João Fernando Finazzi; Reginaldo Mattar Nasser
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 2, e1138, 2021
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O papel dos Estados Unidos na
Reforma do Setor de Segurança
do Haiti (1994-2004)
1
The role of United States in the
Security Sector Reform of Haiti
(1994-2004)
El papel de Estados Unidos en la
Reforma del Sector de Seguridad
de Haití (1994-2004)
DOI: 10.21530/ci.v16n2.2021.1138
João Fernando Finazzi
2
Reginaldo Mattar Nasser
3
Resumo
A Reforma do Setor de Segurança (RSS) do Haiti no que se refere às
ações da polícia e das forças armadas tornou-se objeto fundamental
das missões da ONU. A literatura sobre o tema tem enfatizado
o papel de diferentes agências internacionais nesse processo,
mas sem dar o devido destaque à presença dos EUA. Nosso
objetivo é demonstrar que havia, no processo de RSS do Haiti
e de constituição da atual Polícia Nacional Haitiana, elementos
1 Este trabalho foi feito com o apoio de uma bolsa CAPES através do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos
(INCT-INEU). Processos 88887.141289/2017-00 e 88887.333701/2019-00.
2 Doutorando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação
em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP).
Atualmente é professor temporário no curso de Relações Internacionais da
PUC-MG (Poços de Caldas).
(jffinazzi@yahoo.com.br). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8986-8858.
3 Livre-Docente em Relações Internacionais (PUC-SP). Professor Associado da
PUC-SP e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San
Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP), São Paulo, Brasil.
(reginaldonasser@gmail.com). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5674-4197.
Artigo submetido em 03/11/2020 e aprovado em 01/03/2021.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ISSN 2526-9038
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que podem auxiliar no entendimento da relação entre as organizações internacionais e a
política de poder dos EUA entre 1994 e 2004.
Palavras-chave: EUA, Haiti, ONU, reforma do setor de segurança, operações de paz.
Abstract
Haiti’s Security Sector Reform (SSR) relating to the police and armed forces became the
main subject of UN missions. Haiti’s SSR literature has emphasized the role of different
international agencies, but still little emphasis is placed on the role of the USA. This
work explores the role of the USA in the Haitian SSR between 1994 and 2004. We seek to
demonstrate that the SSR of Haiti and the constitution of the contemporary Haitian National
Police has elements that can help in understanding the relationship between international
organizations and the US power politics during the analyzed period.
Keywords: EUA, Haiti, United Nations, security sector reform, peacebuilding.
Resumen
La Reforma del Sector de la Seguridad (RSS) de Haití relacionado con la policía y las
fuerzas armadas se convirtieron en el objeto más importante de las misiones de la ONU. La
literatura sobre RSS de Haití ha enfatizado el papel de diferentes agencias internacionales,
todavía se hace poco énfasis en el papel de los EE. UU. Este trabajo explora el papel de
Estados Unidos en la RSS de Haití entre 1994 y 2004. Buscamos demostrar que la RSS de
Haití y la constitución de la actual Policía Nacional de Haití tiene elementos que pueden
ayudar a comprender la relación entre las organizaciones internacionales y la política de
poder de EE. UU. durante el período analizado.
Palabras clave: EEUU, Haití, ONU, reforma del sector de la seguridad, operaciones de paz.
Introdução
Em 1994, a intervenção da ONU no Haiti é a única da história que tinha
como objetivo declarado realizar mudança de regime, restaurar a democracia e
reconduzir o presidente deposto, Jean-Bertrand Aristide. Para tanto, seria preciso
realizar a Reforma do Setor de Segurança (RSS), a profissionalização das Forças
Armadas do Haiti (FADH) e a criação de uma polícia nacional, ambas sob controle
civil democrático. Contudo, o processo de democratização logo começou a se
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deteriorar e, a partir do final dos anos 90, se encontrava em profundo declínio
— levando a uma nova ruptura em 2004.
O insucesso das ações da ONU em alcançar seus objetivos levou à elaboração
de uma série de análises com o intuito de aperfeiçoar os esforços da intervenção,
realçando a incapacidade de setores da sociedade, em geral, e das elites haitianas,
em particular, de realizarem aquilo que seria um acordo nacional sobre o papel
a ser atribuído aos atores armados do país, sugerindo uma atuação mais incisiva
da “comunidade internacional”. No contexto de uma nova intervenção militar,
em 2004
4
, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, declarou que o Haiti não tinha
capacidade para resolver seus próprios problemas de forma autônoma e que
deveria ser ajudado por atores internacionais (Annan 2004).
Essa acepção, certamente benigna da intervenção internacional, segundo
a qual a crise haitiana possuía causas exclusivamente endêmicas, passou a ser
desafiada nos últimos anos, quando novas análises passaram a atribuir maior
relevância aos fatores externos para a sua recorrência. Reconheceu-se não apenas a
existência de falhas nas estratégias de atuação de diversas agências e organizações
internacionais na RSS do Haiti, ao longo dos anos 1990, mas também em como
essa múltipla atuação foi fator de deterioração do processo de democratização
dos anos 1990 (Mobekk 2016; Burt 2016).
Se podemos constatar, por um lado, a existência de uma literatura preocupada
com o papel dos atores não estatais nas operações de paz no Haiti, por outro,
há que reconhecer também que os interesses e os papéis exercidos pelos EUA,
em relação à RSS, são raramente enfatizados, ainda que o considerem como
um ator relevante (Mobekk 2016: 6). Essa afirmação se choca não apenas com
a contínua influência que os EUA exercem sobre o Haiti, desde a ocupação de
1915-34
5
, mas também com a importância fundamental que tiveram tanto na
criação das missões da ONU e da OEA que resultaram na intervenção, em 1994,
quanto para a execução dos mandatos durante os anos 1990. Já em 2008, na
4 Em abril de 2004, após intervenção inicial de uma coalizão liderada pelos EUA, a ONU cria a Minustah, que
fica em vigência por 13 anos no país, inaugurando uma nova etapa das operações de paz no Haiti, com um
importante engajamento do Brasil na condição de comandante militar da missão e de maior contribuidor de
tropas. A RSS foi um dos objetivos declarados fundamentais da operação.
5 A contínua influência dos EUA no Haiti é tão significativa que alguns historiadores a consideram um elemento
fundamental para o estudo da própria história do país, mesmo quando se avalia o período posterior à 1934.
Além da proximidade geográfica e dos legados de ocupações, questões como a transformação das Forças
Armadas, os movimentos nacionalistas do século XX, a dependência financeira, a manutenção da ditadura
dos Duvalier (57-86), o processo de industrialização do Haiti, e a diáspora haitiana, possuem laços estreitos
com a atuação dos EUA. Ver, p. ex.: Pamphile (2015); Robinson (1996); Trouillot (1990).
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vigência do mandato da Minustah, o próprio diretor da Polícia Nacional do Haiti
(PNH) reconheceu, junto à embaixadora norte-americana no Haiti, que, sem a
assistência do governo dos EUA, a academia de polícia, criada em 1995, não
existiria (Wikileaks 2008).
Além disso, há fortes indícios de que a experiência militar dos EUA no Haiti
se tornou para seusestrategistas um importante aprendizado para atuar em
contextos de reconstrução pós-conflitos armados sob a égide da ONU. Durante
a operação de 1994, o então embaixador dos EUA no Haiti, William L. Swing,
declarou que a experiência adquirida no país seria vista pelo governo dos EUA
como algo que pudesse ser adotado em quaisquer outras situações do mundo
consideradas como similares (Goto 2016). Há relatos de que a atuação do general
David Petraeus, que supervisionou parte desse processo, na condição de tenente-
coronel, serviu como um verdadeiro laboratório de testes para suas teses, que
foram, posteriormente, empregadas no contexto da “guerra ao terror”, quando
se tornou comandante das forças militares no Iraque (2007-8) e Afeganistão
(2010-11) (Gericke 2010).
Raymond Kelly, comissário-geral de polícia da cidade de Nova York e
um dos executores da RSS no Haiti, ao participar de workshop promovido
pelo Departamento de Estado (DOS) e Departamento de Justiça (DOJ) sobre
policiamento em “democracias emergentes”, em Washington, em 1995, realçou
em seu discurso que os EUA “deveriam estar preparados para lidar em outras
democracias emergentes” com os assuntos de reforma policial, prisional e judiciária,
considerando a sua experiência no Haiti (US 1997). O próprio DOS reconheceu
que o envio de policiais norte-americanos para as operações da ONU tinha se
tornado, já no início dos anos 1990, uma “ferramenta vital para a política exterior
dos EUA” (US 2005).
Uma vez que, desde 1993, todas as missões da ONU no Haiti tiveram como
objetivo a realização da RSS, mesmo que nunca mencionado explicitamente
(Mobekk 2016: 4), julgamos que analisar o papel dos EUA nesses esforços permite
compreender, de certo modo, a atuação internacional dos EUA no que se refere a
contextos de ações multilaterais com a presença de organizações internacionais.
Nos últimos anos, a RSS tornou-se um dos principais instrumentos por meio dos
quais uma ampla gama de atores estatais e não estatais têm buscado influenciar
os processosde reconstrução de Estados conforme definido pela “Doutrina
Capstone” em 2008. A importância da RSS como parte integral das operações
de paz foi reforçada em abril de 2014, quando o Conselho de Segurança da
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ONU (CSONU) aprovou, unanimemente, a primeira resolução sobre o tema,
destacando o papel exercido pelo engajamento de uma ampla coalizão de atores
na sua implementação (ONU 2014).
Atualmente, a noção de que a RSS seria crucial para a reconstrução em
contextos de conflitos armados, em que a fragilidade estatal é considerada como
uma das principais causas, também foi aceita como um pressuposto inquestionável
entre os doadores internacionais para o desenvolvimento e segurança, compondo
parte de um procedimento padrão de ação internacional, implementado por
grandes potências, agências de desenvolvimento e organizações internacionais
em diversas regiões no mundo (Sedra 2018).
Com este artigo, pretendemos contribuir para o entendimento da atuação dos
EUA no Haiti entre 1994 e 2004, mapeando elementos da RSS que se articulam
com a estratégia política de uma grande potência na defesa de seus interesses.
Argumentamos que, mesmo que a RSS possua especificidades contemporâneas,
ela se insere num longo padrão estratégico de atuação dos EUA. Para explicar o
papel da RSS no Haiti, julgamos fundamental compreender o contexto político e
social a partir do qual ela emerge, levando em consideração a dinâmica da ação
das forças sociais que condicionam a implementação da RSS com o potencial
de transformar as relações entre Estado e Sociedade (Cox, 1983).
Além disso, a importância que atribuímos à ação dos EUA no Haiti não
significa que outros Estados e atores não estatais não tenham exercido um papel
também relevante ou que essas ações não encontraram resistências de grupos
organizados na sociedade haitiana. Mas, uma vez que se pretende realçar as
continuidades históricas do papel dos EUA no processo de RSS do Haiti, optamos
por priorizar uma exposição a partir do encadeamento de fatos relevantes que
ajudam a demonstrar nosso argumento. Assim, consideramos ser possível indicar
alguns elementos da dinâmica e da forma com que algumas instituições haitianas
(como a PNH) vieram a se constituir e que podem nos auxiliar no entendimento
da relação entre RSS, organizações internacionais e a política de poder praticada
pelas grandes potências.
A doutrina da RSS
Em termos gerais, a RSS tem, como princípio, a promoção da paz e da
segurança, por meio do estabelecimento de “boas práticas” e da “boa governança”,
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envolvendo ações articuladas entre as forças armadas, polícias e atores do
judiciário. Dessa perspectiva, os atores envolvidos tentam legitimar suas ações
argumentando que se trata de esforços para reconstruir ou reestruturar as forças
de segurança de um país, que foi objeto de intervenção, com o objetivo de
garantir a plena vigência dos direitos humanos e das normas da democracia
liberal (Sedra 2018; Jackson 2018). Esses princípios normalmente se traduzem
em ações como a desmobilização de ex-combatentes;a formação de promotores,
advogados e juízes; a transformação de leis e processos penais; e a construção
de edifícios como delegacias e prisões. Em suma, a RSS envolve amplas ações
para reconfigurar as relações de poder entre governantes e governados numa
dada sociedade.
A reconstrução das Sociedades e dos Estados afetados por conflitos armados,
condição tida como fundamental para alcançar a paz, é um dos principais pilares
do projeto da “paz liberal”, que ganhou força após o fim da Guerra Fria, com
a hegemonia dos EUA na política internacional. A partir dessa perspectiva, as
intervenções internacionais multilaterais tornaram-se os principais instrumentos
com que as grandes potências ocidentais passaram a atuar de forma multilateral
nos contextos de conflitos armados (Duffield 2001). Desse modo, a RSS tornou-
se uma espécie de corolário do projeto internacional da “paz liberal”, com o
objetivo declarado de se alcançar os requisitos tidos como necessários para
superar o período de transição pós-conflito e concluir a intervenção (Sedra 2010).
De acordo com a “Doutrina Capstone”, que norteia as operações de paz da
ONU, a RSS é um componente essencial para fortalecer o rule of law e garantir o
sucesso da operação da paz na medida em que poderia definir uma “estratégia de
saída” que dependeria do funcionamento das instituições de segurança nacional
(ONU 2008, 27).
O entendimento dos processos de reconstrução como um empreendimento
limitado a um determinado período de tempo, prevendo uma “estratégia de
saída”, é um dos principais argumentos utilizados pelos entusiastas do projeto
da “paz liberal” para diferenciar as intervenções contemporâneas de experiências
internacionais anteriores, como o colonialismo europeu. De acordo com Paris (2010),
embora o statebuilding possa conter algumas “reminiscências coloniais”, um dos
aspectos que o distingue daquelas experiências é que as missões contemporâneas,
por mais duradouras e intrusivas que sejam, são feitas a partir de um mandato
temporal e transitório e a pedido do governo local, diferentemente das antigas
colônias, que eram posses das metrópoles. A RSS é, portanto, o conjunto de
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esforços por meio dos quais seriam criadas as condições para a constituição
do “autogoverno” no que tange à participação dos atores e das instituições
nacionais de segurança (Jackson 2011). Mas, é preciso levar em consideração
que há resistências locais aos preceitos liberais inseridos nos projetos de reforma
e que podem implicar em formas de negociação entre as demandas locais e os
preceitos universalizantes das agências internacionais, resultando numa “paz
liberal híbrida” (Richmond 2012).
A relação entre os intentos de intervenção e de reconstrução internacional
e a necessidade de se diferenciar de antigos empreendimentos coloniais tem
colocado uma série de tensões e dilemas na formulação da RSS. Esses dilemas
são objeto de infindáveis discussões sobre qual seria o limite ideal entre o
comando internacional da reforma e o respeito pela soberania dos Estados ou,
ainda, sobre a maneira de se lidar com fontes tradicionais de autoridade não
estatais. Apesar disso, há um relativo reconhecimento da ausência de evidências
de que a RSS tenha, de fato, contribuído para alcançar de modo bem-sucedido
os fins declarados (Sedra 2018; Donais 2018; Burt 2016). Parte da literatura sobre
RSS tenta responder a essa constatação de ineficiência a partir da perspectiva
das teorias de resolução de problemas, aceitando os postulados que limitam e
criam as possibilidades de atuação a partir das próprias instituições existentes,
mas sem se preocupar com as origens e possibilidades de transformação dos
fundamentos das relações sociais e de poder que criam e mantêm essas mesmas
instituições (Cox 1981).
No caso da RSS do Haiti, consideramos ser necessário dar o devido destaque
ao papel dos EUA durante o período analisado, reconhecendo alguns processos
que podem indicar o estabelecimento e a manutenção de vínculos políticos
arraigados na relação que os EUA vieram a estabelecer com o setor de segurança
haitiano.
A intervenção de 1994 e seus antecedentes
O final dos anos 1980, no Haiti, é marcado por um período conturbado
de violência política, com a fuga de Jean-Claude Duvalier no início de 1986, a
elaboração de uma nova Constituição em 1987 e a realização de eleições gerais
em 1990 (Weiner, Engelberg e French 1993). O contexto foi também caracterizado
por diferentes golpes de estado e pelo assassinato de opositores de Duvalier
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por membros das FADH e ou milícias (Trouillot 1990). É nesse período que as
Organisations Populaires ascendem em importância como movimento de oposição
à ditadura, compostas por grupos de camponeses empobrecidos, sindicatos,
organizações estudantis, movimentos dos comitês eclesiásticos de base e os
comitês urbanos de bairros, formados, na maioria dos casos, pelos filhos da
primeira geração de ex-camponeses que passaram a habitar os centros urbanos.
Essa será, em termos gerais, a base eleitoral do movimento Fanmi Lavalas,
que lançará o então padre de uma igreja na favela de Cité Soleil, Jean-Bertrand
Aristide, à presidência em 1991 (Smarth 1998; Robinson 1996).
A vitória de Aristide nas eleições representou um importante marco histórico
para o Haiti. Primeiro presidente democraticamente eleito, com 67,5% de votos
num pleito que reuniu 85% de eleitores sob supervisão de monitores internacionais
(Jefferies 2001). Seus discursos públicos reivindicavam profunda transformação
da sociedade haitiana, com forte apelo ao enfrentamento da miséria, à defesa
da democracia, do nacionalismo e da distribuição de terras. Aristide também
manifestava, recorrentemente, em seus discursos públicos, o intuito de reformar
as FADH, colocando-as sob controle civil e melhorando as condições de trabalho
dos soldados de baixa patente (Jefferies 2001). Os primeiros meses do seu governo
foram marcados pela prisão de líderes ligados ao regime dos Duvalier que faziam
parte das FADH, do sistema judiciário, das polícias e das milícias, além de apoiar
a atuação de ONGs nacionais e internacionais e de organizações multilaterais
como OEA e ONU (Sprague 2012). Aristide também afastou o alto comando das
FADH, dividiu as forças de segurança entre Exército e Polícia e aboliu os chefs
de section, autoridade política que centralizava as funções associadas aos papéis
de prefeito, juiz e polícia no contexto rural haitiano (Mobekk 2016).
O golpe que removeu Aristide da presidência, em setembro de 1991, teve
importante participação e apoio de membros das FADH, de milícias e de outros
grupos sociais da “elite duvalierista” (Trouillot 1990; Jefferies 2001; Sprague
2012). Ao longo do movimento, membros da Agência de Defesa Haitiana e do
Serviço de Inteligência Nacional (criado com apoio financeiro dos EUA) tiveram
um relevante papel, assumindo depois posições de destaque no novo governo
liderado por uma junta militar (Weiner, Engelberg e French 1993; Engelberg
1994). Após o golpe, grupos militares, paramilitares e civis armados passaram
a efetuar atos sistemáticos de violência, como estupros e massacres, contra os
oponentes do regime e os apoiadores de Aristide, ações amplamente denunciadas
na imprensa internacional (Sprague 2012; Raspberry 1992). O episódio também
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aprofundou ainda mais o fluxo de refugiados haitianos que deixavam o país,
desde o final dos anos 1980, em sua quase totalidade para os EUA.
Logo após a retirada de Aristide, os militares norte-americanos iniciaram o
planejamento de diferentes ações para intervir no Haiti, antevendo a possibilidade
de conflito com as forças haitianas (Ballard 1998). Embora, diplomaticamente,
os EUA tenham atuado, desde o final do governo H. W. Bush, visando a articular
uma coalizão multilateral para a intervenção, com autorização de OEA e ONU,
da perspectiva operacional, as ações foram quase exclusivamente resultado das
ações norte-americanas (Kreps 2007; Ballard 1998).
Nesse contexto, a OEA adotou uma resolução instando todos os Estados a
suspenderem todo tipo de relações econômicas com o Haiti, com exceção daquelas
voltadas para a ajuda humanitária, destacando o pedido para não proverem
quaisquer tipos de assistência militar, policial ou de segurança (OEA 1991).
Uma ordem executiva dos EUA, em outubro de 1991, estabeleceu um embargo
unilateral, mas com exceção para alguns produtos de empresas norte-americanas.
Logo, esse embargo passou a ser contornado por, ao menos, mais 12 países,
principalmente a partir do território da República Dominicana (Malone 1997;
Bromley 2007). Embora não se saiba exatamente o papel dos EUA no que tange
à questão do embargo de armas, Nairn (1996) indica que, em meados de 1993,
houve o envio de alguns carregamentos com o intuito de apoiar a formação de
um grupo paramilitar opositor de Aristide.
Entre setembro de 1991 (retirada de Aristide) e outubro de 1994 (intervenção
da coalizão liderada pelos EUA), as pressões internacionais contra a junta militar
cresceram progressivamente. Em fevereiro de 1993, ONU e OEA aprovaram a
primeira missão conjunta para o Haiti com o objetivo oficial de monitorar a
garantia de direitos humanos e fortalecer as instituições judiciárias, policiais e
prisionais. No planejamento para a missão, os EUA já consideravam um envio
posterior de monitores policiais internacionais para o treinamento das forças de
segurança haitianas, formados por membros das polícias canadenses, francesas
e militares norte-americanos (Ballard 1998). Em 16 de junho de 1993, o CSONU
tomou unanimemente sua primeira decisão sobre o Haiti baseando-se no Capítulo
VII (ONU 1993a), com o objetivo declarado de fazer valer o mandato da missão
conjunta OEA/ONU (MICIVIH), para impor ao Haiti um embargo internacional
de petróleo e de armas (equipamentos, munições, veículos etc.).
Durante os dois anos em que esteve no exílio, nos EUA, Aristide liderou uma
ampla campanha política para influenciar membros no governo e no congresso
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norte-americano para que, de alguma forma, apoiassem sua recondução ao
Haiti na condição de presidente, especialmente após a vitória eleitoral de
Clinton em 1993. A política de repatriação forçada do governo norte-americano
frente ao crescente número de pessoas que deixavam o país, mantida durante
a presidência de Clinton, também teve um papel de grande importância no
aumento das mobilizações para a resolução da crise haitiana, principalmente
pela participação de grupos organizados da diáspora haitiana nos EUA e do Black
Caucus no Congresso. A questão também chegou à Suprema Corte, que decidiu
favoravelmente pela manutenção da política e gerou amplas condenações de
diversos atores internacionais, notavelmente do Alto-Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados (Malone 1997; Girard 2004).
Com o isolamento do governo e as pressões do embargo, Raoul Cedras,
comandante das FADH e líder da junta militar, sinalizou, em julho de 1993, que
iria realizar uma transição pacífica para o governo de Aristide ao assinar com
ele os Acordos da Ilha do Governador, mediados pelos EUA. No texto do acordo,
ambas as partes manifestaram concordância com a presença de funcionários da
ONU para a assistência à “modernização” das FADH e a criação de uma nova
polícia, com a concessão de anistia e a nomeação de um novo comandante
das FADH, por parte de Aristide, após a saída de Cedras do governo em 30
de outubro de 1993. Reforçando os termos do acordo, no dia 16 de julho,
parlamentares e membros da sociedade civil haitiana assinaram o Pacto de Nova
York, assegurando a tramitação urgente de uma lei para o estabelecimento de
uma nova força policial (ONU 1993b). Após a assinatura do acordo, o CSONU
suspendeu o embargo internacional, em 27 de agosto, sob a condição do seu
cumprimento (ONU 1993c).
Após solicitação de Aristide, em carta enviada ao Secretário-Geral da ONU,
em julho de 1993, estipulando os termos para a criação de uma nova força policial
e da profissionalização das FADH (ONU 1993d), o CSONU aprovou, em 23 de
setembro do mesmo ano, uma segunda missão, a United Nations Mission in Haiti
(UNMIH). Reforçando o apoio à transição para o governo de Aristide, o CSONU
determinou que os monitores policiais da ONU deveriam “prover orientação
e treinamento a todos os níveis da polícia haitiana, bem como monitorar o
modo pelo qual as operações seriam implementadas” (ONU 1993e), durante
um período inicial de seis meses, renováveis a partir de avaliação de progresso
feita pelo Secretário Geral. No dia 11 de outubro de 1993, o desembarque das
tropas norte-americanas e canadenses da UNMIH, a bordo de navio dos EUA,
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foi rechaçado no porto da capital haitiana por paramilitares e apoiadores do
regime. De acordo com Malone (1997), o governo Clinton teria calculado que
seria melhor evitar a reprodução, em larga escala, nas coberturas televisivas de
imagens dos soldados dos EUA mortos, tal como ocorreu, na semana anterior,
durante a ação na Somália.
Com o incidente militar, o CSONU rapidamente retomou os embargos ao
Haiti (ONU 1993f) e estabeleceu um bloqueio naval (ONU 1993g). Mesmo assim,
segundo Bromley (2007), a fronteira do Haiti com a Rep. Dominicana teria se
mantido relativamente aberta, registrando-se a passagem frequente de veículos
com poucos ou nenhum obstáculo, servindo como local potencial de envio de
armas. No final de julho de 1994, os EUA conseguiram autorização do governo
dominicano para realizar patrulhas na fronteira com o Haiti (Bromley, 2007).
Em maio de 1994, o governo Clinton emitiu a Decisão Diretiva Presidencial
25 para “Reforma de Operações de Paz Multilaterais” destacando que, sob certas
circunstâncias, a participação militar dos EUA é necessária “para persuadir
outros [Estados] a participarem em operações que sirvam os interesses dos EUA.
Com isso, pretendia esclarecer que a participação dos EUA poderia ser uma
forma de exercer influência sobre importantes missões da ONU sem assumir a
responsabilidade unilateralmente (US 1994).
De acordo com Cox (1983), as instituições internacionais incorporam regras
que facilitam a expansão da ideologia dominante e fornecem a justificativa
para a implantação de políticas neoliberais. Os princípios da “boa governança”
e da democracia liberal são apresentados como atributos morais obrigatórios
pela imposição de condicionalidades pelas instituições. As instituições e regras
internacionais são geralmente iniciadas pelo Estado dominante, o qual toma os
devidos cuidados de assegurar a aquiescência de outros Estados dentro de uma
estrutura informal de influência, que reflete os diferentes níveis de poder e que
fundamenta os procedimentos formais de decisão.
Apenas a partir dos meses de junho e julho de 1994 que o Comando do
Atlântico dos EUA passou a incluir no seu planejamento militar a criação de uma
força multinacional coordenada com a ONU e outras organizações internacionais,
visando a utilizar a UNMIH como uma força de continuação da intervenção
(Ballard 1998). Conforme documentos do Conselho de Segurança Nacional do
governo Clinton, a estratégia dos EUA seria utilizar, ao máximo, o envolvimento
multinacional, mas com a exclusividade do treinamento da nova força policial
feito principalmente pelo Programa Internacional de Assistência ao Treinamento
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em Investigação Criminal do Departamento de Justiça dos EUA (ICITAP)
(NSC 1994).
Em 15 de julho, após a embaixadora dos EUA na ONU, Madeleine Albright,
declarar que 11 países prometeram apoio à constituição de uma coalizão
internacional para a formação de uma força multinacional no Hait após a retirada da
junta militar, o Secretário-Geral da ONU, Boutros-Ghali, advertiu que a organização
não conseguiria viabilizar a formação e o financiamento dessa força e solicitou
aos EUA liderarem essa ação (Ballard 1998; ONU 1994). De acordo com Ballard
(1998), os comandantes militares da intervenção perceberam que o seu sucesso
seria avaliado pela longevidade da presidência de Aristide e pelapossibilidade
de promover as reformas judiciais e policiais como pilares fundamentais. Em
20 de julho de 1994, Albright pediu formalmente ao CSONU que autorizasse
a formação de uma força multinacional liderada pelos EUA no Haiti (Ballard
1998). Dez dias depois, o CSONU declarou que o “regime ilegal” (ONU 1994a:
item 3) do Haiti falhou em cumprir com as obrigações dos Acordos da Ilha do
Governador, e outras resoluções do próprio Conselho, e autorizou a criação
de uma “força multinacional sob comando e controle unificado a qual poderia
usar todos os meios necessários para facilitar a partida da liderança militar do
Haiti” e proporcionar a criação de “um ambiente seguro e estável que permitirá
a implementação dos Acordos da Ilha do Governador” (ONU 1994a: item 4).
Um mês depois, teve início a operação Uphold Democracy com 20.000 soldados
norte-americanos e outros 5.000 de 24 países diferentes.
O papel dos EUA na RSS do HAITI entre 1994 e 2001
Entre julho de 1993 e março de 2000, todas as missões autorizadas pelo
CSONU sobre o Haiti tiveram, dentre os seus objetivos declarados, a realização
da RSS. Ao longo desse período, apesar de Canadá, França e outros países terem
colaborado com a RSS, ela foi praticamente organizada e dirigida pelos EUA,
com importante atuação nas cidades de Porto Príncipe e Cap Haitien (Bailey,
Maguire e Pouliot 2002). Nas regiões rurais, as ações foram de desenvolvimento
de projetos na área de saúde pública e educação cívica, em conjunto com a
Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) (Benomar 2001).
Entre 1994 e 2001, sob direção e execução dos EUA, as FADH foram
completamente desmobilizadas e duas forças policiais (uma interina e a atual
João Fernando Finazzi; Reginaldo Mattar Nasser
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PNH) foram constituídas após uma série de cursos e treinamentos supervisionados
pelos monitores internacionais (Benomar 2001). Mesmo que seja difícil encontrar
os limites específicos de cada agência do governo dos EUA, por meio dos recursos
e das iniciativas do ICITAP, o DOJ foi responsável por várias dessas ações. Pode-
se citar: o treinamento dos monitores policiais internacionais e dos policiais
civis da ONU (os quais posteriormente treinaram a força interina de segurança
pública após a desmobilização das FADH); o treinamento de refugiados haitianos
que estavam na base de Guantánamo para compor as forças de segurança
nacionais; a composição dos treinadores e professores da academia da PNH; a
escolha e o veto daqueles que iriam compor a força de segurança — barrando,
inclusive, sugestões do próprio governo Aristide (Bailey, Maguire e Pouliot 2002;
Mendelson-Forman 2006).
À época, o próprio Secretário de Defesa dos EUA, William J. Perry, declarou
que o governo norte-americano também estava treinando a guarda presidencial
haitiana, que veio a fazer a segurança pessoal de Aristide (Ballard 1998). Contratada
pela USAID, a empresa privada de segurança MVM Inc. forneceu agentes para
compor a guarda durante um período de três meses (Girard 2004). Em outubro
de 1994, sob a direção de Raymond Kelly, os monitores policiais internacionais
iniciaram o processo de formação de uma força interina haitiana de segurança
pública em que parte dos membros foram identificados e selecionados a partir de
voluntários que então compunham as FADH (Ballard 1998; Mendelson-Forman
2006). Já em dezembro de 1994, essa força interina, que vigorou por um ano,
contava com 3.000 membros (ONU 1995). No período entre 1993 e 1998, 40%
(US$ 138 milhões) de toda a ajuda internacional dos EUA destinada à promoção
do rule of law na região da América Latina e Caribe foi para o Haiti. Globalmente,
o Haiti também foi o principal destino desse tipo de assistência durante esses
anos, com 14,2% do total (US$ 1999). Parte significativa dos recursos foi para
treinamento, equipamentos e construção da academia da PNH, notadamente
através do ICITAP (US 2000).
Diferentemente do que previam os Acordos da Ilha do Governador, Aristide
desmobilizou as FADH quando emitiu dois decretos no início de 1995: em 6
de janeiro, reduzindo a força para 1.500 membros e incorporando-a à polícia
interina, e em 25 de abril, consolidando a sua completa desmobilização
(Mendelson-Forman 2006). Durante esse período, os soldados se articularam em
diversos grupos organizados para defender a manutenção das FADH. Segundo
Mobekk (2001), a visão predominante entre os soldados dessas organizações
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era a de terem sido abandonados pelos oficiais superiores que se exilaram
durante o processo, que eram também vistos como coresponsáveis pela decisão
do governo Aristide de desmobilização. Por outro lado, o histórico de graves
violências por parte de militares partidários dos governos de Raoul Cedras e
dos Duvalier teria sido um dos principais elementos que motivaram, naquele
momento, várias mobilizações populares e apelos de ONGs e de grupos de
representação de classe haitianos favoráveis à dissolução completa do Exército
(Mobekk 2001). Embora não se possa excluir o papel de outras agências e
organizações internacionais, parte significativa dos esforços de desmobilização
esteve sob a supervisão e execução do ICITAP (Girard 2004; Bailey, Maguire e
Pouliot 2002).
Com a desmobilização das FADH, somente 1.500 dos seus 7.000 ex-membros
vieram a compor a nova PNH (Mobekk 2001). Apesar da oferta de cursos
profissionalizantes, em projeto conjunto da USAID e Organização Internacional
para as Migrações (OIM) para realizar a desmobilização das FADH, menos de
6% conseguiram trabalho por meio do programa (Dworken, Moore e Siegel
1997). A maioria recorreu a outras formas de obtenção de recursos, inclusive
com alguns criando, mantendo e aprofundando redes de extorsão, de tráfico de
drogas e armas, e de segurança privada. Outros se recusaram a reconhecer a
abolição das Forças Armadas, mantendo-se organizados de forma clandestina e
cultivando vínculos sociais com membros da nova PNH (Mobekk 2001; Sprague
2012; Cockayne 2009).
Isso significou que a desmobilização das FADH não havia alcançando os
objetivos declarados pela RSS de reestruturar as forças de segurança de um modo
que pudessem ser responsabilizadas perante um controle civil democrático, mas
serviu, conforme Eirin Mobekk (2001), como uma forma de auxiliar as forças
dos EUA em garantir a sua própria segurança durante a intervenção.
A nova PNH incluiu parte dos ex-membros das FADH e começou a ser
treinada em fevereiro de 1995. Os monitores provinham do governo dos EUA,
de empresas privadas de segurança (como DynCorp), da Real Polícia Montada
Canadense e da polícia francesa (Girard 2004; Bailey, Maguire e Pouliot 2002;
Mobekk 2001). As armas e os equipamentos também vieram, em sua maioria,
dos EUA, que sempre foram, ininterruptamente, os maiores exportadores para
o Haiti desde os anos 1980 (Muggah 2005). Parte do treinamento da polícia
haitiana consistiu na realização e no acompanhamento de rondas ostensivas
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e prisões, em conjunto com os policiais civis da ONU e as tropas militares, e
na supervisão diária dos trabalhos das delegacias na capital (Bailey, Maguire e
Pouliot 2002).
Embora o envio de recursos dos EUA tenha priorizado a desmobilização das
FADH e a formação da PNH (Mobekk 2001), o DOJ e a USAID realizaram uma
série de medidas relativas à reestruturação da justiça haitiana, promovendo cursos,
treinamentos, assistência e monitoria a juízes e promotores (Bailey, Maguire e
Pouliot 2002). Em termos gerais, o engajamento no Haiti foi um ponto de inflexão
e oportunidade para a aproximação da DynCorp com o DOS, momento em que
ela passou a atuar na realização de programas internacionais de RSS (Broder e
Rohde 2007). Segundo Ballard (1998), o DOJ não tinha funcionários treinados
para realizar as reformas legais no Haiti, e reservistas militares, cujos trabalhos
civis eram na área de justiça criminal, formaram equipes de treinamento com o
intuito de auxiliar nos esforços de RSS junto com o DOS. Em 1995, por exemplo,
o Comando do Atlântico, junto com a USAID e empresas privadas contratadas,
instituiuí vários programas com o objetivo de prover formação jurídica, catalogar
os magistrados e registrar o que entendiam ser as necessidades locais (Bailey,
Maguire e Pouliot 2002).
Oficialmente, a transição do comando de operações, no Haiti, da Força
Multinacional liderada pelos EUA para a missão da ONU (UNMIH) ocorreu em
março de 1995 e um grande número de tropas norte-americanas deixou o país em
1996. No entanto, os EUA continuaram não somente com um papel importante
de liderança militar da UNMIH, como também mantiveram o engajamento nas
ações de RSS. A partir de 1998, a responsabilidade principal do treinamento
da PNH começou a ser delegada aos novos oficiais haitianos que haviam sido
formados ao longo dos anos precedentes (Neild 1998). Entre 1996 e 2000, o ICITAP
continuou fornecendo as diretrizes que os monitores policiais da ONU teriam
para treinar a PNH, comandando o planejamento do treinamento de unidades
de elite com o objetivo declarado de combater o tráfico de drogas e controlar
multidões, fornecendo os equipamentos e veículos à PNH, além de participar na
construção de suas instalações (Keller 2010). Também em 1998, o governo do Haiti
firmou um contrato com a empresa privada de segurança norte-americana Steele
Foundation, formada, em sua maioria, por ex-soldados das forças especiais dos
EUA e oficiais de inteligência. A empresa ficou a cargo da Unidade de Proteção
Presidencial, efetuando inclusive treinamentos (Democracy Now 2004).
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A continuação do engajamento dos EUA na RSS do Haiti e a
crise de 2004
Desde o final dos anos 90, uma série de acontecimentos mostrava a
instabilidade permanente do sistema político haitiano. As eleições legislativas
de 1997 não foram aceitas pelo governo nem pela oposição, e a OEA qualificou
o pleito como “altamente questionável” (OEA 1998). Desde então, as eleições
foram continuamente postergadas até 2000. Durante esse período, o parlamento
haitiano bloqueou todas as tentativas de nomeação de um primeiro-ministro por
parte do presidente René Préval (eleito em 1995). Com o Parlamento dissolvido
em 1999, Préval passou a governar por decreto, aumentando a insatisfação da
oposição. Durante as eleições de 2000, a crise política se aprofundou quando o
Conselho Eleitoral Provisório mudou a fórmula na contagem de votos. Oposição
e OEA qualificaram a medida como inconstitucional e violadora da lei eleitoral
haitiana (OEA 2000). Os partidos de oposição boicotaram as eleições presidenciais
que ocorreram no final do mesmo ano e se recusaram a reconhecer a vitória que
levou novamente Aristide ao poder em 2001 (Gonzalez 2000).
O primeiro ano do segundo governo Aristide foi marcado por ataques
armados à Academia da PNH e ao Palácio Nacional, pela suspensão da ajuda
dos EUA e de outros doadores internacionais ao governo haitiano, pelo
cancelamento de empréstimos previamente acordados com o Banco Interamericano
de Desenvolvimento e pelo término da International Civilian Support Mission
in Haiti da ONU, que repercutiram imediatamente na economia do país
(Hallward 2004).
Mesmo assim, o final da missão não significou o fim do engajamento dos EUA
na RSS. Até a sublevação armada que retirou novamente Aristide da presidência,
em 2004, a USAID manteve atuação em conjunto com uma organização norte-
americana que desenvolvia ações de apoio a escolas de magistratura, treinamento
de jornalistas, desenvolvimento de redes de associações legais e de monitoramento
de direitos humanos, e promoção de reforma da justiça haitiana (USAID 2015).
A crise política se intensificou com o aumento da repressão aos protestos
de grupos organizados da oposição, como o Grupo dos 184 e a Convergence
Democratique, por parte da PNH e de outros grupos armados partidários de
Aristide (ONU 2004. Com o objetivo declarado de retirar Aristide da presidência,
o grupo paramilitar Front pour la Libération et la Reconstruction Nationale iniciou
uma campanha de ataques armados às delegacias policiais das pequenas vilas
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e cidades do Nordeste do Haiti (Sprague 2012; Hallward 2004). De acordo com
Sprague (2012), seus principais membros serviram, em algum momento, nas
forças de segurança haitianas, como FADH e PNH. Entre 2002 e 2004, as forças da
PNH que se encontravam nessas localidades passaram a não oferecer resistência,
abandonando seus postos ou, em alguns casos, integrando a insurgência junto
com outros grupos armados como as “gangues urbanas” e milícias (que também
disputavam entre si o controle local), enquanto mobilizações de massa ocorriam
em Porto Príncipe (Sprague 2012; ONU 2004).
As “gangues urbanas” haitianas são vistas, em alguns círculos sociais, como
grupos armados legítimos e se relacionam com as disputas partidárias do Haiti
em vários níveis de governo. Seja a partir de alianças, seja de bases de militantes
ou forças de autodefesa, com formas de atuação que variam ao longo do tempo
a partir da conjuntura política e econômica (Kolbe 2013; Kovats-Bernat 2006).
Trata-se, muitas vezes, de grupos que se constituíram ao redor de redes do
narcotráfico internacional,que executam ações de extorsão, sequestro e homicídio,
além de servirem também como forças de defesa frente às violências cometidas
pela PNH, FADH, paramilitares ou outros grupos armados (Kolbe, 2013).
É preciso destacar que, em fevereiro de 2004, já tendo a oposição dominado
grande parte das cidades e se aproximado de Porto Príncipe, Aristide, um pouco
antes de ser deposto, pediu, sem sucesso, o apoio da “comunidade internacional”
para ajudar a conter a insurgência, com o apoio à PNH (Cosgrove-Mather 2004).
No mesmo dia em que Aristide deixou o país, 29 de fevereiro de 2004, o CSONU
autorizou o envio de uma força multinacional para estabilizar o Haiti e “facilitar
o fornecimento de assistência internacional à polícia haitiana”, declarando
também a sua posterior substituição por uma força da ONU em menos de
3 meses (ONU 2004a). Para os militares norte-americanos, era o início da operação
Secure Tomorrow.
Conclusão
Como pudemos observar, a RSS do Haiti, desenvolvida pela coalizão
internacional liderada pelos EUA, não evitou a crise política nem a sublevação
armada dos anos 2000. Além disso, esteve longe de construir um setor de segurança
sob controle civil democrático e que garantisse o respeito aos direitos humanos.
Pelo contrário, os militares desmobilizados e parte da PNH formada, treinada e
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equipada pelos EUA tiveram um papel central nos acontecimentos que levaram
à retirada de Aristide em fevereiro de 2004 (Sprague 2012). Frente a isso, parte
da literatura tem priorizado a discussão em torno da falta de um “acordo” entre
as elites nacionais e de um contínuo engajamento internacional na forma de
operações de paz com mandatos ainda mais longos e assertivos. Autores como
Mobekk (2016); Sprague (2012); Cockayne (2009); Donais (2005) reconhecem e
destacam o papel político que os diversos atores armados da sociedade haitiana
(“gangues” urbanas, policiais, ex-militares, paramilitares, seguranças privados)
desempenharam nos níveis local, regional e nacional ao exercer simultaneamente
funções de provimento de assistência social nos bairros pobres; defesa contra
a violência de outros grupos armados; bases partidárias e militantes; meios de
ascensão socioeconômica para seus membros; e forças de achaque contratáveis
para se contrapor a adversários políticos ou econômicos.
Com este artigo, pretendemos contribuir com o debate sobre a RSSanalisando
as dinâmicas da atuação dos EUA no Haiti, destacando o encadeamento de alguns
acontecimentos que indicam a manutenção de um longo padrão estratégico na
busca dos Estados por influência política e domínio de territórios. Não podemos
supor que ao longo dos anos analisados não houve resistências a esses esforços,
seja por parte de grupos organizados da sociedade civil haitiana, seja a partir de
articulações transnacionais, com ou sem a participação de governos. Evitando
qualquer pretensão de uma leitura teleológica ou simplista de um processo
histórico complexo, almejamos demonstrar que a continuidade da implementação
da RSS, por meio de operações multinacionais no Haiti, ofereceu a vantagem
estratégica para os EUA de compartilhar os custos políticos da missão com
atores estatais e não estatais, contribuindo com a criação de uma percepção de
coresponsabilidade pelas ações.
Ainda que se reconheça a participação de outros atores, a RSS do Haiti,
entre 1994 e 2004, foi um empreendimento sustentado fundamentalmente pelos
EUA. A elaboração de planos para uma intervenção militar assim que acontece o
golpe de 1991; a atuação diplomática em OEA e ONU; a presençade Aristide nos
EUA para que o governo norte-americano favorecesse sua recondução ao cargo;
o deslocamento de navios para o Caribe para o cumprimento dos embargos; o
envio expressivo do maior número de tropas; o comando militar da operação
-indicavam a importância dos EUA no momento daintervenção. Posteriormente,
com o desembarque de tropas militares e policiais no Haiti, a liderança quase
exclusiva dos EUA continua se manifestando na implementação pelo ICITAP e
João Fernando Finazzi; Reginaldo Mattar Nasser
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pela USAID dos esforços de RSS, visando a reestruturar completamente o setor
de segurança haitiano.
Essa vantagem estratégica já era reconhecida na Decisão Diretiva Presidencial
25 do governo Clinton (US 1994), segundo a qual a participação dos EUA nas
missões da ONU ofereceria a possibilidade de influenciar e, ao mesmo tempo, diluir
entre os outros Estados e agências as possíveis percepções de uma responsabilização
unilateral dos EUA. Ou seja, a presença de contingentes militares de outros
Estados mostrava a vantagem de transmitir uma imagem aos haitianos de que
a intervenção não era uma ação unilateral dos EUA (US 1997).
Assim, podemos concluir que as considerações estratégicas dos EUA sobre a
atuação da UNMIH diziam respeito ao potencial que ela teria para aparecer como
representante da chamada “comunidade internacional” a partir do posicionamento
da ONU e de pressões em Washington frente à crescente crise de refugiados
haitianos. O envolvimento da OEA também poderia reduzir as percepções
potencialmente negativas da influência dos EUA no Caribe, as quais teriam se
deteriorado após as invasões de Granada (1985) e Panamá (1989).
Para os EUA, mesmo que a RSS não tenha concretizado seus fins declarados,
diferentemente do que se supõe ser a realização de um “interesse nacional” stricto
sensu, e independente das forças sociais em disputa, é possível identificar que as
ações intervencionistas ao longo dos anos 1990 trouxeram ganhos significativos
(políticos, econômicos ou de prestígio) para alguns atores norte-americanos
com capacidade de influenciar a ação do Estado. A RSS, enquanto estratégia de
atuação, além de auxiliar na intervenção e servir como o teste de um projeto de
construção de Estado que se justificava no discurso da “paz liberal”, também
ajudou a promover várias empresas privadas que passaram a atuar na indústria
da segurança globalmente.
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