Thales Leonardo de Carvalho; Jéssica Silva Fernandes; Carlos Aurélio Pimenta de Faria
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 2, e1112, 2021
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Organizações Internacionais e
Políticas Públicas Nacionais: variáveis
organizacionais e instrumentos
de difusão
1
International Organizations and
National Public Policies: organizational
variables and diffusion instruments
Organizaciones Internacionales y
Políticas Públicas Nacionales: variables
organizacionales e instrumentos
de difusión
DOI: 10.21530/ci.v16n2.2021.1112
Thales Leonardo de Carvalho
2
Jéssica Silva Fernandes
3
Carlos Aurélio Pimenta de Faria
4
Resumo
Este trabalho se propõe a avançar, de uma maneira hipotética
e dedutiva, no debate acerca do papel das OIs na difusão de
políticas públicas. Através de uma análise das literaturas sobre
1 O artigo contou com o financiamento da Coordenação para o Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
2 Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.
(thalesleo1@gmail.com). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4410-1367.
3 Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais.
(jessicasfernandes@gmail.com).
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0786-834X.
4 Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ. Professor do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais e do curso de Relações Internacionais da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Minas Gerais, Brasil.
(carlosf@pucminas.com). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1776-6064.
Artigo submetido em 08/09/2020 e aprovado em 21/12/2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ISSN 2526-9038
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organizações internacionais, análise de políticas públicas e difusão de políticas públicas,
discutiremos o papel das seguintes variáveis no emprego dos diferentes instrumentos,
por parte dessas organizações, para a difusão: (a) a atuação das OIs nos vários campos
da intervenção governamental; (b) e nas distintas “etapas” do processo de produção das
políticas; (c) os distintos temas, tipos e graus de democratização das OIs; (d) os níveis e
formas de autoridade das mesmas.
Palavras-chave: Organizações Internacionais; Difusão de Políticas Públicas; Transferência
de Políticas Públicas; Análise de Políticas Públicas.
Abstract
This paper aims to contribute, in a hypothetic-deductive way, to the debate about the role
of IOs in policy diffusion. We conduct a literature review on works about international
organizations, public policy analysis and policy diffusion. We discuss the role of the
following variables in IO’s policy diffusion instruments: (a) the IOs action in the different
governmental fields; (b) the distinct stages of the policy cycle; (c) the diverse issues, types
and democratization levels of the IOs; (d) and the levels and types of the authority of
these institutions.
Keywords: International Organizations; Policy Diffusion; Policy Transfer; Public Policy
Analysis.
Resumen
Este artículo propone avanzar, de una manera hipotética y deductiva, en el debate acerca
del rol de las OIs en la difusión de políticas públicas. Mediante un análisis de la producción
académica sobre organizaciones internacionales, análisis de políticas públicas y difusión
de políticas públicas, discutiremos el papel de las siguientes variables en el empleo de los
diferentes instrumentos, por parte de las organizaciones, para la difusión: (a) la actuación
de las OIs en los diversos campos de la intervención gubernamental, (b) y en las distintas
etapas” del proceso de producción de políticas; (c) los diversos temas, tipos, y grados de
democratización de las OIs; (d) los niveles y formas de autoridad de estas organizaciones.
Palabras-clave: Organizaciones Internacionales; Difusión de Políticas Públicas; Transferencia
de Políticas Públicas; Análisis de Políticas Públicas.
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Introdução
No último século, presenciamos um crescimento quantitativo e qualitativo
das organizações internacionais (OIs) ao redor do mundo, que têm atuado
sobre uma quantidade cada vez maior de temas. Essas organizações consistem,
basicamente, em burocracias criadas pelos Estados para atuarem na coordenação
de expectativas e ações coletivas entre eles, na busca por objetivos comuns
entre seus membros. Ao buscar essa coordenação, elas têm crescentemente
influenciado na adoção de políticas públicas (PPs) por parte dos Estados
nacionais.
Em paralelo, o Estado nacional tem passado a se responsabilizar por um
leque cada vez maior de problemas ou questões, de maneira direta ou indireta,
atuando como promotor, regulador, financiador e/ou provedor. Dito de outra
maneira, multiplicaram-se também os campos de intervenção estatal no plano
intranacional, o que se reflete não apenas na forma de estruturação do Estado,
mas também na sua demanda por legitimação, expertise e outros recursos –
elementos esses que podem ser providos pelas OIs.
Nesse contexto, as OIs têm apresentado uma notável capacidade de difundir
políticas públicas
5
do nível internacional para o ambiente doméstico. Essa percepção
tem sido estudada por autores como Barnett e Finnemore (2004), Jakobi (2009),
Joachim, Reinalda e Verbeek (2008), Faria (2018), entre outros. Esses trabalhos
têm nos apresentado variadas maneiras para compreender como as OIs têm
atuado nesses processos.
Havendo já alguma literatura que nos apresente como as organizações
internacionais atuam para difundir políticas públicas ao redor do mundo,
entendemos que é momento de avançar nessa discussão. Nesse sentido, o que
propomos neste trabalho é identificar, de forma hipotética e dedutiva, condições
que propiciem a utilização dos diferentes instrumentos para difundirem políticas
públicas por parte dessas instituições
6
. Procuramos, através de uma discussão
baseada na literatura existente sobre a atuação das OIs enquanto difusoras
de PPs e sobre a difusão/transferência de políticas públicas, identificar o que
influencia na utilização desses instrumentos. Para uma melhor sistematização
5 Por difusão e transferência, fazemos referência ao processo por meio do qual um ator adota uma política
baseada em algo sugerido ou já praticado em outra localidade e/ou período.
6 Ao nos referirmos a essas instituições, incluímos também a atuação de seus mais diversos órgãos.
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do argumento, focaremos em quatro eixos de condicionantes do emprego das
referidas ferramentas de atuação, baseados na literatura. São eles: (a) a atuação
das OIs nos vários campos da intervenção governamental; (b) e nas distintas
etapas” do processo de produção das políticas; (c) os distintos temas, tipos e
graus de democratização das OIs; (d) o a autoridade das mesmas.
Para atender aos objetivos propostos, este trabalho se organiza da seguinte
maneira: primeiro, faremos uma exposição sobre os instrumentos que as OIs
podem se utilizar para difundirem políticas públicas, avançando em uma
tipologia – baseada na literatura existente – e explicando cada um deles.
Em seguida, identificamos como as variáveis contidas nos eixos elencados
interagem com o uso desses instrumentos. Abordaremos, primeiro, o papel do
tipo da política pública a ser difundida, seguido da atuação das OIs em cada
etapa do processo de formulação das PPs. Em seguida, discutiremos como as
diferentes organizações internacionais se utilizam desses instrumentos. Por fim,
trataremos como a autoridade dessas instituições interfere no emprego dessas
ferramentas.
Os instrumentos utilizados pelas OIs para difundirem políticas
públicas
Na busca por determinados objetivos comuns, as OIs possuem diplomatas
em seu corpo burocrático, para auxiliar nas negociações junto a outros atores e
especialistas que atuam no molde de informações, coleta de dados e tratamento
científico dos mesmos (Littoz-Monnet 2017; Pouliot e Thérien 2018). Isso lhes
tem permitido desenvolver um papel importante na difusão de normas e saberes
técnicos ao redor do mundo, acrescentando informações que podem influenciar
a tomada de decisões nos Estados nacionais no que diz respeito às mais diversas
políticas públicas.
Ao considerar as OIs enquanto burocracias internacionais, sublinhamos o
fato de que as mesmas não constituem atores monolíticos, havendo dilemas
políticos que acompanham o processo decisório nas OIs em suas diferentes
temáticas. Em contextos cujas políticas formuladas podem representar alguma
ameaça aos grandes membros doadores das OIs, notamos que estes podem se
tornar atores pivotais de modo à trazer obstáculos aos programas e projetos
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que vem sendo desenvolvidos pelas mesmas
7
. Há também embates internos
entre atores e representantes dessas organizações. Um exemplo são os desafios
atualmente enfrentados por Qu Dongyu, diretor da Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de origem chinesa, frente aos
entraves impostos pelos Estados Unidos à sua gestão. No entanto, a despeito
desses eventuais obstáculos, as OIs seguem constituindo-se como importantes
atores nos processos de difusão de políticas públicas
8
.
Nesse sentido, as organizações internacionais recomendam, frequentemente,
o que conhecemos como “good” ou “best practices. Ainda que não haja uma
definição consensual na literatura, de modo geral, essas práticas consistem em
medidas formalmente consideradas eficazes pelas OIs, com base em avaliações
técnicas, para que se alcance um determinado objetivo, seja em nível doméstico
ou internacional (Klein, Laporte e Saiget 2015). Essas recomendações geram,
em diversos casos, transferências de políticas aos interessados.
Para conseguirem fazer com que diversos atores adotem essas práticas, bem
como fiscalizar esses processos, as organizações internacionais se utilizam de
diversos meios. Dolowitz e Marsh (2000) e Marsh e Sharman (2009), dentre
outros autores, destacam que essas difusões de políticas podem ocorrer tanto
pelo desejo dos atores, que, racionalmente, decidem adotar determinadas práticas
(learning), quanto por medidas coercivas impostas pelas OIs (coercion), passando
pela busca por legitimidade (emulation), pela competição na busca de certos
incentivos (competition), entre outros. Ao se utilizarem desses meios, essas
organizações recorrem a certos instrumentos, entendidos aqui como ferramentas
através das quais as OIs se comunicam com um determinado ator, ou facilitam
a comunicação entre atores, propiciando a difusão de determinadas práticas
9
.
A literatura nos apresenta diversas ferramentas utilizadas pelas organizações
internacionais para atuarem nesses processos. Finnemore (1993) destaca, por
exemplo, o papel dos funcionários de OIs em convencer os policy-makers (tanto
7 Exemplos são as suspensões, por parte dos Estados Unidos, às contribuições à Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO [em 1980 e 2011, ver Lopes e Fernandes (2014)] e
à Organização Mundial da Saúde – OMS, em 2020 (Hudson, Dawsey e Mekhennet 2020).
8 Alguns desses embates serão tratados, de forma intrínseca, neste artigo, seja por aumentarem o grau de
conflitividade em torno de certas políticas, seja por afetarem o nível de autoridade de uma OI.
9 Partimos do pressuposto de que uma organização internacional não difunde apenas políticas por ela criadas,
mas também práticas consideradas exemplares já implementadas por outros atores, colocando em contato
diferentes unidades (Nay 2012). Assim, as OIs podem atuar tanto como origem quanto intermediárias no
processo de difusão de políticas públicas.
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políticos quanto burocratas) estatais a adotarem uma determinada prática, bem
como ensiná-los sua implementação.
Bauhr e Nasiritousi (2012) e Graham, Shipan e Volden (2013) sublinham o
papel das OIs na produção de rankings, na imposição de padrões para a adesão
de novos membros (induzindo-os a adotarem certas práticas para serem aceitos)
e na promoção de interação entre atores (em conferências e workshops, por
exemplo). No caso de algumas instituições, existe ainda o poder de coerção, com
a promoção de sanções ou, até mesmo, o uso da força militar – como no caso da
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e do Conselho de Segurança
das Nações Unidas (CSNU), enquanto órgão da Organização das Nações Unidas
(ONU). Stone (2004) destaca também o papel do auxílio financeiro prestado
pelas OIs como impulsor da difusão de políticas públicas, atuando como um
incentivo nesse processo.
Os argumentos apresentados pelos autores se complementam, consistindo
em meios diferentes de atuação das OIs enquanto difusoras de políticas públicas.
Há ainda mecanismos não citados, como a assistência técnica, dentre muitos
outros. Para compreendermos melhor a ampla gama de ferramentas utilizadas por
essas instituições, é importante estabelecermos uma tipologia que compreenda
os diferentes instrumentos, agrupando-os em diferentes categorias.
Em uma reflexão sobre o papel dessas organizações na implementação de
políticas públicas, Joachim, Reinalda e Verbeek (2008) propõem três approaches
para a atuação das mesmas: enforcement, incluindo as sanções e a ideia de
naming and shaming
10
; management, considerando a capacidade das OIs de
monitorar as políticas públicas desenvolvidas pelos Estados e, eventualmente,
prover assistência (técnica e financeira) nesse processo; e um approach
normativo, que parte da legitimidade e da autoridade que essas instituições
possuem diante dos policy-makers e das populações em geral para atuarem nesses
processos.
Apesar de esclarecedora, a proposta de Joachim, Reinalda e Verbeek (2008)
torna-se inviável para os nossos propósitos por algumas razões. Primeiro, pois
procuramos aqui explorar a atuação das OIs em outras fases do ciclo das políticas
públicas, para além da implementação. Além disso, como vamos expor mais
10 Entendemos aqui como naming and shaming um instrumento através do qual uma OI expõe ao escrutínio
público atores que não estejam agindo conforme determinado por seus padrões (Joachim, Reinalda e
Verbeek 2008).
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adiante, entendemos que a autoridade e a legitimidade de uma organização
não são formas através das quais elas podem atuar, mas sim fatores que podem
facilitar a atuação das mesmas através de certos instrumentos.
Tomaremos como base, então, a tipologia proposta por Jakobi (2009) por
entender que a mesma consegue contemplar as diferentes formas de atuação das
OIs nos processos estudados. A autora agrupa os instrumentos adotados pelas
organizações internacionais nesses processos em cinco categorias: disseminação
discursiva, formação de padrões, funções coordenativas, meios financeiros e
assistência técnica.
A disseminação discursiva consiste na transmissão de ideias e boas práticas
sobre diversas temáticas para os policy-makers dos Estados e, quando possível,
para os próprios cidadãos, organizações não-governamentais, movimentos sociais
e outros. Justamente por seu caráter mais brando, de apenas inserir certas
concepções no raciocínio estratégico dos indivíduos, tende a preceder o uso dos
demais instrumentos (Jakobi 2009). Um exemplo é o trabalho da UNESCO ao
convencer membros do governo libanês a implementar determinadas políticas
que priorizassem a ciência, levando esse discurso, utilizado pela instituição
(Finnemore 1993).
Algumas dessas ideias acabam se institucionalizando e se tornando padrões.
Essa formação de padrões pode ser percebida quando uma organização
internacional atua na elaboração de convenções, regras ou recomendações. Ao
contrário da disseminação discursiva, começa-se a perceber uma capacidade de
regulação, por parte das OIs, tornando esperado que os Estados adotem o que é
sugerido por elas (Jakobi 2009). Exemplo disso são as conferências, organizadas
pelas OIs para levar à tomada de decisão coletiva, produzindo regras e padrões
(Pouliot e Thérien 2018).
Dependendo do resultado dos padrões estabelecidos, as organizações
internacionais podem assumir o papel de monitorar a adoção dos mesmos, na
busca pela coordenação das ações de seus membros. Assim, através de suas funções
coordenativas, podem, inclusive, propor sanções a Estados que descumpram
os padrões estabelecidos (Jakobi, 2009). Essas funções compreendem desde a
elaboração de rankings (Bauhr e Nasiritousi 2012) até inspeções de instalações
estatais, resolução de controvérsias entre os mesmos e o uso de meios militares
(Graham, Shipan e Volden 2013), além do naming and shaming (Joachim,
Reinalda e Verbeek 2008).
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Para induzir os Estados a implementarem as políticas por elas propostas,
as OIs podem prover, também, meios financeiros para auxiliá-los, através de
doações ou da provisão de empréstimos. Por fim, essas organizações podem
prestar assistência técnica a um ator, visando a reforçar suas capacidades para
a implementação de determinadas medidas (Jakobi 2009).
A tipologia proposta por Jakobi (2009) contempla o que tem sido proposto pela
literatura ao longo do tempo. No entanto, destacamos o caráter institucionalista
da mesma ao abordar, basicamente, os meios formalmente institucionalizados
de ação desses atores. Se pretendemos elaborar uma tipologia dos instrumentos
utilizados por essas organizações enquanto difusoras de políticas públicas, seria
um erro de nossa parte ignorar o papel das práticas informais que podem ser
utilizadas no âmbito das OIs. Pouliot e Thérien (2018) destacam, por exemplo,
o papel das conferências internacionais sobre diversos temas, organizadas
por determinadas OIs. Durante esses encontros, para além da formulação de
padrões em documentos finais divulgados como frutos das discussões, os debates
permitem a circulação de políticas entre os participantes por meio de diálogos
informais.
Para além das conferências, Pereira et al (2018) e Agostinis (2019) notam, por
exemplo, que, no âmbito do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da União de
Nações Sul-Americanas (UNASUL), o simples fato de permitir que policy-makers
ocupem espaços comuns, permitindo o diálogo entre eles, tem possibilitado o
compartilhamento de práticas e a consequente difusão de políticas entre seus
membros. Nesse sentido, para além dos tipos de instrumentos mencionados,
é importante propormos ainda uma sexta categoria: a abertura de espaços
para diálogos, mesmo que em espaços informais. Torna-se, assim, mais fácil
a comunicação entre esses policy-makers e, consequentemente, a circulação
de políticas entre os mesmos. Apresentamos então, no quadro abaixo, uma
tipologia para a compreensão do que entendemos aqui como instrumentos através
dos quais as organizações internacionais podem atuar na difusão de políticas
públicas.
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Quadro 1 – Tipologia de instrumentos de atuação das OIs na
difusão/transferência de políticas públicas
Tipo de instrumento Atividades realizadas pelas OIs Exemplos
Abertura de espaços
para diálogos
Contatos propiciados entre
policy–makers de diferentes
países, bem como experts e
membros da sociedade civil.
A criação de redes na UNASUL
que catalisaram o processo de
aprendizagem de sistemas de saúde
sul-americanos.
Circulação das leis migratórias
argentinas entre os membros do
Mercosul.
Disseminação
discursiva
Proposição de ideias e agendas
entre seus membros, diálogos
entre funcionários das OIs e
policy-makers estatais.
Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODMs), difundidos pela
ONU.
Formação de padrões Elaboração de recomendações,
diretrizes, propostas de
convenções e tratados.
O Consenso de Washington,
proposto por FMI e Banco Mundial
nas décadas de 1980 e 1990.
Funções
coordenativas
Inspeções, visitas, elaboração de
rankings e comparações entre
atores, solução de controvérsias,
critérios para adesão de novos
membros, propostas de sanções
e uso de meios militares,
naming and shaming.
Inspeções da AIEA em instalações
nucleares, sistema de resolução de
controvérsias da OMC.
Meios financeiros Doações
Empréstimos (com ou sem
condicionalidades)
Empréstimos do FMI, sob
condicionalidades (ajustes
econômicos).
Assistência técnica Treinamentos
Cursos
Treinamentos providos pela AIEA
em relação a instalações nucleares.
Fonte: elaboração própria, baseada em Jakobi (2009)
As OIs como difusoras em meio à diversidade das políticas
públicas
Se a política pública pode ser definida como o “Estado em ação” (Jobert
e Muller 1987), essa ação é normalmente pensada, no âmbito da Análise de
Políticas Públicas, como envolvendo distintas políticas ditas “setoriais”. Nesta
seção, o nosso objetivo é discutir de que maneira os diferentes tipos de políticas
públicas tendem a influenciar no emprego dos seis instrumentos de difusão
apresentados e discutidos anteriormente por parte das OIs.
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O esforço dos analistas no sentido de classificar as políticas públicas é já
antigo, mas ainda há muita controvérsia nessa seara. Não pretendemos aqui
fazer um levantamento exaustivo das inúmeras classificações e de suas polêmicas
(para uma discussão panorâmica, ver Souza 2010). Para os nossos objetivos neste
artigo, será suficiente mencionarmos algumas das tipologias mais tradicionais
e exemplificar a sua grande variabilidade.
Inicialmente, cabe recordarmos que as políticas públicas variam não apenas
segundo o seu objeto. Se há distintas políticas ditas setoriais (nas áreas da educação,
da saúde, do desenvolvimento, da agricultura, entre tantas outras), elas também
podem ser classificadas, entre outros, segundo os atores envolvidos no seu processo
de produção, de acordo com os objetivos da ação estatal e segundo o seu impacto.
A tipologia proposta por Theodor Lowi (1964; 1972), há muitas décadas,
continua eventualmente relevante. Lowi classifica as políticas como regulatórias,
distributivas, redistributivas e constitucionais (ou constituintes). Por vezes, as
políticas ditas preventivas são contrapostas às compensatórias, as focalizadas às
universais, as alocadoras às produtivas, as setoriais às transversais, as locais e
nacionais às globais, as adaptativas às de controle, as conjunturais às estruturais e
as alocativas às estruturais (Souza 2010). Hayes (1978), por seu turno, distingue seis
categorias, quais sejam: políticas de não interferência, políticas de autorregulação,
políticas de distribuição, políticas de nãodecisão, políticas de regulação e políticas
de redistribuição.
Não pretendemos aqui, obviamente, propor qualquer forma de organização
desta Babel classificatória. Conscientes, porém, da grande diversidade das políticas
públicas e das várias classificações existentes, importa salientarmos algumas das
principais maneiras como a atuação das OIs como difusoras de políticas pode
variar em função da diversidade das políticas adotadas no plano nacional. Para
tanto, no restante desta seção, buscaremos entender como os seis instrumentos
utilizados pelas OIs na sua atuação como difusoras de políticas públicas podem
ser pensados em relação às cinco variáveis apresentadas abaixo. Essas variáveis
informam, em grande medida, as classificações há pouco mencionadas.
A. Custos e benefícios da política pública.
B. Graus de conflitividade envolvidos.
C. Graus de complexidade técnica de seu objeto e das próprias políticas.
D. Graus de incerteza do campo e da intervenção.
E. Grau de inovação da política pública.
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Os quadros apresentados a seguir têm o objetivo de sintetizar nossa percepção
acerca da necessidade do uso dos seis instrumentos de difusão de acordo com a
variação das políticas públicas em questão, levando em consideração o objetivo de
qualquer OI de maximizar a eficiência e a eficácia de sua atuação. Reconhecemos
que as ferramentas utilizadas pelas organizações internacionais poderiam ser
questionadas não apenas segundo a sua maior ou menor necessidade. No entanto,
em função do espaço de que dispomos e do caráter dedutivo do estudo, recorremos
a uma apresentação mais esquemática dessas relações.
Os instrumentos de difusão utilizados pelas OIs e os custos e benefícios
da política pública
De maneira muito geral, podemos dizer, espelhando toda uma tradição
analítica, que tanto os custos quanto os benefícios de uma politica pública podem
ser difusos ou concentrados. Nesses casos, os distintos instrumentos de difusão
utilizados pelas OIs serão mais ou menos necessários (ou mesmo neutros), como
apresentamos nos Quadros 2 e 3, a seguir.
Quadro 2 – Necessidade dos instrumentos de difusão
segundo os custos da política pública
Tipo de instrumento Custos difusos Custos concentrados
Abertura de espaços para diálogos Menor (necessidade) Maior (necessidade)
Disseminação discursiva Menor ou Neutro Maior
Formação de padrões Menor ou Neutro Maior
Funções coordenativas Menor ou Neutro Maior
Meios financeiros Menor ou Neutro Maior ou Neutro
Assistência técnica Neutro Neutro
Fonte: elaboração própria, 2021.
Quadro 3 – Necessidade dos instrumentos de difusão
segundo os benefícios da política pública
Tipo de instrumento Benefícios difusos Benefícios concentrados
Abertura de espaços para diálogos Menor (necessidade) Maior (necessidade)
Disseminação discursiva Menor ou Neutro Maior
Formação de padrões Menor ou Neutro Maior
Funções coordenativas Menor ou Neutro Maior
Meios financeiros Maior Maior ou Neutro
Assistência técnica Maior ou Neutro Neutro
Fonte: elaboração própria, 2021.
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Os Quadros 2 e 3 sugerem que quando os custos da política a ser implantada
são difusos, tende a ser menor a necessidade de cinco dos seis instrumentos de
difusão utilizados pelas OIs. Por outro lado, quanto mais concentrado o seu custo,
maior a necessidade daqueles instrumentos, tendo em vista a maior necessidade
de legitimá-los a seus pagadores. Já no caso específico dos benefícios, parece
não haver um padrão claro quando esses são difusos. Por outro lado, quando
os benefícios da política são concentrados, parece haver mais necessidade de
todos os tipos de instrumento de difusão, menos de assistência técnica.
Note-se, porém, que essas são tendências derivadas do reconhecimento de
que quando os custos e os benefícios são concentrados, espera-se maior oposição
daqueles que irão arcar com esses custos ou que sejam em maior número os
pontos de veto por parte de atores que não se entendem como beneficiários.
A comprovação dessas tendências, contudo, depende de pesquisa empírica que
não pode ser realizada para este trabalho.
Os instrumentos de difusão das OIs e os graus de conflitividade das
políticas públicas
De uma maneira geral, é possível afirmarmos que a adoção de diferentes
políticas públicas envolve distintos graus de conflitividade na sociedade e entre
os agentes políticos nacionais, a depender de uma multiplicidade de fatores
que não cabe aqui discutirmos. Essa variável está, certamente, associada à
problemática dos custos e benefícios da política, sendo também fundamentais
os mecanismos institucionais existentes no plano nacional para o processamento
desses conflitos durante o processo de produção das políticas públicas. Seja
como for, parece razoável pensarmos que, em suas linhas gerais, a adoção de
uma política pública vai envolver mais ou menos conflito. E, como apresentado
no quadro abaixo, é de se esperar que políticas que geram maior conflito para
serem adotadas demandem um maior emprego dos instrumentos por parte
das OIs do que aquelas em que há maior consenso. Isso ocorre, pois, tendo
em vista a maior resistência na implementação dessa política, seria necessário
maior diálogo com os envolvidos, bem como o uso de outras ferramentas que
possibilitem essa implementação.
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Quadro 4 – Necessidade dos instrumentos de difusão segundo o grau
de conflitividade da política pública
Tipo de instrumento Maior Conflitividade Menor conflitividade
Abertura de espaços para diálogos Maior (necessidade) Menor
Disseminação discursiva Maior Menor ou Neutro
Formação de padrões Maior Menor ou Neutro
Funções coordenativas Maior Menor ou Neutro
Meios financeiros Maior ou Neutro Menor ou Neutro
Assistência técnica Maior ou Neutro Menor ou Neutro
Fonte: elaboração própria, 2021.
Os instrumentos de difusão das OIs e os graus de complexidade técnica,
incerteza e de inovação das políticas públicas
Por acreditarmos que a necessidade dos distintos tipos de instrumentos de
difusão varia de maneira semelhante nos casos de políticas públicas nacionais que
envolvem uma maior ou menor complexidade técnica, mais ou menos incerteza
e que são mais ou menos inovadoras, agrupamos todas essas variáveis no
Quadro 5, da próxima página. Inclui-se aqui a noção de que uma maior clareza
nas proposições, regras e instruções, ao longo dos processos de difusão de políticas
públicas, tende a demandar menos o emprego dos instrumentos estudados,
tornando mais fácil o processo. Por outro lado, é exatamente nos casos de
maior complexidade da política e de seu objeto, de maior incerteza e quando
o grau de inovação da política é mais elevado que a autoridade epistêmica
11
ou a expertise acumulada das OIs e seus mais diversos instrumentos tendem a
ser mais cruciais, bem como as diferentes ferramentas disponíveis a elas para
atuarem nesses processos (Barnett e Finnemore 2004).
11 A autoridade epistêmica será melhor trabalhada mais adiante.
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Quadro 5 – Necessidade dos instrumentos de difusão segundo os graus de
complexidade, de incerteza e de inovação da política pública
Tipo de instrumento
Políticas Públicas Políticas Públicas
+ complexas
> incerteza
> grau de inovação
– complexas
< incerteza
< grau de inovação
Abertura de espaços para diálogos Maior (Necessidade) Menor (Necessidade)
Disseminação discursiva Maior Menor
Formação de padrões Maior Menor
Funções coordenativas Maior Menor
Meios financeiros Maior Menor
Assistência técnica Maior Menor
Fonte: elaboração própria, 2021.
Como o quadro acima sugere, todos os seis instrumentos de difusão
normalmente empregados pelas OIs parecem ser mais necessários em função de
maior complexidade, incerteza e do mais elevado grau de inovação da política a
ser adotada no âmbito nacional. Isso ocorre, pois, como é dito pela teoria, políticas
mais simples tendem a ser mais facilmente transferidas (Marsh e Sharman 2009).
Assim, no caso de elementos mais complexos, as organizações internacionais
devem lançar mão de seus instrumentos para tornar mais aceitável e bemsucedido
esse processo.
As organizações internacionais e o ciclo das políticas públicas
nacionais
A abordagem, ou modelo, do “ciclo de políticas” (policy cycle) foi inicialmente
formulada, na década de 1950, por Harold Lasswell. O modelo retrata, como um
tipo ideal de planejamento racional e de neutralidade da administração pública,
o processo de produção da política desde a delimitação do problema a ser
enfrentado pelo Estado até a avaliação da política formulada para tal finalidade
ou até o seu término eventual. Esse processo é apresentado como composto por
distintas etapas ou fases, que se sucederiam de maneira sequencial ainda que
não obrigatória.
Há em circulação, na literatura especializada, distintas versões desse ciclo, que
distinguem entre três e nove etapas, definidas e nomeadas de inúmeras maneiras
Thales Leonardo de Carvalho; Jéssica Silva Fernandes; Carlos Aurélio Pimenta de Faria
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(Parsons 1997). O caráter artificial de qualquer dessas versões é unanimemente
reconhecido, uma vez que, na empiria, o processo de produção das políticas
obedece a distintas lógicas e percorre variados percursos, sendo comum que
algumas dessas “etapas” ocorram simultaneamente ou que nem mesmo aconteçam.
Se a ideia do ciclo de políticas superestima a natureza racional do policy making,
retratando esse processo quase como uma linha de montagem, o mais comum é
que, ainda assim, se reconheça a enorme complexidade desses processos e seu
caráter fluido, interativo e eventualmente aleatório, ou mesmo irracional. Outra
crítica à abordagem é que ela não oferece qualquer explicação causal acerca
da progressão das “etapas”, sendo essencialmente um modelo top-down, que
negligencia o papel desempenhado por uma variedade de atores e a importância
da interação entre distintos níveis de governo, bem como a importância que têm,
ao longo do processo, as ideias, o conhecimento e o aprendizado.
Ainda assim, prevalece a percepção de que a abordagem do policy cycle é
um importante recurso heurístico, uma vez que, ao simplificar e organizar a
complexidade da empiria, ela permite um melhor enquadramento da investigação
acadêmica, o cotejamento da empiria com o tipo ideal (que é também normativo)
e o consequente desenvolvimento teórico acerca da produção das políticas
públicas. Nas palavras de Parsons (1997, pp. 80, tradução nossa
12
), “a força da
abordagem estagista está no fato de que ela permite a uma estrutura racional,
dentro do que consideramos a multiplicidade da realidade. Cada estágio, então,
prove um context no qual podemos empregar diferentes enquadramentos”.
consider the multiplicity of reality. Each stage therefore provides a context within
which we can deploy different frames” (1997, pp.80).
Se, como discutido na seção anterior, a atuação das OIs tem o potencial
de impactar toda a variedade de políticas públicas, sua influência pode ser
percebida também ao longo de todo o ciclo de produção das políticas, ainda que
isso não seja usualmente ressaltado. Alguns exemplos podem ser úteis, mesmo
se relativos apenas à versão mais simples do ciclo, composta pelas seguintes
etapas”: delimitação do problema, definição da agenda, formulação da política,
implementação e avaliação. No que diz respeito à delimitação do problema, um
exemplo recente foi o alerta feito pelo Secretário-Geral da ONU acerca do avanço
generalizado no mundo do discurso de ódio e da intolerância religiosa.
12 Tradução nossa, do original: “the strength of the stagist approach is that it affords a rational structure within
which we may consider the multiplicity of reality. Each stage therefore provides a context within which we
can deploy different frames.”
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Quanto à definição da agenda, cabe distinguirmos entre agenda pública e
agenda governamental. No caso da primeira, o exemplo talvez inevitável seja
o das inúmeras campanhas de sensibilização promovidas por algumas OIs,
notadamente agências da ONU, sobre os problemas do turismo sexual e da
violência doméstica e sobre o direito das crianças. No que diz respeito à agenda
governamental, basta recordarmos a enorme capacidade que tanto os Objetivos
do Milênio (2000) quanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015),
estabelecidos pela ONU, tiveram e continuam tendo de pautar as prioridades
governamentais, mundo afora, nos níveis nacional e subnacionais.
No que concerne à formulação da política, um bom exemplo é a insistência
com que diversas OIs propagandeiam toda uma diversidade de “boas práticas”,
muitas vezes, ofertando auxílio técnico e financeiro para que os governos
formulem as suas políticas com base nesse repertório, que é apregoado regional
ou globalmente. Quando se pensa na “etapa” da implementação, é frequente, por
exemplo, que as OIs forneçam tanto recursos financeiros quanto auxílio técnico
para a execução de políticas e programas por elas recomendados.
Por fim, são também abundantes os exemplos da atuação das OIs na promoção
da avaliação das políticas adotadas nacionalmente: condicionando o auxílio
financeiro à avaliação da política ou programa, prestando assistência técnica para
a sua realização, treinando servidores públicos nas metodologias de avaliação
ou fomentando o desenvolvimento de uma “cultura de avaliação” (Faria 2018).
Reconhecida e exemplificada a atuação das OIs ao longo de todo o ciclo das
políticas (e ressalte-se que a influência das OIs pode ser detectada em qualquer
das “etapas” mesmo das versões mais complexas do policy cycle), nossa percepção
é a de que todos os instrumentos de difusão utilizados pelas OIs são igualmente
necessários em todas as “etapas” do ciclo.
Os diferentes tipos de ois e o emprego dos instrumentos de
difusão de políticas públicas
As organizações internacionais têm lidado com um número crescente
de temáticas, que chegam hoje a abranger desde o meio ambiente, passando
por questões sociais, como saúde e educação, até a manutenção da paz e
segurança internacionais. Isso tem ocorrido não apenas em escala global: países
próximos (geograficamente e/ou politicamente) têm visto nas OIs maneiras de
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institucionalizar suas relações na busca por certos objetivos comuns. E, a depender
de sua natureza, essas instituições têm adotado processos diferentes de tomada
de decisão, apresentando diferentes níveis de democratização. É de se esperar,
nesse sentido, que organizações distintas apresentem diferentes necessidades em
relação aos instrumentos para alcançar seus objetivos. Estados não abordam as
temáticas de segurança internacional com a mesma atenção atribuída à educação,
por exemplo. Assim, nesta seção, procuraremos explorar relações entre diferentes
tipos de OIs e o emprego dos instrumentos de difusão de políticas públicas por
parte delas. Para tanto, dividimos a discussão em duas partes. Na primeira,
discutimos como o alcance das OIs (número de membros, global, regional, etc.)
pode influenciar no emprego dos instrumentos aqui estudados. Na segunda,
discutimos a influência do nível de democratização e da área temática.
Alcance das OIs
É razoável pensar que, na busca pelo interesse coletivo, quanto maior for o
número de componentes de uma OI, mais difícil se tornará encontrar um ponto
em que todos os atores se sintam atendidos (Olson 2003; Koremenos, Lipson e
Snidal 2003). Poderíamos esperar, então, que em organizações globais houvesse
uma maior divergência de interesses entre os membros, dificultando a coordenação
entre eles e, consequentemente, a concretização de projetos e políticas (Koremenos
2016). Já no caso das organizações regionais, como a União Europeia, ou aquelas
formadas com base em certos interesses/concepções de seus membros, como a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), tendo em vista o número
reduzido de atores, seria de se esperar uma diversidade menor de interesses, o
que facilitaria sua ação (Pevehouse 2002). Isso facilitaria a formação de padrões
entre esses atores, bem como a verificação de seu cumprimento através das
funções coordenativas.
Na prática, no entanto, é complicado verificar essas relações. Algumas
organizações regionais têm falhado na produção de consensos mínimos e, até
mesmo, sido extintas em função desse fracasso, como a UNASUL. Por outro
lado, a União Europeia segue difundindo políticas através dos mais diversos
instrumentos. Já algumas organizações globais têm se adaptado para conseguirem
promover consensos mínimos entre seus membros, o que tem lhes possibilitado
difundir políticas públicas. Thérien e Pouliot (2019) discutem, por exemplo, que
as Nações Unidas, através da elaboração de conferências globais, do diálogo
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entre experts e ex-chefes de Estado, encorajaram a criação de um consenso
em torno da necessidade de redução da pobreza ao redor do mundo. Junto a
outras pautas, isso desdobraria na formação dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS).
Concordamos, então, com Tallberg et al (2016) no sentido de que é desafiador
avaliar os efeitos de uma OI quando se tem múltiplas dimensões ou sobreposições
de mandato em diferentes níveis – por exemplo, muitas vezes, uma instituição
global pode sobrepor uma regional em determinada temática. Nessa perspectiva,
torna-se complexo comparar os impactos que podem ser causados por organizações
regionais e globais (Tallberg et al 2016).
Nível de democratização e área temática
Cabe-nos, também, entender as relações entre o nível de democracia de uma
OI, sua área temática e o emprego de seus instrumentos para difundir políticas
públicas. A opção por abordar o nível de democratização e o tema em conjunto se
dá pela altíssima correlação entre as variáveis. Como nos mostram Belém Lopes
(2016), Tallberg et al (2016), entre outros, organizações internacionais que lidam
com temas relacionados ao soft law
13
tendem a ser mais democráticas, ao passo
que aquelas que lidam com o hard law costumam se utilizar de procedimentos
mais autoritários. Apesar do ceticismo em relação à democracia no âmbito das
OIs, percebido, até mesmo, entre os burocratas dessas organizações, consideramos
que uma OI pode ser relativamente democrática quando existe a capacidade de
incluir diferentes atores (estatais e não-estatais) e de lhes dar voz (Dahl 2001;
Belém Lopes 2016)
14
.
Do ponto de vista da inclusão, há nas OIs comumente critérios que excluam
atores não-estatais, por exemplo. Já do ponto de vista da capacidade de contestação
e participação dos atores nos processos decisórios, algumas organizações atribuem
pesos diferentes aos votos de seus membros – no Fundo Monetário Internacional
(FMI), por exemplo, o voto tem um peso de acordo com a contribuição financeira
13 O hard law é entendido aqui como regras e normas que adquirem um caráter vinculante entre os membros,
tendo em vista a importância a elas atribuídas. Aparece em temáticas como finanças e segurança internacional.
Já como soft law, compreendemos regras brandas, que não se utilizem da coerção direta, por meios materiais,
para induzirem os atores a adotá-las. Envolve temas como direitos humanos, saúde, educação e afins (Abbott
e Snidal 2000).
14 Para este artigo, consideramos os critérios de democracia aplicados às OIs já estudados por autores como: de
Tallberg et al (2016); Belém Lopes (2016); Koremenos (2016).
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de cada país para o Fundo. Por outro lado, em organizações vistas como mais
democráticas, cada membro possui direito a um voto, enquanto há menos critérios
de exclusão à participação de atores.
O nível de democratização no âmbito das OIs está diretamente correlacionado
com sua temática. Autores como Abbott, Genschel e Snidal (2015) e Rittberger,
Zangl e Staisch (2006) sugerem o estudo das OIs a partir de grandes áreas
temáticas, quais sejam: segurança, economia/desenvolvimento/comércio
15
e
direitos humanos
16
. Entendemos aqui ainda a necessidade de inclusão de uma
quarta categoria: finanças, compreendendo os bancos e fundos internacionais,
tendo em vista a importância dessas instituições enquanto difusoras. Acreditamos
que incluí-las em um grupo de economia, junto à OMC, por exemplo, não seria
proveitoso, tendo em vista a diferença em sua atuação, como procuraremos
evidenciar.
Organizações e órgãos ligados à segurança internacional, como o CSNU,
a AIEA e a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW), tendem
a permitir a participação de um número grande de atores, mas restringem
a tomada de decisão a poucos membros. Nelas, existe uma tendência mais
elevada ao cumprimento das normas, que são difundidas de forma vertical: o
que é decidido por um órgão executivo, composto por poucos membros, deve
ser aceito por todos. Considerando a importância da temática, ao lidar com
a manutenção da paz e segurança internacionais, é aceita aqui a utilização
dos mais diversos instrumentos, incluindo sanções de diversos tipos e coerção
militar, em determinadas condições. Atuam, então, principalmente através da
formulação de padrões e da fiscalização dos mesmos. Assim, Estados podem
sofrer sanções pelo descumprimento de acordos relacionados ao desarmamento
e afins (Abbott et al. 2015).
Na grande área de economia, comércio e desenvolvimento, vemos
organizações de nível médio de democratização. Embora possam existir divergências
entre os membros, as consequências distributivas da nãoimplementação de políticas
em nível doméstico também podem ser negativas, criando uma vinculação maior
entre atores e as normas criadas pela OI. Instituições como a Organização Mundial
de Comércio (OMC), por exemplo, atuam através da mediação de controvérsias,
15 Optamos por expandir a categoria “economia” para incluir também desenvolvimento e comércio, unindo
ações de organizações como a (OMC) com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL),
entre outras.
16 Autores como Abbott, Genschel e Snidal (2015) utilizam a área de meio ambiente como uma categoria à parte.
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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 2, e1112, 2021
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monitoramento das políticas de seus membros e provisão de assistência técnica
(Zweifel 2006). Nesse sentido, podemos inferir que os instrumentos de difusão
associados a essas organizações estão comumente associados à formação de
padrões, funções coordenativas e à assistência técnica, tendo em vista sua
expertise (Abbott e Snidal 2000). Além disso, O’Brien (2000) percebe, através
do exemplo da OMC, que essas instituições podem propiciar a construção de
redes e diálogos horizontais entre seus membros, que tendem a propiciar o
alastramento de certas políticas.
A área de finanças é analisada como uma categoria à parte, para além da
economia, considerando sua atuação focada nos meios financeiros. São instituições
menos democratizadas, tendo sua atuação pautada por seus maiores contribuintes,
que possuem mais peso no processo decisório. Nesse sentido, ao invés de se
fundamentarem em diálogos, elas se baseiam, para além dos empréstimos e
doações, na formação de padrões (ditados pelos maiores contribuintes) e na
garantia do eventual cumprimento dos mesmos no caso de atores que receberam
seus recursos. Como exemplo, ao observarmos as ações do FMI, notamos um
esforço voltado a equilibrar os balanços de pagamentos dos países que recebem
seus recursos, através das condicionalidades no ato da concessão dos empréstimos
(Zweifel 2006). Nesses casos, a não adoção de algumas medidas pode levar a
impactos negativos em nível doméstico, como sanções e não concessão de novos
empréstimos.
Em contrapartida, nas áreas de direitos humanos, meio ambiente e pautas
sociais, como saúde e educação, existe uma tendência maior à divergência de
interesses, visto que questões culturais podem influenciar a percepção dos atores
na adoção de normas. Isso gera maior necessidade de diálogo e de construção
de consensos mínimos entre seus membros através da disseminação discursiva
(Schemeil 2013; Zweifel 2006). A ampla divergência de interesses é também
acompanhada de um baixo interesse para o monitoramento e cumprimento
de regras, que acaba recebendo um status de soft law (Koremenos 2016). Com
processos horizontalizados de difusão de políticas, acabam por atuarem através
da abertura de espaços para diálogos e disseminando discursos, com base nas
chamadas “boas práticas” e buscando o estabelecimento de padrões. Além disso,
normalmente contam com uma burocracia especializada, permitindo-lhes prestar
assistência técnica aos seus membros.
No quadro abaixo, procuramos sintetizar a necessidade das OIs de recorrerem
aos instrumentos de difusão de acordo com sua área temática e nível de
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democratização. Se em um extremo as OIs de segurança, menos democráticas,
são consideradas como aquelas que utilizam a maior parte de estratégias
top-down, OIs relacionadas aos temas de direitos humanos e questões sociais são
mais democráticas e tendem a adotar estratégias de horizontalização do processo
de difusão ao se utilizar de instrumentos menos hierarquizados, geralmente
compartilhados entre seus membros.
Quadro 6 – Necessidade de utilização dos instrumentos de difusão
segundo a área temática das OIs
Tipo de instrumento Segurança
Economia/
Comércio
Finanças
Direitos
Humanos,
Questões
Sociais e Meio
Ambiente
Abertura de espaços para diálogos Menor Neutro Menor Maior
Disseminação discursiva Menor Neutro Neutro Maior
Formação de padrões Maior Maior Maior Menor
Funções coordenativas Maior Maior Maior Menor
Meios financeiros Neutro Neutro Maior Menor
Assistência técnica Maior Maior Neutro Maior
Fonte: elaboração própria, 2021.
O papel da autoridade das OIs no emprego de instrumentos de
difusão de políticas públicas
Enquanto burocracias, as organizações internacionais necessitam de autoridade
para atuarem em suas áreas e terem suas decisões acatadas por seus membros.
Consequentemente, essa autoridade ou, em outras palavras, a obediência às suas
determinações, tende a influenciar suas atuações enquanto difusoras de políticas
públicas. A construção desse atributo passa, necessariamente, pela construção da
legitimidade (Zürn, Binder e Ecker-Ehrhardt 2012). Essa legitimidade é entendida
aqui como a atribuição a uma determinada organização, por parte de um ou
mais atores, do direito de decisão e coordenação (Buchanan e Keohane 2006).
De forma resumida, a ideia é a de que a obediência a um ator (autoridade) se
justifica pelo fato de que foi atribuído a ele o direito de tomar certas decisões
(legitimidade).
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A legitimidade de uma OI, no entanto, não é automática. Os atores devem
renovar constantemente seu consentimento em relação às ações das mesmas
de modo que as mesmas devem ser responsivas a eles (Buchanan e Keohane
2006). Além disso, é importante pensar que existe um “mercado de OIs”, com a
possibilidade de existir sobreposição nas funções entre determinadas instituições.
Nesses casos, a legitimidade de uma organização será fundamental para se
entender qual delas dispõe de mais autoridade e, consequentemente, é mais
significativa – como nos casos de “forum shopping”
17
.
Com a constante construção da legitimidade por parte das OIs, elas passam
a dispor de autoridade para tomar decisões e elaborar recomendações, sendo
menos expostas ao non-compliance. Isso pois a construção coletiva da confiança
em torno de uma organização aumenta os custos para que os atores não atendam
às suas decisões, sob pena de se indisporem com a própria burocracia e/ou
outros Estados, por exemplo (Joachim, Reinalda e Verbeek 2008; Zürn, Binder
e Ecker-Ehrhardt 2012).
Tendo em vista a maior e melhor aceitabilidade das decisões, espera-se que
organizações com maiores níveis de autoridade tenham maior possibilidade
de se utilizar de instrumentos mais incisivos para conduzirem os Estados à
adoção de determinada política. Isso possibilitaria o uso crescente das funções
coordenativas e da formulação de padrões. Uma organização com baixo nível
de autoridade, ao se utilizar dessas ferramentas, estaria mais sujeita ao non-
compliance, pois os custos ao não obedecê-la são baixos. Reconhecemos, ainda,
que é parte do trabalho de todas as OIs atuarem na difusão de ideias e discursos,
bem como é de sua natureza servirem como arenas que propiciam o diálogo
entre seus membros. Nesse sentido, entendemos que, independentemente do
nível de autoridade, todas elas se utilizam da disseminação discursiva, sendo
apenas sua eficácia condicionada à sua autoridade.
Para além dos níveis, é importante considerarmos que existem diferentes
tipos de autoridade que podem ser exercidos pelas OIs. Em uma das principais
categorizações nesse sentido, Barnett e Finnemore (2004) propuseram quatro
tipos de autoridade: racional-legal, delegada, moral e técnica (expert). O primeiro
tipo seria a base da criação dessas instituições, através de um acordo entre atores
17 Busch (2007) define “forum shopping” como uma prática em que, caso haja sobreposição nas funções de OIs,
os atores escolhem recorrer àquela em que percebem que as decisões lhes serão mais favoráveis.
Thales Leonardo de Carvalho; Jéssica Silva Fernandes; Carlos Aurélio Pimenta de Faria
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que optam pela formação de uma burocracia por entender que isso atenderia
aos seus interesses e serviria ao bem comum. A autoridade delegada significa a
concessão de autonomia às OIs para cumprirem suas missões. Já a autoridade
moral parte do princípio de que as as mesmas são atores neutros e imparciais,
tornando mais aceitáveis suas recomendações. Por fim, a autoridade técnica
tem como base a ideia de que as OIs concentram um nível de habilidade e
conhecimento superior ao dos Estados. Esse alto nível de expertise as tornariam
atores indispensáveis na busca pelo bem comum (Barnett e Finnemore 2004).
Optamos aqui, no entanto, por utilizar a tipologia de Zurn, Binder e Ecker-
Ehrhardt (2012). Os autores sumarizaram as categorias propostas por Barnett e
Finnemore (2004) em dois tipos de autoridade: epistêmica e política. A autoridade
epistêmica assemelha-se à concepção de autoridade técnica de Barnett e Finnemore
(2004). Já a autoridade política parte do entendimento comum entre atores sobre a
necessidade de se delegar a uma instituição o poder de tomar decisões e elaborar
recomendações na busca por um objetivo/bem comum. A obediência às OIs se
basearia, então, na ideia de que elas são atores neutros e no reconhecimento
da necessidade das mesmas e na sua capacidade de maximizar seus benefícios
por meio da coordenação de interesses e objetivos.
O que se pode deduzir é que, se uma instituição existe pela necessidade de
uma burocracia que tome decisões em função de um objetivo comum, é parte
de seu dever propor, coordenar, monitorar e avaliar a implementação de certas
políticas públicas por parte dos Estados. Atuariam, assim, formando padrões e
monitorando a adoção deles, através das funções coordenativas, caso tenham
um nível suficiente de autoridade para tal. Caso contrário, a tendência é que
sua atuação se restrinja ao diálogo entre os membros e eventual disseminação
de discursos. Já no caso da autoridade epistêmica, a expertise das OIs serve para
que as mesmas aconselhem os Estados sobre as melhores práticas, disseminando
discursos e eventualmente formando padrões, bem como os auxiliem a implementá-
las através da assistência técnica. Os meios financeiros não estariam relacionados
à autoridade das OIs, mas sim à disponibilidade desses recursos. No quadro
abaixo, procuramos sintetizar os instrumentos mais necessários para cada tipo
de organização internacional, em sua atuação enquanto difusoras de políticas
públicas, conforme o tipo e nível de autoridade.
Organizações Internacionais e Políticas Públicas Nacionais: variáveis organizacionais [...]
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Quadro 7 – Instrumentos mais necessários às OIs
conforme seu tipo e nível de autoridade
Nível de autoridade Autoridade política Autoridade epistêmica
Maior Abertura de espaço para diálogos,
Disseminação Discursiva,
Formação de padrões,
Funções coordenativas
Abertura de espaço para diálogos,
Disseminação Discursiva,
Formação de padrões,
Funções coordenativas,
Assistência técnica
Menor Abertura de espaço para diálogos,
Disseminação discursiva
Abertura de espaço para diálogos,
Disseminação discursiva,
Assistência técnica
Fonte: elaboração própria, 2021.
Conclusão
Procuramos discutir de forma dedutiva, analisando a literatura existente,
elementos que podem condicionar a utilização de instrumentos de difusão de
políticas públicas por parte das organizações internacionais. No que se relaciona
à perspectiva dos Estados, a etapa do ciclo das políticas públicas não torna
mais ou menos necessário o emprego de um determinado instrumento. Isso
varia, na verdade, conforme cada caso em específico. Políticas de custos mais
concentrados, mais complexas e/ou que gerem mais divergências na sociedade
em relação à sua adoção fazem com que as OIs recorram mais aos diferentes
instrumentos aqui trabalhados. Quanto mais difícil é a adoção de uma política,
mais essas organizações têm que se utilizar de estratégia de convencimento e
coordenação dos atores, ao passo que políticas de fácil implementação exigem
pouca capacidade de difusão por parte dessas instituições.
Em relação às diferenças entre as organizações internacionais, identificamos
que é inconclusiva a relação entre o alcance das OIs e o emprego dos instrumentos
elencados. Já em relação à área temática e ao nível de democratização das
mesmas, instituições que lidem com o hard law tendem a atuar mais através
do estabelecimento de padrões e das funções coordenativas, monitorando e
coordenando as ações dos atores. Nesses casos, pode haver constrangimentos ou
consequências caso um Estado opte por não atuar em determinadas políticas, tendo
em vista a importância dessas temáticas para os envolvidos. Já as organizações
relacionadas ao soft law, relativamente mais democráticas, se utilizam mais da
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abertura de espaços para diálogos e da disseminação discursiva para atuarem
nesses processos.
Ainda em relação às OIs, a formulação de padrões e as funções coordenativas
tendem a ser mais utilizadas por organizações com maiores níveis de autoridade,
sobretudo política. Quanto mais os atores estiverem dispostos a aceitar as decisões
dessas organizações, mais elas poderão se utilizar dessas formas mais incisivas
para influenciar a adoção de PPs por parte desses Estados. Em OIs cujos níveis
de autoridade são baixos, faz-se necessária a viabilização, através do diálogo,
dos processos de difusão dessas políticas, convencendo os Estados sobre os
benefícios na adoção das mesmas. Organizações que se baseiem apenas na
autoridade epistêmica devem, também, seguir o caminho da disseminação
discursiva, construindo assim a importância de suas políticas, justificada
pela sua expertise e prestarem assistência técnica aos interessados por suas
propostas.
Acreditamos ter alcançado nossos objetivos na construção de um recurso
heurístico que nos permita apreender as interações entre essas organizações e
os Estados nesses processos. Reconhecemos, por fim, que há muito por onde
avançar ainda. Primeiro, sabemos que existem outras variáveis que podem
explicar o uso desses instrumentos, como: a intensidade e a institucionalidade
dos esforços de difusão das OIs, a situação da administração pública do país
“receptor”, os subtipos de cada instrumento e sua quantidade e qualidade e,
por fim, mas não menos relevante, a percepção dos atores domésticos acerca do
timing e da necessidade de adoção da política pública ou da inovação que está
sendo apregoada. Pretendemos, então, seguir essa agenda, trazendo também
testes empíricos para comprovar nossos achados aqui expostos.
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