Enzo Lenine; Eduardo Grizenti; Agnes Bia; Beatriz Cardoso
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 18, n. 3, e1365, 2023
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de lei geral e a linguagem de condições necessárias e ou suficientes (Gerring
2005, 2017; Goertz e Mahoney 2012; King, Keohane e Verba 2021); passando
por interpretações acerca de observações de processos causais9 (causal-process
observations, CPOs) e variáveis intervenientes
10
(Brady, Collier e Seawrigth
2010); até a novas perspectivas sobre a ontologia das causas, com referências
ao realismo científico da filosofia (Bennett e Checkel 2015; Beach e Pedersen
2019; Kurki 2008; Patomäki e Wight 2000; ver também Lenine e Machado, 2023).
Essas incursões nos significados da causalidade demonstram a complexidade e a
relevância do tema para a metodologia, uma vez que diferentes entendimentos
sobre o significado de causas e relações causais incidem sobre os compromissos
ontológicos, epistemológicos e metodológicos da pesquisa (Kurki 2008).
No caso específico de process tracing, que se caracteriza como uma abordagem
de investigação orientada à busca de relações causais, há uma compreensão destas
como mecanismos causais (Beach 2016; Clarke 2023). Entretanto, a polissemia
desse termo tem gerado disputas epistemológicas e metodológicas sobre o que
se entende por mecanismos; como se rastreiam mecanismos; o que significa
produzir uma explicação mecanicista; e, finalmente, quais tipos de explicações
são melhores, o que implica definir critérios de avaliação do poder explicativo
de um dado mecanismo causal.
A ideia de mecanismos é profundamente polissêmica dentro das Ciências
Sociais (Hedström e Ylikoski 2010), mas uma aproximação particularmente útil
e sintética do seu significado é apresentada por Woodward:
Uma condição necessária para a representação de um modelo aceitável de
mecanismo é que a representação (i) descreve um conjunto organizado
ou estruturado de partes ou componentes, onde (ii) o comportamento de
cada componente é descrito por uma generalização que é invariante sob
intervenções, e onde (iii) as generalizações que governam cada componente
são também independentemente variáveis, e onde (iv) a representação
nos permite ver como, em virtude de (i), (ii) e (iii), a saída [output] geral
do mecanismo variará sob a manipulação da entrada [input] para cada
componente e mudanças nos próprios componentes. (Woodward 2002, S375)
9 Brady, Collier e Seawright (2010) postulam que a pesquisa qualitativa investiga a causalidade através de
processos causais observáveis, que envolvem contextos, processos ou mecanismos. Entretanto, não só essa
abordagem não é process tracing (Collier 2011), como o próprio conceito é vago (Beach e Pedersen 2019, 5).
10 Algumas interpretações consideram mecanismos como variáveis intervenientes (King, Keohane e Verba 2021).
Porém, essa visão elimina os elos causais que se busca investigar, porque “a evidência relevante para o efeito
causal da variável interveniente (ou seja, mecanismo) é a diferença que a presença/ausência dela faz em
casos que são semelhantes em todos os outros fatores” (Beach e Pedersen 2019, 3).