Silvana Schimanski
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 17, n. 3, e1265, 2022
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Os estágios como experiência de
aprendizagem no ensino de Relações
Internacionais
Internships as learning experience
in the context of higher education of
International Relations
Las pasantías como experiencia
de aprendizaje en el contexto de la
enseñanza de Relaciones Internacionales
DOI: 10.21530/ci.v17n3.2022.1265
Silvana Schimanski
1
Resumo
Este artigo contribui para a expansão dos debates sobre o papel
dos estágios no contexto do ensino nos cursos de Bacharelado em
Relações Internacionais. No Brasil, o estágio é caracterizado nos
termos da Lei de Estágios e tem sido definido como um instrumento
relevante nos processos de ensino-aprendizagem. Por meio da
abordagem qualitativa, fontes documentais e bibliográficas com
finalidade exploratória, o objetivo geral é apresentar a significativa
lacuna na análise dos estágios realizados pelos estudantes do
referido curso, discutindo a contribuição de tais atividades como
uma experiência de aprendizagem para a formação das habilidades
e competências dos estudantes.
Palavras-chave: Ensino; Formação; Estágio; Aprendizagem
Experiencial; Habilidades e Competências.
1 Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Professora
Adjunta do curso de Relações Internacionais, vinculado ao Instituto de Filosofia,
Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelotas.
(silvana.schimanski@ufpel.edu.br).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9405-4653
.
Artigo submetido em 02/04/2022 e aprovado em 28/12/2022.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ISSN 2526-9038
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originais sejam creditados.
Os estágios como experiência de aprendizagem no ensino de Relações Internacionais
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 17, n. 3, e1265, 2022
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Abstract
This article contributes to the expansion of debates about the internships`role in the context
of higher education in Bachelor of International Relations. In Brazil, the internship is
characterized in terms of the Internship Law and it has been defined as a relevant tool in the
teaching-learning processes. Through qualitative approach, documental and bibliographic
sources with exploratory purpose, the general objective is to present the significant gap in
the analysis of the internships carried out by the students of the aforementioned course,
discussing the activities`contribution as a learning experience to the formation of students’
skills and competences.
Keywords: Higher Education; Academic Education; Internship; Experiential Learning;
Skills and Competences.
Resumen
Este artículo contribuye a la ampliación de los debates sobre el papel de las pasantías en el
contexto de la enseñanza en cursos de Licenciatura en Relaciones Internacionales. En Brasil,
la pasantía se caracteriza en los términos de la Ley de Pasantía y ha sido definida como
un instrumento relevante en los procesos de enseñanza-aprendizaje. A través del enfoque
cualitativo, fuentes documentales y bibliográficas con propósito exploratorio, el objetivo
general es dar a conocer el importante vacío en el análisis de las pasantías realizadas por
los estudiantes del mencionado curso, discutiendo la contribución de tales actividades
como experiencia de aprendizage en la formación de habilidades y competencias de los
estudiantes.
Palabras clave: Enseñanza; Formación; Pasantías; Aprendizaje experiencial; Habilidades
e Competencias.
Introdução
O objetivo geral deste trabalho é apresentar que ainda há significativa lacuna
na análise dos estágios realizados pelos estudantes dos cursos de Bacharelado
em Relações Internacionais do Brasil, discutindo a contribuição de tais atividades
como uma experiência de aprendizagem para a formação das habilidades e
competências dos estudantes, previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) e nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs).
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No ensino superior, os estágios são uma possibilidade de integrar os discentes
às vivências relacionadas ao campo de formação, bem como desenvolver
habilidades e competências exigidas no perfil dos egressos de cada curso. No
Brasil, o estágio é caracterizado nos termos da Lei de Estágios (Lei nº 11.788,
de 25 de setembro de 2008) e, nas diferentes áreas, tem sido considerado como
um importante instrumento nos processos de ensino-aprendizagem.
Nos cursos de Relações Internacionais estabelecidos no Brasil, um dos mais
amplos diagnósticos identificou que 32% dos cursos preveem a obrigatoriedade
de estágios e 29% regulamentam a atividade como eletiva (Maia, 2017). Enquanto
um levantamento nacional identificou que 54,5% dos egressos participaram
de estágios (Maia; Franco; Neder, 2017), outros estudos com amostragem mais
específica, concentrada em capitais e grandes centros, revelam uma taxa acima
de 70% (Ribeiro; Kato; Reiner, 2013; Puc, 2016; Seabra; Leite; Dias, 2017). No
curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas, por exemplo,
recente pesquisa com egressos apontou que 31,1% dos egressos realizaram a
atividade (Schimanski et al., 2021).
Considerando-se tais números, a pergunta norteadora desta pesquisa é: qual
a contribuição dos estágios como experiência de aprendizagem no contexto do
ensino nos cursos de Bacharelado em Relações Internacionais? Parte-se da premissa
de que a aprendizagem pode ser entendida como um processo de aquisição ou
modificação de conhecimentos, competências, habilidades e comportamentos
(Haydt, 2002). Contemporaneamente, discute-se o papel das experiências e vivências
de mundo na construção dos conhecimentos. O foco muda da experiência de
ensino para como os estudantes constroem ativamente aprendizados significativos
(Bonwell; Eison, 1991; Pimentel, 2007; Inoue; Valença, 2018). Nesse sentido, os
estágios, assim como outras atividades acadêmicas, permitem o envolvimento
ativo dos alunos no próprio processo de formação do conhecimento.
Quanto à metodologia, o trabalho possui abordagem qualitativa, fontes
documentais e bibliográficas, com finalidade exploratória. Busca contribuir para
a reflexão do papel dos estágios no contexto do ensino, uma vez que, muito
além de saber em quais áreas ou instituições estes acadêmicos realizam os seus
estágios — o que, sem dúvidas, possui relevância para um campo relativamente
novo —, importa conhecer a relação entre as atividades desenvolvidas nos
estágios e sua contribuição para a formação das habilidades, competências e
outros conhecimentos, previstos nas DCNs e PPCs, para os seus egressos.
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O restante do artigo foi organizado em três seções, seguidas das considerações
finais. Primeiro, serão resgatados marcos relativos à institucionalização do ensino
das Relações Internacionais no Brasil, pontuando-se as inquietações referentes ao
mundo do trabalho. Na seção seguinte, são apresentados aspectos regulatórios
sobre estágios, demonstrando-se a ausência de análises dessas atividades, sob
a ótica da relação ensino-aprendizagem, nos cursos de Relações Internacionais.
A terceira seção discute os estágios como experiências de aprendizagem
significativas. Os resultados sugerem a necessidade da ampliação da análise
das relações ensino-aprendizagem promovidas pelos estágios nos cursos de
Relações Internacionais.
A institucionalização do ensino das Relações Internacionais e
os desafios do mundo do trabalho
No Brasil, as discussões sobre o ensino e a inserção profissional do Bacharel
em Relações Internacionais são relativamente recentes, já que recente é a
institucionalização do próprio campo. Nesse contexto, enquanto parcela
considerável dos esforços prévios dos pesquisadores foi direcionada para a
consolidação do campo de estudos (Souza, 2010; Sato, 2010), a última década
tem permitido avançar nessa trilha de forma institucionalizada, a partir das
significativas contribuições das décadas anteriores.
O primeiro curso de graduação no Brasil iniciou-se em 1974, na Universidade
de Brasília (UnB) e, em 1984, foi criado o mestrado. No ano de 1995, foram criados
os cursos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, da Universidade
Católica de Brasília e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Em
1987, o Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) deu início ao mestrado, sendo a graduação
criada em 2003. A partir dos anos 1990, houve a criação e ampliação dos cursos
de graduação em Relações Internacionais no país (Miyamoto, 2003; Lessa, 2005a;
Julião, 2012; Pecequilo, 2017; Pfrimer; Okado, 2019).
Se, nas suas origens, os primeiros cursos de Relações Internacionais estiveram
intimamente relacionados ao contexto histórico-político, com viés político-
diplomático, sua expansão no Brasil, sobretudo a partir dos anos noventa contou
com a globalização econômica como importante pano de fundo. A inserção
internacional do Brasil, o comércio internacional, os intercâmbios políticos,
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sociais e culturais, e os fluxos de investimentos estrangeiros estimularam o
interesse pelas Relações Internacionais (Herz, 2002; Miyamoto, 2003; Lessa,
2005a). Para Eiiti Sato (2010, 335), o momento favoreceu a popularização do
campo de estudos, mesmo que não houvesse nomenclatura profissional, ou
“[...] presunção da existência de um destino profissional específico [..]”.
O estudo de Relações Internacionais no país, até a década de 1970, se fez
seguindo múltiplas abordagens metodológicas, em trajetórias que se construíram
separadamente nas áreas do Direito, da Economia, da História e da Ciência
Política, ou áreas afins, mas que mantiveram durante muito tempo o foco de
cada uma, sem proceder ao tratamento multidisciplinar (Miyamoto, 2003).
Portanto, a disciplina de Relações Internacionais foi conduzida à luz de áreas
correlatas, sendo comum que muitos profissionais docentes possuíssem formação
em campos mais tradicionais de estudos, complementada por cursos de pós-
graduação (Almeida, 2002; Pecequilo, 2017).
A evolução na oferta dos cursos de Relações Internacionais no Brasil foi
caracterizada por Pfrimer e Okado (2019) como: protoperíodo (ou período do
pioneirismo), expansionismo privado, transição público-privada e expansionismo
público. O primeiro recorte abrange o período dos cursos precursores, em 1974
até a década de 1990. O segundo período é marcado pela abertura de cursos em
instituições privadas — até o ano de 2001 — impulsionado por alterações nos
dispositivos regulatórios para o ensino superior no país. O período da transição
público-privada decorre de políticas públicas para a expansão da oferta e no
acesso ao ensino superior, entre 2001 e 2008
2
. O período do expansionismo público
ocorre entre 2008 e 20163, até a publicação de políticas de contingenciamento
de gastos públicos.
Esse cenário permitiu que um dos mais recentes levantamentos nacionais
identificasse, aproximadamente, 150 cursos de graduação em Relações
Internacionais em funcionamento no Brasil (Maia, 2017). Se até o início de 2000,
apenas a Universidade de Brasília e a Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro ofereciam cursos de mestrado em Relações Internacionais, o mesmo
estudo identificou 15 cursos de mestrado e 6 de doutorado, expandindo, assim,
a oferta de recursos humanos e docentes com formação específica (Maia, 2017).
2 Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), Programa Universidade para Todos (PROUNI)
e Plano Nacional de Educação (PNE) (2001-2010).
3 Especialmente devido ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI).
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Entre inúmeros desafios relacionados à consolidação de cursos de um campo
relativamente novo, a preocupação com a inserção profissional dos egressos foi
presente
4
. Os primeiros egressos puderam contar com o privilégio da vantagem
da localização nas capitais, da proximidade e dos contatos com instâncias
governamentais, e, como resultado, a possibilidade de estágios e empregos
na própria cidade, sobretudo em órgãos da administração federal. Por outro
lado, o aumento rápido das ofertas dos cursos no interior e regiões fronteiriças
evidenciou a falta de conhecimento em relação aos cursos fora dos grandes
centros (Miyamoto, 2003; Lessa, 2005b; Pfrimer, Okado, 2019).
Além do desconhecimento acerca da formação, outro fator desafiador foi
a diversidade dos perfis dos egressos das diferentes instituições. As diferenças
decorriam das distintas ênfases das grades curriculares sob a mesma nomenclatura,
como notado por Paulo Roberto de Almeida, há duas décadas (2002) para quem
tais diferenças ocorriam em função da orientação mais focada nos aspectos
conceituais e teóricos nas faculdades públicas e mais pragmáticas e voltadas
para a inserção profissional nas particulares “Os resultados também variam em
função da orientação e do conteúdo substantivo dos cursos disponíveis, cabendo
notar uma orientação mais tradicionalmente”
Ao mesmo tempo, o autor defendeu a diversidade na formação dos egressos,
com vistas “a assegurar a necessária flexibilidade na formação dos muitos
profissionais que devem continuar a sair dessas instituições” (Almeida, 2002,
246). Na sua visão, as habilidades e competências exigidas aos profissionais
egressos dos cursos de Relações Internacionais são tão variadas quanto as
possibilidades do mundo do trabalho.
Na época, o autor sugeria que a evolução institucional, invariavelmente,
conduziria a um núcleo comum de requisitos disciplinares básicos, o que veio
a ocorrer em 2017, com a aprovação das DCNs. Tal resultado foi possível em
razão dos esforços empreendidos após estabelecimento da Associação Brasileira
de Relações Internacionais (ABRI), em setembro de 2005. Como uma associação
4 Vale notar que o assunto ainda é e, na visão de Sato (2010), restringe o foco, pois formação não deve ser
confundida com profissão. A Associação Nacional dos Profissionais de Relações Internacionais do Brasil
(ANAPRI), criada em 2018, busca contribuir para a popularização da profissão. A instituição se dedica a
agendas diversas, entre elas, a inclusão do profissional de Relações Internacionais na Classificação Brasileira
de Ocupações (CBO) e a regulamentação do exercício das atividades do internacionalista no Brasil (ANAPRI,
2021). A publicação da Resolução 2011, de 27 de maio de 2019, pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon),
estabelece que egressos do curso de Relações Internacionais realizem registros pelos Conselhos Regionais de
Economia (COFECON, 2019).
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científica, voltada para “[...] a promoção das Relações Internacionais como campo
de estudo no país”, entre seus objetivos busca “incentivar o debate sobre o ensino,
a pesquisa e o exercício profissional em Relações Internacionais” (ABRI, 2021).
Antes disso, as comunidades de cada curso, isoladamente, empreendiam
esforços visando a promoção do perfil dos egressos de Relações Internacionais.
Lessa (2005b) destaca que a UnB, nos anos setenta, promoveu ações para divulgar
o perfil do egresso para convencer os potenciais empregadores. Destacou que a
divulgação dos egressos e seu perfil depende, sobretudo, do comprometimento
das instituições nesse sentido. Miyamoto (2003) e Pecequilo (2012) destacaram
que energias de toda comunidade dos cursos de Relações Internacionais deveriam
ser direcionadas a ações construtivas, na promoção e divulgação do perfil dos
egressos. Se por um lado aos responsáveis pelos cursos — coordenadores ou
diretores e docentes — caberia promover e divulgar o perfil dos egressos junto
das instituições públicas e empresariais, as representações discentes e os próprios
estudantes também poderiam contribuir, reforçando as ações institucionais.
Nesse contexto, a criação e a articulação da ABRI consolidaram esforços com
vistas ao aperfeiçoamento do ensino e da pesquisa em Relações Internacionais
no país. Isso vem contribuindo tanto para o que foi chamado de “adensamento
do pensamento brasileiro de relações internacionais” (Lessa, 2005a, 1) quanto
para a identificação de oportunidades de melhorias no seu ensino. Quanto a
este último ponto, em 2015, formalizou-se, dentro da ABRI, a área temática
Ensino, Pesquisa e Extensão, focando na estruturação e sistematização de tais
discussões (ABRI, 2021).
A ABRI foi essencial no debate nacional sobre o estabelecimento das DCNs,
o qual avançou significativamente a partir de 2013, quando foi apresentada ao
Conselho Nacional de Educação (CNE) proposta preliminar de DCNs (ABRI,
2017). No âmbito do CNE, o debate se estendeu até 2017, quando, finalmente,
as DCNs foram aprovadas. Seu texto reflete o entendimento de que Relações
Internacionais é a formação na qual o profissional egresso possa “[...] exercer
atividades com interface internacional nas esferas pública e privadas [...] entre
outras instituições” (Brasil, 2017a, 2).
A observação geral, ao longo dos anos, foi a de que o mundo trabalho para
bacharéis e pós-graduados em Relações Internacionais, embora fosse realidade
em determinados contextos, ainda carecia de maior divulgação entre os potenciais
empregadores. É possível afirmar que os estágios foram compreendidos como
uma das formas pelas quais as diferentes organizações poderiam ter contato
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com futuros profissionais de Relações Internacionais e, assim, contribuir para a
divulgação dos próprios cursos e dos seus egressos. Nota-se, porém, ausência
das discussões sobre a atividade quanto ao seu potencial de contribuição no
processo de ensino-aprendizagem, a partir da promoção de experiências e vivências
significativas para os estudantes.
Estágios no ensino superior e em Relações Internacionais
No ensino superior, os estágios são uma das possibilidades de promover, entre
os discentes, contatos com experiências profissionais, bem como desenvolver
habilidades e competências exigidas no perfil dos egressos de cada curso. Ao
longo de décadas, diversos mecanismos regulatórios foram estruturados, sob a
compreensão de que oportunidades de aprendizagem fora do ambiente acadêmico
devem ser incentivadas, desde que sejam observadas as normas e preservados
os direitos dos estudantes (Martins, 2012; Andrade; Resende, 2015).
Atualmente, o ponto de partida para a discussão sobre os estágios
no ensino superior são os seguintes instrumentos: i) os dispositivos da Lei
nº 11.788, de setembro de 2008, que regulamenta as atividades de estágios;
ii) as Diretrizes Curriculares Nacionais; iii) os Projetos Pedagógicos de Curso;
iv) normas complementares ou instrumentos adotados por cada instituição do
ensino superior.
A Lei prevê que o estágio “[...] visa ao aprendizado de competências
próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando
o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho”
(Brasil, 2008, 1). Para que o estágio seja reconhecido como uma relação jurídica,
amparada nos direitos e obrigações da Lei, deverá ser celebrado por meio de
Termo de Compromisso que envolve três partes: o estagiário (que precisa estar
regularmente matriculado), a parte concedente (pessoa jurídica ou pessoa física
que acolhe o estudante) e a instituição de ensino.
As atividades serão supervisionadas pela Instituição de Ensino Superior
e por meio da indicação de um professor orientador. Conforme previsto no
Art. 7º, Inciso III, aos indicados professores orientadores de estágios incide a
responsabilidade pelo “acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário”
(Brasil, 2008, n. p). Este acompanhamento pedagógico, por sua vez, deverá ser
comprovado através de vistos nos relatórios de estágio, entregues em prazo não
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superior a seis meses. O não cumprimento de quaisquer cláusulas previstas na
Lei descaracteriza o estágio.
Quanto à definição da sua obrigatoriedade ou não5, a Lei informa que
deverá ser observada a determinação das DCNs da área, bem como a previsão
dos PPCs do curso (Brasil, 2008). Nas consultas públicas realizadas no contexto
dos debates para a criação das DCNs, enquanto alguns participantes defenderam
sua obrigatoriedade nos cursos de Relações Internacionais, “[...] como forma de
oportunizar a relação do curso com o entorno, potencializando os esforços de
divulgação da área. Também como forma de aproximar o aluno do mercado de
trabalho”, outros participantes defenderam os estágios não-obrigatórios, “[...] em
razão da dificuldade de oferta de vagas especialmente nos cursos recém-criados
no interior ou região de fronteira”. (Brasil, 2017a, 12-13).
A decisão foi delegar aos cursos, portanto, a forma de inclusão dos estágios
em seus PPCs, a partir da avaliação de sua própria realidade (obrigatório, não
obrigatório ou atividades complementares). Importa ressaltar que o texto do Art.
5º, Inciso IV, das DCNs para os Bacharelados em Relações Internacionais sugere
que os estágios são atividades que compõem o eixo de formação complementar,
sendo aquelas que abrangem transversalmente e interdisciplinarmente conteúdos,
cujo objetivo é [...] possibilitar ao aluno reconhecer e testar habilidades,
conhecimentos e competências, inclusive fora do ambiente acadêmico [...].
(Brasil, 2017a, 4).
Nota-se que a redação se alinha às abordagens que consideram que as
vivências dos estágios têm potencial no contexto do desenvolvimento ativo dos
alunos, no processo de formação do conhecimento. Ademais, as DCNs também
definem que os cursos de Relações Internacionais assumem o compromisso
de promover ações (ensino, pesquisa, extensão, atividades complementares,
estágios curriculares) que contribuam com o desenvolvimento de um mínimo de
16 competências e habilidades previstas no perfil dos egressos. Nesse sentido,
a redação do artigo seguinte reforça:
Art. 6º O estágio curricular é componente curricular, direcionado à
consolidação dos desempenhos profissionais desejados, inerentes ao
perfil do formando, devendo cada instituição, por meio das instâncias
institucionais competentes, aprovar o correspondente regulamento, com
suas modalidades de operacionalização. (Brasil, 2017a, 4, grifo nosso).
5 O estágio obrigatório é aquele cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma. Já o estágio
não obrigatório possui caráter opcional e sua carga horária é acrescida à carga horária regular e obrigatória.
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No contexto de cada curso, os PPCs e as rotinas e condições institucionais
estabelecidas norteiam a gestão dos estágios. Ou seja, cada instituição de ensino
e seus cursos possuem uma rotina para aprovação dos estágios curriculares,
fluxo de entrega e assinaturas dos documentos que formalizam seu início,
renovação, rescisão e conclusão. Quanto a este aspecto, ressalta-se que o foco
tem recaído no atendimento às exigências regulatórias e documentais. Porém,
questiona-se como estão sendo planejadas as atividades a serem desenvolvidas
pelos estudantes nos locais de estágio, critérios da contextualização curricular
das atividades desenvolvidas, a contribuição de cada atividade desenvolvida
para a formação das habilidades, conhecimentos e competências, inerentes ao
perfil do egresso, entre outras. Considera-se que os vistos em relatórios são
insuficientes para preencher as lacunas de informações acerca de qual seria a
principal contribuição dos estágios: no contexto ensino-aprendizagem.
Recentes pesquisas apontam para as fragilidades pedagógicas do processo
de acompanhamento e avaliação dos estágios no ensino superior, de uma forma
ampla. A gestão dos estágios — especialmente não-obrigatórios — enfrenta
inúmeros desafios, entre os quais garantir que cumpram o seu papel no contexto
dos cursos: seu objetivo pedagógico e a reflexão sobre a contribuição das atividades
desempenhadas no contexto da formação (Oliveira, 2009; Machry, 2014; Silva,
2016). Por um lado, “[...] os estudantes parecem não compreender essa modalidade
de estágio como uma experiência de aprendizagem acadêmica e sim como uma
oportunidade de conseguir trabalho ou remuneração” (Silva, 2016, 12).
As empresas, por sua vez, descaracterizam e desvalorizam o que é preconizado
para a atividade do estágio quando desviam a finalidade de aprendizado e
preparação do estudante para o trabalho (Oliveira, 2009); “Já os professores
destacam como maior dificuldade o acompanhamento dos alunos no campo de
estágio não obrigatório, uma vez que não possuem destinação de horas para
tal atividade” (Lavall; Barden, 2014, 62). Silva (2016) ainda menciona que os
professores são desafiados pela quantidade de estudantes, falta de apoio das
coordenações de estágios, ausência na divisão de tarefas entre os professores
orientadores e coordenadores, desafios na articulação entre a teoria dos cursos
e a prática no campo de estágio.
Vale mencionar que os estágios constam como indicador 1.7 (Estágio Curricular
Supervisionado) no instrumento de avaliação do Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Superior (Sinaes) (Brasil, 2017b). A ênfase do instrumento recai em
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aspectos como: institucionalização, adequação da carga horária, compatibilidade da
relação entre orientador, estagiário e atividades, existência de convênios, estratégias
para gestão da integração entre ensino e mundo do trabalho, considerando as
competências previstas no perfil do egresso, interlocução institucionalizada da
IES com o(s) ambiente(s) de estágio (Brasil, 2017b).
Embora alguns desses aspectos recaiam às instituições de ensino e às gestões de
cada curso, sobre a comunidade de Relações Internacionais recai a responsabilidade
de sistematizar análises sobre esta atividade. De uma forma geral, as publicações
sobre estágios buscaram identificar: i) a realização ou não da atividade; ii) a
sua contribuição para a inserção profissional. Embora os estudos destaquem a
prática como uma forma de atender exigências relacionadas à “[...] experiência
profissional ao recém-formado” (Ribeiro; Kato; Reiner, 2013)6, os resultados
sugerem que não há correlação entre a realização de estágio e a empregabilidade
(Seabra; Leite; Dias, 2017; Puc, 2016; Maia; Franco; Neder, 2017).
Nos Encontros da ABRI, desde a criação da área temática de ensino e pesquisa
em 2015, trabalhos trataram especificamente de experiências em sala de aula
ou fora dela, sobre articulação entre a teoria e a prática. Todavia, nos Anais dos
Encontros Nacionais da ABRI, até o momento, apenas um trabalho analisou
os estágios. Trata-se de estudo realizado entre 2015 e 2016, com estudantes
de uma instituição específica, os quais realizaram estágio supervisionado no
curso de Relações Internacionais. O levantamento buscou identificar o papel
das competências desenvolvidas pelos alunos ao longo da graduação durante a
realização de programas de estágio na área. Na percepção dos estudantes, “[...]
as competências acadêmicas e profissionais desenvolvidas na graduação são,
[...] instrumentalizadas em suas atividades de estágio e repercutem em aspectos
profissionais de sua empregabilidade” (Holzhacker, 2017, 73-74).
Nas publicações acadêmicas, nota-se que os estágios, embora presentes
no dia a dia dos cursos de Relações Internacionais, não ocupam os espaços
analíticos. Dossiês temáticos sobre ensino, pesquisa e extensão, reunindo relatos
de experiências, foram organizados nos últimos anos: em 2012, pela Revista
Monções da Universidade Federal de Dourados; em 2017, pela Meridiano 47 —
6 Ribeiro, Kato e Rainer (2013, p. 14) ressaltam o papel dos cursos: “[...] formas de incentivo a essa prática,
como a organização de feiras de estágio, a divulgação e a agilidade dos procedimentos burocráticos, são papel
decisivo das instituições de ensino superior na facilitação da inserção do bacharel em relações internacionais
no mercado de trabalho”.
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Journal of Global Studies; em 2019, um Editorial da ABRI, publicado na Revista
Mural Internacional.
O primeiro volume da Revista Monções, da Universidade Federal de Dourados,
organizado por Moreira Junior (2012), foi uma construtiva provocação para a
necessidade da reflexão sobre o campo em si, em torno das práticas de ensino
e pesquisa, destacando a área de cooperação como uma oportunidade para
inserção profissional. Em que pese as relevantes contribuições, a edição não
contou com nenhuma análise ou reflexão a partir das experiências de estágios.
O “Dossiê Especial sobre Desafios e Caminhos no Ensino, Pesquisa e Extensão
em Relações Internacionais no Brasil” foi organizado por Ramazini Junior e
Lima (2017). No Editorial, os autores destacam que as questões sobre ensino e
aprendizagem, os aspectos pedagógicos e as competências e habilidades, o ensino
de uma forma ampla, embora discutidas em todas as áreas, possuem poucas
publicações acadêmicas. O dossiê trouxe inovadoras reflexões sobre o ensino das
Relações Internacionais, especialmente sobre práticas de metodologias ativas,
cinema e biografias como instrumento de ensino, práticas laboratoriais, bem
como práticas exitosas de projetos de extensão. No tocante à contribuição dos
estágios para o Ensino, nenhum artigo com análises estruturadas foi apresentado.
Em uma breve passagem do seu artigo no referido dossiê, Pecequilo (2017)
concorda com as opções sobre estágios obrigatórios ou não-obrigatórios previstos
nas DCNs. Porém, chama a atenção para um desafio sempre presente na discussão:
a precarização das relações de trabalho. A instrumentalização do ensino superior
para alcançar alocação profissional reflete um problema socioeconômico brasileiro,
embora não seja exclusivo das Relações Internacionais.
O Editorial Dossiê ABRI, publicado na Revista Mural Internacional e
organizado por Oliveira et al. (2019), destacou a importância da discussão
sobre a implementação das DCNs, bem como “[...] aglutinar discussões sobre
práticas e métodos de ensino, estratégias de publicação, internacionalização da
pesquisa e extensão, entre outros temas de interesse”. De uma forma geral, foi
um esforço para a reflexão das experiências em torno do tripé Ensino, Pesquisa
e Extensão para Relações Internacionais no Brasil. O dossiê reuniu relatos sobre
atividades de internacionalização, desenhos de pesquisa, práticas de laboratório,
extensão e atividades inovadoras de ensino (inclusive, compondo a maior parte
dos artigos publicados). Todavia, não apresenta análises acerca das experiências
e vivências dos estágios.
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Recentemente, a American Political Science Association (APSA) publicou uma
obra coletiva a partir das discussões no âmbito da Conferência sobre Ensino e
Aprendizagem, reconhecendo a escassez de debates acerca dos estágios dentro da
grande área. A contribuição de Božović e McCartney (2021) foca nos processos,
desafios e benefícios relacionados aos cursos de Relações Internacionais e Estudos
Internacionais, comparando práticas adotadas em dois cursos (uma instituição
privada da Costa Oeste dos Estados Unidos e uma instituição pública da Costa
Leste). A pesquisa conduzida pelas autoras revela que entre os principais benefícios
dos estágios destacam-se: melhora na capacidade de pesquisa, pensamento
crítico e habilidades de redação; capacidade vincular o conhecimento da sala de
aula às experiências reais; redes de relacionamentos; ampliação da autonomia
dos estudantes.
Quanto aos desafios, o destaque recai sobre as vagas de estágios com interface
internacional ou estágios internacionais, seja em razão das poucas ofertas,
das distâncias dos centros onde tais vagas são oferecidas, dos custos, etc. As
autoras ressaltam, ainda, duas lições aprendidas em ambas as instituições. A
primeira é que consideram possível desenvolver estágios com foco internacional
em casa”, estimulando a realização de conexões local-globais. A segunda,
é que tal desenvolvimento, bem como o aproveitamento da experiência de
aprendizagem, exige esforços institucionais e orientação altamente individualizada
pelos orientadores, para garantir que os estudantes desenvolvam a capacidade
de conectar a teoria à prática.
Estágio como aprendizagem experiencial
Pensar o papel dos estágios no contexto do processo ensino-aprendizagem
nos cursos de Relações Internacionais requer: i) aprofundamento na compreensão
do estágio como momento privilegiado no processo de formação dos estudantes
de graduação; ii) análise dos significados atribuídos às experiências e vivências
dos estágios, no referido processo. As possibilidades de o estágio constituir-
se em uma estratégia que favoreça a aquisição de competências e habilidades
definidas para o curso pressupõem considerá-lo como parte integrante do processo
de formação, devendo ser planejado de modo a proporcionar experiências de
aprendizagem dinâmicas e que possibilitem a reflexão sobre a sua atuação e a
sua intencionalidade.
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No momento em que, cada vez mais, a abordagem da aprendizagem por
competências7 faz parte do ensino em todas as áreas, entende-se como positiva
a diversificação das atividades nas quais os estudantes possam exercitá-las.
Inclusive porque, em muitos casos, “[...] depois dos conteúdos específicos,
não sobra lugar nos currículos para a formação geral e o desenvolvimento de
competências múltiplas” (NACIF; CAMARGO, 2009, 5).
Essa compreensão vem ganhando forças no contexto das discussões sobre as
metodologias ativas. Segundo Haydt (2002), o processo de ensino-aprendizagem é
uma atividade conjunta de professores e alunos, sob a direção do professor, com
a finalidade de promover as condições e meios pelos quais os alunos assimilam
ativamente conhecimentos, habilidades, atitudes e convicções. As metodologias
ativas, no contexto da aprendizagem baseada em competências, devem contemplar
situações educativas nas quais se ajuda a ver o sentido naquilo que se realiza,
nas quais os professores orientam o fazer, auxiliando os estudantes para que se
apropriem de conteúdos e procedimentos de forma autônoma e independente.
Nas palavras de Inoue e Valença (2018, 32):
O importante é estabelecer objetivos de aprendizado claros e buscar formas
de alcançá-lo, nos quais o professor seja o facilitador de um processo
de aprendizagem em que o estudante é o sujeito. O propósito final é
desenvolver habilidades de pensamento crítico, propiciar descobertas e
construção de conhecimento.
No contexto das metodologias ativas, defende-se a aplicação de diferentes
métodos, visando estimular a autonomia dos estudantes para que assumam o
papel ativo no próprio processo de aprendizagem, entre os quais: a aprendizagem
por projetos; a aprendizagem por problemas (PBL); a aprendizagem baseada em
desafios, simulações, jogos, estudos de caso, debates estruturados; o aprendizado
pela experiência, entre outros (Bonwell, Eison, 1991; Inoue; Valença, 2018).
Todavia, vale salientar que a interação constitui um elemento essencial do
processo ensino-aprendizagem, especialmente a partir dos referidos métodos.
É por meio da interação entre grupos de estudantes e entre esses e o professor
— para balanço, reflexão e análise das ações realizadas — que se torna possível
7 De forma geral, a aprendizagem baseada em competências contempla estratégias nas quais o aluno perceba
significado ou sentido naquilo que realiza. Nessa abordagem — popularizada pelas metodologias ativas —,
os professores orientam os estudantes para que ativamente dominem os conteúdos e procedimentos de forma
autônoma, desenvolvendo, assim, competências previstas para cada curso.
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avaliar o processo de aprendizagem. Portanto, nessa abordagem, é fundamental
que tanto professores quanto alunos estejam dispostos ao debate, à curiosidade,
ao questionamento, à proposição e à assunção de posições, ao trabalho de
equipe, à inovação etc. Este momento representa a última etapa em processos
bem-sucedidos (Bonwell; Eison, 1991; Haydt, 2002; Inoue; Valença, 2018).
Para Haydt (2002), o professor tem duas funções básicas: função incentivadora,
que aproveita a curiosidade do aluno para aguçar o seu processo cognitivo; e
a função orientadora, que orienta o esforço do aluno ajudando-o a construir
o seu conhecimento. O papel do professor em mediar, orientar, estimular a
aprendizagem permite que os alunos se expressem, planejem e reflitam sobre
suas atividades, ao passo que possibilita ao professor perceber a forma como o
aluno adquire o conhecimento.
Os estágios se inserem no debate das metodologias ativas, pois são
considerados como uma das formas de aprendizado experiencial, juntamente
com atividades laboratoriais, exercícios de campo, intercâmbios, entre outras.
O aprendizado experiencial é um processo pelo qual os estudantes aprendem
realizando tarefas e refletindo sobre essa experiência (Kolb, 1984; Pimentel, 2007;
Moore, 2010). Abordá-los sob esta perspectiva contribui para a compreensão de
que podem ser momentos de aprendizados no processo formativo, inclusive nos
cursos de Relações Internacionais, desde que sejam acompanhados por etapas
de planejamento, análise e discussão dos resultados.
Argumenta-se que a missão dessa experiência deve ser apoiar a integração
entre a teoria e a prática no campo de interesse do aluno, explorar as opções
de carreira ou promover o desenvolvimento das habilidades e competências
(Moore, 2010). Porém, para que seja considerado experiencial, o processo de
aprendizagem deve integrar: i) o conhecimento de conceitos, fatos e informações
adquiridos formalmente; ii) a atividade, ou seja, a aplicação do conhecimento em
um determinado contexto do mundo real; e iii) a reflexão, entendida como a análise
e síntese dos conhecimentos e atividades, para criar conhecimentos (Kolb, 1984).
Portanto, não basta a imersão ou execução de atividades sem que elas ganhem
um significado, sem que existam oportunidades de reflexão para a interpretação
das vivências e experiências associadas a elas, estimulando novos conhecimentos.
Em que pese a exigência estabelecida pelos instrumentos legais e normativos,
os estudos publicados sugerem que os principais desafios residem tanto no
planejamento das atividades de estágios quanto no seu próprio desenvolvimento
(Oliveira, 2009; Machry, 2014; Silva, 2016).
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Nas relações entre instituição de ensino e os campos de estágio, não há
efetivamente um planejamento conjunto na definição clara das atividades a serem
desenvolvidas pelos estudantes, bem como dos papéis do professor supervisor
e do profissional do campo de estágio. Ademais, a falta de aprofundamento
das discussões sobre os estágios, no contexto do curso no qual se insere, surge
como um dos principais desafios, uma vez que não têm sido analisados os
significados atribuídos à atividade no processo ensino-aprendizagem. Embora
as atividades de estágio permitam a reflexão, possibilitando a modificação da
realidade, elas exigem um esforço coletivo no âmbito dos cursos, no sentido de
não se burocratizar seu acompanhamento. Sugere-se para um aprofundamento
da análise das atividades realizadas, de forma que professores orientadores junto
dos pares e alunos, se apropriem de tais atividades, para analisá-las e questioná-
las, criticamente, à luz das teorias [...]. (Pimenta; Lima, 2012)
Nesse aspecto, destaca-se o acompanhamento do estágio pelo professor
orientador, o qual desempenha um papel importante ao ajudar os estudantes
no processo de reflexão sobre as experiências vividas no estágio e relacioná-las
com os conhecimentos teóricos. Ou seja, esclarecer a experiência com o objetivo
final de vincular as observações da atividade à teoria e, em seguida, ajudar os
alunos a realizarem conexões e generalizações. Sem a oportunidade de discutir e
debater as atividades, os estudantes podem não perceber determinadas conexões,
nem a relevância de determinadas experiências.
Pesquisadores de diversas áreas vêm se debruçando sobre os estágios no
ensino superior e a literatura teórico-empírica tem apontado as suas contribuições
a formação dos estudantes, entre as quais: o desenvolvimento de competências
e habilidades (Murari, Helal, 2009); a aplicação dos conhecimentos adquiridos
durante os cursos e a obtenção de experiências úteis ao futuro profissional
(Lavall; Barden, 2014; Zacariotti; Souza, 2019); a aproximação com o mundo do
trabalho (Murari; Helal, 2009; Lavall; Barden, 2014; Polzin; Bernardin, 2018);
suprir necessidades financeiras, por meio das bolsas, auxílios ou outros, para
a permanência na universidade (Lavall; Barden, 2014; Polzin; Bernardin, 2018;
Zacariotti; Souza, 2019).
As organizações nas quais os estágios são realizados, entre outros fatores,
geralmente aproveitam os estágios em seus processos captação de talentos,
a possibilidade de formar jovens profissionais alinhados à própria cultura
organizacional, ter jovens como vetores de inovação, motivação, atualização
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(Murari; Helal, 2009; Lavall; Barden, 2014; Polzin, Bernardim, 2018). O estudo
de Zacariotti e Souza (2019) também sugere que, nos cursos de Jornalismo, há
uma tendência à distorção do papel do estágio, que se refere à precarização do
trabalho.
De uma forma geral, a questão dos estágios no ensino superior enfrenta
inúmeros desafios, entre os quais garantir que cumpram o seu papel no contexto
dos cursos: seu objetivo pedagógico e a reflexão sobre a contribuição das
atividades desempenhadas para a formação. Isso porque a sua contribuição para
o desenvolvimento das habilidades e competências não é automática (Oliveira,
2009). Machry (2014, 22) destaca que “[...] pouco se sabe dos resultados e
conquistas obtidas nessa importante prática profissional dos alunos”, uma vez
que as instituições de ensino superior têm focado no cumprimento das questões
regulatórias, documentais e burocráticas. Frequentemente, docentes assinam os
Termos e Relatórios da forma como cumprem outras atribuições administrativas,
sem a necessária atenção às particularidades pedagógicas que tais processos
envolvem.
Num exercício analítico preliminar com vistas a identificar — por meio
das atividades descritas nos Planos de Atividades — qual(ais) competências e
habilidades têm sido promovidas ou desenvolvidas pelas atividades de estágio,
foram consultados os documentos de 19 processos de estágios em acompanhamento
no ano de 2022, em um curso de Bacharelado em Relações Internacionais
estabelecido há dez anos em uma universidade pública localizada no interior
do Brasil8. A localização do curso é um fator relevante nesse cenário, devido à
baixa internacionalização e interiorização do mercado de trabalho da área de
Relações Internacionais (PFRIMER; OKADO, 2019).
Do universo de 197 estudantes regularmente matriculados no curso no referido
ano, merece destaque o número dos que realizaram estágios, que consistem numa
atividade não-obrigatória. De uma forma geral, os estudantes interessados buscam
autonomamente as agências de estágios ou as vagas disponíveis divulgadas para
os estudantes do curso. Um levantamento já realizado sobre a motivação discente
para a realização ou permanência no estágio, sugere que há preocupação com
o “equilíbrio entre aproximação do mundo do trabalho e aspecto financeiro”.
8 Os documentos foram consultados via acesso pelo Sistema Eletrônico de Informação (SEI), por meio dos
processos de estágios em acompanhamento pelo Colegiado de Curso.
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No levantamento, nenhum respondente selecionou a opção: “estritamente pelo
aprendizado que as atividades proporcionam” como a principal motivação para a
realização do estágio (Schimanski, 2022). As respostas respaldam o contexto de
persistentes cortes e contingenciamentos de investimentos em bolsas acadêmicas
e de pesquisas e os escassos debates nos cursos sobre as potenciais contribuições
dos estágios no contexto ensino-aprendizagem.
Quanto às instituições e atividades nas quais os estágios têm sido realizados,
observa-se o alinhamento aos setores previstos nas DCNs. A maioria dos estudantes
realiza a atividade em instituições privadas (em atividades relacionadas a comércio
exterior, finanças internacionais, assessorias) (05) ou do setor de tecnologia
(especialmente startups) (04). As universidades (03) e escolas de idiomas (02)
têm oportunizado a atividade nas áreas de convênios internacionais, cooperação
acadêmica e intercâmbios. As Organizações Sociais e Associações (03), Prefeituras
Municipais e Câmaras de Vereadores (02) oportunizam contato com as suas
atividades de internacionalização.
Do cruzamento das atividades descritas nos Planos de Atividades com as
dezesseis habilidades e competências gerais previstas para o perfil do egresso
em Relações Internacionais descritas no Art. 4º das DCNs, observa-se que as
atividades têm contribuído, principalmente, para o desenvolvimento de oito
delas: i) Capacidade de compreensão de questões internacionais no seu contexto
político, econômico, histórico, geográfico, estratégico, jurídico, cultural, ambiental
e social, orientada por uma formação geral, humanística; ii) Capacidade de
solução de problemas numa realidade diversificada e em transformação; iii)
Capacidade de utilização de novas tecnologias de pesquisa e comunicação; iv)
Habilidades interpessoais (consciência social, responsabilidade social e empatia);
vi) Capacidade de planejar e executar estrategicamente a internacionalização de
organizações de diferentes tipos; ix) Raciocínio lógico e expressão adequada de
ideias complexas; xii) Domínio das habilidades relativas à efetiva comunicação e
expressão oral e escrita em língua portuguesa; xiii) capacidade de compreensão
em língua estrangeira, em especial em língua inglesa.
Das atividades descritas nos documentos consultados, bem como nos relatórios,
não foi possível inferir se as demais competências e habilidades previstas nas
Diretrizes são oportunizadas. Nota-se entretanto, que algumas instituições, pela
característica das próprias vagas, têm potencial para oportunizar experiências mais
profundas. Este é o caso dos estágios em setores de coordenações internacionais
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ou assessorias, por exemplo, com o potencial de viabilizar o desenvolvimento
da capacidade de pesquisa, análise, avaliação e formulação de cenários para
atuação na esfera internacional ou outras.
É dessa individualização das atividades desenvolvidas, das interações,
vivências e experiências de cada estudante nos espaços dos estágios que é possível
concordar com Božović e McCartney (2021) quanto ao papel fundamental do
processo de orientação acadêmica dos estágios, guiando cada estudante para que
seja capaz de reconhecer os vínculos entre a teoria e a prática. Como ensinam
Kolb (1984), Bonwell e Eison (1991), Haydt (2002) e Pimentel (2007), Inoue e
Valença (2018) os espaços de reflexão para a interpretação das suas experiências
é que permitem a sua consolidação em conhecimentos.
Quando os estudantes são selecionados para alguma vaga de estágio,
dificilmente o professor orientador tem a possibilidade de contribuir diretamente
na fase do planejamento das atividades que serão desenvolvidas. Isso porque,
geralmente tais atividades são divulgadas com as vagas. Embora não seja comum,
uma vez que implica relativo atraso para o início do estágio, o professor orientador
pode sugerir adaptações ou alterações. Assim, de uma forma geral, antes de
iniciar, os estudantes encaminham para as secretarias e professores orientadores
os documentos necessários para assinatura a fim de que possam dar início às
suas atividades9. Ou seja, na fase do planejamento, há pouco espaço para as
reflexões entre os orientadores e estudantes.
Nos prazos legais, os estudantes têm o compromisso de realizar a entrega
de relatórios de atividades. É nessa fase de entrega de relatórios que, sob a
perspectiva da aprendizagem experiencial, reside uma das maiores fragilidades
dos estágios. Nessa etapa, perde-se a oportunidade de promover reflexões entre
professores orientadores e estagiários sobre as atividades desenvolvidas, suas
conexões com aspectos teóricos, bem como suas contribuições nos processos de
ensino-aprendizagem de forma individual. O foco tem recaído sobre a exigência
da entrega dos relatórios nos prazos legais, sem a devida atenção e análise
pedagógica acerca das oportunidades de aprendizagem possibilitadas através
das experiências do estágio.
9 Ribeiro, Kato e Reiner (2013, 14), notaram que [...] a agilidade dos procedimentos burocráticos, são papel
decisivo das instituições de ensino superior na facilitação da inserção do bacharel em relações internacionais
no mercado de trabalho.
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Considerações finais
Se a consolidação do ensino e das pesquisas em Relações Internacionais no
Brasil avançou paralelamente aos debates sobre o perfil dos seus egressos e da
sua inserção profissional, cabe perguntar em que medida os estágios contribuem
como experiências de aprendizagem nesse contexto. A pesquisa identificou dois
achados: i) a lacuna sobre os estágios na literatura de Relações Internacionais; ii)
a subvalorização dos estágios como um método de aprendizagem. Tais resultados
sugerem a necessidade de aprofundamento de análises e discussões sobre o papel
dos estágios na formação dos bacharéis em Relações Internacionais.
Embora os estágios sejam uma atividade prevista em muitos cursos e uma das
atividades complementares mais realizadas pelos estudantes, é praticamente ausente
a análise acerca das suas contribuições nos processos de ensino-aprendizagem.
O exercício analítico realizado por meio da consulta aos documentos de estágios
realizados por estudantes em um curso público de Relações Internacionais do interior
do país revela que a atividade tem contribuído para o desenvolvimento de múltiplas
competências e habilidades previstas nas DCNs. Entretanto, a falta do aprofundamento
das discussões sobre as atividades desenvolvidas, da reflexão sobre os vínculos
teóricos e práticos e sobre o papel das atividades específicas desenvolvidas nas
diferentes instituições, para a formação individual de cada estudante são fragilidades
visíveis, quando ajustadas as lentes da aprendizagem experiencial.
Embora sejam necessárias melhorias nos processos de planejamento e
acompanhamento dos estágios, é necessário aprofundar a análise dessa atividade
no contexto da aprendizagem experiencial, processo pelo qual os estudantes
aprendem realizando tarefas e refletindo sobre essa experiência. A crítica que recai
sobre o atual formato de acompanhamento dos estágios — assinatura de termos
e entrega de relatórios — não é exclusiva dos cursos de Relações Internacionais.
Tal prática não tem estimulado e promovido espaços de reflexões profundas e
individualizadas acerca das contribuições desta atividade para a formação dos
estudantes.
Por fim, ressalta-se que a expansão dos debates sobre as experiências de
aprendizagem, obtidas por meio dos estágios nos cursos Bacharelado em Relações
Internacionais, têm potencial para ampliar o conhecimento do próprio campo,
a partir das distintas realidades do país. Se em outros momentos os estágios
permitiram divulgar o curso e seus egressos para o mundo do trabalho, é importante
refletir sobre as experiências dos estudantes nesses espaços.
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