Luciano da Rosa Muñoz
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 18, n. 2, e1335, 2023
1-23
Autonomia na política externa
brasileira: uma história do conceito
no pós-guerra
Autonomy in the Brazilian foreign
policy: a history of the concept
in the postwar
Autonomía en la política exterior
brasileña: una historia del concepto
en la posguerra
DOI: 10.21530/ci.v18n2.2023.1335
Luciano da Rosa Muñoz
1
Resumo
Neste artigo descrevemos uma história do conceito de autonomia
na política externa brasileira após a Segunda Guerra Mundial.
A história dos conceitos (Begriffsgeschichte) é nossa opção teórica
e metodológica. Analisamos os significados opostos que o conceito
carrega no pensamento de Golbery do Couto e Silva e de Helio
Jaguaribe. Argumentamos que essa disputa semântica implicou
formulações diferentes da política externa. Por um lado, a Política
Externa Independente de Jânio Quadros concebeu a autonomia
como não-alinhamento a quaisquer blocos da Guerra Fria. Por
outro, Castello Branco assumiu que não haveria autonomia sem
as relações especiais com os EUA.
Palavras-chave: Begriffsgeschichte; Autonomia; Política Externa
Brasileira.
1 Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Professor
do Centro Universitário de Brasília (CEUB) e da Universidade de Brasília (UnB).
(lmunoz1984@hotmail.com). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6685-9385.
Artigo submetido em 27/03/2023 e aprovado em 31/07/2023.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ISSN 2526-9038
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Autonomia na política externa brasileira: uma história do conceito no pós-guerra
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 18, n. 2, e1335, 2023
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Abstract
In this paper we write a history of the concept of autonomy in Brazilian foreign policy after
World War II. Conceptual history (Begriffsgeschichte) is our theoretical and methodological
option. We analyse the opposite meanings the concept bears in Golbery do Couto e Silva and
Helio Jaguaribe’s thinking. We argue such semantic dispute implied different formulations
of foreign policy. On the one hand, Jânio Quadros’ Independent Foreign Policy conceived
autonomy as non-alignment to either Cold War blocs. On the other, Castello Branco assumed
there would be no autonomy without special relations with the US.
Keywords: Begriffsgeschichte; Autonomy; Brazilian Foreign Policy.
Resumen
En este artículo escribimos una historia del concepto de autonomía en la política exterior
brasileña tras la Segunda Guerra Mundial. La historia de los conceptos (Begriffsgeschichte)
es nuestra opción teórica y metodológica. Analizamos los significados opuestos que el
concepto conlleva en el pensamiento de Golbery do Couto e Silva y de Helio Jaguaribe.
Argumentamos que esta disputa semántica implicó diferentes formulaciones de la política
exterior. Por un lado, la Política Exterior Independiente de Jânio Quadros concebía la
autonomía como no alineamiento con ningún bloque de la Guerra Fría. Por otro, Castello
Branco asumió que no habría autonomía sin relaciones especiales con los EE.UU.
Palabras clave: Begriffsgeschichte; Autonomía; Política Exterior Brasileña.
Considerações iniciais
No final da Segunda Guerra Mundial, as relações entre Brasil e Estados
Unidos eram excelentes. Os dois países haviam lutado juntos na Europa. O Brasil
surgia como parceiro privilegiado dos Estados Unidos, pois havia recebido auxílio
financeiro e militar durante o conflito. Em 1947, contudo, o início da Guerra
Fria alterou a situação. Os norte-americanos passaram a privilegiar a ajuda para
a Europa e a Ásia, regiões consideradas prioritárias em sua política global de
contenção ao comunismo. Assim, no final da década de 1940, crescia a frustração
com o andamento das relações bilaterais. Foi nesse contexto que emergiu o debate
sobre a autonomia do Brasil em sua política externa. A partir da Conferência de
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Bandung (1955), ganhou força a proposta de não-alinhamento aos Estados Unidos
na Guerra Fria em prol da busca de novos mercados e investimentos necessários
ao desenvolvimento brasileiro. Neste artigo, pretendemos fazer uma história do
conceito de autonomia no pós-guerra. Por essa razão, escolhemos dois grupos
que protagonizaram o debate entre as décadas de 1950 e 1960. Por um lado,
Escola Superior de Guerra (ESG) pensava a autonomia do Brasil ainda dentro
do marco das relações especiais com os Estados Unidos; por outro, o Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) defendia um conceito de autonomia
associado ao neutralismo na Guerra Fria.
Na primeira seção, situamos nossa opção de teoria e método. Utilizamos o
método contextualista da história dos conceitos alemã (Begriffsgeschichte), o qual
permite pensar o conceito de autonomia sempre relacionado ao contexto histórico
da política externa brasileira. Entre os autores da ESG e do ISEB, analisamos
na seção seguinte o conceito nas obras Geopolítica do Brasil (1967), de Golbery
do Couto e Silva, e O nacionalismo na atualidade brasileira (1958), de Helio
Jaguaribe. Nessa análise, empregamos a teoria dos tempos históricos de Reinhart
Koselleck, segundo a qual ideologias de grupos rivais relacionam-se a semânticas
distintas dos conceitos que articulam na arena política. Assim, defendemos que as
diferentes concepções do conceito de autonomia presentes nas obras de Jaguaribe
e Golbery tiveram impactos opostos em duas políticas externas do Brasil. Na
seção final, passamos à análise da Política Externa Independente (PEI), de Jânio
Quadros e San Tiago Dantas; e da política externa das “fronteiras ideológicas”,
de Castello Branco. No primeiro caso, tratava-se de pensar a autonomia como
condição ao neutralismo e ao não-alinhamento; no segundo, tratava-se de pensá-
la como Objetivo Nacional a ser alcançado a partir das relações especiais com os
Estados Unidos. Disso resultou a implementação de políticas externas opostas
para Cuba, em 1962 e 1964; e República Dominicana, em 1965.
História dos conceitos: teoria e método
Na década de 1960, o método da história dos conceitos alemã (Begriffsgeschichte)
foi desenvolvido em contraposição à tradicional história das ideias, a qual desde
o século XIX tratava as ideias como constantes e imutáveis, a despeito de seus
diversos contextos históricos. Por sua vez, a história dos conceitos destaca como
o significado de conceitos políticos e sociais é intensamente disputado em cada
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período. A Begriffsgeschichte propõe a hipótese de que durante o período da
chamada Sattelzeit, entre meados dos séculos XVIII e XIX, o vocabulário político
e social no Ocidente transformou-se aceleradamente em resposta às rápidas
mudanças nas estruturas governamentais, sociais e econômicas, as quais também
foram moldadas pela linguagem. Sob o impacto da Revolução Industrial e da
Revolução Francesa, os conceitos políticos e sociais foram inseridos em horizontes
temporais propostos em termos de estágios de desenvolvimento à medida que
esse vocabulário se democratizava entre as diferentes camadas e grupos. Os
conceitos políticos e sociais tornaram-se mais genéricos em sua referência social
e mais abstratos em seu significado, convertidos em ideologias que passaram a
ser utilizadas como armas por grupos antagônicos (Richter 1995).
É necessário distinguir “conceito” de “palavra”, uma vez que todo o conceito
político e social está associado a uma palavra, porém o inverso não é verdadeiro.
De acordo com Koselleck (2006), uma palavra pode adquirir sentido unívoco, ao
passo que os conceitos sempre serão ambíguos. Uma palavra poderá tornar-se
um conceito se for capaz de condensar o conjunto dos significados e experiências
dentro do contexto sociopolítico para o qual é utilizada. Dessa forma, a ambiguidade
dos conceitos políticos e sociais é fundamental ao método da Begriffsgeschichte,
pois eles sempre serão contestados e disputados. Não serão somente indicadores
linguísticos do contexto histórico a que se referem, senão também fatores ativos
dentro deles, já que estabelecem os limites da experiência e da teoria possíveis.
Essa história conceitual aplica a abordagem contextual a fim de identificar grupos
conscientes das consequências que quaisquer redefinições semânticas possam
ter sobre seus interesses políticos e sociais. Na história dos conceitos alemã, um
conceito básico (Begriffe) não se confunde com conceitos em geral. O Begriffe é
um conceito indispensável ao vocabulário político e social, tal como “Estado”,
“sociedade civil”, “democracia” ou “revolução”.
A análise da história de um conceito pode ser feita diacrônica e
sincronicamente. Por um lado, implica detectar todos os sentidos que um conceito
assume em suas mutações ao longo do tempo. Por outro, envolve discernir todas
as palavras e termos de uma língua que designam um conceito determinado
em um período dado. Ela implica encontrar conceitos paralelos, sobrepostos e
contrários ao conceito sob estudo, dentro de uma relação apta a constituir um
campo semântico em um contexto histórico determinado. Nesse campo semântico,
os conceitos políticos e sociais podem carecer de precisão e de delimitação
clara entre si. Tal imprecisão é o que os torna disputados, pois sua definição
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é reivindicada por distintos grupos políticos e sociais, os quais associam-no a
diferentes conceitos sinônimos (Richter 1995). Na visão de Koselleck (2004),
o melhor exemplo de constituição de campo semântico ocorre na relação entre
conceitos e contra-conceitos (Gegenbegriffe). A agência política e social de
um grupo dado conforma-se por meio dos conceitos de que dispõe, os quais
servem para defini-lo e excluir grupos rivais, que, por sua vez, devem buscar
contestar seus significados. Nesses casos, um grupo faz a reclamação exclusiva
à universalidade do conceito e rejeita a comparação com os demais grupos.
A oposição binária entre conceito e contra-conceito será assimétrica, pois o
contra-conceito recebe uma carga valorativa inferior.
Consideramos “autonomia” um conceito básico do vocabulário da política
externa brasileira, sobretudo a partir da década de 1950, quando se intensificou
a contestação e a disputa sobre seu significado no Brasil. A palavra “autonomia”
emergia como Begriffe, já que foi capaz de condensar distintos significados e
experiências de disputa política em torno da melhor opção para as relações
exteriores do país no pós-guerra. Nesse período, o Brasil passava por profundas
mudanças estruturais que incluíram taxas aceleradas de industrialização e
urbanização. Ao lado disso, o país testemunhava a inclusão das massas urbanas
na política democrática por meio da atuação de líderes populistas como Getúlio
Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. Assim, parece-nos que a disputa em
torno do conceito de autonomia serviu não apenas como índice dessas mudanças,
mas também as influenciou, uma vez que a política externa se entrelaçava cada
vez mais com os temas do desenvolvimento, da segurança e da justiça social.
Neste trabalho, privilegiaremos a análise sincrônica do conceito de autonomia.
Foge ao nosso escopo fazer a história do conceito até o momento presente. Traçar
a origem desse debate é relevante, na medida em que é na década de 1960 em
que se defrontam americanismo e globalismo, os dois paradigmas centrais da
política externa brasileira (Lima 1994) até os dias atuais.
Em função da ênfase no eixo sincrônico da história do conceito, buscaremos
delimitar um campo semântico da autonomia na política externa brasileira
entre as décadas de 1950 e 1960. Não buscamos esgotá-lo, mas tão somente
compreender como a autonomia foi pensada por dois grupos distintos, oriundos
do pensamento militar da Escola Superior de Guerra (ESG) e da ideologia do
nacional-desenvolvimentismo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB). Assim, nossa análise privilegia inicialmente as obras Geopolítica do Brasil
(1967), de Golbery do Couto e Silva, e O nacionalismo na atualidade brasileira
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(1958), de Helio Jaguaribe2. Destacamos conceitos sobrepostos a autonomia,
como independência e autodeterminação; paralelos, como segurança nacional e
neutralismo; bem como o contra-conceito de heteronomia. Nesse momento de
crise e transição na política externa brasileira, autonomia tornou-se um conceito
ambíguo e disputado. Dessa forma, os dois grupos rivais reivindicaram sua
melhor definição conforme seus interesses políticos e sociais. Na visão da ESG,
a autonomia do Brasil presumia manter relações especiais com Estados Unidos.
Por sua vez, os intelectuais do ISEB compreenderiam a autonomia como não-
alinhamento a quaisquer blocos de poder da Guerra Fria.
O tempo histórico é gerado por meio da tensão entre experiência e expectativa.
A experiência é o passado presente, ou o conjunto de eventos que são incorporados
pela memória. É uma totalidade ou espaço dentro do qual várias camadas de
tempos passados emergem simultaneamente. Por sua vez, a expectativa é o futuro
presente direcionado ao novo que ainda não aconteceu. É um horizonte ou linha
que poderá abrir um novo espaço de experiência ainda não vivenciado. A partir
da Modernidade, os conceitos efetivaram importante papel de legitimação da
ação política. Eles passaram a incorporar cada vez mais uma carga semântica
de mudança temporal, articulada linguisticamente através da antecipação do
futuro desejado por cada grupo político e social (Koselleck 2004). Como vimos,
esses conceitos foram temporalizados em horizontes de estágios ou etapas de
desenvolvimento. Ao lado disso, cada grupo rival passou a utilizá-los como armas
de luta política e ideológica. Segundo Koselleck (1992), os conceitos políticos
e sociais podem embutir temporalidades distintas. Os estratos semânticos que
apontam ao passado dão ênfase ao espaço de experiências e buscam repeti-las;
e os estratos semânticos que visam o futuro enfatizam o horizonte de expectativas,
tempo novo e aberto. Dessa forma, os significados do mesmo conceito mantêm
relações diferentes entre as temporalidades, passado e futuro, a depender do
grupo rival que o articula ideologicamente.
As obras de Golbery do Couto e Silva e de Helio Jaguaribe representam
ideologias rivais presentes no Brasil da década de 1950. Por um lado, o pensamento
militar da ESG formulou a Doutrina de Segurança Nacional (DSN). No que se
refere à política externa, a ênfase dada à segurança levaria Golbery a privilegiar
o espaço de experiência em seu conceito de autonomia, por meio da valorização
2 Uma análise mais ampla e detalhada do debate da autonomia na política externa brasileira entre as décadas
de 1940 e 1970 pode ser encontrada em Muñoz (2019).
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dada ao americanismo. Por outro lado, o ISEB elaborou a ideologia do nacional-
desenvolvimentismo. No caso de Jaguaribe, o conceito de autonomia estaria
mais voltado ao horizonte de expectativa atrelado à busca do desenvolvimento
econômico e social, pensado em termos de etapas evolutivas. A obra desses
autores teria importante impacto na formulação e na implementação da política
externa brasileira na década de 1960. Em 1961, Jânio Quadros e Afonso Arinos
incorporaram em parte os conceitos de autonomia e neutralismo de Jaguaribe.
Como consequência, propuseram o rompimento do espaço de experiência
marcado pelo alinhamento automático aos Estados Unidos, o qual remontava
ao advento do regime republicano. Em 1964, Castello Branco procurou resgatar
a memória do Barão do Rio Branco, incorporando-a ao pensamento da ESG, pois
sua compreensão da autonomia pressupunha manter as relações especiais com
os Estados Unidos. Nas seções seguintes, analisamos o conceito de autonomia na
política externa brasileira do pós-guerra e o contexto da luta política envolvida
em seu significado.
O conceito de autonomia no pensamento da ESG e do ISEB
Na Segunda Guerra Mundial, as relações entre Brasil e Estados Unidos
atingiram seu melhor momento histórico. Entre 1935 e 1941, Getúlio Vargas soube
explorar bem a rivalidade existente entre Estados Unidos e Alemanha nazista em
sua disputa por hegemonia comercial e ideológica na América Latina. Naquele
momento, o Brasil gozou de margem de autonomia para negociar, pois assumiu
uma posição de equidistância pragmática entre os dois polos de poder. Com base
nisso, foi possível receber dos Estados Unidos contrapartidas no marco das relações
especiais. A partir de 1941, quando o Brasil se alinhou aos Aliados no esforço de
guerra, o interesse nacional seria contemplado pelos norte-americanos por meio
do recebimento de ajuda financeira para a construção da Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN), do reequipamento e treinamento das Forças Armadas para o
front e do apoio diplomático a uma posição de prestígio na ordem internacional
do pós-guerra (Moura 1980). Em 1944, na Conferência de Dumbarton Oaks, os
Estados Unidos chegaram mesmo a defender que o Brasil deveria ter um assento
permanente no Conselho de Segurança da ONU (Garcia 2011).
Em 1949, foi fundada a Escola Superior de Guerra (ESG), inspirada no
National War College dos Estados Unidos, como resultado da colaboração entre
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os dois exércitos durante a Segunda Guerra Mundial. Entre os oficiais brasileiros
que fundaram a escola, destacam-se três nomes. Ex-tenente da Coluna Prestes
e membro da Força Expedicionária Brasileira (FEB), Cordeiro de Farias exerceu
a função de militar-articulador, pois aproximou adeptos e fez a ponte de ligação
com o exército norte-americano. Por sua vez, Castello Branco representava o papel
do militar profissional e legalista, professor de tática cuja atuação na artilharia
havia-se sobressaído na guerra. Sua presença na ESG dava aval para o grupo
dentro do Exército. Também ex-tenente da Coluna Prestes, além de membro
da União Democrática Nacional (UDN), Juarez Távora fazia a função oposta de
militar-político, pois buscava estabelecer ligações com os civis (Trevisan 1985).
No âmbito da escola, miliares e civis trabalhariam em grupos encarregados de
estudar, discutir e propor soluções aos problemas brasileiros tendo a segurança
nacional e o desenvolvimento como preocupações centrais (Farias 1981). Também
egresso da FEB, Golbery do Couto e Silva era o militar pensador da ESG, principal
responsável pela formulação da Doutrina de Segurança Nacional na década de 1950.
Quando a guerra terminou, eram ótimas as relações entre Brasil e Estados
Unidos. O presidente Dutra e o Itamaraty mantiveram a política de alinhamento
de Vargas. Com o começo da Guerra Fria, a expectativa era preservar as relações
especiais com os Estados Unidos dentro da possibilidade de uma nova guerra
mundial. Por essa razão, o governo Dutra demonstrou uma postura de alinhamento
automático em diversos foros. Na ONU, o Brasil votou junto com os Estados Unidos
em todas as questões importantes, por exemplo, quando se opôs ao ingresso da
China popular. No âmbito hemisférico, sediou a Conferência do Rio de Janeiro
(1947), a qual criou o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR),
bem como deu suporte à criação da Organização dos Estados Americanos (OEA)
no ano seguinte. Após a divulgação da Doutrina Truman (1947), Dutra rompeu
relações diplomáticas com a União Soviética. Em sua política econômica, aderiu
com entusiasmo ao princípio do livre-comércio expresso no GATT. Em retorno,
o Brasil esperava ser reconhecido como aliado especial dos Estados Unidos na
América Latina. Naquele momento, contudo, os norte-americanos priorizaram
a ajuda econômica e militar para a Europa e a Ásia. A política externa de Dutra
caracterizou-se, portanto, pelo “alinhamento sem recompensa” (Moura 1991).
Foi nesse contexto de frustração com as relações bilaterais que Vargas
retornou ao poder em 1951. Ele buscou retomar a barganha nacionalista que
havia sido bem-sucedida durante a guerra, de modo a aumentar a margem de
autonomia do Brasil nas negociações com os Estados Unidos. O país esperava
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obter tratamento preferencial na América Latina a fim de voltar a receber material
bélico e ajuda financeira do governo norte-americano para sua industrialização.
No novo cenário de rigidez ideológica da Guerra Fria, entretanto, os Estados
Unidos consideravam a América Latina uma região de baixa prioridade estratégica.
Internamente, o debate sobre a política externa acirrou-se. Por um lado, os
nacionalistas defendiam maior autonomia em relação aos Estados Unidos; por
outro, os cosmopolitas consideravam que o alinhamento e a abertura da economia
atraíam mais investimentos privados norte-americanos. Por sua vez, Vargas
procurou equilibrar-se como pôde, mas seu pragmatismo era impossível (Hirst
1990). Em 1953, a criação da Petrobrás em regime de monopólio estatal agravou
a situação. Era uma vitória dos nacionalistas, favoráveis à autonomia energética
do país. As relações com os Estados Unidos deterioraram-se, e o governo Vargas
entrou em sua fase terminal.
Em 1954, seu ministro do Trabalho, João Goulart, anunciou a duplicação do
salário mínimo. Em reação, Golbery do Couto e Silva redigiu o Manifesto dos
Coronéis, firmado por dezenas de oficiais, o qual destacava os baixos soldos dos
militares e a necessidade de união contra o comunismo. Os militares da ESG eram
americanistas, e as medidas nacionalistas de Vargas geraram preocupação. Nesse
período, Golbery começou a desenvolver uma série de estudos que posteriormente
seriam publicados em seu livro Geopolítica do Brasil (1967). De acordo com ele,
a geopolítica fornece os fatores geográficos de base capazes de sugerir modos de
ação políticos, os quais atribuem missões à estratégia nacional, cujas manobras
serão sempre circunscritas pela segurança nacional. A estratégia nacional engloba
a orientação, o reforço e a aplicação dos recursos nacionais com vistas a atingir
e garantir os Objetivos Nacionais Permanentes (ONP), entre os quais está a
autonomia:
Entre esses Objetivos, é evidente, cabe posição de relevo aos que dizem
respeito à persistência de todo o grupo social, do Estado e da Nação
como tais – isto é, à sua sobrevivência no espaço e no tempo, sua
autonomia em relação aos demais e o próprio desenvolvimento econômico
e social, já que, para as sociedades humanas, assim como para todos os
organismos de maior ou menor complexidade, a estagnação é a morte.
(Couto e Silva 1981, 11)
Da mesma forma, Golbery inclui entre os ONP “a salvaguarda intransigente de
nossa independência política, admitidas, embora, autolimitações, nunca essenciais,
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de soberania nacional, em benefício da cooperação e da paz internacionais” (Couto
e Silva 1981, 74). Percebemos como autonomia e independência funcionam como
conceitos sobrepostos. Por um lado, a autonomia associa-se ao desenvolvimento
econômico e social; por outro, a independência política admite autolimitações.
Na visão de Golbery, a sobrevivência do Ocidente estava ameaçada em função
do antagonismo dominante das superpotências na Guerra Fria. Assim, caberia
ao Brasil contribuir com os Estados Unidos em sua estratégia de contenção ao
comunismo. Por sua vez, o conceito paralelo de segurança nacional designa a
“garantia que o Estado proporciona à coletividade nacional, para a consecução e
salvaguarda de seus Objetivos, a despeito dos antagonismos internos ou externos,
existentes ou presumíveis” (Couto e Silva 1981, 155). Como Objetivos Nacionais,
portanto, vemos que autonomia, independência política e desenvolvimento
econômico e social são condicionados pela segurança nacional e pela posição
geográfica do Brasil no Ocidente. Por essa razão, a autonomia na política externa
presumiria priorizar a cooperação e as relações especiais com os Estados Unidos:
Ora, o Brasil, pelo prestígio de que já goza no continente e no mundo, pelas
suas variadas riquezas naturais, pelo seu elevado potencial humano e, além
disso, pela sua inigualável posição geopolítica ao largo do Atlântico Sul,
ocupa posição de importância singular quanto à satisfação de todas essas
imperiosas necessidades da defesa do Ocidente. [...] E, no entanto, para
a solução definitiva do problema do subdesenvolvimento continental, a
questão de ritmo e de escala é, sem dúvida, capital. [...] O reconhecimento
pelos países líderes do Ocidente, em particular pelos E.U.A., da justeza
e solidez de nossos anseios dependerá, entretanto, grandemente de nós.
(Couto e Silva 1981, 249)
Em 1952, João Cleofas, ministro da Agricultura de Vargas, ofereceu a dois
grupos de intelectuais cariocas e paulistas o acesso ao Parque Nacional de Itatiaia,
a meio caminho entre Rio de Janeiro e São Paulo, onde tomaria sede o Grupo
de Itatiaia, no seio do qual ocorreriam reuniões mensais para a discussão de
temas brasileiros ligados ao desenvolvimento. Entre os paulistas, apenas Roland
Corbisier integrou-se ao grupo dos cariocas. Dessa alteração de quadros, emergiu
o Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP), sob a direção de
Helio Jaguaribe. As dificuldades financeiras, contudo, implicaram a necessidade
de se transformar o IBESP em uma instituição pública. O projeto entregue por
Jaguaribe ao Ministério da Educação de Vargas previa a criação de algo similar
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ao Collège de France no Brasil (Jaguaribe 2005). Em 1954, sob a presidência de
Anísio Teixeira, a CAPES firmou convênio com o IBESP para a organização de curso
intitulado “Os problemas de nossa época”, o qual seria o embrião do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), instituído como entidade subordinada
ao Ministério da Educação em 1955. O ISEB era considerado a antítese da ESG.
Como “Escola Superior da Paz”, um dos nomes inicialmente cogitados, voltou-se
à formulação da ideologia do nacional-desenvolvimentismo (Toledo 2005).
Desde 1956, vivia-se o período do governo JK, marcado pelo crescimento
econômico acelerado propiciado pelo Plano de Metas. Sua política externa foi
executada conforme com as necessidades da industrialização e converteu-se
em instrumento do desenvolvimento econômico. Dessa forma, priorizou a
obtenção de financiamento e tecnologia dos países desenvolvidos, bem como a
defesa do preço internacional do café. Em 1958, por meio de carta ao presidente
norte-americano Dwight Eisenhower, JK lançou a Operação Pan-americana (OPA).
Sem sucesso imediato, tentou convencer o governo dos Estados Unidos a lançar
um plano de ajuda econômica para a América Latina. Em consequência, sua
política externa tornou-se mais autônoma, pois era preciso diversificar parceiros.
Um ano depois, foi firmado convênio comercial com a União Soviética para a
venda de café e importação de petróleo (Penna Filho 2002). De sua parte, o ISEB
dava credibilidade intelectual às ações políticas de JK. Em 1958, Helio Jaguaribe
publicou o livro O nacionalismo na atualidade brasileira, que trata dos temas do
nacionalismo, do petróleo, do capital estrangeiro e da política externa. Podemos
ver como nacionalismo, autonomia e neutralismo funcionam como conceitos
paralelos:
No plano de nossas relações internacionais, o nacionalismo político reivindica
para o país uma posição de maior autonomia, em face dos Estados Unidos e
das grandes potências europeias e se inclina para uma linha neutralista, em
relação ao conflito norte-americano-soviético. Exprime pois uma tomada de
consciência dos interesses próprios do Brasil, no âmbito de outras nações, e
das massas populares, no âmbito interno do país, e constitui uma exigência
de acatamento da soberania popular e da nacional. (Jaguaribe 1958, 32)
O raciocínio de Jaguaribe parte da oposição entre nacionalistas e cosmopolitas,
a qual eclodiu durante o segundo governo Vargas. Por um lado, o cosmopolitismo
aspira manter a importância que o livre-comércio e o setor primário da economia
tiveram desde o Império e a República Velha, bem como almeja atrair capital
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estrangeiro através de uma política neocolonialista voltada aos Estados Unidos.
Em política externa, portanto, o cosmopolitismo presume a preservação do
americanismo, baseado em uma diplomacia ornamental pautada por vínculos
de dependência com os norte-americanos e desvinculada do processo de
desenvolvimento econômico e social (Jaguaribe 1958). O cientista político do
ISEB opõe à autonomia o contra-conceito de heteronomia, o qual tanto significa
o alinhamento político e diplomático aos Estados Unidos, quanto a dependência
do capital estrangeiro e do livre-comércio. Assim, é possível perceber como o
contra-conceito de heteronomia recebe uma carga valorativa inferior. Segundo
Jaguaribe (1958), o grupo dos cosmopolitas e americanistas engloba segmentos
de nível cultural médio, tais como a burguesia latifundiário-mercantil e o setor
parasitário da classe média sustentado por empregos públicos. Dessa forma, vê a
aderência do grupo rival ao americanismo como decorrente tanto da subserviência
e do irrealismo da diplomacia ornamental dos anos 1920, quanto da falta de
conhecimento e dos privilégios de segmentos sociais internos.
Por outro lado, os nacionalistas englobam segmentos de níveis mais elaborados
de cultura e mentalidade, tal como a própria intelligentsia brasileira. Eles aspiram
ao desenvolvimento do país através da industrialização planejada pelo Estado
via medidas protecionistas e de transferência de renda. De acordo com Jaguaribe
(1958), no período do pós-guerra emergiam as contradições do americanismo no
novo cenário de hegemonia norte-americana e das necessidades do Brasil para
conseguir acelerar seu processo de desenvolvimento. Como vimos, essa foi a
sensação gerada entre os nacionalistas após a política externa de alinhamento sem
recompensa de Dutra. Conforme a ideologia do nacional-desenvolvimentismo,
o Brasil deveria prosseguir em direção a uma revolução nacionalista ancorada
na aliança entre a burguesia industrial e o proletariado. Em política externa, o
nacionalismo reclamava maior autonomia em face dos Estados Unidos e das
grandes potências europeias. Além disso, a autonomia implicaria assumir uma
postura de neutralismo no conflito entre as superpotências na Guerra Fria:
Em face dessas realidades, é indiscutivelmente acertada a argumentação
dos neutralistas, no sentido de que a posição ideológica conveniente
para cada país, depende de sua posição no contexto mundial. [...] [P]ara
os grandes países subdesenvolvidos, a formação de um império mundial
[norte-americano ou soviético] lhes interceptaria a carreira histórica,
retardando seu desenvolvimento e despojando-os da autonomia requerida
por sua individualidade nacional. [...] A ideologia representativa dessas
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necessidades e aspirações é a terceira posição. [...] O imperialismo mundial só
pode ser evitado se os atuais antagonismos forem ajustados transacionalmente,
pela mediação arbitral dos neutros. (Jaguaribe 1958, 260-262)
Em Jaguaribe, a terceira posição não se confunde com a ideia de uma terceira
força ou frente de povos atrasados que busca medir forças com os dois blocos da
Guerra Fria, algo que caracterizava o “espírito de Bandung” e o Movimento dos
Não Alinhados, criado em 1961. Em realidade, sua terceira posição remete ao
terceiro mediador. Assim, países periféricos como Brasil não agiriam como “forças”
interessadas, mas sim como promotores neutros da diplomacia parlamentar e de
soluções concertadas. Como afirmamos, nacionalismo, autonomia e neutralismo
funcionam no encadeamento lógico de Jaguaribe como conceitos paralelos.
A neutralidade exigida para se mediar os conflitos entre as superpotências presumia
necessariamente a autonomia dos países neutros em relação a quaisquer dos
dois blocos. Em seu raciocínio, portanto, o conceito de autonomia é o ponto
nevrálgico que associa o nacionalismo e o desenvolvimento econômico à defesa da
paz e do direito internacional. Por sua vez, Golbery considera que o neutralismo
é um escapismo, pois o conflito entre Estados Unidos e União Soviética era o
antagonismo dominante do cenário mundial em fins da década de 1950, o que
implicaria estar alinhado ao bloco ocidental em caso de guerra (Couto e Silva 1981).
Parece-nos que os conceitos de autonomia em ambas as obras são opostos,
pois ESG e ISEB têm ideologias e planos de ação política diversos. De acordo com
o pensamento militar, o Brasil precisaria estar preparado para colaborar com os
Estados Unidos na possibilidade de uma terceira guerra mundial contra a União
Soviética. Em função disso, seria preciso compreender a posição geopolítica do
país no cenário de guerra. Em sua temporalização do conceito de autonomia,
portanto, Golbery valoriza o espaço de experiência do Brasil na Segunda Guerra
Mundial, pautado pelas relações especiais com os Estados Unidos. A autonomia
e o desenvolvimento, como horizontes de expectativas expressos em Objetivos
Nacionais, subordinam-se à segurança nacional e à posição geográfica do
país. E para salvaguardar sua segurança e a do Ocidente, o Brasil precisa da
manutenção do americanismo. O conceito de autonomia de Jaguaribe tem estratos
semânticos diferentes. O nacionalismo implica rechaçar o espaço de experiência
do americanismo e da diplomacia ornamental dos anos 1920. Por sua vez, o ISEB
preconizava a aceleração do processo de desenvolvimento como seu horizonte
de expectativas. Ao contrário de Golbery, Jaguaribe enxerga para o Brasil a
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possibilidade de mediação do conflito entre os blocos da Guerra Fria. Por essas
razões, seu conceito de autonomia exige o neutralismo e o não-alinhamento aos
Estados Unidos.
A autonomia na implementação da política externa brasileira
No segundo governo Vargas, autonomia energética, nacionalismo econômico
e desenvolvimento articularam-se por ocasião da criação da Petrobrás. No
governo JK, o fracasso da OPA parecia apontar para os limites do americanismo.
A autonomia voltou a ser exercida na busca por novos mercados e fontes de
financiamento. No contexto do final da década de 1950, o debate conceitual
da autonomia amadureceu. Nessa época, Golbery escreveu a maior parte dos
ensaios depois coligidos para a publicação de Geopolítica do Brasil. Em 1958,
Jaguaribe publicou O nacionalismo na atualidade brasileira. Na seção anterior,
buscamos delimitar o campo semântico do conceito de autonomia presente nas
duas obras. Analisamos agora como esse campo semântico impactou a formulação
e a implementação da política externa brasileira a partir da década de 1960. Já
havia autonomia no campo econômico-comercial. Caberia a Jânio Quadros, que
assumiu a presidência em 1961, dar início à Política Externa Independente (PEI)
e anunciar o rompimento do alinhamento automático com os Estados Unidos.
Do ponto de vista econômico, a PEI seguiu a tendência iniciada no governo
JK, vista como instrumento do desenvolvimento nos termos de um projeto de
industrialização por substituição de importações. Em função disso, pode ser
considerada uma reação à deterioração dos termos de troca no comércio exterior,
que ocasionou a queda dos preços dos produtos primários, a par da necessidade
de se buscar a abertura de novos mercados. Tendo-se em conta o contexto político
e social interno, a PEI respondeu à emergência das massas populares e das classes
médias no marco de um regime democrático, dentro de uma base social ampliada
cujos interesses conflitantes se arbitravam pelos governos populistas desde a
década de 1950 (Vizentini 2003). A PEI almejava a projeção internacional do
país sem constrangimentos ideológicos em um contexto da Guerra Fria em que a
margem de manobra era reduzida, principalmente após o acirramento resultante
da Revolução Cubana. Também foi caracterizada pela democratização do debate
sobre autonomia, na medida em que a opinião pública envolveu-se cada vez mais
nos assuntos de política externa, o que foi possibilitado pela disseminação dos
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meios de comunicação de massa, como o rádio e a televisão, e pelo aumento dos
índices de alfabetização da população brasileira (Manzur 2014).
Jânio Quadros assumiu a presidência sob o impacto da descolonização afro-
asiática e da emergência do Movimento dos Não Alinhados (MNA). Nesse sentido,
buscou inspiração em líderes personalistas como Charles de Gaulle, Gamal Abdel
Nasser, Sukarno, Jawaharlal Nehru e Josip Broz Tito, os quais implementavam
políticas externas autônomas e não se alinhavam a quaisquer blocos da
Guerra Fria. A influência do pensamento de Jaguaribe na formulação da PEI é
notável, porém não é absoluta. As ideias-força da PEI eram o independentismo,
o universalismo e o desenvolvimentismo (Manzur 2014). O independentismo é
a autonomia político-diplomática exercida dentro do bloco ocidental, sobretudo
em face dos Estados Unidos. Por sua vez, o universalismo decorre da ausência
de preconceitos ideológicos e da autonomia para manter relações com quaisquer
países. Sem essa autonomia, não seria possível utilizar a política externa como
instrumento do desenvolvimento econômico e social. Esse encadeamento lógico
remete à relação que Jaguaribe estabelece entre nacionalismo, autonomia e
neutralismo. No entanto, Quadros enxergava o neutralismo como terceira força,
do que resultou seu flerte com os líderes do MNA. No fim das contas, foi um
“quase neutralismo”, já que o Brasil jamais ingressou no grupo como membro
efetivo (Cruz 1989). Em 1961, em mensagem ao Congresso Nacional, Quadros
discursou sobre a formulação da nova política externa:
[J]á tendo alcançado uma significação nas relações internacionais que lhe
dá considerável possibilidade de ação e consequente responsabilidade –
o Brasil deve ter uma política externa que, refletindo sua personalidade,
suas condições e seus interesses, seja a mais propícia às aspirações gerais
da humanidade, ao desenvolvimento econômico, à paz e segurança, ao
respeito pelo homem porque homem, à justiça social, à igualdade das raças,
à autodeterminação dos povos e sua mútua tolerância e cooperação. [...]
Essa noção mais clara de nossas possibilidades e responsabilidades levou o
Governo a assumir uma posição internacional mais afirmativa e independente,
sem desconhecer compromissos assumidos. [...] As possibilidades de
ação e, portanto, as responsabilidades do Brasil no Hemisfério Ocidental
são evidentemente maiores de que em qualquer outra região. [...] O que
importa, todavia, é a afirmação, por todo país latino-americano de sua
autodeterminação, preservada de qualquer intervenção alheia nos próprios
negócios e resguardada de qualquer intervenção própria nos negócios
alheios. (Quadros apud Franco 2007, 49-57)
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Se pensarmos esse discurso dentro do campo semântico do conceito de
autonomia, podemos ver como Jânio Quadros recorre aos conceitos sobrepostos
de independência e autodeterminação. Sua premissa é a de que o Brasil já havia
alcançado um novo patamar nas relações internacionais que demandava a revisão
de sua política externa. No mesmo sentido, Jaguaribe afirma que as contradições
do americanismo no pós-guerra e a eclosão do nacionalismo apontavam a
necessidade de mudança em fins dos anos 1950. Por um lado, Quadros afirma
a autonomia do Brasil como independente em relação a sua posição tradicional
de alinhamento dentro do bloco ocidental. Como autodeterminação, afirmar a
autonomia significa repelir principalmente intervenções dos Estados Unidos e
abster-se de intervir em quaisquer outros países do sistema interamericano.
Em setembro de 1961, sob forte crise política gerada pela renúncia de Jânio
Quadros, João Goulart conseguiu assumir a presidência. No entanto, desde sua
atuação como ministro do Trabalho de Vargas, quando duplicou o salário mínio,
Goulart era considerado “persona non grata” nos meios militares, sobretudo
entre os americanistas da ESG. Em função disso, após a solução de compromisso
da emenda do parlamentarismo, teve de assumir a presidência com poderes
limitados, já que a chefia do governo foi atribuída ao primeiro-ministro Tancredo
Neves. Agora sob a liderança do filósofo Álvaro Vieira Pinto, o ISEB entraria
em sua última fase, pautada pelo engajamento intelectual e pelo envolvimento
político na campanha em prol das reformas de base propostas por Goulart. Em
um cenário político cada vez mais polarizado, o ISEB aproximou-se da UNE,
da CGT e do Partido Comunista (Pereira 2005). Por sua vez, San Tiago Dantas,
jurista e membro do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), assumiu a condução
das relações exteriores do governo Goulart e deu continuidade à PEI.
Durante sua gestão, a nova posição de autonomia na política externa
anunciada por Jânio Quadros foi colocada à prova. Na visão de San Tiago Dantas,
a implementação da PEI respondia aos interesses do Brasil, por ele definidos
como o desenvolvimento econômico e a conciliação entre o regime democrático
e as reformas sociais (Dantas 2011). Desde fins de 1961, quando Fidel Castro
havia declarado a filiação de Cuba ao marxismo-leninismo e ao bloco soviético,
a situação política no sistema interamericano agravava-se consideravelmente. Em
janeiro de 1962, sob demanda dos Estados Unidos, realizou-se em Punta del Este
a VIII Conferência de Ministros das Relações Exteriores, encarregada de estudar
a questão. A Casa Branca colocou em votação uma moção que pretendia declarar
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o regime cubano incompatível com os princípios da Carta da OEA, bem como
efetivar a suspensão da ilha do sistema internamericano. O Brasil esteve entre
os poucos países que se abstiveram na votação por discordarem da exclusão de
Cuba. Assim San Tiago Dantas justificou o voto brasileiro:
[S]alientei que, no entender da delegação do Brasil, a criação de um regime
comunista no hemisfério entrava em conflito conceitual com os princípios
do sistema interamericano. [...] Daí, entretanto, a supor que a infidelidade
de um Estado a um desses princípios, precisamente a um dos principais,
possa dar lugar a uma medida que não é prevista em qualquer norma
do sistema interamericano vai, a nosso ver, uma grande distância. [...]
O que não está precisamente definido no instrumento, o que os Estados
não o assinaram, não constituíram como uma limitação de sua própria
autonomia, não pode, de maneira alguma, ser extraído por via de qualquer
interpretação. [...] Onde quer que tenha sido deixada uma alternativa,
uma porta aberta, para o sistema democrático, esse sistema terá a força
atrativa suficiente para se impor, mais cedo ou mais tarde, e para eliminar
qualquer outro sistema concorrente. (Dantas 2011, 125-127)
Em Punta del Este, San Tiago Dantas concorda com a premissa da moção
dos Estados Unidos, pois afirma que o regime cubano é incompatível com a
Carta da OEA. Não concorda, porém, com as consequências disso. Por meio de
sua argumentação legalista, podemos perceber como o chanceler compreende
o conceito de autonomia. Em seu voto, assim como Jânio Quadros, concebe a
autonomia como não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados. Ao
defender a autonomia de Cuba para permanecer no sistema interamericano, San
Tiago Dantas também afirma a autonomia do Brasil para votar diferentemente
dos Estados Unidos. Além disso, parece-nos que seu voto segue a compreensão
de autonomia e neutralismo presente em Jaguaribe, já que busca situar o Brasil
como terceiro mediador entre Estados Unidos e Cuba. Em seu conceito de
autonomia, por fim, predomina o horizonte de expectativas. Em seu futuro
presente, mais cedo ou mais tarde, o sistema democrático compete e vence o
regime cubano. No âmbito doméstico, também via como positivo o efeito de
comparação com Cuba no horizonte de expectativas das reformas sociais de
Goulart. De Jaguaribe a Jânio, de Jânio a San Tiago, vemos como o conceito de
autonomia parte de certa elaboração teórica para a formulação e implementação
de uma dada política externa, a PEI.
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No final de 1961, Golbery do Couto e Silva pediu transferência para a reserva
e passou a dirigir o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), grupo criado
por empresários anticomunistas e voltado à conspiração golpista contra o governo
Goulart. Por sua vez, João Goulart obteve ampla vitória no plebiscito que marcou
o retorno do presidencialismo em 1963. A situação política deteriorou-se no fim
do ano, após a não aprovação de seu projeto de reforma agrária no Congresso
Nacional. Os debates sobre as reformas de base e a política externa brasileira
entrelaçavam-se, e a sociedade brasileira estava dividida em duas correntes de
opinião. Por um lado, a corrente liberal-ocidentalista defendia o americanismo,
o livre-comércio e os valores cristãos; por outro, a corrente nacional-revisionista
apoiava as reformas de base e as inovações da PEI (Manzur 2014). Em 31 de
março de 1964, Olímpio Mourão Filho deslocou tanques em Juiz de Fora e deu
início ao golpe civil-militar que depôs Goulart. Emitido pelos ministros militares
do governo deposto, o AI-1 desencadeou expurgos e repressão ao “inimigo
interno”. Em 15 de abril, Castello Branco foi eleito presidente da República pelo
Congresso Nacional.
Com base na Doutrina de Segurança Nacional (DSN), cuja elaboração foi
liderada por Golbery na ESG, os militares instituíram os Inquéritos Policial-Militares
(IPMs), os quais permitiam a investigação de atividades subversivas sem o devido
processo legal. Os alvos prioritários foram os apoiadores de Goulart, entre os
quais os intelectuais do ISEB. O Instituto foi invadido, destruído e extinto. Helio
Jaguaribe exilou-se nos Estados Unidos. De sua parte, Golbery do Couto e Silva
foi incumbido da criação do Sistema Nacional de Informações (SNI), órgão de
inteligência voltado a monitorar o “inimigo interno” do regime militar. Em sua
política externa, Castello Branco priorizou o conflito entre os blocos da Guerra
Fria no marco da bipolaridade ideológica. Dessa forma, seria preciso defender
o Ocidente contra o avanço do comunismo e da guerra subversiva na América
Latina. Sob a doutrina das fronteiras ideológicas, ele buscou resgatar as relações
especiais com os Estados Unidos. Na divisão de tarefas na defesa hemisférica,
caberia ao Brasil um papel de subliderança no combate ao comunismo (Martins
1975). Tal como Jânio Quadros, Castello Branco pensa a autonomia através
dos conceitos sobrepostos de independência e autodeterminação, porém com
conclusões diversas:
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Para perseguir os objetivos nacionais eram preconizadas duas opções como
compatíveis com a preservação e o desenvolvimento da autodeterminação
brasileira: uma política de independência ou uma posição neutralista.
A expressão “política de independência” tem sido deturpada e perdeu
a utilidade descritiva. Foi apresentada como inelutável inovação,
desconhecendo que o conceito de independência só é operacional dentro
de determinantes condicionantes práticas. Trata-se de um objetivo, e não de
um método. No presente contexto de uma confrontação de poder bipolar,
com radical divórcio político-ideológico entre os dois respectivos centros,
a preservação da independência pressupõe a aceitação de um certo grau
de interdependência, quer no campo militar, quer no econômico, quer no
político. [...] O interesse do Brasil coincide, em muitos casos, em círculos
concêntricos, com o da América Latina, do continente americano e da
comunidade ocidental. Sendo independentes, não teremos medo de ser
solidários. (MRE 1968 apud Garcia 2008, 391-392)
Na visão de Castello, autonomia é objetivo, não método. Nesse passo,
o presidente formula sua política externa como retorno ao americanismo e
reversão da PEI. Em seu discurso, há uma contraposição entre os conceitos de
independência e neutralismo. Por um lado, enquanto objetivo a ser alcançado
no futuro, sua independência presume no presente um grau de interdependência
dentro do bloco ocidental. Portanto, já que o Brasil dependia de investimentos
estrangeiros e não poderia defender-se sozinho contra o comunismo internacional,
a melhor opção seria reativar o marco das relações especiais com os Estados
Unidos. Por outro lado, Castello (MRE 1968 apud Garcia 2008, 392) converte o
conceito de neutralismo em contra-conceito, pois o associa a carga valorativa
inferior com designativos como “passividade”, “indeterminação”, “emotividade
imatura”, “extorsão internacional de recursos” e “fuga da realidade internacional”.
Em Jaguaribe, segundo apontamos, o neutralismo presume a autonomia; no
anúncio da PEI, por sua vez, Jânio Quadros parte da autonomia como “inelutável
inovação”. Para Castello, pensar a autonomia como método de política externa
é algo irrealista. Considera, ao contrário, assim como Golbery, que a autonomia
é um Objetivo Nacional, um valor terminal.
O discurso que citamos foi pronunciado a um público de jovens diplomatas
no Palácio Itamaraty, em julho de 1964. Conforme Castello Branco (MRE 1968
apud Garcia 2008, 390), “[e]mbora fiel às tradições e às boas maneiras ou às
etiquetas, que foram bem rígidas durante o decênio em que dirigiu o Itamaraty,
o Barão do Rio Branco teve a nítida visão de que uma nova era se abria para
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os diplomatas”. Em sua abertura, seu discurso evoca o espaço de experiência
da gestão de Rio Branco, parâmetro central na formulação do americanismo,
com vistas a amparar o horizonte de expectativas aberto pela política externa
da “revolução vitoriosa”. Diferentemente de Quadros, cujo ímpeto era inovar e
romper, Castello não inova sem a tradição. Sua política de interdependência não
significa, contudo, alinhamento automático aos Estados Unidos. Assim, afirma que
“não devemos dar adesão prévia às atitudes de qualquer das grandes potências
[...], é necessário fazer a distinção entre os interesses básicos da preservação
do sistema ocidental e os interesses específicos de uma grande potência” (MRE
1968 apud Garcia 2008, 392). Como vimos, a autonomia em Golbery pressupõe a
segurança nacional. Em consequência, o Brasil precisaria alinhar-se aos Estados
Unidos, pois partia-se da hipótese de que o comunismo colocava em risco a
preservação do sistema ocidental.
Na visão de Castello e da ESG, o “radical divórcio político-ideológico” entre
os dois blocos centrais da Guerra Fria encontrava ilustração na questão cubana.
Em maio de 1964, o Brasil rompeu relações com Cuba. Em nota, o Itamaraty
afirmou que a ilha continuava a “exportar suas doutrinas subversivas, através
de intensa propaganda ideológica. [...] que caracteriza ingerência nos assuntos
internos dos países americanos, em violação ao princípio da não-intervenção”.
(MRE 1965 apud Garcia 2008, 389). Como vimos, San Tiago Dantas invocou a
autonomia de Cuba para defender sua manutenção no sistema interamericano.
Em 1964, ao contrário, é a autonomia do Brasil o que justifica romper relações
com Cuba. No ano seguinte, a OEA aprovou a criação da Força Interamericana
de Defesa (FIP), encarregada de atuar na República Dominicana a fim de garantir
a defesa hemisférica contra o comunismo. Nesse caso, oposto em tudo a 1962,
o Brasil não apenas votou a favor, mas também liderou as tropas da FIP no país
caribenho. Tal implementação da política externa de Castello Branco resultou de
sua concepção da autonomia. Se não existe independência sem interdependência e
solidariedade, caberia então ao país auxiliar a República Dominicana no combate
ao comunismo, já que sem segurança coletiva não poderia haver segurança
nacional, pressuposto para perseguir o objetivo da autonomia. Como vemos,
conceitos disputados resultam na formulação e implementação de políticas
externas disputadas.
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Considerações finais
No presente artigo, buscamos aplicar o método da história dos conceitos alemã
(Begriffsgeschichte) e a teoria dos tempos históricos de Koselleck para delinear
um campo semântico do conceito de autonomia na política externa brasileira.
Dessa forma, nossa atenção voltou-se em primeiro lugar às obras Geopolítica do
Brasil, de Golbery do Couto e Silva; e O nacionalismo na atualidade brasileira,
de Helio Jaguaribe. Ali pudemos perceber a disputa conceitual existente entre
ISEB e ESG na década de 1950. Por um lado, Jaguaribe defendia romper com
o americanismo em política externa em favor da adoção do neutralismo, cujo
pressuposto seria a autonomia. Por outro, Golbery argumentava pela manutenção
da tradição, pois via na segurança nacional condição indispensável à consecução
da autonomia como Objetivo Nacional. A partir de uma abordagem contextualista,
notamos como esse debate conceitual decorreu das avaliações distintas feitas
em relação à política externa do segundo governo Vargas, momento em que
emergiu a disputa entre nacionalistas e cosmopolitas. Na sequência, procuramos
estabelecer a relação entre os conceitos de Jaguaribe e Golbery e a formulação
e execução de duas políticas externas, a PEI e a das “fronteiras ideológicas”, a
partir da década de 1960. Observamos como as distintas concepções de autonomia
resultaram em posições opostas, sobretudo nos casos de Cuba, em 1962 e 1964,
e da República Dominicana, em 1965.
Argumentamos que a disputa da autonomia no neutralismo e no americanismo
dependeu dos distintos estratos semânticos que o conceito carregou para cada
grupo rival. Como vimos, ESG e ISEB temporalizaram de modos distintos seus
conceitos de autonomia. Em Golbery e Castello Branco, predominava o espaço de
experiência do americanismo; em Jaguaribe, Jânio Quadros e San Tiago Dantas,
havia ênfase no horizonte de expectativas aberto pelo neutralismo ou pela PEI.
Naquele período, o vocabulário da política externa também se democratizou por
meio da cristalização de duas correntes de opinião opostas. No ISEB, o conceito
de autonomia agregou-se à ideologia do nacional-desenvolvimentismo, ao passo
que na ESG o conceito esteve associado à Doutrina de Segurança Nacional.
Por fim, o conceito politizou-se sobretudo a partir de 1961, quando houve o
anúncio da PEI. Como apontamos, os debates da PEI e das reformas de base
entrelaçaram-se e culminaram na deposição de João Goulart. Em 1964, por sua
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vez, a DSN sustentou tanto a repressão do regime militar quanto o retorno do
americanismo na política externa.
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