Matheus de Oliveira Pereira
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 18, n. 3, e1375, 2023
15-24
OSSIÊD
Relações Internacionais:
da América Latina para o mundo
tempo, este grupo se constituiu como uma comunidade epistêmica4 que, além
de propor um modelo, engajou-se diretamente na formulação e execução da
política externa ao longo da década de 1990. Nesta seção, o objeto específico
de atenção são os escritos de Carlos Escudé que, do ponto de vista intelectual,
apresentou a mais consistente proposição do Realismo Periférico, além de ter
ocupado o cargo de assessor especial do chanceler Guido di Tella5.
Após graduar-se em Sociologia pela Universidade Católica Argentina, em
1973, Escudé estudou História Política na Universidade de Oxford e realizou
o doutorado em Ciência Política em Yale, nos Estados Unidos. Em sua tese de
doutorado, intitulada “Gran-Bretaña, Estados Unidos y la declinación Argentina
1942-1949”, defendida no começo dos anos 1980, Escudé critica as explicações
oferecidas pela Teoria da Dependência para a questão do declínio argentino
no pós- Segunda Guerra, argumentando que este se deveu a uma conjunção de
fatores associados a dinâmicas domésticas e da relação triangular da Argentina
com o Reino Unido e os EUA (Escudé, 1983; Corigliano, 2009). Fatos como a
resistência em admitir que o centro do poder mundial se transferira de Londres
para Washington e a neutralidade mantida na Segunda Guerra e o consequente
boicote dos EUA, bem como a diplomacia dos governos de Juan Domingo Perón
foram interpretados como políticas que concorreram para um desgaste com
os Estados Unidos que gerou prejuízos e desconfianças em relação à posição
argentina (Escudé, 1984a ; 1991 ).
Após a publicação da tese em livro, Escudé travou ainda uma polêmica
com o historiador Mario Rapoport, cujo doutorado – “Gran Bretaña, Estados
Unidos y las classes dirigentes argentinas (1940 – 1945)” – abordava um problema
quase idêntico. A tese de Rapoport (1981), contudo, era muito mais próxima
da abordagem de Puig e dialogava mais abertamente com uma perspectiva
da história econômica. Neste sentido, Rapoport (1984) argumentava que a
4 Haas (1992) deine uma comunidade epistêmica como uma rede de intelectuais que possuem um reconhecido
conhecimento sobre um determinado campo do saber e, com base nisso, reivindicam autoridade e
legitimidade sobre as políticas no campo de sua expertise.
5 Escudé deixou o cargo em 1992, após a publicação de um memorando no qual criticava a estratégia
adotada pelo governo em relação às Ilhas Malvinas. No texto, ele argumentava que as ilhas estavam
irremediavelmente perdidas, de forma que a melhor opção para a Argentina era granjear para si
a possibilidade de explorar conjuntamente os recursos naturais do subsolo marítimo e defendia a
independência dos kelpers, porque isso implicaria na retirada dos britânicos do Atlântico Sul (Escudé, 1992, b).