não conheço não” (Atingido de Araçuaí). De acordo
com os entrevistados, a maioria das informações disponíveis chegam por meio
das redes sociais, especialmente pelo WhatsApp. No entanto, identificou-se baixo
nível de compreensão dos conteúdos compartilhados: “ninguém está entendendo
nada” (Atingida de Capelinha).
O assunto começou a ser mais difundido especialmente após o lançamento
do projeto “Vale do Lítio”, realizado pelo governador em Nova York. Dados
coletados mostram insegurança em relação ao projeto, sobretudo em razão da
sua não divulgação e disponibilização ao público: “acho que essa coisa do Vale
do Lítio foi uma especulação do governo Zema. Ele fala que tem um projeto,
mas não conheço esse projeto” (Atingida de Itinga).
Recentemente tivemos acesso a informação de reportagens e jornalistas,
mas não temos informações diretas do estado e das Instituições de Justiça.
Aconteceram duas audiências públicas, mas não disponibilizaram informações
por escrito. Quando solicitamos acesso ao projeto, eles falaram que o projeto
estava em inglês. Nós reforçamos que precisamos do projeto. (Atingido de
Araçuaí, grifo nosso).
Em resposta à solicitação de acesso ao Projeto “Vale do Lítio” no Sistema
Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão, com base na Lei nº 12.527/2011
— Lei Geral de Acesso a Informações Públicas (Protocolo 05130.000004/2023-21),
o governo estadual destacou que “o projeto é nada mais que um esforço
concentrado com o objetivo de atração de empresas e viabilização da cadeia
produtiva do lítio em Minas Gerais. Não dispomos de projetos estruturantes nem
de outros documentos a respeito desse assunto” (Representante do governo,
grifo nosso). Este posicionamento corroborou a hipótese da ausência de um
projeto estruturante que associe a exploração do lítio ao desenvolvimento das
áreas afetadas.
Ainda em relação ao processo de participação popular, as entrevistas
apontaram a exclusão e retaliação de grupos e organizações da sociedade civil
com posicionamento crítico em relação a entrada das mineradoras nos territórios:
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“o governador limita o repasse das informações, especialmente para sindicatos
e movimentos sociais” (Atingida de Medina).
No que se refere ao tratamento das comunidades tradicionais, observou-se o
não cumprimento do Protocolo de Consulta Livre, Prévia e Informada. Este direito
é assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT):
“nós também temos direito de falar e de ser ouvidos. Em momento nenhum,
nós fomos ouvidos” (Indígena de Cintra Vermelha de Jundiba).
Outros setores receberam tratamento distinto. Atingidos relataram a relação
de proximidade entre setores da administração pública estadual e municipal, e
empresas mineradoras: “o governo estadual e as empresas só ouvem os prefeitos,
os grandes empresários, os grandes proprietários de terra que já estão fazendo
sondagem, os investidores. Eles estão decidindo as coisas pelo povo” (Atingido
de Virgem da Lapa).
Impactos da expansão e exploração do lítio
Os impactos apresentados pelos atingidos foram sistematizados a partir das
seguintes categorias: (1) Impactos sociais; (2) Impactos ambientais; (3) Impactos
econômicos; (4) Impactos políticos; (5) Impactos educacionais; (6) Impactos
culturais; e (7) Impactos sanitários:
Quadro 2: Sistematização dos impactos da exploração do lítio na região
Categoria Impactos identificados
Impactos sociais
Sobrecarga dos serviços públicos; infraestrutura insuficiente para
receber os empreendimentos; deslocamento forçado e/ou expulsão de
comunidades de seus territórios; aumento da exploração e do assédio
sexual contra mulheres e meninas; aumento do ruído; aumento do
fluxo de veículos pesados; aumento do número de acidentes; trânsito;
aumento do fluxo de pessoas; reordenamento do território; aumento do
uso de drogas; aumento da violência; rachaduras nas casas; aumento
da gravidez na adolescência; sobrecarga dos cuidados domésticos e
familiares sobre as mulheres.
Impactos
ambientais
Destruição da paisagem; consumo excessivo de água; desmatamento;
explosões que provocam crateras e buracos no subsolo; ressecamento
das nascentes; desaparecimento de espécies de animais e plantas;
alteração do ecossistema; insegurança hídrica, soterramento do rio
Piauí; contaminação do rio; descarte ilegal do lixo nas estradas.
continua...
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Categoria Impactos identificados
Impactos
econômicos
Aumento do custo de vida; especulação imobiliária, sufocamento de
outras atividades econômicas; precarização do trabalho.
Impactos
educacionais
Dificuldade de acessar e manter os jovens nas instituições de ensino;
evasão escolar
Impactos políticos
Enfraquecimento da cidadania; desmantelamento dos serviços públicos;
cooptação dos poderes públicos pelas empresas mineradoras; cooptação
de organizações da sociedade civil e canais de comunicação; exclusão
e isolamento das organizações e lideranças que fazem resistência à
mineração; disseminação de informações falsas e propagandas enganosas
Impactos culturais
Enfraquecimento, invisibilização e apagamento das culturas locais;
alteração da relação com a natureza, alteração do modo de vida e da
espiritualidade.
Impactos sanitários
Aumento de doenças respiratórias; poeira; contaminação dos trabalhadores
diretos, indiretos, e comunidades próximas aos empreendimentos e às
rodovias por onde o lítio é transportado; traumas psicológicos; aumento
da ansiedade e medo em relação ao futuro.
Elaborado pela autora a partir das entrevistas, 2024
Conforme apresentado no quadro, observou-se que os impactos sociais dizem
respeito principalmente à falta de infraestrutura para receber os empreendimentos.
“O poder público não tem órgãos estruturados para lidar com essa questão
[mineração]. Araçuaí tem um plano diretor, mas a mineração não está dentro
do plano diretor” (Atingido de Araçuaí). As cidades consideradas grandes na
região têm cerca de 40 mil habitantes. Ou seja, falta estrutura para lidar com a
expansão. Isso tem limitado as chances das comunidades de se beneficiarem de
uma possível dinamização da economia em torno da mineração:
As empresas não querem ficar em Itinga, os escritórios foram para Araçuaí.
Eles reclamam que Itinga não tem estrutura, tipo rodoviária, aeroporto, lojas de
material de construção, mecânico, não tem casas e lojas que vendem tudo que
eles precisam para manter as máquinas e os carros que eles usam. Sobre esse
ponto de vista, nós já tomamos muito prejuízo. Eu vou falar que aqui em Itinga
tem estrutura? Aqui não tem estrutura mesmo não. Um dos impactos pra nós é
esse: ao invés de comprar aqui, eles compram de fora. Eles retiram o lítio daqui
e não deixa nada pra trás (Atingida de Itinga).
Não obstante, essa expansão minerária não planejada também tem acarretado
uma sobrecarga dos serviços públicos, em razão do aumento do fluxo de pessoas
nos territórios: “a gente vê uma sobrecarga do sistema de saúde, hospitais cheios.
continuação
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Antes a gente esperava 40 minutos, hoje espera 2, 3 horas para ser atendido.
Muita gente de fora. Isso tudo vai agravando o serviço público” (Atingido de
Araçuaí).
Essa intensificação do fluxo de trabalhadores tem alterado a organização
territorial, provocando outros efeitos em cadeia, como o aumento da exploração
sexual de mulheres e meninas, de casos de assédio, estupro e gravidez na
adolescência, assim como a sobrecarga do trabalho doméstico sobre as mulheres.
Identificou-se também o aumento dos barulhos de explosões e rachaduras
nas casas: “da nossa comunidade a gente escuta as explosões. É como se fosse
um trovão” (Indígena de Cintra Vermelha de Jundiba). Além disso, houve uma
piora das estradas e, consequentemente, aumento do número de acidentes com
vítimas, em razão da intensificação do fluxo de veículos pesados: “a falta de
conservação das rodovias (...), aumento do volume de veículos de carga pesada
a partir de 5 horas da manhã, muitos buracos, não tem limite de velocidade, tem
caminhão que roda a 120 km por hora. Em época de chuva piora ainda mais”
(Atingido de Itaobim).
A exploração do lítio tem sido também o motor do deslocamento forçado e
expulsão de famílias que possuem propriedades na zona de interesse das empresas.
Essa situação tem causado medo e ansiedade especialmente nas comunidades
onde vêm sendo realizadas pesquisas por parte das empresas: “muitas pessoas
estão com medo de perder suas propriedades. A empresa chega e fala: você só
manda em cima da terra, debaixo da terra é da união, você não tem direito.
Então se eles fazem uma pesquisa e deu minério, você querendo ou não, eles
vão explorar” (Atingido de Virgem da Lapa).
Em relação aos impactos ambientais, a principal queixa foi em relação ao
abastecimento hídrico. Como trata-se de uma região semiárida, a população já
sofre com os problemas da seca, especialmente em alguns períodos específicos do
ano. Ademais, sabe-se que o processo de mineração utiliza muita água durante
a extração e o beneficiamento: “onde eles estão fazendo sondagem, já estão
também perfurando poços artesianos. Quando você vai para o subsolo e faz
poços artesianos, a tendência da água é diminuir” (Atingido de Virgem da Lapa).
Além do rio Jequitinhonha ter importância central para o abastecimento
hídrico, “ele também tem um valor cultural” (Atingido de Pedra Azul). No entanto,
ele não é o único rio ameaçado pela exploração. “O rio Piauí está correndo o
risco de ser totalmente soterrado, porque está muito próximo de onde está sendo
minerado” (Indígena de Cintra Vermelha de Jundiba). Ademais, “as primeiras
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chuvas que tiveram agora, as pessoas não conseguiram aproveitar para a captação
de água, porque é uma água leitosa, então, ou seja, o lítio já está indo para o
ar” (Atingido do Quilombo Jenipapo Pinto).
Outro impacto ambiental mencionado foi a alteração da paisagem em razão
do desmatamento: “as empresas vão deixando crateras e estragando o subsolo.
Só que em cima do subsolo existe animais, pessoas, plantas que precisam ser
protegidas”. Isso explica o desaparecimento de alguns “animais, abelhas e plantas
medicinais” (Indígena de Cintra Vermelha de Jundiba).
Com o avanço da exploração, notou-se também impactos econômicos a
partir do aumento generalizado no custo de vida da população, com destaque
para a especulação imobiliária: “os alugueis estão absurdos. Os locatários estão
obrigando as pessoas a saírem de suas casas para alugar para a mineradora,
que paga mais” (Atingido de Araçuaí). Assim, muitas pessoas da cidade estão
ficando sem moradia.
Além disso, outros setores da economia estão sendo sufocados, uma vez
que o comércio local tem priorizado o setor mineral: “Aqui tem feira, artesanato,
agricultura familiar. Tudo isso está ligado à economia da região. Agora, de repente,
todas essas atividades estão sendo deixadas de lado e todas as esperanças
estão sendo colocadas na mineração do lítio” (Indígena de Cintra Vermelha
de Jundiba). Nesse sentido, há uma insegurança em relação ao uso do termo
“desenvolvimento” ligado unicamente à exploração mineral.
Os trabalhos disponíveis são “precarizados e terceirizados”. Os trabalhadores
em regime CLT, estão recebendo “salários muito abaixo do que estão produzindo
para as empresas” (Atingido de Virgem da Lapa). Adicionado a isso, ao invés de
investir em cursos profissionalizantes, as empresas têm optado por “importar
mão de obra de outros locais” (Atingido de Araçuaí).
Sobre os impactos educacionais, destacou-se o fato do encarecimento
do custo de vida estar impossibilitando a permanência de jovens na escola.
Não obstante, professores relataram que as empresas têm contratado, ainda
que informalmente, menores de idade para prestação de serviços, o que tem
prejudicado o ensino e aprendizagem, aumentando o número de evasão escolar.
Conheço jovens de 16 anos que foram contratados. A gente trabalha com
pedagogia da alternância. Os jovens ficam 15 dias na escola em Araçuaí, depois
voltam para os seus territórios e ficam outros 15 dias. Quando eles voltam para
os seus territórios, estão prestando serviço para essas empresas terceirizadas.
Não sabemos como as empresas estão operacionalizando isso. (...) já fizemos
Marina Paula Oliveira
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essa denúncia no Ministério Público do Trabalho. Isso tem prejudicado muito o
ensino na nossa escola (Atingido de Araçuaí).
Os impactos na política e no entendimento da prática da cidadania na região
também foram objeto de preocupação dos moradores. “As empresas vão fazendo
parcerias com algumas correntes políticas e fortalecendo grupos que favorecem
os interesses da própria empresa. (...) eles vão criando guetos políticos que
controlam a agenda de desenvolvimento” (Atingido de Araçuaí). Essa situação
tem se agravado e os atingidos se preocupam com o impacto da mineração nas
próximas eleições, como comenta uma liderança de Araçuaí: “ano que vem é
ano eleitoral. Será que a sociedade vai ter oportunidade de discutir política sem
envolvimento das empresas e de seu poder econômico?”
Os impactos culturais também já estão presentes na vida das comunidades,
a começar pela tentativa de mudar a identidade da região, transformando o Vale
do Jequitinhonha em “Vale do Lítio”: “o governador quer mudar a nossa cultura”
(Atingido de Itaobim). A preocupação com a mudança da cultura popular se dá
também devido ao fato das produções culturais regionais estarem necessariamente
ligadas ao território, ao rio e à lida na roça:
Na medida em que um empreendimento altera essa paisagem e muda
completamente o território, você ameaça também as manifestações culturais. A
questão do rio Jequitinhonha, por exemplo, grandes manifestações das comunidades
ribeirinhas estão ligadas com o rio, se o rio morre, morre também todas essas
manifestações de alguma forma (Atingido de Pedra Azul).
As lideranças indígenas e quilombolas demonstraram insegurança com a
mudança no modo de vida causada pela exploração: “mexe com a questão do
território porque nosso território é sagrado, o cuidado da natureza, a espiritualidade,
a questão das garrafadas para curar várias doenças, as rezas, os rituais, então
mexe completamente com a questão cultural e social das nossas comunidades”
(Atingido do Quilombo Jenipapo Pinto).
O impacto sobre a saúde é uma preocupação antiga, em razão da exploração
da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), que extrai o mineral há décadas na região:
“o que tem de gente que eu conheci e conheço que teve enfisema pulmonar, que
morreu por conta do pó da extração do lítio, não está escrito. A nossa região
tem alto índice de câncer” (Atingida de Itinga). “O povo fala que antigamente
as pessoas que trabalhavam na mineradora antiga, que hoje é CBL, duravam
até 40 anos de idade” (Atingido de Itaobim).
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Com a expansão da exploração, há uma maior preocupação relativa ao
agravamento dos impactos na saúde: “as carretas transportam o material molhado,
então sai pingando resíduo pelas estradas e pelas comunidades. Esse resíduo que
está sendo transportado pelos caminhões e virando poeira, pode gerar problemas
cancerígenos e respiratórios no futuro (Atingido de Itaobim). Os entrevistados
relataram também que os trabalhadores das mineradoras têm se queixado da
poeira e de problemas respiratórios.
Demandas e necessidades das comunidades
A partir das entrevistas, identificou-se as demandas das comunidades, que
foram sistematizadas a partir de seis categorias propostas por Oliveira (2023),
sendo elas: (1) Reparação socioambiental; (2) Reparação socioeconômica;
(3) Dignificação das vítimas; (4) Justiça e responsabilização criminal; (5) Memória
e verdade; e (6) Direito à resistência.
Demandas de recuperação da fauna, flora e biodiversidade local estão na
categoria “reparação socioambiental”. As demandas relativas à dinamização da
economia e diversificação da matriz econômica, por sua vez, fazem parte da
categoria “reparação socioeconômica”. Já a categoria “dignificação das vítimas”
inclui demandas de carácter emergencial, ou seja, medidas essenciais para
garantir a manutenção da vida digna para as populações afetadas.
Em relação à categoria “justiça e responsabilização criminal”, as demandas
estão organizadas a partir da necessidade de se garantir o cumprimento das
legislações existentes, visando a não-repetição de violações socioambientais,
assim como a construção de uma relação mais equitativa entre empresas e
comunidades. De maneira complementar, a categoria “memória e verdade”
ordena as demandas referentes ao acesso à informação verídica, qualificada e
independente.
Por fim, a categoria “direito à resistência” reúne as demandas relativas ao
direito de participar, discordar e enfrentar as ações implementadas pelas empresas
e/ou estado, sem retaliação (Oliveira 2023).
As demandas das comunidades resgatam o histórico de vulnerabilidade
social da região:
Nós estamos falando da região mais pobre de Minas Gerais, com os menores
Índices de Desenvolvimento Humano, (...) a luz elétrica chegou a pouco tempo
Marina Paula Oliveira
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em algumas regiões. Problema de saúde, educação, energia, água, assistência
social, convivência com o Cerrado (Atingido de Teófilo Otoni)
Essa realidade demanda uma série de medidas e políticas públicas para
enfrentar problemas estruturais das mais diversas naturezas: “quando a gente fala
de demandas da região, podemos falar um dia inteiro. (...) com todo o sistema
de informação que o governo tem, o Zema já conhece as nossas demandas”
(Atingido de Capelinha). A seguir, serão apresentadas as demandas:
Quadro 3Sistematização das demandas das comunidades atingidas e/ou
em risco pela exploração do lítio na região
Categoria Demandas
Reparação
socioambiental
Resguardar a Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Lagoão,
proteção e recuperação das nascentes; proteção do rio Araçuaí e do rio
Jequitinhonha; delimitar as áreas de proteção das matas ciliares.
Reparação
socioeconômica
Melhorias nas escolas; fomento à agricultura familiar e à atividades produtivas
em geral; melhorias na educação; fortalecimento dos serviços de assistência
social; fortalecimento da cultura popular; geração de emprego e renda;
fomento ao desenvolvimento socioeconômico da região; implantação de obras
de infraestrutura, diversificação da matriz econômica; planejamento urbano
e rural; combate à violência contra a mulher; soberania alimentar; instalação
de empresas de beneficiamento do lítio; industrialização; implantação de
centros de beneficiamento do lítio; oferta de cursos profissionalizantes
para jovens e adultos; fortalecimento e criação de instituições de ensino
públicas; investimento em ciência e tecnologia; crédito e financiamento
para pequenos empreendedores; desenvolvimento de tecnologias sociais
de convivência com a atividade rural.
Dignificação das
vítimas
Melhoria das moradias; melhorias nas estradas, implantação de transporte
público de qualidade; segurança hídrica (implantação de obras de irrigação,
poços artesianos e barragens) e energética; acesso à saúde pública de
qualidade; saneamento básico; segurança pública.
Justiça e
responsabilização
criminal
Controle social da exploração; distribuição dos recursos arrecadados pelo
governo por meio de políticas públicas; tributação adequada sobre os
minerais explorados; medidas de compensação suficientes para conter os
impactos dos empreendimentos; direito de dizer não à entrada da mineração
em territórios tradicionais indígenas e quilombolas; estabelecimento
de garantias de retorno para as comunidades; respeito à Convenção
169 e aos protocolos de consulta livre, prévia e informada; respeito das
legislações ambientais existentes, e penalização em caso de descumprimento;
indenizações justas.
continua...
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Categoria Demandas
Memória e
verdade
Acesso à informação qualificada e independente; assessoria técnica
independente e especializada; transparência em relação ao projeto "Vale
do Lítio"; elaboração de estudos de impacto e projetos para minimizar os
impactos negativos; divulgação de notícias comprovadas e banimento
de informações e propagandas enganosas; fortalecimento da cidadania
e participação política; reconhecimento dos povos indígenas Pankararu,
Pataxó, Aranã Kaabok, Aranã Índio e Maxakali e dos quilombolas como
atingidos.
Direito à
resistência
Participação popular; direito de questionar os empreendimentos minerários
sem sofrer retaliação por parte do governo; acompanhamento ativo por
parte do Estado, das Instituições de Justiça e das prefeituras.
Elaborado pela autora a partir das entrevistas (2024) e das categorias propostas por Oliveira 2023.
Em relação às demandas por reparação socioambiental, foi destacada a
necessidade de se salvaguardar a Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada
do Lagoão: “(...) é a caixa d’água da nossa região. Essa APA está completamente
desprotegida. O governo e as mineradoras deveriam fazer um projeto de proteção
da APA, das nascentes. Na verdade, o que eles estão tentando fazer é diminuir
a área da APA para poder minerar” (Indígena de Cintra Vermelha de Jundiba).
Na avaliação da liderança da comunidade de Itaobim, “essa exploração não
pode ocorrer em locais que impactam ambientalmente e socialmente a região,
como por exemplo na Chapada Lagoão”. Essa preocupação com a proteção da
APA, dos rios e das nascentes se dá sobretudo pelo problema histórico de seca
e falta d’água na região semiárida: aqui na nossa cidade, na zona rural, a
demanda é água. Muitas famílias não têm condições de fazer poço artesiano”
(Atingida de Capelinha).
No que se referem às demandas por reparação socioeconômica, os atingidos
destacaram a necessidade de implementar políticas para geração de emprego e
renda: “a maioria da comunidade está sem emprego. É irrisória a quantidade
de pessoas da região que trabalha na mineração” (Atingido de Itaobim). Foi
apresentado também o desejo de instalação de indústrias para o beneficiamento
do lítio: “eu acho que ao invés de levar o beneficiamento do lítio para outros
lugares, as empresas deveriam se instalar aqui. A gente poderia produzir baterias
elétricas com esse lítio” (Atingida de Itinga).
No entanto, as demandas não se restringiram à maior dinamização do
setor mineral, incluindo também iniciativas de fomento à agricultura familiar e
continuação
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outras atividades produtivas, assim como maiores investimentos para a ciência e
tecnologia: “precisamos de uma universidade que pensa o território, com atuação
estratégica para o desenvolvimento regional” (Atingido de Teófilo Otoni).
Relativamente à “dignificação das vítimas”, foi demandado o abastecimento
hídrico e saneamento básico da região: “estão mandando caminhão pipa para
algumas comunidades para levar água. Cadê a água tratada? Cadê a água encanada?
Será que todo mundo tem banheiro nos arredores dessas comunidades?” (Atingido
de Itaobim). Na avaliação dos entrevistados, a escassez de água desencadeia uma
série de violações de direitos da dignidade humana, limitando inclusive a geração
de renda por meio da produção e da agricultura familiar, e, consequentemente,
reproduzindo a situação de insegurança alimentar e fome: “devido à escassez
de água, a gente produz pouco” (Indígena de Cintra Vermelha de Jundiba).
Outra demanda recorrente é a necessidade de implementação de obras de
infraestrutura básica, como a construção de pontes e melhorias em estradas
que assegurem o direito de ir e vir das populações locais. Houve também uma
demanda significativa por investimento na área da saúde, devido à infraestrutura
precária para atendimento médico e combate de doenças já erradicadas em outros
territórios: “a gente tem problemas com barbeiro, febre amarela” (Atingido de
Teófilo Otoni). Para acessar serviços básicos, como “tomografia ou ressonância”,
as pessoas precisam se deslocar até Teófilo Otoni.
As demandas para a “justiça e responsabilização criminal” tratam da
necessidade de estabelecer uma relação menos assimétrica entre comunidades
e empresas, com “garantias mínimas para as comunidades” (Atingido de Pedra
Azul), aumentando consideravelmente as políticas de compensação para a região:
a gente espera o justo. O governo precisa equalizar as disparidades sociais no
estado” (Atingido de Capelinha).
Por outro lado, a principal demanda da categoria “memória e verdade” foi
o acesso à informação qualificada e independente, com auxílio técnico para a
elaboração de estudos dos danos socioambientais provocados pela instalação dos
empreendimentos, assim como propostas de mitigação, compensação e reparação:
As empresas não estão dando um suporte de assessoria técnica independente.
As comunidades já cobraram, mas as empresas negam esse direito. O Estado e
a prefeitura não acompanham a situação. Pelo contrário, eles caminham junto
com a empresa. (Atingido de Araçuaí).
Na avaliação das comunidades, há relativa dificuldade de identificar a
totalidade dos impactos negativos das operações. Isso ocorre em razão da
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impossibilidade de se “fazer o monitoramento e acompanhamento dos impactos”,
uma vez que as comunidades perderam acesso aos territórios onde a exploração
tem avançado. Nesse sentido, diante da falta de informações, a preocupação
central tem sido a certeza de que “os impostos que vão chegar para a prefeitura
não serão suficientes para resolver os impactos negativos” (Atingido de Itaobim).
Por fim, as demandas categorizadas como “direito à resistência” dizem
respeito ao direito de participação popular no processo: “as politicas publicas só
acontecem com a pressão popular por parte das famílias. As nossas demandas não
estão representadas neste projeto porque não fomos convidados para construir
este projeto. Precisa ter participação popular, diálogo” (Atingido de Araçuaí).
Na seção seguinte, será destacada a disjunção entre os impactos provocados
e o não atendimento das demandas das comunidades. Esta arquitetura propicia
um cenário de privatização dos benefícios da extração mineral e socialização
dos seus prejuízos.
Privatização dos benefícios e socialização dos prejuízos
Ao longo das entrevistas, identificou-se uma baixa expectativa de que
a exploração do lítio represente uma mudança positiva para os índices de
desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas Gerais. Em
primeiro lugar, em razão da experiência prévia das comunidades com outros
empreendimentos que chegaram prometendo ser a grande “salvação” da região:
Esse modelo de desenvolvimento econômico é muito antigo. Toda vez que
chega, chega com essa narrativa de atacar os problemas crônicos da região, mas
de maneira geral tem poucos impactos. Geralmente as empresas fazem pequenas
compensações, mas nada que seja capaz de interferir de maneira satisfatória nas
questões que a comunidade apresenta. O Vale do Lítio ganhou projeção nacional,
mas aqui já passou várias propostas de modelo de desenvolvimento como essa.
A gente acaba ficando só com os impactos (Atingido de Pedra Azul).
Os moradores relataram que o lítio já vem sendo explorado há mais de 30
anos na região. Mesmo assim, nunca houve nenhum tipo de investimento: “eu
não espero investimento do governador não, porque se tivesse de fazer, já tinha
feito” (Atingido de Itaobim). Foram citadas também outras experiências negativas
de instalação de empreendimentos, como a implantação da barragem de Irapé, a
plantação de eucalipto, e a exploração de granito, grafite, ouro e pedras preciosas.
Marina Paula Oliveira
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Na minha visão, vai ser semelhante à exploração de granito. (...) quando
acaba a exploração, eles demitem os trabalhadores e fica só a destruição, e
depois procuram outros lugares para continuar explorando. (...) essas regiões
mais pobres acabam arcando é com os prejuízos mesmo, porque o lucro não
fica na região (Atingida de Medina).
Apesar da exploração de lítio já ter se iniciado nos municípios de Araçuaí
e Itinga, dados coletados mostram que as operações ainda não se traduziram
em benefícios para as comunidades da região: “a empresa já está extraindo.
Os benefícios não chegaram ainda, mas a riqueza já está sendo transportada.
(...) vamos continuar lidando com a mineração na lógica do pau Brasil?
Arrancar daqui e mandar pra fora?” (Atingido de Teófilo Otoni). Os entrevistados
demonstraram receio de a exploração significar apenas uma prática de
“neocolonização”: “gostaríamos que o projeto de desenvolvimento chegasse
antes da exploração” (Atingido de Capelinha).
Portanto, observou-se uma insegurança por parte dos atingidos em relação
ao aproveitamento de possíveis benefícios que podem vir da exploração do
lítio: “se tivesse uma distribuição das arrecadações e investimento na região,
poderia ser positivo. (...) mas eles só extraem, tiram e mandam para fora. Não
tem industrialização do produto. Não vai trazer nenhum desenvolvimento local.
Vamos ficar com as montanhas de destroços” (Atingido de Itaobim).
Ainda em relação à exploração do granito, os atingidos exemplificaram a
dificuldade de acessar até o produto extraído da própria região: “eles tiram tudo e
depois quando a gente precisa comprar uma peça de granito pra fazer uma soleira
de uma porta de 80cm X 20cm, você compra por um preço absurdo, sendo que
eles tiram daqui quase de graça” (Atingido de Virgem da Lapa). Além disso, a
histórica situação de vulnerabilidade social da região vem sendo utilizada como
justificativa para a imposição dos custos sociais decorrentes da instalação do
projeto: “os governantes usam a narrativa da miséria para justificar a entrada
de empresas e os impactos” (Atingido de Teófilo Otoni).
Alguns anúncios por parte do governo, como a implantação de um aeroporto
na região, geram dúvidas sobre os verdadeiros beneficiados do projeto: “agora vai
ter avião. Quem vai andar de avião? Eu não vou, porque não tenho condições”
(Atingido de Araçuaí). “Nunca ninguém se interessou nisso, agora vão fazer
isso por causa dos executivos que frequentam o município” (Atingida de Itinga).
Na mesma direção, apesar da principal bandeira da extração do lítio ser a
transição energética para fontes de energia consideradas limpas, os atingidos
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reiteraram que os carros elétricos não têm muita utilidade para a população
local: “nós não temos nem estradas para ter carro elétrico” (Atingido do Quilombo
Jenipapo Pinto).
É só capital pra enriquecer ainda mais as empresas e fazer os europeus e
americanos ficarem com a cabeça tranquila de que eles estão fazendo a parcela
deles de usar carro elétrico com energia sustentável, mas sem pensar de onde
está saindo essa matéria prima, e os impactos que estão causando na nossa
região. Pro povo em si, essa mineração não traz perspectiva nenhuma. Ela vai
criar subempregos agora no início, de serviço braçal, que é necessário para a
construção do campo de trabalho. Depois, esse pessoal vai ser todo mandado
embora e vai vir mão de obra especializada de outros locais, que a região não
tem. (...) é mais uma exploração do Brasil colonial (Atingido do Quilombo
Jenipapo Pinto).
Nesse sentido, os atingidos têm questionado quem seriam os verdadeiros
povos beneficiados e os povos prejudicados e sacrificados com a exploração:
a maioria dos investidores que estão jogando dinheiro aqui na mineração não
moram aqui. A maioria dos investidores da Sigma está na bolsa de valores de
Nova York, nem de São Paulo não é. E o Zema está falando de lítio verde, que
lítio verde é esse que está deixando impactos terríveis na nossa região?” (Atingido
de Virgem da Lapa).
Considerações finais
Conforme apresentado, o direito à participação qualificada e informada
dos atingidos não tem sido respeitado no processo de exploração e expansão da
mineração do lítio no Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas Gerais. Como as
comunidades não têm participado do processo, elas não tiveram a oportunidade
de expressar suas demandas e nem de contribuir para a construção de uma
política de retorno expressiva de suas necessidades. Essa ausência dos atingidos
impossibilita o aproveitamento de quaisquer benefícios gerados a partir da
instalação dos empreendimentos.
Identificou-se a necessidade de estabelecer uma relação menos assimétrica
entre comunidades e empresas. Isso seria possível por meio da garantia ao
direito à Assessoria Técnica Independente, um instrumento já utilizado em
outras regiões atingidas pela mineração em Minas Gerais, como Brumadinho e
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Bacia do rio Paraopeba, Mariana e Bacia do rio Doce, Conceição do Mato Dentro,
Itatiaiuçu, entre outros. A Assessoria Técnica poderia assessorar as comunidades
atingidas com a realização de estudos, pesquisas, mapeamento dos impactos,
sistematização das demandas e diálogo com os organismos públicos e atores
privados. Outra iniciativa necessária é a criação e implementação de legislações
protetivas em matéria de direitos humanos e empresas, assim como o respeito
à consulta livre, prévia e informada das comunidades tradicionais, garantida
pela Convenção 169.
Quando o governo estadual lançou o projeto “Vale do Lítio”, criou-se uma
expectativa de que a exploração estivesse necessariamente vinculada a um
projeto de desenvolvimento para a região. No entanto, as informações fornecidas
pelo próprio estado demonstram a falta de um planejamento para erradicar os
problemas estruturais e reprodutores da desigualdade social. Nesse sentido, as
iniciativas promovidas pelo governo se restringem simplesmente à atração de
investimento e de empresas extrativas para os territórios, reforçando o papel do
Brasil e dos territórios atingidos como fornecedores de matéria prima.
Observou-se que os impactos negativos decorrentes da exploração já estão
presentes e puderam ser categorizados em suas diferentes dimensões: social,
econômica, politica, educacional, ambiental, cultural e sanitária. Ao mesmo
tempo, notou-se uma capacidade das comunidades em sistematizarem suas
diversas demandas, relacionadas à reparação socioambiental, socioeconômica,
acesso à justiça, participação e informação qualificada.
Notou-se uma preocupação em relação à falta de investimento na cadeia de
produção do lítio, especialmente relacionada ao processo de beneficiamento e
industrialização do mineral, atividades com maior valor agregado, que poderiam
gerar empregos mais qualificados e bem remunerados. Somado a isso, as entrevistas
apontaram a falta de investimento em ciência e tecnologia, não incorporando
as universidades da região no processo. Também não há investimento para a
formação e qualificação da mão de obra local, o que se traduz na importação
de trabalhadores para ocuparem as melhores vagas, enquanto a população local
se limita aos postos de trabalho mais precarizados.
Essa disjunção entre os impactos provocados e a ausência de resposta às
demandas das comunidades, mostra como a exploração do lítio vem contribuindo
para a manutenção e ampliação das desigualdades internacionais. Esse processo se
dá por meio da privatização dos benefícios para as elites políticas e econômicas,
e socialização dos prejuízos para as populações dos países periféricos. Esta
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tem sido uma prática recorrente na região do Vale do Jequitinhonha, conhecida
não só por suas riquezas culturais, mas também pela histórica situação de
vulnerabilidade social.
Em relação à questão ambiental, os moradores destacaram a necessidade de
garantir as Áreas de Preservação Ambiental como territórios livres de mineração,
uma vez que são fundamentais para o abastecimento hídrico da região, que já
enfrenta históricos problemas com a seca. Os atingidos relataram outras experiências
que prometeram levar o desenvolvimento para a região e não obtiveram sucesso:
extração de granito e pedras preciosas, monocultura de eucalipto, implantação
da barragem de Irapé, entre outros. O caso analisado corrobora o argumento de
que o processo de desenvolvimento ocorre de maneira desigual em diferentes
regiões do planeta, conforme apresentado pela Teoria da Dependência.
Dados coletados mostram como o lítio extraído dos territórios é orientado
por uma demanda do mercado externo, que, por sua vez, não é necessariamente
compatível com as demandas das comunidades locais. A produção de carros
elétricos para enfrentamento à crise climática, por exemplo, não beneficia
diretamente os territórios. Pelo contrário, a região não é contemplada por estradas
adequadas para veículos, não dispõe de infraestrutura e transporte público e
ainda existem comunidades sem acesso a energia elétrica. Enquanto isso, há um
superconsumo de energia em países desenvolvidos, que naturalmente possuem
maior responsabilidade no agravamento da crise ambiental, assim como possuem
também tecnologias mais avançadas para seu enfrentamento.
Assim, o artigo demonstrou como a narrativa da transição energética para
fontes de energia consideradas limpas, vem gerando impactos devastadores
para os territórios periféricos do Vale do Jequitinhonha: “não queremos ser
explorados, queremos ser parte do desenvolvimento” (Atingido de Capelinha).
Por fim, destacou-se que o papel do Brasil como fornecedor de lítio para a
transição energética, associado à falta de transferência de tecnologia, alimentam
uma relação de dependência e subalternidade no Sistema Internacional. Ou seja,
considerando as importantes reservas de minerais críticos brasileiras, o processo
de transição energética, se não bem orientado, aponta para uma reprimarização
da economia.
Marina Paula Oliveira
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