Teresa Cristina Schneider Marques; Carlos Schmidt Arturi
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 19, n. 1, e1393, 2024
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Ativismo transnacional em tempos
de crise nacional: a construção
de redes transnacionais nos Estados
Unidos contra o impeachment de
Dilma Rousseff
Transnational activism in times
of national crisis: the construction
of transnational networks in the United
States against the impeachment of
Dilma Rousseff
Activismo transnacional en tiempos
de crisis nacional: la construcción
de redes transnacionales en Estados
Unidos contra el impeachment de
Dilma Rousseff
DOI: 10.21530/ci.v19n1.2024.1393
Teresa Cristina Schneider Marques
1
Carlos Schmidt Arturi
2
Resumo
O artigo analisa a campanha de oposição ao impeachment de
2016 de Rousseff nos Estados Unidos, a partir da abordagem
1 Doutora em Ciência Política pela UFRGS, com estágio doutoral em Sociologia
das Relações Internacionais no IEP-Paris (SciencesPo). Coordenadora do curso
de graduação em Relações Internacionais e professora adjunta do Programa de
Pós-graduação em Sociologia e Ciência Política e do Programa de pós-graduação
em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
(teresa.marques@pucrs.br). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6038-2704.
2 Doutor pelo Institut d'Etudes Politiques de Paris (Sciences Po). Professor do
PPG em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
(carlos.arturi@uol.com.br). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0985-4064.
Artigo submetido em 22/09/2023 e aprovado em 01/05/2024.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
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ISSN 2526-9038
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relacional e multidimensional proposta pela teoria do confronto político e pela sociologia
dos movimentos transnacionais. Buscou-se compreender quais condições permitiram que
a campanha transnacional baseada em tal argumento evoluísse nesse país em um curto
período de tempo. Para tanto, analisou-se qualitativamente entrevistas semiestruturadas
com ativistas transnacionais. A pesquisa indica que o contexto de crise nacional motivou
a transnacionalização da campanha, enquanto o acirramento do confronto político nos
Estados Unidos ofereceu novas oportunidades de difusão e construção de redes ativistas.
Palavras-chave: Democracia; Ativismo; Transnacionalismo; Impeachment; Dilma Rousseff.
Abstract
The article analyzes the opposition campaign to the 2016 impeachment of Rousseff in the
United States based on the relational and multidimensional approach proposed by the
theory of political confrontation and the sociology of transnational movements. We sought
to understand what conditions allowed the transnational campaign based on such an
argument to evolve in that country in a short period of time. To this end, semi-structured
interviews with transnational activists were qualitatively analysed. The research indicates
that the context of national crisis motivated the transnationalization of the campaign, while
the intensification of political confrontation in the United States offered new opportunities
for dissemination and construction of activist networks.
Key-words: Democracy; Activism; Transnationalism; Impeachment; Dilma Rousseff.
Resumen
El articulo analisa la campaña de oposición al impeachment de Dilma Roussef em 2016 em
Estados Unidos a partir del enfoque relacional y multidimensional propuesto por la teoria
de la confrontación politica y la sociologia de los movimentos transnacionales. Buscamos
compreender qué condiciones permitieron que la campaña transnacional basada em tal
argumento evolucionara en esto pais en un corto período de tempo. Para ello, entrevistas
semi estructuradas com activistas transnacional es fueran analisadas cualitativamente. La
investigación indica que el contexto de crisis nacional motivo la transnacionalización de
la campaña, mientras que la intensificación de la confrontación politica en Estados Unidos
ofreció nuevas oportunidades para la difusión y construccion de redes activistas.
Palabras-clave: Democracia; Ativismo; Transnacionalismo; proceso de destitución; Dilma
Rousseff.
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Introdução
O impeachment da presidente brasileira Dilma Rousseff, do Partido dos
Trabalhadores (PT), em 31 de agosto de 2016, é um marco de uma grave e longa
crise política institucional. A herança de mais de uma década de governo do PT,
marcada sobretudo pelo crescimento econômico, pela ampliação das políticas
sociais e pelo fortalecimento da posição brasileira no cenário internacional, é
apontada como responsável pelo sucesso de Rousseff nas urnas em outubro de
2014. Entretanto, o resultado desse pleito decepcionou fortemente uma parcela
da classe política e do eleitorado conservador, que imaginava que a diminuição
do ritmo econômico e os grandes protestos de 2013 — reivindicados pela direita
enquanto símbolo de um suposto esgotamento do modelo de gestão do PT —,
levaria à derrota eleitoral da esquerda (Tatagiba 2018; Limongi 2023). Em reação
a esta frustração, setores da oposição, descontentes com o acúmulo de quatro
fracassos consecutivos na disputa pelo poder executivo do país, colocaram em
questão os resultados das urnas, logo após as eleições, e deram início à uma
grave crise política.
Desde então, observou-se o acirramento do confronto político no Brasil,
que ganhou projeção internacional e transnacional. Foram criados dezenas
de coletivos
3
em 2016, incentivando novos estudos, oriundos sobretudo da
antropologia (Pelúcio e Paz 2020; Fortes 2020; Cogo 2019). Boa parte destes
movimentos se engajaram, na conjuntura posterior, contra a prisão de Lula em
2018 e pela defesa da democracia no Brasil durante o mandato de Jair Bolsonaro
(2019-2022).
Todavia, ainda há poucos trabalhos publicados no Brasil sobre a
transnacionalização do confronto político no Brasil após 2016, a partir das
ferramentas teóricas da teoria do confronto político e da sociologia dos movimentos
transnacionais. Esta abordagem relacional visa compreender o papel do contexto
para as formas assumidas pelas mobilizações (McAdam, Tarrow e Tilly 2001;
3 A “Frente Internacional de Brasileiras e Brasileiros pela Democracia e Contra o Golpe e pela Democracia”
pode ser entendida enquanto uma coalizão transnacional que reuniu mais de 60 coletivos protagonizados por migrantes
brasileiros que se dedicavam à ações de oposição ao impeachment de 2016 no exterior. A FIBRA efetivou encontros e
outras ações coordenadas (Fortes 2020). Entre as ações da FIBRA, destaca-se a tentativa de mapear os coletivos existentes
do exterior. Um dos mapeamentos de coletivos atuantes no exterior pela democracia no Brasil pode ser visto
em: FIBRA. Coletivos. Frente Internacional de Brasileiras e Brasileiros pela Democracia e Contra o Golpe e
pela democracia — Página de internet. Disponível em: https://fibrabrasil.wordpress.com/. Acesso em: 05 de
outubro de 2022.
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Tilly e Tarrow 2008; Tarrow 2009; Meyer 2004, Siméant-Germanos 2010, McAdam
2003). Isto é, busca compreender como dimensões importantes da vida política,
como os regimes políticos nacionais, as redes de relacionamento interpessoal e,
também, o cenário internacional interagem gerando oportunidades e restrições
políticas e afetando os repertórios de ação e enquadramentos interpretativos.
É fundamental compreender as particularidades do contexto do impeachment
de 2016 para o ativismo transnacional, uma vez que o processo foi marcado por
uma série de mudanças estruturais em um curto período, mas que mudaram
as oportunidades disponíveis. Para Tilly, períodos com essa natureza podem
representar um processo de evolução de repertórios em “turbilhão”: diferente
do processo progressivo, caracterizado por mudanças políticas menos rápidas,
tais processos “são mais espetaculares e às vezes produzem “viradas” com
efeitos de longa duração” (Tilly e Tarrow 2008, 49). Quando essas mudanças
rápidas significam o fechamento de oportunidades no nível doméstico, os atores
podem procurar por novas oportunidades na dimensão internacional, objetivando
assim projetar o confronto transnacionalmente, tal como destacado por Keck e
Sikkink ao analisar o efeito por elas definido como boomerang (1998). Logo, a
projeção transnacional do confronto doméstico, como um efeito da evolução dos
repertórios motivados pelos “processos de transformação política em turbilhão”,
fica evidente em momentos de crise política nacional.
De acordo com estas autoras, essa projeção não depende apenas da vontade
dos ativistas, mas também da abertura de oportunidades por atores externos
(Keck e Sikkink 1998). A depender dos canais abertos, diferentes processos de
transnacionalização podem ocorrer, dentre os quais, merece destaque a ação
coletiva transnacional. Ela corresponde a campanhas internacionais coordenadas
por atores não estatais ou mistos (coalizões) contra Estados ou instituições
internacionais (Della Porta e Tarrow 2005, 2-3). Todavia, a literatura oferece
poucas contribuições para a compreensão do papel do contexto do local onde se
desenvolvem as campanhas para a origem e evolução de conexões transnacionais
mais duradouras.
O artigo pretende contribuir para esse debate a partir do estudo da campanha
contra o impeachment de Dilma Rousseff desenvolvida por redes transnacionais
baseadas nos Estados Unidos, a partir de 2016. A fragilidade do argumento
das irregularidades fiscais cometidas pela presidente como justificativa para
seu impedimento permitiu, por sua vez, que muitos atores sociais e políticos
caracterizassem este processo como um autêntico golpe de estado. Neste
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artigo, não abordaremos a discussão sobre a caracterização do processo de
impeachment como um golpe de Estado, mas nos interessa compreender quais
foram as condições que permitiram que a campanha internacional baseada em
tal argumento evoluísse nos Estados Unidos em um curto período. Com efeito,
a campanha iniciada como um movimento organizado por poucos ativistas
contra o impeachment de Dilma Rousseff evoluiu rapidamente para uma coalizão
mista que se tornou mais visível durante o governo Trump. Diante desse fato,
nos perguntamos: As transformações do contexto norte-americano no período
abriram novas oportunidades de projeção transnacional do confronto no Brasil?
A escolha dos Estados Unidos se deu por fatores diversos. Em primeiro lugar,
se trata do país na qual reside a maior comunidade brasileira expatriada. De
acordo com dados mais atuais do Ministério das Relações Exteriores, a comunidade
brasileira no Estados totaliza 1.941.950 cidadãos (Brasil 2021). Em segundo
lugar, os Estados Unidos tem um histórico de movimentos de solidariedades
com o Brasil, que tem início com a chegada dos militares ao poder em 1964, de
acordo com James Green (Green 2009). Por último, o caso da atuação de ativistas
transnacionais em 2016 nos Estados Unidos é relevante, diante do grande número
de coletivos que emergiram no período e da diversidade de atores engajados.
Ela deu origem à atuação de diversos movimentos em favor da democracia no
Brasil, liderada em larga medida, pelo Washington Brazilian Office.
Quanto à metodologia, a pesquisa partiu de uma abordagem qualitativa.
Segundo Alonso, tal abordagem permite a análise da interpretação que os sujeitos
constroem de sua própria prática (Alonso 2012). Uma vez que a abordagem
qualitativa destaca os discursos, a linguagem e os sentidos como elemento de
estudo, as entrevistas se tornam fontes privilegiadas da pesquisa. Este artigo se
concentrou em entrevistas semiestruturadas realizadas com ativistas estrangeiros
e brasileiros atuantes nos Estados Unidos. Existem especificidades na mobilização
da entrevista em contextos de pesquisa internacionais (Alles, Guibaud e Lavrange
2016; Dauvin e Siméant, 2001). No caso da presente pesquisa, que faz parte
de um projeto mais amplo 4, cabe destacar a questão do idioma e mesmo a
desconfiança entre entrevistador e entrevistado. Tais desconfianças podem
4 O presente artigo é resultado dos achados iniciais de projeto de pesquisa projeto de pesquisa “Padrões de
aivismo transnacional migrante em tempos de ascensão da direita: a atuação política de brasileiros na Argentina,
Estados Unidos e França” coordenador por Teresa Cristina Schneider Marques. O projeto beneficiado com o
bolsas de iniciação científica financiadas pelas seguintes agências: Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio
Grande do Sul (FAPERGS), Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq) e Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS-BPA).
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ser acentuadas nesse caso, visto as implicações legais dirigidas a migrantes
em um cenário internacional que vincula à cidadania à tríade Estado-Nação-
Território. Destaca-se ainda uma das principais dificuldades impostas ao estudo
do ativismo transnacional: a dispersão geográfica dos atores em estudo. Tais
obstáculos foram superados por meio da mobilização da plataforma zoom — uma
ferramenta de comunicação que atualmente é comumente utilizada por migrantes
internacionais para múltiplos fins5. No presente artigo, foram selecionadas as
falas dos ativistas que se engajaram em redes transnacionais durante o ano de
2016. Com o objetivo de compreender o papel do contexto para a evolução da
campanha, as entrevistas se concentraram interpretações dos ativistas sobre as
motivações para o engajamento, o processo de construção de redes e de escolha
dos repertórios de ação. No total, foram analisadas 4 entrevistas, sendo duas
identificadas e duas anonimizadas6.
O artigo está organizado em três partes. Na primeira parte discute-se as
contribuições teóricas mobilizadas para a compreensão do ativismo transnacional.
Na segunda parte, aborda-se a crise política brasileira e sua dimensão transnacional.
Finalmente, apresenta-se a análise das entrevistas.
A análise teórica do ativismo transnacional
O ativismo transnacional pode ser compreendido enquanto ações coletivas
efetivadas por atores não-estatais — que podem atuar em rede com atores estatais–
visando a influenciar o cenário político além das fronteiras territoriais de um único
Estado (Tarrow 2007). O estudo parte da identificação dos desafios impostos a
essa forma de ação coletiva pela configuração do Sistema Internacional, marcado
pela tríade território-Estado-Nação (Siméant 1998; Moulin 2011). Entretanto, a
arena internacional também pode oferecer oportunidades políticas, a depender do
5 É certo que existem inconvenientes à entrevista realizadas por ferramentas online. Todavia, a ferramenta
permitiu não apenas ultrapassar o problema da dispersão geográfica, como também a impossibilidade de
mobilidade internacional imposta pela pandemia COVID-19. Destaca-se que as entrevistas foram efetivadas
com base nos critérios éticos de registro e armazenamento recomendados para as Ciências Sociais. Tais
normativas foram motivadas pelo contexto pandêmico e estão disponíveis online. Ver: Ofício Circular
Nº 2/2021/CONEP/SECNS/MS. Brasília, 24 de fevereiro de 2021. Disponível em: conselho.saude.gov.br
› imagens › Oficio_Circular_2
6 A identificação das entrevistas ficou a critério dos próprios entrevistados, uma vez que essa é uma possibilidade
garantida pela resolução 510 do CONEP, que trata de pesquisas com seres humanos no campo das Ciências
Sociais. Ver: Conselho Nacional de ética em Pesquisa. Resolução Nº 510, de 07 de abril de 2016. Disponível
em: https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
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contexto (Della Porta e Tarrow 2005). Os diferentes canais abertos dão origem a
distintos processos de transnacionalização. Outrora, o “velho transnacionalismo”
compreendia apenas três processos, segundo Tarrow. Seriam eles: em primeiro
lugar, a “domesticalização”, entendida como a repercussão em nível nacional
de conflitos com origem no exterior; em segundo lugar, a externalização, isto é,
a pressão direcionada à organizações intergovernamentais quanto a problemas
“internos”; e finalmente, a difusão, ou em outras palavras, a migração de ideias
e práticas de um movimento social para outro espaço nacional.
Todavia, a chamada “internacionalização complexa”, marcada pela chegada
de novos atores ao cenário internacional — ainda que o Estado se mantenha
como a principal fonte de poder —, evidencia a necessidade de compreensão
dos protestos transnacionais e redes e coalizões de ativismo transnacionais.
Efetivamente, o chamado “Novo transnacionalismo” emergiu com o avanço dos
meios de comunicação e tornou evidente um novo processo de transnacionalização:
a ação coletiva transnacional. Isto é, campanhas internacionais coordenadas
por atores não estatais ou mistos (coalizões) contra Estados ou instituições
internacionais (Della Porta e Tarrow 2005, p. 2-3).
As campanhas transnacionais indicam a necessidade de ultrapassar o
entendimento da “arena internacional” enquanto um espaço restrito à atuação
das organizações estatais ou interestatais e analisada apenas como pano de
fundo das transformações nas formas de organização política dos atores. Uma
contribuição pioneira foi oferecida por Joseph Nye e Robert Keohane na obra
Transnational Relations e World Politics (1971). Os autores destacam as conexões
que interligam atores não-estatais além das fronteiras, tais como as corporações
multinacionais e ONGs, com foco na globalização como fator explicativo.
Todavia, o presente trabalho se alinha à perspectiva de que a compreensão das
ações coletivas transnacionais precisa ultrapassar a adoção da globalização como
substituta do Estado-Nação, enquanto categoria central de análise. Siméant destaca
que asconexõesativistasentreatoresnão-nacionaisantecedemaglobalização (2010,
122). Tal abordagem, denominada de sociologia dos movimentos transnacionais,
busca compreender a importância da dimensão internacional para a análise das
ações, dos protestos e dos atores não-estatais com atuação transnacional. Ela
combina as contribuições dos estudos sobre organizações não-governamentais
e sobre movimentos antiglobalização com os achados teóricos da Teoria do
confronto político (McAdam, Tarrow e Tilly 2001; Tilly e Tarrow 2008; Smith,
Chatfield e Pagnucco 1997; Keck e Sikkink 1998; Tarrow 2007a, 2007b).
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Charles Tilly contribuiu sobremaneira para a construção da sociologia dos
movimentos transnacionais a partir de ferramentas da sociologia histórica. Ao
assumir que o “tempo e o espaço” importam, Tilly garantiu foco ao contexto.
Uma vez que “os regimes variam entre um país e outro” (Tilly e Tarrow 2008
101) e que os regimes determinam a natureza da coerção, compreendê-los seria
essencial. Assim, os Estados e os níveis de coerção constituem a principal variável
explicativa da ação coletiva — ainda que não a única — mas eles diferem muito
entre si (Tilly 2007a 2006). Interessado por guerras e revoluções, Tilly se aproximou
dos estudos de ação coletiva propostos por Sidney Tarrow e Doug McAdam
(McAdam, Tarrow e Tilly 2001). Todavia, durante um período considerável, o
foco desses intelectuais se manteve no regime político, aproximando-se de uma
perspectiva estruturalista, que conta com o conceito de estrutura de oportunidades
políticas como central para a compreensão do contexto no qual se inserem as
mobilizações (Alonso 2012). O conceito de “oportunidades políticas” pode ser
entendido enquanto os fatores incentivam o engajamento , enquanto as restrições
representam os obstáculos impostos à ação (Tarrow 2009, 38-39).
Embora trouxesse uma contribuição importante ao entender os atores
políticos enquanto forças que não são fixas esse sim resultantes de interações
negociadas entre pessoas e instituições (McAdam, Tarrow e Tilly 2001,12), o caráter
excessivamente estruturalista dessa perspectiva foi abandonado em detrimento
de uma abordagem mais relacional. Essa abordagem relacional, de acordo com
David Meyer, mostra como os movimentos se relacionam com as instituições
e inclusive com os contramovimentos (2004; 2015). Ela trouxe importantes
contribuições para a análise das mobilizações políticas transnacionais, sujeitas
a diferentes constrangimentos, muitas vezes oriundos de outros atores que não
os Estados nacionais.
A sociologia dos movimentos transnacionais parte dessas contribuições para
compreender não apenas a dimensão organizacional proposta pelos estudos
sobre Organizações Não-governamentais, ou os chamados “bons movimentos
globais”, que foram foco dos estudos sobre globalização. Efetivamente,
os estudos sobre organizações e novos atores nas Relações Internacionais
evidenciam essa pluralidade (Devin e Smouts 2011; Herz e Hoffmann 2004;
Milani, Arturi e Solinís 2002; Clark 1995; Barros-Platiau, Granja e Soendergaard
2021; Bringel 2011). Ao analisar tanto processos institucionalizados, como
também os processos mais conflituosos que alcançam o cenário internacional
e transnacional, permite compreender a atuação de grupos sociais mais
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invisibilizados pelos estudos sobre ativismo transnacional, tais como os migrantes
(Siméant-Germanos 2010).
Os estudos que partem dessa perspectiva assumem que existem diferenças
estruturais de acesso a recursos e conexões políticas entre os diferentes atores
e redes, gerando diferentes influências sobre os movimentos e coalizões. Isto é,
procura-se compreender a influência das oportunidades e restrições políticas nos
repertórios de ação, ou, em outras palavras, as formas de ação que podem ser
explicadas a partir da análise contextual. No caso das ações transnacionais, as
redes se tornam particularmente importantes, já que elas possuem o potencial
para remover os custos da ação política que ora são impostos pelo regime político
onde atuam, ora são impostos pelas condições legais particulares dos atores
transnacionais7. Por isso, a compreensão das redes de ativismo é tão importante
para a análise do ativismo transnacional quanto o contexto, ainda que elas
também sejam usadas pelos atores nacionais que visam a “transnacionalizar”
suas causas, ao ofertar canais de solidariedade aos atores transnacionais (Devin
2004; Sikkink 2005).
O regime político nacional se mantém central na análise do contexto
transnacional, uma vez que o Estado tem o direito legítimo e exclusivo de
coerção de ações políticas, porém, ele também é constrangido pelas organizações
intergovernamentais e outros Estados. Assim, a globalização fez com que a
estrutura de oportunidades” se tornasse ainda mais móvel (Tilly e Tarrow 2008,
50), afetando as possibilidades do regime político, que é o alvo dos ativistas,
constranger os repertórios de ação transnacionais (Arturi 2004, 290-291). Isso
também fica evidente quando, diante do fechamento dos canais internos, os
ativistas conquistam em solo estrangeiro oportunidades que permitem a criação
e desenvolvimento de campanhas transnacionais focadas em acontecimentos
políticos vistos à primeira vista como problemas domésticos. Embora marcados
pelo seu caráter efêmero, podem dar início a conexões mais duradouras, com
identidades mais amplas, a depender do contexto (Tarrow 2009, 175).
Visando contribuir com o debate sobre o papel do contexto do país onde
se desenvolve então para que o conflito assuma um caráter multidimensional,
partimos para a análise da crise política.
7 Ver: Os estudos sobre o engajamento político de exilados brasileiros pelo regime militar apontaram a importância
das redes enquanto redutoras das restrições à ação política no exterior. Ver: Marques 2011.
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Crise política e oportunidades transnacionais
As crises políticas são períodos marcados por rápidas transformações.
Segundo Ury e Smoke, trata-se de processos influenciados pela urgência, por
risco e/ou expectativas de perdas severas. Os autores destacam ainda o nível de
incerteza generalizado, muito maior do que aquele registrado em democracias
nas quais as instituições funcionam de acordo com o esperado (Ury e Smoke
1991). Analisadas a partir de uma perspectiva processual, algumas crises podem
ser entendidas enquanto partes de processos de “desdemocratização” (Tilly 2007;
Bianchi, Chaloub, Rangel e Wolf 2021). Para Tilly, estes processos ocorrem quando
os canais que permitem aos cidadãos de expressar suas demandas, de forma
igualitária e protegida pelo Estado, são colocadas em questão (2007, 14). Trata-
se de uma reversão de processos de democratização anteriores e podem originar
“processos de transformação política em turbilhão”, em virtude da possibilidade
de ocorrência de rápidas transformações institucionais (Tilly 2007, 78).
Em uma sociedade globalizada, os efeitos de crises políticas ultrapassam as
fronteiras nacionais. Segundo Carlos Milani, “crise política e crise econômica
se entrecruzam, e ambas, dialeticamente, produzem repercussões sociais mais
amplas”, sobretudo quando crise pode ser compreendida a partir de uma perspectiva
multiescalar (2012, 1). A situação de crise política doméstica parece ser uma
condição ímpar para a ação transnacional, pois pode afetar as múltiplas dimensões
que constituem as janelas de oportunidades do ativismo transnacional.
É importante destacar que, segundo Kathryn Sikkink, as oportunidades
políticas do ativismo transnacional são marcadas pelo caráter dinâmico e relacional
da estrutura multidimensional no qual está inserido (Della Porta e Tarrow 2005;
Tarrow 2005; Tilly 2006; Sikkink 2005; Gohn e Bringel, 2012). A dimensão
internacional diz respeito à abertura de instituições internacionais ao ativismo
transnacional. Por sua vez, a dimensão doméstica, diz respeito à abertura das
oportunidades políticas no território onde agem os atores transnacionais (Sikkink
2005, 151-153). O caso brasileiro é aqui destacado para compreender como uma
crise pode afetar as oportunidades e restrições na dimensão internacional, além
dimensão doméstica.
A crise que teve como no impeachment de Dilma Rousseff em 2016 um
dos seus pontos altos, o país inseriu o país no centro do debate sobre a crise
global das democracias no Ocidente. Como afirmou Jairo Nicolau no prefácio à
edição brasileira da obra “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky
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e Daniel Ziblatt, a análise do caso norte-americano, com a eleição de Trump
em 2016, leva invariavelmente a um paralelo com o caso brasileiro (Nicolau
2018, 11). Esse debate não ficou restrito à intelectualidade e alcançou todo o
sistema internacional. De acordo com André Reis da Silva e Eduardo Svartman,
a repercussão internacional da crise política brasileira é observável a partir
das posições dos governantes, de personalidades estrangeiras, de Instituições e
Organismos internacionais e também da mídia internacional” (2016, 8). Todavia,
a complexidade do processo abriu espaço para uma diversidade de narrativas:
Durante ascerca de oito horas de votação [do impeachment], o Brasil
esteve nas notícias mais importantes (“breakingnews”) de centenas de
canais de televisão, jornais, rádios e sites de todo o mundo. E, durante
todo este tempo, jornalistas enfrentavam em diferentes sotaques o desafio
de explicar o emaranhado de relações de poder e alianças no Congresso
brasileiro e a construção de um discurso conservador e autoritário, no
caminho que levou à abertura de processo para julgamento de um possível
impeachment da presidenta Dilma Rousseff (Nóbrega, 2016).
Tal contexto permitiu que atores não-estatais disputassem essas narrativas.
A pesquisa realizada até o presente momento indica que residentes brasileiros
no exterior e intelectuais brasilianistas entenderam essa disputa como uma
motivação para o engajamento transnacional. Segundo Juliette Dumont, uma
ativista do Rede Europeia pela Democracia no Brasil (Red.Br) em entrevista,
no caso dos ativistas na França, a mídia começou a procurá-los em virtude
das atividades acadêmicas propostas sobre o tema (Foucher 2019).
Ao projetar internacionalmente o debate sobre a condição de um regime
político, a crise forneceu novas oportunidades políticas para os atores transnacionais
para gerar os chamados enquadramentos interpretativos. Estes possuem a função
de indentificar um problema, propor uma solução e incentivar o engajamento
(Silva, Cotanda, Pereira, 2017). Dessa forma, garantiu novos canais de difusão que
podem permitir que determinados temas sejam acolhidos não apenas pela mídia,
mas inclusive outros atores internacionais, como organizações não-governamentais
e instituições internacionais. A difusão de um determinado enquadramento pode
permitir novas conexões e com outros aliados transnacionais, gerando padrões
boomerangs que potencializam as ações transnacionais (Sikkink 2005). No caso
brasileiro, cabe destacar que o país ganhou destaque no cenário internacional
durante o período de governos do Partido dos Trabalhadores (PT) (Cervo e Lessa
2014, 134).
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Por sua vez, para compreender de que maneira a crise política pode abrir
novas redes de relacionamento, faz-se necessário compreender o contexto dos
países nos quais se desenvolvem a ação dos movimentos transnacionais. Nesse
sentido, nos valemos das contribuições desenvolvidas por Charles Tilly sobre
o peso do Estado-nação e sobre como suas diferentes capacidades afetam a
influência do sistema internacional nas ações coletivas que se desenvolvem em
seus territórios (2007; 2006). Para este autor, os repertórios de ação, natureza
das coalizões e os enquadramentos temáticos dos atores podem variar de acordo
com as transformações do regime.
Nesse sentido, destacamos o caso dos Estados Unidos. Em 2016, tal país
contava como Barack Obama do partido Democrata no final do seu segundo
mandato, sendo o primeiro presidente negro da história norte-americana. Obama
teve um governo marcado por avanços, tais como a criação de um sistema de
saúde, muito embora tenha efetivado políticas vistas como controversas pelos
setores progressistas, tais como a política conservadora em relação aos migrantes
(Sauviat 2015). Por outro lado, sendo o último ano do seu governo, cabe destacar
que o contexto norte-americano no período em questão também foi marcado pela
ascensão da extrema direita no país, que culminou no processo eleitoral que levou
Donald Trump (Partido Republicano) à presidência dos Estados Unidos em 2017.
Sua eleição, de acordo com autores como Levistky e Ziblatt, foi compreendida como
um risco às instituições democráticas (2018). Como reação ao contramovimento,
tal como destacado por Meyer, o cenário político americano foi marcado pelo
fortalecimento de redes ativistas, inclusive transnacionais, dentre as quais merece
destaque o feminismo, também em resposta aos ataques de Trump às mulheres.
O cenário, portanto, evoluiu rapidamente para um contexto de acirramento do
confronto político, com a ampliação das redes ativistas.
Além do contexto político e social dos locais onde se desenvolvem as ações,
importa compreender a inserção deste no sistema internacional. Sikkink destaca
que as oportunidades variam entre países e também dependem das relações
entre países (2005, 153). A partir da contribuição de Milani (2012), Svartman
e Silva (2016), assume-se que as relações internacionais, mesmo as bilaterais,
podem ser afetadas de forma particular pelas crises políticas nacionais, o que,
no caso da presente pesquisa, justifica a crise brasileira no centro da análise.
Essa dimensão se mostra extremamente complexa uma vez que implica em
compreender não apenas as relações bilaterais, mas inclusive as relações com
as estruturas multilaterais, uma vez que o processo de impeachment pode ser
Teresa Cristina Schneider Marques; Carlos Schmidt Arturi
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lido enquanto uma violação de tratados internacionais ratificados pelo Brasil8.
No caso das relações entre Estados Unidos e Brasil, destaca-se que após a queda
do muro de Berlim, os governos dos dois Estados buscaram aprofundamento das
relações tanto políticas quanto econômicas, buscando superar as divergências em
pontos específicos. De acordo com Vigevani, esse cenário foi observado durante
o governo de Obama (2011, 08). A mídia inclusive destacou que a chegada de
Michel Temer à presidência em primeiro de março de 2016 foi marcada pelo
silencio do então presidente Barak Obama e mesmo da aprovação do processo
pelo então vice, Joe Biden (Ayuso 2016 a; Ayuso 2016b).
Diante desse cenário, como é possível compreender a rápida evolução da
campanha de oposição ao impeachment de Dilma Rousseff nos Estados Unidos?
A partir da análise das entrevistas, procuraremos refletir sobre as motivações
para o engajamento e compreender a forma como os ativistas pela democracia no
Brasil interagiram com o contexto por meio da análise do processo de construção
de redes e de escolha dos repertórios de ação.
Os ativistas transnacionais em um contexto
multidimensional de crise
Conforme destacado na introdução, a mobilização transnacional de
solidariedade norteamericana/brasileira pode ser considerada histórica. James
Green identifica cinco momentos de solidariedade entre movimentos de esquerda
norte-americanos e brasileiros no século XX e XXI. O primeiro momento ocorre
logo após o Ato institucional Nº5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, que
marcou o início do período de repressão mais violenta do regime militar;
o segundo se dá no ápice do movimento sindical liderado por Luís Inácio Lula
da Silva, em 1980; o terceiro momento ocorre durante o período da Assembleia
Nacional Constituinte e se centrava na questão da Amazônia e na luta dos
seringueiros; o quarto acontece logo após a eleição de Luís Inácio Lula da
Silva, em 2002, que registrou menor força; e, finalmente, o quinto momento foi
marcado pelo contexto de eminência do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016
(Green 2018).
8 Entre eles, destacamos: a Carta democrática Interamerica (2001) e o Protocolo de Ushuaia sobre compromisso
democrático no Mercosul (1998).
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Todavia, a análise contextual parece ser central para a compreensão da
emergência do movimento de solidariedade transnacional de 2016. De acordo com
David Meyer, o contexto tem um papel central na análise da evolução da adesão
aos movimentos sociais e às redes de ativismo, visto que ele permite inclusive
compreender como um movimento se relaciona com o contramovimento. Em reação
ao contramovimento, segundo o autor, indivíduos que não são tradicionalmente
engajados podem se juntar ao movimento composto por ativistas com atuação
política mais regular (2004).
No caso em estudo, destaca-se que, em 2016, a emergência de novas forças
políticas no Brasil que podem ser consideradas como um contramovimento. Entre
eles, se destaca o Movimento Brasil Livre (MBL), entre outros que argumentavam
a favor da legitimidade do processo de impeachment (Tatagiba 2017; Tatagiba
2018). A análise das entrevistas com os ativistas permite refletir sobre o papel do
contexto para a emergência desse quinto momento, após anos de invisibilidade
de movimentos transnacionais em favor do Brasil nos Estados Unidos.
De acordo com o brasilianista James Green, a emergência de um
contramovimento tem um papel explicativo na ampliação do engajamento
transnacional nos Estados Unidos:
“O trabalho realmente durou 2 ou 3 anos desapareceu de novo, não tinha
um fôlego de seguir adiante, e as pessoas já comentaram: “mas para quê?
Lula está eleito presidente, a esquerda está no poder, não precisam de
movimento de solidariedade”. Bom, então houve certos silêncios, sempre
grupos de brasileiros tentando articular uma ou outra questão, em geral
defesa dos imigrantes, e sempre brasilianistas interessados uma ou outra
questão política no Brasil, mas o que realmente mobilizou foi o golpe, e o
processo contra o Lula da Lava Jato, do Sérgio Moro... em 2016 começaram
de surgir em todo país [Estados Unidos] coletivos, a maioria de brasileiras e
brasileiros estudantes da pós-graduação, alguns grupos de imigrantes ou que
tinha dentro deles imigrantes e alguns brasilianistas no primeiro momento,
e foi crescendo, crescendo...” (James Green em entrevista concedida à TM
em 13 de maio de 2021, via plataforma Zoom)
A fala do entrevistado destaca a adesão progressiva aos movimentos de
solidariedade transnacionais nos Estados Unidos motivados pelo interesse em
disputar a narrativa. Nesse sentido, além da importância do contexto brasileiro,
aborda uma outra dimensão fundamental da estrutura ou janela de oportunidades
políticas que são as redes de relacionamento interpessoal. De acordo com McAdam
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e Paulsen, as redes têm a importante tarefa de diminuir os custos da participação
política e a de gerar recursos para a militância (1993).
No caso das mobilizações de migrantes, tais custos são ainda maiores em
virtude da vinculação da cidadania ao território-nação de origem e inclusive
à própria dispersão da população migrante em um país com grande território,
como é o caso dos Estados Unidos. Por isso, a situação de crise pode significar
uma oportunidade de ampliação das conexões entre potenciais ativistas, por
meio das conexões entre migrantes. De acordo com uma ativista brasileira que
deu início ao seu engajamento em Washington, a indignação com o processo a
conectou de outros brasileiros:
“Foi exatamente durante o começo do processo do impeachment da
presidenta Dilma Rousseff, e aí por ironia do destino, não sei, organicamente,
fui conhecendo, conheci um brasileiro, depois conheci uma outra
brasileira, que estavam, um tava dentro do BID [Banco Interamericano de
Desenvolvimento] outro, a outra, não estava, e começamos a conversar o
a gente podia fazer e o primeiro protestinho foi eu e ela, que não tava no
BID, para gente fazer um contraprotesto com o pessoal que tava pedindo
o golpe, pediu o impeachment, na frente do consulado no começo 2016, e
aqui foi crescendo e a gente foi conhecendo mais pessoas, mais pessoas,
eram jovens profissionais e estudantes, e agente foi ampliando muito
mais” (Entrevista anônima 1 concedida à TM em 09 de junho de 2021,
via plataforma Zoom)
Com efeito, de acordo com a Frente Brasileira Internacional contra o
golpe e a democracia (FIBRA), é possível localizar 12 iniciativas em diferentes
cidades dos Estados Unidos em oposição ao impeachment de 2016. Em geral,
tais iniciativas se auto intitulam como “coletivos”. De acordo com Rebecca L.
Bordt, os coletivos podem ser compreendidos como uma forma de organização
política que se caracteriza pelo seu caráter organizacional horizontal (1990) .
Embora tal mapeamento possa ser incompleto, dado à natureza do ativismo
transnacional, esse mapeamento reflete a multiplicação de iniciativas de resistência
nos Estados Unidos em 2016 como canais de conexão entre brasileiros nesse país.
São eles:
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Quadro 01: Coletivos contra o impeachment de 2016 nos Estados Unidos
1 Coletivo Resistência em Austin Austin
2 Boston Contra o Golpe Boston
3 #ResistBrasil — Mulheres No Exterior Unidas Pela Democracia Boston
4 Manifestação contra o GOLPE em CHICAGO Chicago
5 Brasileiros contra o golpe em LA Los Angeles
6 Coletivo Por Um Brasil Democrático Los Angeles
7 Coletivo Alert NY Nova York
8 Defend Democracy in Brazil (DDB) Nova York
9 Mulheres da resistência no exterior Nova York
10 Brazilian Resistance Against Democracy’s Overthrow — (BRADO-NYC) Nova York
11 Coletivo desbordar São Francisco
12 Brazilians for Democracy and Social Justice — Washington DC Washington
Fonte: Elaborada pela autora a partir dos mapeamentos produzido pela FIBRA. Consulta em: 06 de outubro de 2022.
Disponível em: https://fibrabrasil.wordpress.com/coletivos/
Verifica-se também a existência de coletivos construídos em torno da questão
de gênero. De acordo com Bordt, essa forma de associação é cada vez maior entre
mulheres engajadas (1990). Além da conexão com o feminismo, a multiplicação
de coletivos nos Estados Unidos também faz parte de um movimento mais amplo
que mobilizou brasileiros em diversos países com diferentes status, seja como
estudantes, seja como migrantes econômicos estabelecidos. Esse fenômeno se
insere em um contexto global de emergência de novos canais de comunicação
entre ativistas além das fronteiras nacionais, permitindo com mais facilidade a
efetivação de ações coordenadas que podem ser identificadas como coalizões,
segundo Sidney Tarrow (2005).
Coletivos liderados por brasileiros em diversos países que, à medida que
ampliava a adesão, conseguiram efetivar protestos concomitantes em diferentes
cidades, ampliando também a visibilidade da atuação transnacional dos brasileiros:
“Depois disso foram, vieram muitas outras cartas, muitas outras ações e
muitos outros protestos né, o primeiro protesto que a gente organiza que
é realmente grande é em 31 de março de 2016, teve um chamado tanto
dentro do Brasil quanto como coletivos que já vinham ali se formando
fora né, de Paris, Lisboa, Buenos Aires, enfim, Nova York, Washington,
Los Angeles, tinha um também San Francisco, Montreal, enfim, tava todo
mundo começando ali” (Entrevista anônima 1 concedida à TM em 09 de
junho de 2021, via plataforma Zoom)
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Se o contexto de crise que marcou 2016 permitiu a multiplicação das conexões
entre brasileiros e pessoas com interesse prévio pelo Brasil, a construção de redes
de solidariedade com a sociedade norte-americana se mostrou menos automática,
de acordo com as entrevistas. Nesse sentido, destaca-se a particularidade do
contexto internacional em 2016 e do embate público em torno da caracterização
do processo de destituição de Dilma Rousseff. O debate sobre denominá-lo
como impeachment — atribuindo a ele uma legitimidade legal — ou como
golpe — para evidenciar a irregularidade e o jogo político por trás do processo
— tomaram a opinião pública e a intelectualidade, tanto no Brasil quanto
no exterior9.
A construção do enquadramento do processo de impeachment como uma
ação anticonstitucional, em outras palavras, como um golpe de Estado, passou a
ser parte estruturante da campanha transnacional em estudo. Tal como ocorreu
na França, o contexto de crise abriu oportunidades políticas na medida em que os
brasileiros e brasilianistas, norte-americanos ou brasileiros, se colocavam como
vozes autênticas para abordar o impeachment nas mídias locais, especialmente
os brasilianistas do meio acadêmico. As entrevistas indicam a confiança dos
entrevistados de que o posicionamento da comunidade científica nos Estados
Unidos poderia legitimar a denúncia do processo de impeachment, criando uma
espécie de boomerang interpretativo.
Importa mencionar que as solidariedades transnacionais estabelecidas entre
os migrantes e a população do país onde se desenvolve a ação diminuem os riscos
impostos à mobilização distante do seu território de origem (Marques 2017).
Os cidadãos nacionais que oferecem os recursos à estrangeiros, são chamados
cosmopolitas enraizados (Tarrow, 2007 b). Em outras palavras, são atores políticos
dedicados a oferecer solidariedade a causas que ultrapassam seu território de
origem (Tarrow, 2007a, 88). Os acadêmicos ativistas transnacionais, sobretudo
os brasilianistas, podem ser lidos como tais.
Embora o ativismo científico tenha ficado cada vez mais evidente e legítimo,
em 2016, o cenário se mostrava mais complexo. Por fim, de acordo com o
acadêmico Sidney Chalhoub, a associações se politizaram e passaram a ser cada
vez mais presentes no debate público:
9 Parte desse debate pode ser verificado em obras que reuniram tanto intelectuais, quanto personalidades
públicas. Ver: Jinkings e Doria (Et. Al.), 2016; Proener (Et.Al.), 2016.
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Quando começou a questão do impeachment houve uma tensão na associação
[Brazilian Studies Association] até porque o havia um grupo achando que a
BRASA tinha que assumir uma posição política mais clara contrária ao golpe
[...] então comecei a participar [...] tentando politizar mais Associação e
chamar atenção para gravidade do que acontecia no Brasil… e a comissão
da LASA também veio um pouco a reboque da tentativa de politizar essas
associações em relação ao que ocorria no Brasil (Sidney Chalhoub em
entrevista concedida à TM em 28 de maio de 2021, via plataforma Zoom).
Os intercâmbios culturais entre o Brasil e os Estados Unidos, que explicam
a existência de uma comunidade acadêmica brasilianista tão relevante, também
importam para a compreensão do contexto e das oportunidades políticas
transnacionais. Parece válido afirmar que a legitimidade dessas vozes permitiu
diminuir os custos para o ativismo migrante e permitiu que atores diversos
disputassem os enquadramentos do impeachment como golpe em diferentes arenas,
alcançado o debate público brasileiro. Visto que são migrantes ou estrangeiros
com conexões com outro país, a “realidade social” para o ativista transnacional
é multidimensional. Sendo assim, os enquadramentos propostos pelos ativistas
não estão desconectados das relações interpessoais e ativistas que os brasileiros
nos Estados Unidos mantêm com o Brasil, apesar da migração.
Tal como destacado por Sidney Tarrow, os migrantes que participam
regularmente de atuações políticas transnacionais podem ser considerados com
militantes transnacionais (2007, 88). Também chamados pela sociologia das
migrações como transmigrantes, trata-se de migrantes que, mesmo distante
territorialmente, eles não deixam de ter conexões com o seu país de origem.
Conforme destacado por uma ativista:
A gente não inventa assunto, a gente não decide as coisas do nada, então
tudo que a gente faz de alguma forma vem do Brasil, então é às vezes é
uma coisa assim a gente está vendo uma discussão que tá rolando na mídia
e tá bombando muito e aí a gente se tem algum contato com as partes
envolvidas já contata, já pergunta, se não tem a gente ver qual que é a
retórica, e o que que é que tá acontecendo, moldamos nossas campanhas
e ações a partir de disso (Entrevista anônima 2 concedida à TM em 28 de
maio de 2021, via plataforma zoom).
Com efeito, diferentes ações fizeram parte do repertório de ação dos coletivos
brasileiros nos Estados Unidos em 2016. Essas conexões se refletem também nas
arenas de ação dos ativistas. A primeira arena são os espaços públicos. Com o
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objetivo de sensibilizar a população norte-americana sobre o golpe no Brasil,
multiplicaram-se no período o número de protestos, atos e abaixo-assinados,
como destacado em falas anteriores dos ativistas.
Além dos protestos, a mídia norte-americana também representou um alvo
dos ativistas. De acordo com as entrevistas, objetivava-se não apenas sensibilizar
a população norte-americana e a própria comunidade brasileira nos Estados
Unidos, mas interessava oferecer o enquadramento do impeachment enquanto
golpe para os parlamentares norte-americanos. Com o anseio de ampliar a
desaprovação internacional do golpe, veículos de alcance global como o New
York Times passaram a ser alvo:
“Eu acho que, eu acho que até a eleição de Bolsonaro, até [...] tem aí
questões sobre “ai, foi golpe”, “não foi golpe”, “ai, Temer isso e aquilo”
[...] “Brasil não tava no radar de democratas, naquela época não tinha
tantos progressistas né, [...], a preocupação era Direitos Humanos, México,
Guatemala, Honduras, El Salvador, alguma coisa na Colômbia né, mas não
muito Brasil né, então a gente precisou fazer um trabalho muito árduo de
trazer eles para entender o que estava acontecendo [...] especialmente com
membros do Parlamento mais velhos [risos] um pouco mais quadrados, que
eles vão só ler New York Times, Washington Post e o Wall Street Journal, a
gente tinha um pouco de dificuldade, ficava esperando sair uma matéria
tentando articular alguma coisa com jornalistas” (Entrevista anônima
1concedida à TM em 09 de junho de 2021, via plataforma zoom)
O relato destaca restrições para a ampliação das alianças, ao mesmo tempo
em que nos permite refletir sobre a interação dinâmica entre os ativistas e
o contexto. Conforme apontou Meyer, as oportunidades podem ser lidas de
maneira relacional, abordando a agência do ativista, que não é dependente do
contexto: ele pode agir com outros recursos para transformar as oportunidades
a seu favor (2004, 126). Mas é certo que o contexto não é estático, sobretudo
quando se pensa em um contexto multidimensional como é o caso do ativismo
transnacional, como destacou Sikkink (Sikkink 2005).
As conexões transnacionais ativistas em favor da democracia no Brasil se
ampliaram e se aprofundaram após o impeachment, permitindo o aperfeiçoamento
do repertório de ação verificado em 2016. A transformação do contexto norte-
americano e internacional que evidenciou a extrema-direita como uma força
global, sobretudo após a eleição de Trump, transformou as oportunidades políticas
dos brasileiros.
Ativismo transnacional em tempos de crise nacional: a construção de redes transnacionais [...]
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“Eu acho que a gente consegue lidar um pouco melhor com [isso], um
pouco de maneira um pouco mais livre, mais fácil né, sem ter que ficar
explicando tanta coisa quando o Bolsonaro é eleito e maneira na qual ele
é eleito, muitas atenções voltam mais a isso. Aí quando ele demonstra
ser tão apaixonado por Trump né, como ele falou na Organização das
Nações Unidas em 2019, ele falou I love you proTrump, né, essas coisas
nos ajudaram muito especialmente com a relação com o Democratas na
câmara, porque existia muita essa oposição dos Democratas contra o Trump
e o tanto que Trump e Bolsonaro tivessem na mesma caixinha, eles iam
se opor Bolsonaro também. Então isso nos ajudava bastante” (Entrevista
anônima 1 concedida à TM em 09 de junho de 2021, via plataforma zoom)
Efetivamente, após 2016, verifica-se a continuidade da atuação de coletivos
criados naquele ano, bem como a evolução da sua organicidade. Destaca-se, nesse
sentido, o surgimento da U.S. Network for Democracy10 em 2018, que reuniu
os coletivos, ativistas, acadêmicos, intelectuais, além de ampliar o apoio da
sociedade norte-americana e do Washington Brazil Office em favor da democracia
no Brasil. Segundo Green, liderança ativista do U.S. Network, contexto de 2016
foi uma gênese do processo de construção de redes.
“Com o movimento contra o golpe, depois contra Temer, e depois contra
o Bolsonaro, então houve toda essa acumulação de energia que criou as
possibilidades de denunciar Bolsonaro, e isso atraiu os acadêmicos que
é estudam Brasil, dependendo da sua área, antropólogas que estudam
povo indígena ou sobre afrodescendentes, [...] historiadores ou pessoas da
literatura que tem uma consciência, responsabilidade ou são brasileiros e
brasileiros, são minorias, são brasileiros e brasileiras, ou são pessoas que
foram para o Brasil se apaixonaram pelo país, pela sua cultura” (James Green
em entrevista concedida à TM em 13 de maio de 2021, via plataforma zoom)
A fala do entrevistado evidencia o caráter mutável e dinâmico das
oportunidades políticas dispostas ao ativismo transnacional em um contexto
de internacionalização de globalização complexa e de crise política. A
internacionalização, entendida aqui enquanto uma estrutura ou janela de
oportunidades políticas que é afetada pela ação do Estado-Nação em nível
internacional e pelo nível nacional, se encontra em constante transformação
10 Tais iniciativas podem ser entendidas como Transnacional advocacy networks (Keck e
Sikkink 1998).
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(Della Porta e Tarrow 2005; Tarrow 2005; Sikkink 2005). Tais transformações
podem ser ainda mais evidentes em contextos de “desdemocratização”.
Considerações finais
O artigo buscou compreender quais foram as condições que permitiram
que a campanha transnacional contra o impeachment de Dilma Rousseff, em
2016, evoluísse nos Estados Unidos em um curto período temporal. Para tanto,
partiu-se de uma análise qualitativa que selecionou entrevistas com ativistas
como principal fonte. A análise se baseou nas contribuições da sociologia dos
movimentos transnacionais e da teoria do confronto político. De acordo com a
abordagem proposta, as oportunidades e restrições do ativismo transnacional
devem ser lidas a partir de uma perspectiva relacional.
A pesquisa evidenciou o papel do contexto de crise política no Brasil enquanto
um motivador para a transnacionalização do confronto político. As entrevistas
com ativistas permitiram refletir sobre a disputa por narrativas sobre o processo
enquanto uma das motivações para o engajamento. Isto é, esperava-se que a
adesão da mídia, da classe política, dos intelectuais e de setores progressistas
norte-americanos à perspectiva do impeachment como um golpe de estado
pudesse influenciar o cenário tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
Todavia, as entrevistas indicam que os canais nos Estados Unidos passaram
a se abrir para os ativistas à medida que o próprio contexto estadunidense
se transformou. Importante destacar que, segundo os ativistas, os ataques às
instituições democráticas promovidas por Trump, a partir de 2017, ensejaram a
abertura de muitos desses canais. Efetivamente, a rede de solidariedade que foi
iniciada em 2016, caracterizada pela diversidade dos atores que a compuseram
— migrantes econômicos, brasileiros estudantes, acadêmicos norte-americano
—, foi responsável pela superação de grande parte dos obstáculos típicos da
mobilização migrante. Destaca-se o espaço conquistado na mídia e no próprio
parlamento, evidenciando o caráter relacional do confronto político transnacional.
Assim, as conexões mantidas pelas redes ativistas nos Estados Unidos com o
debate público brasileiro, projetaram no cenário internacional a reflexão do
processo de impeachment como golpe de estado.
Assim, a pesquisa indica que não apenas não o contexto do país importa,
como também o contexto do país onde se desenvolve então, o que garante um
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caráter multidimensional ao confronto transnacional. Tal como colocou Meyer,
em famosa metáfora, os ativistas são como vendedores de guarda-chuvas, que,
ainda que tenham boas técnicas de venda, vendem mais quando chove (2015).
Isto é, em um cenário de internacionalização complexa, é possível pensar que
quando a chuva em um bairro distinto é observada sendo empurrada pelo vento
para o seu próprio bairro, atenta-se para a necessidade de guarda-chuva.
Por fim, é possível verificar por meio da pesquisa que a crise de 2016 deu
origem a conexões transnacionais mais duradouras, ainda existentes, e cada
mais atuantes nos Estados Unidos, com conexões com atores e redes políticas
brasileiras e internacionais. Tais conexões, como a U.S. Network for Democracy in
Brasil11 desafiam o entendimento de que o ativismo transnacional é caracterizado
pela efemeridade. Antes de tudo, evidenciam o seu papel desses ativistas para a
construção de solidariedades transnacionais e a promoção de iniciativas voltadas
para a construção de uma cultura global de respeito à democracia.
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