Stéfano Mariotto de Moura; Marcelo Milan
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 18, n. 1, e1288, 2023
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da abordagem alemã, que limita a cultura à alta cultura, isto é, à ópera, música
clássica, artes visuais e literatura. Aos poucos, porém, a cultura deixou de ser
entendida como estando limitada às artes, e se ampliou o escopo do conceito,
passando a abarcar os aspectos do poder ideacional, das ideologias ou os modos
de vida particulares identificados por Williams. Para Eagleton (1997), a definição
antropológica de cultura engloba todas as práticas e instituições de uma forma
de vida. Azevedo (2017) argumenta que, dentro do materialismo cultural de
Williams, a cultura é um meio para as manifestações concretas da organização
social, em sua concepção e experiência. Convergente com esses entendimentos
acerca da esfera cultural está a definição de Indústria Cultural dos frankfurtianos
(Adorno 2002) sobre como a cultura popular na sociedade capitalista tardia
funciona como uma indústria na produção de produtos-padrão, os quais criam
comportamentos padronizados. Essa noção de cultura converge para a esfera
cultural da EPI. Para Gonçalves (2005, 21), esta se traduz no “poder das ideias,
dos valores e dos ideais. Esses são, de fato, os componentes fundamentais da
cultura”. Este é o espaço para as ações de reprodução ideológica, identificando,
portanto, o papel das ideias e das ideologias nas RI.
Porém, existe uma percepção de carência de estudos abordando a esfera
cultural da EPI (ou o vértice ideacional nos triângulos de Cox a seguir) (Gonçalves
2005; Shields, Bruff e Macartney 2011; Strange 2015), com poucas exceções (Jessop
e Sum 2006; Worth e Kuhling 2004). A cultura muitas vezes foi tratada como efeito
derivado de outras esferas (Moran 2014) quando, de fato, a produção cultural
reforça as desigualdades e contribui para formação do senso comum (Jenkins
2004). No mesmo sentido, a produção ideológica historicamente tem ajudado a
gestar a formação de novas ordens mundiais. Trentmann (1998) aponta como o
livre comércio, entre o fim da Era Vitoriana e o da Era Eduardiana, foi trabalhado
ideologicamente a ponto de se tornar algo racional, posto que herdeiro de uma
visão em que o Estado estaria dominado pelas paixões enquanto os mercados
seriam dominados pela pura racionalidade instrumental da teoria econômica.
A ideologia liberal havia conseguido, de certa maneira, transformar a economia
em um paradigma científico, aceito pela sociedade como se assim naturalmente
o fosse, e não o que de fato era. A noção de ideologia carregava, assim como na
atualidade, uma conotação pejorativa, como se não abarcasse uma construção
intelectual profunda, mas apenas opinião ou crença.
Há também interpretações que qualificam as ideologias. Cassels menciona a
distinção feita por John Plamenatz acerca dos níveis em que elas atuariam. Um