Enrique Carlos Natalino; Ivan Filipe Fernandes; Luís Fernando Baracho
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 1, e1411, 2024
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Pensamento araujista e a política
externa brasileira:
o conservadorismo alienígena
The Araujista paradigm and Brazilian
foreign policy:
the alien conservatism
Pensamiento araujista y la política
exterior brasileña:
el conservadurismo ajeno
DOI: 10.21530/ci.v19n1.2024.1411
Enrique Carlos Natalino
1
Ivan Filipe Fernandes
2
Luís Fernando Baracho
3
Resumo
O artigo examina a influência das ideias no conteúdo discursivo
da política externa brasileira durante a gestão de Ernesto Araújo,
primeiro chanceler de Jair Bolsonaro (2019-2021). Apresentamos
duas hipóteses a serem testadas: (i) a política externa sob a
chancelaria de Ernesto Araújo não se baseia na tradição
conservadora brasileira; (ii) os modelos conceituais adotados têm
como fundamento uma linha do conservadorismo estadunidense,
1 Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Pesquisador no Programa Internacional de Pós-Doutorado do Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento. (enrique.natalino@gmail.com).ORCID: https://
orcid.org/0000-0003-4271-3319.
2 Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Professor de Políticas
Públicas da Universidade Federal do ABC. (ivan.fernandes@ufabc.edu.br).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4236-4393.
3 Doutorando em Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC. Professor
de Direito Internacional da Universidade São Judas Tadeu (SP). (luisfernando.
baracho@gmail.com). ORCID: https://orcid.org/ 0000-0001-5253-1362.
Artigo submetido em 20/12/2023 e aprovado em 22/08/2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
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ISSN 2526-9038
Pensamento araujista e a política externa brasileira: o conservadorismo alienígena
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 1, e1411, 2024
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conhecido como paleoconservadorismo. Mapeamos os conceitos mais relevantes do seu
pensamento internacional em textos publicados antes de sua nomeação e mensuramos a
ocorrência dos principais conceitos nos seus discursos como Chanceler.
Palavras-chave: Pensamento Internacional Brasileiro, Conservadorismo, Neoconservadorismo,
Nacional-populismo, Jair Bolsonaro.
Abstract
This article examines the influence of conservative ideas on Brazilian foreign policy during
the administration of Ernesto Araújo, first Foreign Minister of Jair Bolsonaro´s government
(2019-2021). This article presents two main hypotheses: (i) the foreign policy under Ernesto
Araújo is not based on the Brazilian conservative tradition; (ii) the conceptual models adopted
are based on a particular type of American conservatism, known as paleoconservatism. We
mapped the most relevant concepts of his international thought in texts published before
his appointment and then measured the occurrence of the main concepts in his speeches
as Chancellor.
Key words: International Brazilian Thought, Conservatism, Neoconservatism, National
Populism, Jair Bolsonaro.
Resumen
Este estudio examina la influencia de las ideas conservadoras en la política exterior brasileña
durante la administración de ErnestoAraújo, en el gobierno de Jair Bolsonaro (2019-2021).
Este artículo presenta dos hipótesis: (i) la política exterior bajo Ernesto Araújo no se basa
en la tradición conservadora brasileña; (ii) los modelos conceptuales adoptados se basan en
un tipo propio del conservadurismo estadounidense, conocido como paleoconservadurismo.
Mapeamos los conceptos más relevantes de su pensamiento internacional en textos publicados
antes de su nombramiento y luego medimos la ocurrencia de los conceptos principales en
sus discursos como Canciller.
Palabras clave: Pensamiento internacional brasileño, Conservadurismo, Neoconservadurismo,
Nacional-populismo, Jair Bolsonaro.
Enrique Carlos Natalino; Ivan Filipe Fernandes; Luís Fernando Baracho
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Introdução
Este trabalho parte do pressuposto que as ideias são uma variável central
na explicação de fenômenos políticos (Hall 1986; Gourevitch 1986). Entendidas
como visões de mundo que guiam comportamentos e escolhas estratégicas, as
ideias fornecem uma base para compreender a construção da política externa.
Goldstein e Keohane (1993) sugerem que as ideias atuam como pontos de referência
para a hierarquização e coordenação de interesses. Quando adotadas por atores
políticos, essas ideias mobilizam símbolos, emoções e lealdades, traduzindo-se em
discursos, narrativas e ações que influenciam o processo de tomada de decisão.
As ideias relacionadas à organização da economia, da segurança nacional e
da política externa se cristalizam na cultura política e nos aparatos institucionais,
sendo mobilizadas para a defesa e para a legitimação de escolhas (Campbell, 2002).
Em um cenário de incertezas nas relações internacionais, as ideias funcionam
como “mapas do caminho” (road maps), que estabelecem objetivos e direções
estratégicas para as nações (Ikenberry, 1993 e 2001). Os mapas do caminho
referem-se ao conjunto de reflexões que orientam a política externa e a cooperação
internacional na busca por determinados objetivos (Ikenberry 1993).
Especificamente investigaremos a influência das ideias na formulação da
política externa durante o governo do presidente Jair Bolsonaro e a gestão de
Ernesto Araújo como chanceler (2019-2021), respondendo às seguintes perguntas:
Quais foram as concepções ideológicas que sustentaram as decisões de política
externa no período denominado “araujista”? Quais são os fundamentos teórico-
conceituais que moldaram o discurso governamental nesse contexto?
No campo da Análise da Política Externa, diversas correntes cognitivas
destacam o papel das ideias na tomada de decisão. Robert Jervis (1976)
analisou como crenças e percepções dos líderes influenciam a política externa,
especialmente quando modelos equivocados resultam em efeitos deletérios.
No caso do Pensamento Internacional Brasileiro são examinadas as ideias de
militares, diplomatas, intelectuais e políticos sobre a inserção internacional do
Brasil e como moldaram a política externa ao longo de dois séculos de vida
política independente (Belém Lopes 2014; Natalino 2020).
Além disso, a Psicologia Moral, por meio da Teoria dos Fundamentos da
Moral (TFM) de Haidt (2012) e Graham et al. (2009), identifica a moral como
universal, mas cujo conteúdo de seus fundamentos é específico a cada contexto.
Haidt e Graham et al. sugerem que diferentes grupos políticos se alinham com
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seis esquemas morais distintos (Cuidado/Prejuízo, Justiça/Engano, Autoridade/
Subversão, Santidade/Degradação, Liberdade/Opressão), cujo conteúdo substantivo
é dependente do Contexto. Liberais/progressistas focariam principalmente em
justiça e cuidado, enquanto conservadores mobilizariam um espectro mais
amplo de apelos morais. A TFM permite identificar os conceitos que formam o
“mapa do caminho” do pensamento conservador anglo-saxão contemporâneo,
particularmente em sua conexão com os movimentos da “nova direita”.
Combinando as três vertentes, podemos assumir que as ideias importam e
se convertem em políticas públicas e ações por meio de grupos de interesse e
partidos políticos, elaboração de programas de governo, cooptação da burocracia
estatal e alocação de recursos (Gourevitch 1986) em um processo interativo de
deliberação e legitimação de discursos, em conjunto com variáveis contextuais
como interesses, cultura organizacional, instituições, política doméstica e estrutura
internacional (Perissonoto e Stumm 2017).
A primeira hipótese (H1) que orienta este trabalho é a de que a política
externa do presidente Jair Bolsonaro, em especial sob a chancelaria de Ernesto
Araújo, não deita raízes na tradição conservadora da política externa brasileira
(TCPEB), que remonta à construção do Estado nacional durante o Império e à
condução da política externa pelo Barão do Rio Branco, na Primeira República
(Cervo 2008; Ricupero 2017). Para a explorarmos, levantamos os principais
temas da formação da política externa brasileira conservadora entre o Império e
a Primeira República, a partir do campo do Pensamento Internacional Brasileiro.
A segunda hipótese (H2) é a de que a concepção internacional do então
chanceler se embasa num alinhamento ideológico atrelado aomodelo conservador
estadunidense, em especial o paleoconservadorismo, revisitado na presidência de
Donald Trump (2016-2020). Para a explorarmos, buscamos identificar o repertório de
temas mobilizados por Ernesto Araújo em política externa, partindo do referencial
da TFM. Nesse sentido, mostramos evidências da maior aproximação de seu
repertório imaginário e conceitual com as referências estadunidenses do final da
Guerra Fria e revisitadas durante a administração de Donald Trump. Assim, podemos
entender como o pensamento conservador brasileiro em relações internacionais
que nos foi legado não correspondeu às escolhas do governo Bolsonaro em matéria
de política externa, em especial na chancelaria do diplomata Ernesto Araújo.
A fim de desenvolver o argumento que baliza as hipóteses acima, recuperamos
as tradições do pensamento conservador em política externa brasileira, bem
como o legado positivado na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Em seguida,
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analisamos como tais elementos do pensamento conservador se articulam, ou
não, nas ideias que movimentam e organizam os princípios discursivos da PEB
araujista. Para testar estas hipóteses, por sua vez, construímos um mapa de
ideias e de conceitos mobilizados por Ernesto Araújo que destoam dos conceitos
recorrentes da PEB a partir das contribuições da TFM. Essas ideias foram levantadas
em duas publicações: “Trump e o Ocidente” (2017) e “Por um reset conservador-
liberal(2020). Com este mapeamento, analisamos as suas ocorrências de uso
pelo ministro em seus discursos catalogados em duas publicações pela Fundação
Alexandre de Gusmão (“FUNAG”), em 2019 e em 2020.
Posto isto, o trabalho se divide em cinco seções. A primeira apresenta um
sumário do que se considera “conservador” no pensamento político e como
isso pode ou não qualificar a política externa. A segunda seção discorre sobre a
formação da tradição conservadora da política externa, enfatizando a prevalência
do programa conservador sobre o liberal e sua consagração na Primeira República
com o Barão de Rio Branco, e apresenta a constitucionalização da política externa
em 1988, que mescla elementos do legado anterior e uma agenda progressista do
projeto constitucional. Na terceira seção, analisamos o pensamento conservador e
a política externa dos Estados Unidos, mostrando com brevidade as suas diferentes
nuances. Na quarta, estabelecemos a estratégia metodológica. A quinta seção
analisa empiricamente os resultados da análise. Na primeira parte, mostramos
como o pensamento de Ernesto Araújo se relaciona com as tradições conservadoras
brasileiras em política externa e com o conservadorismo norte-americano. Na
segunda parte, apresentamos as evidências de como se articula o mapa mental do
araujismo por meio de duas coletâneas da FUNAG. Nela, demonstramos como o
araujismo está muito próximo do pensamento paleoconservador estadunidense,
mesmo que com tonalidades locais. Finalmente, na última, tecemos nossas
considerações finais, resumindo achados e apontado possíveis caminhos de
pesquisa sobre o papel das ideias e do paleoconservadorismo na política externa
da nova direita radical.
Conservadorismo e política externa
Ao tratar o interesse nacional como uma construção intelectual, unidade
de análise e parâmetro de ação, a política externa estabelece pilares destinados
a resistir à ação do tempo. Seria extremamente inconveniente um interesse
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nacional que mudasse constantemente e reorientasse bruscamente a política
externa. Assim, a política externa, ancorada no “tempo diplomático” mais lento,
está intrinsecamente inclinada a formar e a preservar tradições, ao invés de
promover rupturas e revoluções frequentes.
Este é o desafio ao qualificar a política externa de um Estado ou de um
governo em exercício como “conservadora”. Afinal, quais seriam os elementos
conservadores de uma política externa, além de ideias e de ações que, de início,
buscam ser mais consistentes e duradouras? Para tanto, nesta seção, buscamos
apresentar o conceito político de conservadorismo em sua concepção, como é
proposto pela literatura contemporânea e apontamos seus limites. Em seguida,
indicamos possíveis aplicações deste conceito à noção de política externa.
O pensamento conservador tem como precursor o filósofo inglês Edmund
Burke (1729-1797), que se contrapôs às ideias do iluminismo racionalista francês
de inspiração rousseauniana, cujos princípios pautaram os primeiros passos da
Revolução Francesa (Kirk 2001 e 2014). Na Europa continental, o pensamento
conservador buscou, desde o século XVIII, enaltecer a solidez dos modelos
políticos comunitários e tradicionais, com foco na ideia da soberania popular,
contrapondo-os à fragilidade dos modos de vida individualistas (Scruton 2018).
O pensamento conservador, como muitas das referências teóricas e práticas
da política contemporânea, tem nas revoluções ocidentais do século XVIII e no
Iluminismo o seu ponto de gestação, e se posicionou como reação às mudanças
imaginadas e praticadas pelas revoluções liberais, em especial a Revolução
Francesa (Kirk, 2001). A Revolução Francesa não apenas inovou no modelo
político — em um primeiro momento com uma monarquia constitucional e,
em um segundo momento, com a república — mas também se estendeu ao
campo dos costumes (laicização do Estado). É na instabilidade jacobina e na
mudança dos costumes sociais que o conservadorismo encontrou solo fértil
para se projetar, antecipando os perigos que seriam vislumbrados no período
do Terror revolucionário (1792-1794).
Além da oposição a esta sublevação da ordem política, social e econômica
estabelecida, os teóricos conservadores se voltam contra as mudanças políticas
orquestradas por ‘teóricos de gabinete’ que abandonariam por princípio a
experiência herdada em troca de uma fé na capacidade de reflexão racional sobre
a realidade social. Do lado conservador, haveria uma priorização da prudência
em lugar da aceleração da história (Kirk, 2014).
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Nicolson (1939) , em sua tradicional obra “Diplomacy”, dizia que a diplomacia
possui um tempo próprio, mais moroso em relação à dinâmica da política interna.
Na mesma linha, a obra homônima de Kissinger (1994) justifica o “tempo
longo” das ações diplomáticas tendo em vista dependerem de uma sequência
de compromissos e de entendimentos incrementais. Afinal, conforme o autor,
a diplomacia deve ser orientada por princípios que resistam ao teste do tempo
(Kissinger 2014).
O que propomos na próxima seção é explorar, sem pretensão de esgotar o
tema, quais são os princípios tradicionais da diplomacia brasileira que resistiram
ao teste do tempo atéa redemocratização do país, em 1985, e quais são os
“novos” princípios positivados na CF/88. Ao repertório tradicional, damos o
nome de Tradição Conservadora da Política Externa Brasileira (TCPEB); já aos
princípios referenciados no Art. 4º da CF/88, denominamos de Política Externa
Brasileira Constitucional (PEBC).
O percurso do conservadorismo em política externa:
um panorama histórico
O surgimento do Brasil como Estado soberano e ator internacional autônomo
se deu com o processo de Independência. Porém, a construção da TCPEB é
indissociável da consolidação do processo de centralização política do Estado
nacional brasileiro no início do II Reinado (1840-1889) (Almeida, 2013: 26). Isto
porque o seu acabamento como unidade territorial, política, administrativa,
econômica e social levaria mais de um século para efetivar-se. Durante a maior
parte do século XIX, o pensamento político produzido pelas elites brasileiras
correspondia às aspirações elementares de um país recém independente em
busca de modelos de organização social, moral, política, jurídica e institucional
(Faoro 2010; Weffort 2006.
Tal processo de “inculturação” ganha contornos mais claros em 1830, quando
se consolidam duas vertentes políticas: o liberalismo e o conservadorismo. Enquanto
os liberais buscavam uma inspiração em ideias cosmopolitas, universalistas e
moralistas, lastreadas no Iluminismo e na Revolução Francesa, os conservadores
se embasavam numa leitura realista e pragmática dos fatos, orientados pela
moderação e experiência, dentro do sentido de preservação e reformas incrementais
proposto por Edmund Burke (Lynch, 2017).
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A política exterior do começo do Segundo Reinado (1840-1889) corresponde
aos esforços de estabelecimento da ordem sobre o caos dos movimentos de
fragmentação, de centralização político-administrativa do Estado e de consolidação
da unidade nacional. Abriu-se a oportunidade de reorganização da política
externa a partir de bases mais realistas. Um dos principais teóricos da corrente
conservadora, Paulino José Soares de Sousa, o Visconde do Uruguai, liderou o
Ministério dos Negócios Estrangeiros em três ocasiões (1843-1844, 1849-1852 e
1852-1853). Os pontos centrais de seu pensamento em política externa eram a
defesa pragmática do interesse nacional e a ampliação das margens de autonomia
externa (Cervo e Bueno 2014; Ricupero 2017).
É importante destacar que havia nuances entre os programas de política
externa dos liberais e dos conservadores, conforme Martinez (2011) e Ricupero
(2000). A clivagem se concentrava nos seguintes temas: (i) abertura comercial;
(ii) relações com a Grã-Bretanha; (iii) política regional. No primeiro, os liberais eram
mais propensos a acordos comerciais, enquanto os conservadores inclinavam-se
mais para medidas protecionistas. No segundo, os liberais eram mais favoráveis à
aproximação com a Inglaterra, enquanto os conservadores adotaram uma postura
mais autonomista. No terceiro, os liberais eram mais favoráveis à intervenção
nos países vizinhos, enquanto os conservadores eram mais cautelosos com esse
tipo de ação.
A primeira década republicana, diante da ascensão dos Estados Unidos, viu
emergir novos temas, como o pan-americanismo e suas críticas (Cervo e Bueno
2014 ). A linha de ação que se consolidaria no Itamaraty foi influenciada pela
proeminência de José Maria da Silva Paranhos Júnior (Barão do Rio Branco),
nomeado ministro em 1902, que estabeleceu o pensamento conservador na
política externa da Primeira República. (Cervo 2014). Rio Branco representou a
possibilidade de conectar a diplomacia republicana às ideias, ações e diretrizes
da política externa imperial (Cervo 2014; Ricupero 2017).
Com a morte de José Maria da Silva Paranho Júnior, em 1912, o “mito do
Barão” tornou-se um elemento de coesão para salvaguardar a coesão interna
e a autonomia institucional do Ministério nas décadas seguintes. Com isso
consolida-se o eixo do pensamento conservador em política externa, baseado
em premissas como: (i) a ampliação da autonomia possível na política exterior;
(iii) o pragmatismo na condução da diplomacia (Almeida 2013).
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PEB constitucional: legado e progresso positivados
A abertura política e a redemocratização, em 1985, após duas décadas
de governo militar, abriram novas perspectivas para a inserção internacional
brasileira. Um dos marcos da redemocratização brasileira foi a promulgação da
CF/88 que, pela primeira vez, trouxe a positivação dos princípios das relações
internacionais brasileiras, em seu Art. 4º (Belém Lopes, 2017: 26-27).
O pragmatismo, elemento caro à TCPEB, condicionou novos paradigmas
diplomáticos como a Equidistância Pragmática (Getúlio Vargas), a Política Externa
Independente (Jânio Quadros e João Goulart) e o Pragmatismo Ecumênico e
Responsável (Regime Militar). Tancredo Neves afirmou que, apesar da mudança
de regime, a linha universalista e independentista da política externa conduzida
pelo Itamaraty deveria ser preservada (Ricupero, 2017). Neste diapasão, o Artigo
4º representou tanto a preservação da TCPEB (e.g., independência nacional,
não intervenção e igualdade entre os Estados), os paradigmas posteriores (e.g.,
integração latino americana) e a agenda progressista do projeto constitucional
(e.g., prevalência dos direitos humanos). Desta maneira a dinâmica da diplomacia
da Nova República passa, então, a ser justificada pelo texto constitucional (Lafer
2005; Pinheiro e Mello e Silva 1998).
O pensamento conservador contemporâneo e a política externa
dos Estados Unidos
O pensamento conservador burkeano é anglo-saxão. O bastão do conservado-
rismo passou no século XX dos britânicos para os estadunidenses. O antagonismo
mundial encontrava-se agora nos polos opostos da Guerra Fria, entre Estados Unidos
e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ao lado do anticomunismo,
que não é uma agenda exclusiva do conservadorismo nos Estados Unidos, houve
um processo de fusão com outros temas, cuja predominância torna-se variável,
com foco na agenda social e de valores (e.g., política contra o aborto, contra
o casamento homossexual, contra o fluxo de imigrantes não-europeus etc.) e
na agenda de controle fiscal para a contenção do Estado de bem-estar social
(Frohen 2006).
O conservadorismo estadunidense foi, ao longo do tempo, mais um ponto de
encontro de oposição a uma agenda externa (combate ao comunismo) e interna
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(combate à permissão do aborto ou controle dos gastos sociais), oferecendo uma
narrativa a posições políticas concretas, do que um conjunto de obras teóricas
coesas (Bianchi, 2015). Isso explica a diversidade de rótulos e de cismas internos,
como os subgrupos dos “neoconservadores”, dos “paleoconservadores”, dos
“tradicionalistas”, dos “libertários”, “Tea Party” etc. Pensadores conservadores
como William Buckley Jr., Pat Buchannan, Frank Meyer e Russel Kirk mostram
tantas nuances e variáveis em seu pensamento que é mais fácil identificar o que
os separa do que aquilo que os une (Gottfried 2006 ).
Como parte da camada social sobre a qual o conservadorismo americano se
firmou e se projetou para além das fronteiras americanas, estava o movimento
cristão evangélico reformado. Esse movimento contribuiu, de alguma forma,
para a adesão e a formatação a algumas das agendas sociais do conservadorismo
estadunidense, especialmente no que diz respeito à agenda social, seja contestando
a influência do pensamento científico entre o fim do século XIX e começo do século
XX, seja explorando a perda da primazia da comunidade sobre serviços públicos
como educação e saúde a partir da Primeira Guerra Mundial (Cromartie 2006 ).
A expansão das novas comunidades evangélicas sobre as tradicionais
(e.g., presbiterianos, luteranos e calvinistas), já evidente na década de 1970, se
mostrou presente na política americana nos anos 1980 (Ronald Reagan), dos
anos 1990 (George H. Bush) e dos anos 2000 (George W. Bush) (Cromartie,
2006). Na perspectiva de Vaise (2010), os neoconservadores norte-americanos
sofreram mudanças de pauta e de grupos de adesão ao longo de meio século,
mas chegaram no ápice de sua influência política nos dois mandatos de George
W. Bush (2001-2009). O autor aponta os seguintes elementos constituintes da
sua política externa: (i) a democratização dos regimes políticos em escala global;
(ii) o direito de intervenção para a promoção da democracia; (iii) a securitização
da agenda global via luta contra o terror. Nota-se, portanto, um viés idealista e
universalista, que exigiria dos Estados Unidos um papel de protagonista. Tais
elementos vão ao encontro dos quatro temas recorrentes apontados por Poggio
(2007): (i) internacionalismo não-institucional; (ii) unilateralismo; (iii) promoção
da democracia; (iv) intervenção militar.
Os paleoconservadores, por sua vez, buscam preservar e promover valores
culturais e sociais duradouros do Ocidente, assim como uma política externa mais
paroquial e isolacionista. Ainda que a filosofia paleoconservadora alcance, em sua
base, pensadores como Edmund Burke, ao enaltecer as instituições tradicionais e
a continuidade cultural, ela bebe de fontes mais recentes da primeira metade do
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século XX, como Oswald Spengler e T.S. Eliot. O primeiro, por alertar a respeito
das ameaças aos valores ocidentais em sua obra “O Declínio do Ocidente”, de
1918. O segundo, em sua obra como crítico literário, “Notas para uma definição
de cultura”, de 1944, destacou a importância da religião e da cultura tradicional
para a coesão social (Gottfried, 1993).
A eleição de Donald Trump permitiu a saída do paleconservadorismo das
margens da política americana, não obstante Trump nunca tenha usado essa
expressão em seus discursos ou postagens (Kolozoi 2017
). Em política internacional,
o paleoconservadorismo mobiliza os seguintes argumentos para formar sua
cosmovisão: (i) crítica ao livre comércio; (ii) crítica às empresas transnacionais;
(iii) crítica às elites cosmopolitas; (iv) internacionalização da “guerra cultural”
na defesa da tradição judaico-cristã; (v) crítica ao multilateralismo; e (vi) crítica
à ordem mundial liberal (Kolozoi, 2017). Como pontuou Thompson (2017),
apesar da ausência de um consenso acerca dessa corrente de pensamento,
é possível afirmar que o paleoconservadorismo se ancora na defesa dos valores
tradicionais da sociedade, na crítica ao centralismo de poder na União e em um
nacionalismo não-intervencionista e que repele as influências externas.
Fora do quadrante anglo-saxão, aquilo que se entende por paleoconserva-
dorismo é chamado de “reacionário” por Coutinho (2014 ), Lilla (2018) e Teitelbaum
(2020) . Para o autor português, o termo denota uma posição política distinta e
carregada de nostalgia pelo passado, crítica à modernidade e ao desejo de restaurar
uma ordem percebida como perdida. Ele diferencia claramente essa postura
do “conservadorismo tradicional”, alinhado com Burke, que busca preservar
e adaptar instituições existentes de forma gradual e pragmática. Defendemos,
contudo, a expressão paleoconservadora como a mais apropriada ao indicarmos
uma aproximação consciente do araujismo com esse modelo anglo-saxão.
Metodologia
Para observar os elementos centrais do discurso do araujismo na política
externa brasileira e contrapô-los à herança conservadora, brasileira e americana,
optamos por analisar os recursos lexicais dos principais textos que compõem o
conjunto de ideias que dão corpo ao seu pensamento, assim como a produção
discursiva durante seu mandato.
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Em termos de suporte teórico para nossa abordagem metodológica, nos
baseamos em Titscher et al. (2000), que ao discorrerem sobre as técnicas de análise
de discurso, apontam para os meios em que não se utilizam de softwares, entre
as quais destacamos duas: (i) mapa de conceitos; (ii) tabelas de frequência. Os
mapas de conceito são uma forma de organizar palavras e temas relacionais, sendo
úteis para identificar relações entre palavras e temas, servindo de referência para
a contabilização da frequência. Já as tabelas de frequência servem para registrar
a ocorrência de cada palavra de interesse. Esse método facilita a visualização de
frequências e padrões empíricos nos discursos (Titscher et al., 2000).
Para a realização da análise do material intelectual desenvolvido por
Ernesto Araújo, observamos, em primeiro lugar, os conceitos principais do que
denominamos como pensamento araujista a partir da análise de seu artigo “Trump
e o Ocidente”, publicado na revista Cadernos de Política Exterior, em setembro
de 2017, e do artigo “Por um reset conservador-liberal”, publicado em seu blog
Metapolítica, em 2020. Ambos permitem compreender o conjunto de valores e
ideias que compõem a sua concepção prévia de política externa. Definimos os
conceitos constitutivos do araujismo a partir do distrinchamento dos elementos
argumentativos propostos em cada texto. Com a análise destes dois trabalhos,
pretendemos construir o mapa do caminho do araujismo e definir uma lista
lexical que compõe os principais elementos conceituais do que é a política externa
araujista, qualificada pelo próprio ex-chanceler como conservadora (Quadro 1).
É importante frisar que o léxico obtido a partir dos textos de Ernesto Araújo
compõe o conteúdo conceitual do araujismo.
Além do modelo proposto do que definimos como araujismo, também
realizamos um levantamento dos modelos conceituais da política externa brasileira
acima referenciados: a tradição conservadora da política externa brasileira (TCPEB)
e a política externa brasileira constitucional (PEBC). Posto isto, temos parâmetros
comparativos para verificar os elementos discursivos mais recorrentes do araujismo
e se há afinidade entre estes outros dois corpus de ideias, o que permitirá explorar
as hipóteses 1 e 2 apresentadas na introdução do texto.
Para a TCPEB, valendo-nos de Cervo (2008) e de Ricupero (2017), propomos os
seguintes conceitos: (i) autonomia; (i) interesse nacional; (iii) pragmatismo. Cervo
classifica a diplomacia brasileira de 1810 a 1930 como pertencendo ao paradigma
liberal-conservador, com maior ou menor ênfase no livre-comércio favorecedor
da agroexportação (liberalismo econômico), e resguardando os modelos sociais
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herdados da colonização com mudanças incrementais (conservadorismo social). Já
Ricupero não organiza a sua leitura da PEB a partir de paradigmas, mas reconhece
no período no qual inserimos a TCPEB, a presença dos conceitos apontados
(2017: 109, 148 e 160). Tais conceitos eram instrumentos retóricos utilizados
sobre os temas mais relevantes à política externa imperial e à diplomacia da
Primeira República: (i) reconhecimento da independência; (ii) acordos comerciais;
(iii) delimitação e demarcação das fronteiras; (iv) agroexportação; (v) mão de
obra; (vi) crédito.
Para a PEBC, organizamos os conceitos que articulariam as diretrizes
constitucionais de nossa política externa, da forma como estabelecido no artigo
4º da CF/88. Para tanto, propomos os seguintes conceitos: (i) Multilateralismo;
(ii) Direitos Humanos; (iii) Integração Regional; (iv) Universalismo. Logo, haveria
uma direção constitucional à diplomacia brasileira a partir desse marco da Nova
República.
Em um segundo momento, após a definição conceitual dos elementos centrais
do pensamento araujista em política externa, recorreremos a uma análise empírica
da frequência de mobilização destes conceitos ao longo de seus dois anos à
frente do MRE e analisamos a sua prevalência em relação ao conservadorismo
tradicional na PEB, assim como aos elementos constitucionais previstos para a
sua condução.
A base para a análise da produção discursiva do chanceler são as duas
coletâneas de alocuções, artigos, entrevistas e discursos do ex-ministro publicados
pela FUNAG: (i) A Nova Política Externa Brasileira (2019); (ii) Política Externa:
Democracia, Soberania e Liberdade (2020). Ambas as obras trazem um total de
120 participações do ex-chanceler.
Podemos identificar a frequência do uso dos conceitos mobilizados pelos três
modelos de Política Externa Brasileira explorados nesse estudo e os comparamos:
(i) a política externa araujista; (ii) a tradição conservadora (TCPEB); (iii) e a PEB
constitucional (PEBC). Partimos do suposto de que a produção discursiva do
chancelar possui os conceitos e os princípios fundamentais que articulam sua
concepção de mundo de modo mais livre do que as próprias ações do Ministério,
uma vez que estas últimas são moldadas pelas forças políticas, interesses e
estruturas internas e externas que afetam a tomada de decisão em política externa.
Para identificarmos o uso dos conceitos, nos valemos da quantificação das
recorrências dos conceitos de cada modelo de política externa nas 120 participações
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do ex-chanceler. A compilação destas frequências foi feita por meio da busca
dos termos nos corpus textuais. Usamos o sistema de busca de palavras que os
documentos em formato eletrônico disponibilizam e indicamos o número de
recorrências dos termos para cada modelo de PEB (Tabelas 1 e 2).
Resultados
O Mapa do Caminho do Araujismo: um conservadorismo alienígena
Jair Bolsonaro foi eleito presidente nas eleições presidenciais de 2018.
Candidato outsider, ascendeu à chefia do Poder Executivo no bojo da rejeição
aos partidos tradicionais e com as promessas de combate à corrupção, às práticas
clientelistas e às políticas públicas classificadas como de esquerda (Avelar 2023).
A concepção internacionalista do presidente eleito se tornou mais definida com a
escolha do novo chanceler, o diplomata Ernesto Araújo, e do assessor internacional
da Presidência, Filipe Martins. Ambos possuíam visões de mundo que destoavam
tanto das diretrizes constitucionais(i.e., o universalismo, integração regional e
multilateralismo) quanto da tradição conservadora da política externa nacional
(pragmatismo, interesse nacional e autonomia). Os desdobramentos das novas
ideias se fizeram sentir com declarações polêmicas do presidente e de seu então
chanceler sobre temas como meio ambiente, direitos humanos e segurança
hemisférica (Casarões e Farias 2021).
Em um primeiro momento, o conjunto de temas e de conceitos mobilizados
na análise do pensamento araujista, mais do que as ações efetivamente tomadas
em política externa, se apresentam em uma linha convergente com o conceito
de populismo apresentado por Mudde (2004 ), para quem o recrudescimento
das democracias liberais marcaria um “zeitgeist populista”.
No artigo “Trump e o Ocidente” podemos identificar elementos que vão
além dos programas populistas da direita radical contemporânea. Ernesto Araújo
atribui ao então presidente estadunidense Donald Trump uma perspectiva que
não estaria baseada na economia de mercado e na democracia liberal (Araújo
2017 ). Nesse artigo, Araújo busca atribuir ao então presidente estadunidense
Donald Trump a percepção de que o Ocidente, a despeito de seus confortos
materiais, estaria diante de sua decomposição axiológica por forças exógenas (e.g. o
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islamismo) e endógenas (e.g., o marxismo cultural globalista). Para tanto, o sistema
internacional deveria resgatar a componente da “cooperação entre soberanias”
(i.e., o “pan-nacionalismo”) em detrimento da “cooperação supranacional” e da
“governança global”. Assim, o sistema “pan-nacional” retomaria o sentido das
nações como unidades axiológicas independentes, afastando construções vazias
como o multiculturalismo e o universalismo. O seuposicionamento é contrário
à globalização política e à ordem internacional liberal, realçando princípios
nacionais e comunitários e de defesa de uma ordem espiritual judáico-cristã.
Pelo segundo texto, “Por um reset conservador/liberal”, Ernesto Araújo
apresentou o seu léxico conservador-liberal, em parte presente no artigo anterior.
Tais conceitos formariam “um grande arco de ideologias, programas, práticas,
grupos de interesse, correntes de pensamento, associações e atitudes contrárias
àquelas liberdade e dignidade” (Araujo, 2020, p. 699), cujas ideias-força foram
mobilizadas ao longo de todo seu mandato. Uma característica que se destaca
do pensamento de Ernesto Araújo é a forma como articula tais conceitos a partir
das referências dos seus opositores imaginados: a ordem liberal cosmopolita e
transnacional e o marxismo político e cultural.
O Quadro 1 apresenta os conceitos do que ele mobiliza no artigo publicado
em seu blog Metapolítica, o que denominamos de “Mapa do Caminho” do
araujismo e o associamos ao paleoconservadorismo norteamericano. Para
tanto, organizamos vinte e um conceitos em seis grandes temas. Propomos esta
organização conceitual a partir do distrinchamento dos elementos argumentativos
propostos, pois os conceitos apontados por Araújo não são de todo unidades
conceituais independentes, na medida em que se articulam por zonas de
aproximação. Sendo assim, definimos, a partir da análise de conteúdo do texto,
os seis grandes temas que abrigam os conceitos elencados pelo ex-chanceler:
(i) mapa de valores; (ii) estado policial; (iii) marxismos; (iv) difusores de valores;
(v) ordem internacional; (vi) temas transnacionais.
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Quadro 1. Mapa do Caminho do pensamento araujista segundo o próprio Ernesto
Araújo e comparação com o paleoconservadorismo americano
Grandes Temas
do Araujismo
Conceitos específicos
do araujismo
Elemento presente no
paleoconservadorismo
americano
Mapa
de Valores
Ideologia de gênero; Abortismo; Transumanismo;
Anticristianismo; Cristofobia; Racialismo;
Sistema intelectual politicamente correto
Sim
Ordem
internacional Multilateralismo Antinacional; Globalismo Sim
Temas
transnacionais
Climatismo / Ambientalismo
Covidismo Sim
Marxismo(s) Narcossocialismo; Marxismo de Mercado; Sim
Difusores de
valores
Elitismo transnacional; Grande Mídia;
Megabilionários e Trilionários Sim
Estado Policial Corrupção; Bandidagem; Terrorismo Não
Fonte: elaboração própria.
O mapa de valores é o conjunto de temas sociais que denotam ameaças às
bases axiológicas do Ocidente imaginado na concepção ideológica do ex-chanceler
(e.g., religiosidade, proteção à vida, liberdade de expressão e estabilidade de
gênero) e que representam uma aproximação forte com a coluna vertebral do
paleoconservadorismo norte-americano. Há no seu discurso a retomada de
valores de defesa do Ocidente, do qual o Brasil seria herdeiro e membro, em
tons espirituais contra ameaças de origens externas e internas. Há uma crítica
às novas elites cosmopolitas e transnacionais, à ordem internacional liberal e ao
multilateralismo, assim como às pretensas ameaças internas às nações ocidentais
por parte da guerra cultural promovida pelos ideólogos progressistas.
A ordem internacional é composta pelos conceitos que articulam o sistema
internacional contemporâneo em suas facetas que ameaçam a soberania nacional
e a autodeterminação axiológica das nações. Os temas transnacionais são as
questões de preocupação global cuja gestão se colocaria além do alcance do
Estado Nacional, de forma a enfraquecê-lo.
O tema dos marxismos, por seu turno, reflete o conjunto de correntes de
pensamento crítico associado ao modelo marxista, em todas as suas vertentes,
sendo identificado pelo autor nos dois textos analisados como uma das principais
plataformas das ameaças axiológicas ao Ocidente. A ênfase dada por Araújo
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no antagonismo a essas correntes de pensamento nos pareceu justificar a sua
posição como um tema próprio. Os difusores de valores são os vetores sociais por
meio dos quais as ameaças axiológicas são promovidas à sociedade nacional e à
sociedade global, ou seja, os canais de transmissão das ameaças representados
pelas elites intelectuais e globalizadas e pela grande mídia.
Como é possível se notar, todos os grandes temas denotam ameaças aos
valores (e.g., religiosidade, vida, estabilidade de gênero e Império da Lei), às
instituições (e.g., Estado-Nação) ou aos instrumentos de tais ameaças (e.g, elites,
a grande mídia e o globalismo), em uma relação dicotômica parecida com a
construção da TFM, mesmo sem se externar aquilo que se protege.
Por fim, o estado policial aloca os elementos conceituais que retratam ameaças
à segurança pública interna e internacional, seja em relação à garantia do império
da lei e/ou à lisura da administração pública, trazendo uma tonalidade local ao
pensamento de Araújo. As questões de segurança pública e de corrupção são
temas caros aos movimentos de direita, tradicional e radical, no Brasil e em toda
América Latina.
O conteúdo lexical do araujismo – a importação do
paleoconservadorismo americano
Após a definição do léxico central do que é o araujismo e sua afinidade
com uma concepção alienígena de política externa, afastada daquilo que
tradicionalmente fora definido como a postura conservadora internacional
do Brasil, iremos analisar a prevalência dos diferentes elementos conceituais
operados na política externa brasileira durante a gestão de Ernesto Araújo. Assim,
apresentamos a prevalência lexical dos conceitos centrais do araujismo, da tradição
conservadora da política externa brasileira e dos elementos constitucionais que
enquadram a ação internacional do país.
Na Tabela 1, apresentamos os elementos lexicais conceituais do araujismo
na política externa do período. Os oito conceitos mais mobilizados com mais de
dez inserções foram: crime organizado (290), valores cristãos/valores judaico-
cristãos (176), marxismo(s) (97), politicamente correto (47), globalismo (42),
ideologia de gênero (13), grande mídia/grande imprensa (11) e elite transnacional.
Os outros conceitos foram menos relevantes, tendo uma prevalência inferior a
dez citações nas duas coletâneas, como, por exemplo, intolerância religiosa,
racialismo etc. Curiosamente (e contrário às expectativas iniciais), há uma
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menor prevalência do uso de conceitos relacionados à temática ambiental, como
climatismo e ambientalismo.
Apontamos dois elementos relevantes para se compreender a estrutura do
pensamento araujista. Das 806 ocorrências conceituais levantadas, cerca de 36%
referem-se à temática da segurança pública e do combate à corrupção, dando
uma conotação latino americana à abordagem araujista que é menos prevalente
nos próceres do paleoconservadorismo anglo-saxão. Por outro lado, cerca de
22% das inserções conceituais referem-se aos valores cristãos e/ou judáico-
cristãos da sociedade brasileira, o que aponta para o núcleo duro do pensamento
paleoconservador, assim como a crítica ao marxismo (12%), multilateralismo
(12%), politicamente correto (6%) e globalismo (5%), que somados ocupam
mais de metade (56,8%) do conteúdo conceitual do araujismo.
Em resumo, os dados evidenciam que o pensamento araujista se distingue
pelo seu enfoque na segurança pública e no combate à corrupção, características
que lhe conferem uma particularidade latino-americana em comparação com o
paleoconservadorismo anglo-saxão. Além disso, a ênfase nos valores cristãos
e judaico-cristãos, juntamente com a crítica ao marxismo, multilateralismo,
politicamente correto e globalismo, reflete um núcleo duro de ideias que alinha
o araujismo com o pensamento paleoconservador mais amplo, ocupando mais
da metade do seu conteúdo conceitual.
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Tabela 1. Prevalência dos conceitos principais do araujismo
Conceitos principais NOVA PEX¹
(2019)
PEX SDL²
(2020) TOTAL
Crime Organizado* 82 208 290
Valores Cristãos / Judaico-Cristãos 84 92 176
Marxismo** 47 50 97
Multilateralismo Antinacional 32 64 96
Politicamente Correto 19 28 47
Globalismo 35 7 42
Ideologia de Gênero*** 9 4 13
Grande Mídia | Grande Imprensa 3 8 11
Elite Transnacional 6 5 11
Climatismo Ambientalismo 4 4 8
Intolerância Religiosa | Cristofobia 2 5 7
Racialismo 3 2 5
Covidismo 0 2 2
Megabilionários |Trilionário 0 1 1
Abortismo 0 0 0
¹ Discursos compilados em A Nova Política Externa Brasileira (2019).
² Política Externa: Democracia, Soberania e Liberdade (2020)
Descritores utilizados:
* Corrupção | Narcotráfico | Crime Organizado | Terrorismo
** Marxismo Cultural | Marxismo | Marxismo de Mercado | Socialismo | Comunismo
*** Ideologia de Gênero | Identidade de Gênero | Questão de Gênero
Observação: análise da frequência de recorrência dos conceitos mobilizados por Ernesto Araújo em seus discursos
como chanceler.
Fonte: elaboração própria
No mesmo sentido, apresentamos, na Tabela 2, os grandes eixos temáticos
do araujismo em comparação com a presença de termos relacionados à tradição
conservadora ou constitucional da política externa brasileira. Fica evidente o
maior peso dos termos desenvolvidos na sua recepção do paleoconservadorismo
americano do que dos termos que constituem os elementos tradicionais do
pensamento conservador brasileiro em política externa. Em ordem decrescente,
a prevalência de inserções foi: (i) Estado Policial (290); (ii) Mapa de Valores
(243); (iii) Ordem Internacional (138); (iv) Marxismo(s) (97); (v) Difusores de
Valores (33); (vi) Temas Transnacionais (10). A prevalência dos elementos da
tradição conservadora são em um número efetivamente menor: Pragmatismo
(39), Interesse Nacional (12) e Autonomia (10), assim como a prevalência dos
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conceitos da política externa constitucional, cujos conceitos foram mobilizados
na seguinte ordem decrescente de inserções: Multilateralismo (96), Direitos
Humanos (93), Integração Regional (56) e Universalismo (22).
Araújo se vale dos conceitos próximos da “guerra cultural” do paleoconserva-
dorismo estadunidense, dadas as referências ao Mapa de Valores, à Ordem
Internacional e ao Marxismo(s), com 511 inserções; por outro lado, a mobilização de
conceitos da TCPEB, com apenas 61 inserções, foi muito baixa. O araujismo ocupa
¾ da produção discursiva do ex-chanceler, enquanto que os eixos concernentes
aos temas constitucionalizados da política externa brasileira ocupam da mesma.
Chama a atenção o fato de que o repertório dos conceitos conservadores mínimos,
oriundos da TCPEBta, ocupam meros 5% do conteúdo discursivo. Há, portanto,
uma efetiva importação conceitual, que, com exceção das conotações locais do
eixo Estado Policial – cerca de ¼ da produção total e da produção conceitual
araujista – remetem a temas caros ao paleoconservadorismo norte-americano..
Em síntese, os dados demonstram a predominância, no discurso araujista,
dos conceitos do paleoconservadorismo americano sobre os elementos da TCPEB.
Enquanto os temas relacionados ao Mapa de Valores e à Ordem Internacional
são prevalentes no discurso do ex-chanceler, os conceitos tradicionais brasileiros
de Pragmatismo, Interesse Nacional e Autonomia aparecem em número
significativamente menor. Além disso, temas constitucionalizados da política
externa brasileira, como Multilateralismo, Direitos Humanos e Integração Regional,
também ocupam espaço reduzido.
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Tabela 2. Prevalência do Araujismo e das outras tradições da PEB
NOVA PEX¹
2019
PEX SDL²
2020 TOTAL
Araujismo
Estado Policial 82 208 290
Mapa de Valores 114 129 243
Ordem Internacional 67 71 138
Marxismo(s) 47 50 97
Temas Transnacionais 4 6 10
Difusores de Valores 9 14 33
Subtotal 323 478 811
TCPEB
Pragmatismo 17 22 39
Interesse Nacional 10 2 12
Autonomia 5 5 10
Subtotal 32 29 61
PEBC
Direitos Humanos 39 54 93
Multilateralismo 5 53 58
Integração Regional 19 37 56
Universalismo 12 10 22
Subtotal 75 154 229
¹ Discursos compilados em A Nova Política Externa Brasileira (2019)
² Política Externa: Democracia, Soberania e Liberdade (2020)
Descritores utilizados:
Observação: análise da frequência de recorrência de temas mobilizados por Ernesto Araújo em seus
discursos como chanceler.
Fonte: elaboração própria
Posto isto, notamos que o conteúdo discursivo da política externa araujista
não é um resgaste da TCPEB. Não há prevalência conceitual dos elementos
que compõem o léxico conservador e nem mesmo as bases constitucionais da
PEB. Além disto, evidencia-se a prevalência lexical, no discurso araujista, das
referências conceituais do paleoconservadorismo estadunidense, trazidos para
o Brasil pelo próprio autor em seu artigo publicado no blog Metapolítica.
Não obstante as evidências favoráveis às hipóteses articuladas na Introdução
do artigo, tais não são suficientes para explicar a mobilização de conceitos que
articulam o grande tema do Estado Policial, com o maior número de inserções.
Tampouco, a mobilização significativa dos conceitos de Multilateralismo e de
Direitos Humanos.
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É importante uma ressalva de que o tema do grande Estado Policial — que
articula segurança pública, corrupção e terrorismo — écaro à realidade latino-
americana e à própria ascensão política do bolsonarismo, um movimento maior,
mais complexo e mais difuso que o conteúdo conceitual do araujismo. Em outras
palavras, o conceito de Estado Policial indica um matiz nacional do araujismo,
que não o desassocia por completo do paleoconservadorismo e o insere no
contexto eleitoral brasileiro pós-2018 e em um debate mais abrangente sobre a
segurança pública.
A questão da segurança, no imaginário araujista, não perpassa apenas a
discussão sobre ameaças externas e a possibilidade de que elementos internos se
alinhem com adversários internacionais. Ela também aborda o tema da segurança
pública, uma questão saliente na realidade brasileira, assim como o narcotráfico,
um fenômeno que ultrapassa as fronteiras nacionais. Ao associar os pensamentos
marxistas ora com a condescendência, ora como a causa de crimes, está em
alinhamento com o discurso de Jair Bolsonaro.
Em segundo lugar, a despeito da idiossincrasia da diplomacia araujistaela
não consegue escapar totalmente das diretrizes constitucionais estabelecidas pela
diplomacia brasileira, mesmo tentando dar-lhe novo significado. A relevância das
linhas mestras da política externa constitucional, que reflete, em parte, um grau
de consenso obtido a respeito dos limites mais amplos da ação internacional do
Brasil no momento da redemocratização, ainda é referenciada, mesmo em uma
circunstância da política externa de ruptura profunda.
Graham et al. (2009) apontaram que indivíduos com posições mais
progressistas tendem a articular o seu fundamento moral principalmente sobre o
eixo moral Cuidar/Machucar e, de forma acessória, nos eixos morais de Liberdade/
Opressão e Justeza/Trapaça. Os demais eixos morais, Lealdade/Traição, Autoridade/
Subversão e Santidade/Profanação, praticamente não surtem efeito sobre esse
grupo. Por outro lado, os autores encontraram fortes evidências para sustentar
que indivíduos com posições mais conservadoras tendem a articular o seu
fundamento moral em todos os eixos de maneira igualmente distribuída. Todos
os indivíduos que pertenceram ao universo de análise na pesquisa de Graham et
al. eram americanos. Podemos aplicar os achados da TFM para compreendermos
melhor o araujismo a partir de uma perspectiva cognitiva.
Os conceitos articulados no tema “Mapa de Valores”, assim como aqueles
no tema “Marxismo(s)”, são basicamente ameaças a três eixos morais: Cuidado/
Machucar, Autoridade/Subversão e Santidade/Profanação. O que mostra um
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alinhamento com aquilo que há de mais sensível no repertório social conservador,
em estudos conduzidos a partir de uma realidade social americana. Já no caso
do Estado Policial, o diálogo maior estaria com a estratégia política interna
de associar a esquerda com a criminalidade — ora como causa, ora como
facilitadora, temática que escapa aos temas tradicionalmente articulados pelos
paleoconservadores americanos.
Os temas mobilizados por Ernesto Araújo se apresentam muito mais próximos
de uma realidade social e política estadunindense do que propriamente brasileira.
O que denota ainda mais a sua idiossincrasia ao mobilizar conceitos morais na e
para a PEB, algo que não encontra ressonância com a PEBC. Por mais que haja
elementos morais ocasionalmente mobilizados (e.g., Direitos Humanos) no art. 4
da Constituição, o sentido desses é o oposto daquele proposto por Ernesto Araújo.
Os repertórios conceituais de natureza moral ou associados a ela mobilizados
por Ernesto Araújo estão mais alinhados com a realidade social e política dos
Estados Unidos do que com a brasileira. Isso destaca sua idiossincrasia ao usar
conceitos morais que não ressoam com a PEBC. Na PEBC, embora conceitos
morais como Direitos Humanos sejam ocasionalmente usados, seu sentido é
oposto ao proposto por Ernesto Araújo.
Conclusões
A política externa, uma das principais construções de um Estado, é forjada
ao longo de séculos de acúmulo de experiências históricas. A base da política
externa do Império (Paulino José de Souza) e da Primeira República (Barão
do Rio Branco) se fez no e pelo Itamaraty. Desde sua criação, em 1822, até o
alvorecer do século XXI, a instituição desempenhou o papel de memória do
conservadorismo da política externa no período analisado. Dele herdamos os
conceitos de pragmatismo, interesse nacional e autonomia, que embasam de
forma não-escrita a política externa constitucional, que deve nortear a Nova
República.
A chancelaria de Ernesto Araújo (2019-2020), durante a Presidência de Jair
Bolsonaro, se auto-qualificou como de orientação ideológica conservadora. No
entanto, as referências conservadoras do araujismo não tinham lastro nessa
herança ideacional do Itamaraty como instituição de Estado. Não obstante
tenhamos encontrado alguns elementos associados à tradição conservadora da
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PEB, assim como de sua expressão constitucional legada em 1988, a prevalência
conceitual é de elementos da versão paleoconservadora estadunidense, refletindo
mais a importação de uma agenda em política externa do que a remodelação de
tradições próprias da ação diplomática e do pensamento internacional brasileiros.
Nesse sentido, a hipótese 1 (H1), a de que a política externa de Jair Bolsonaro
não encontra guarida na TCPEB, se confirma plenamente. Antes, estava muito
mais vinculada ao “mapa do caminho” do conservadorismo estadunidense, em
especial aquele articulado pelo chamado paleoconservadorismo, que ganhou
mais espaço no governo de Donald Trump. Portanto, a segunda hipótese (H2),
referente ao alinhamento da política externa de Bolsonaro a um modelo conservador
norte-americano, especialmente na sua versão “paleoconservadora”, presentes
na administração Trump, também se confirma.
As ideias do primeiro chanceler do governo Jair Bolsonaro romperam com as
principais linhas do pensamento internacionalista do Itamaraty, ancoradas nas
tradições conservadoras do Império e da Primeira República. Os dados indicam
uma política externa focada em engajar cidadãos sensibilizados pelos eixos
morais de Cuidado/Machucar, Autoridade/Subversão e Santidade/Profanação,
em vez de conceitos que orientariam a prática da política externa de um país.
Assim, os conceitos mobilizados pela TCPEB e pela PEBC não fazem sentido
diante dessa finalidade de engajamento social.
Em nosso estudo, apresentamosa estrutura das ideias que impulsionou
o discurso da PEB sob Ernesto Araújo. Pesquisas futuras devem verificar se o
aparato conceitual da política externa bolsonarista durante a gestão de Araújo
foi mais usada para mobilizar a opinião pública e para obter dividendos políticos
internos do que para promover ações externas coerentes em defesa dos interesses
nacionais. As motivações políticas por trás dessa importação conceitual e suas
consequências a curto e longo prazo também precisam ser exploradas.
Além disso, é necessário investigar se o conservadorismo, auto-aplicado
por Ernesto Araújo ao seu pensamento, tem respaldo nas tradições teórico-
filosóficas. Também fica em aberto como a metodologia usada neste estudo pode
ser aplicada a outras plataformas de mobilização discursiva, como redes sociais
digitais. Por fim, é importante examinar a mobilização conceitual de outros atores
relevantes da política externa desse período e verificar se outras instâncias do
Itamaraty, como Embaixadas e Consulados, reproduziram os conceitos do que
denominamos como araujismo.
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Referências
ALMEIDA, Paulo Roberto. Pensamento diplomático brasileiro: introdução metodológica
às ideias e ações de alguns dos seus representantes. In: PIMENTEL, José (org.).
Pensamento Diplomático Brasileiro: Formuladores e Agentes da Política Externa
(1750-1964). Volume I. Brasília: FUNAG, 2013. p. 15-40.
AVELAR, Idelber. Eles em nós: retórica e antagonismo político no Brasil do século XXI.
Editora Record, 2023.
ARAÚJO, Ernesto. Por um reset conservador-liberal: artigo publicado no livroPolítica
externa: soberania, democracia e liberdade. Blog Metapolítica, 31 dez. 2020. Disponível
em: https://www.gov.br/funag/pt-br/centrais-de-conteudo/politica-externa-brasileira/
por-um-reset-conservador-liberal-artigo-do-ministro-ernesto-araujo-publicado-no-no-
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