Marcelo Marcel Felix; Alexandre Rocha Violante
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 1, e1088, 2021
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A Aliança Brasil-Estados Unidos
entre 1889-1942: uma aproximação
construída
The Brazil-United States Alliance
between 1889-1942: an approach built
La Alianza Brasil-Estados Unidos entre
1889-1942: una aproximación construida
DOI: 10.21530/ci.v16n1.2021.1088
Marcelo Marcel Felix
1
Alexandre Rocha Violante
2
Resumo
A conduta da política exterior brasileira para com os Estados
Unidos da América (EUA) tem provocado muitos debates. Qual
seria a melhor postura a ser seguida? Em que pese a pertinência
da pergunta, tal aproximação com os EUA não é algo novo. Sendo
assim, este artigo tem por objetivo analisar a relação diplomática
Brasil-Estados Unidos, entre 1889 e 1942, e mostrar o que essa
relação representou para cada ator. Por meio de uma pesquisa
bibliográfica de abordagem histórica, constatou-se que o Brasil
não possuiu histórico, na moldura temporal apresentada, de
alinhamento sem barganha em sua relação político-diplomática
com os Estados Unidos da América. Ao contrário, a diplomacia
brasileira buscou uma aproximação que geralmente foi ditada pela
necessidade de gerar ganhos econômicos, políticos e militares
1 Mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). (marcelomarcelfelix@gmail.com). ORCID: https://
orcid.org/0000-0001-7057-709X
2 Doutorando em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Professor Colaborador de Relações Internacionais
do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da UFF. Rio de Janeiro, Brasil.
(alexandreviolante@id.uff.br). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4566-5252
Artigo submetido em 21/05/2020 e aprovado em 07/09/2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ISSN 2526-9038
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para o Brasil. Por outro lado, o posicionamento norte-americano na relação oscilou entre
desinteresse, paciência e atitude de investida, porém não intervencionista.
Palavras-chave: Diplomacia; Política Externa; Brasil; Estados Unidos da América.
Abstract
The conduct the foreign policy toward the United States of America (USA) has sparked
many debates. What would be the best posture to be followed? In spite of the pertinence
of the question, such an approximation with the USA is not something new. Therefore,
this article aims to analyze the Brazil-United States diplomatic relationship between 1889
and 1942, and to show what this relationship represented for each actor. Through a
bibliographic research with a historical approach, it is intended to show that Brazil has
no history, in the presented time frame, of alignment without bargaining in its political-
diplomatic relationship with the United States of America. In other words, the approach
was generally dictated by the need to generate economic, political and military gains for
Brazil. On the other hand, the American position in the relationship oscillated between
lack of interest, patience and attitude of attack, but not interventionist.
Keywords: Diplomacy; Foreign Policy; Brazil; United States of America.
Resumen
La conducción de la política exterior brasileña hacia los Estados Unidos de America (EE.
UU) ha provocado muchos debates. ¿Cuál debería ser la mejor postura a ser adoptada?
Aunque esa pregunta es pertinente, la aproximación del Brasil ante los Estados Unidos
no es un asunto novedoso. Por ende, este articulo tiene el objetivo de analizar la relación
diplomática entre Brasil y Estados Unidos en el periodo 1889-1942, mostrando lo que esa
relación ha representado para cada actor a lo largo de los años, además de los factores
coyunturales que han llevado al Brasil a un inevitable alineamiento con los Estados Unidos
en 1942. Luego de emprenderse una investigación bibliográfica de abordaje histórica fue
posible constatar que, en el marco temporal presentado, el Estado brasileño no posee un
alineamiento desventajoso en su relación político-diplomática con los Estados Unidos de
América. Contrario a ello, la diplomacia brasileña demarcó una aproximación inspirada
en la constante necesidad de generar lucros económicos, políticos y militares. A su vez,
la postura estadounidense dentro de esa relación, ha evidenciado una oscilación entre el
desinterés, la inercia y el reimpulso de actos no intervencionistas.
Palabras clave: Diplomacia, Política Externa, Brasil, Estados Unidos de América.
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Introdução
Em março de 2019, o Presidente brasileiro Jair Bolsonaro encontrou-se com
o Presidente norte-americano Donald Trump na Casa Branca, em Washington. O
evento bilateral marcou o primeiro encontro entre os dois e teve alta repercussão
na mídia que, de maneira geral, interpretou a fala de ambos como um novo
momento nas relações entre os Estados Unidos da América (EUA) e o Brasil.
A cerimônia no jardim da Casa Branca contou com entrevistas e discursos
dos dois, que enfatizaram o momento auspicioso das relações, conforme os
trechos abaixo:
“Este nosso encontro retoma uma antiga tradição de parceria e, ao mesmo
tempo, abre um capítulo inédito da relação do Brasil com os Estados
Unidos. Hoje, destravamos assuntos que já estavam na pauta há décadas
e abrimos novas frentes de cooperação”, disse Bolsonaro.
“Sei que teremos um ótimo relacionamento de trabalho, com muitas visões
parecidas, e certamente a relação do Brasil com os EUA, por causa de nossa
amizade, será provavelmente melhor que jamais foi”, afirmou Trump
em seu discurso (Época Negócios, 2019, grifos nossos).
Os trechos demonstram uma atmosfera de otimismo na “retomada” das
relações entre os dois países, ao mesmo tempo que cria uma expectativa do
posicionamento brasileiro dentro dessa relação bilateral com a Potência do
Norte
3
. Após as declarações, o tema foi bastante debatido na opinião pública
brasileira, principalmente, no que se refere à posição brasileira, em face de um
possível “alinhamento automático”
4
brasileiro com os EUA.
Independente da impressão deixada pelos Chefes de Estado, tanto na opinião
pública quanto no senso comum, um alinhamento dessa natureza, por parte do
Brasil, seria uma possibilidade um pouco difícil de ser considerada. Uma vez
que, ao realizarmos uma análise do acumulado histórico da diplomacia brasileira,
não há precedente, na maioria das vezes, de tal orientação ou comportamento.
Nesse sentido, este artigo pretende demonstrar que, apesar da proximidade
amistosa com os Estados Unidos da América desde o início do período republicano
3 Vizinho ou Potência do Norte refere-se não somente à posição geográfica, mas à categorização norte desenvolvido
versus sul em desenvolvimento, que vai se "popularizar" já no final da Guerra Fria.
4 Expressão utilizada para categorizar um alinhamento que não é utilizado como instrumento de barganha pela
diplomacia.
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brasileiro, a diplomacia privilegiou uma conduta cautelosa revestida de realismo
e pragmatismo. Dessa maneira, a aproximação com os EUA foi, majoritariamente,
instrumento de barganha para gerar ganhos econômicos, políticos e militares. Por
outro lado, os vizinhos do norte desenvolvido, historicamente, demonstraram
paciência e interesse nos momentos de crise no Sistema Internacional.
Por meio de uma pesquisa bibliográfica, será apresentada a relação Brasil-EUA,
em uma abordagem histórica, no período de 1889 a 1942. O lapso temporal
escolhido tem no seu primeiro marco a Proclamação da República, momento no
qual a diplomacia brasileira descobre o Vizinho do Norte e iniciam-se os acordos
de cooperação. O período se encerra com o rompimento das relações diplomáticas
brasileiras com os países do Eixo, na Segunda Guerra Mundial, pois, a partir desse
evento, o Brasil se alinhou aos EUA em um esforço de guerra comum.
Para tal, este artigo foi dividido em cinco seções. Além desta introdução,
a primeira seção apresenta a formação da cultura imperial dos EUA ao longo da
história, demostrando que a nação norte-americana, já em seus anos iniciais,
possuía uma identidade imperialista
5
, que se fez presente nas relações com os
países latino-americanos. A segunda seção apresenta a postura diplomática
brasileira diante das crises internacionais no período da República Velha (1889-
1930) e como a relação Brasil-EUA foi construída. Na terceira seção é apresentada,
de maneira mais categórica, as características da Política Externa Brasileira (PEB)
na Era Vargas até 1942; a diplomacia do “jogo duplo” e a influência cultural e
militar norte-americana com o avançar do conflito mundial.
Por fim, as considerações finais mostram que, a partir da Proclamação da
República, a Política Externa Brasileira (PEB) se torna legitimamente brasileira.
Essa política, visando a uma maior inserção internacional, altera seu eixo central
da Europa para os EUA, estabelecendo o paradigma do “americanismo”.
Da Cultura Imperial ao Pan-americanismo
Ao longo da história, a influência estadunidense sobre a América Latina se
mostrou através das expressões do seu poder. Nesse contexto, destacam-se duas:
5 Os fenômenos ligados ao imperialismo – expansão violenta por parte dos Estados, ou de sistemas políticos
análogos, da área territorial de sua influência, ou poder direto, e formas de exploração econômica em prejuízo
dos Estados ou povos subjugados, geralmente conexos com tais fenômenos – se hajam manifestado, sob
formas e modalidades diversas, em todas as épocas da história, esta expressão é relativamente recente.
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a influência econômica que, por sua via, criou as condições para uma influência
ideológica-cultural; e a influência imposta pela expressão militar.
Na esfera militar, cabe ressaltar o papel desempenhado pela US Navy
6
na
consolidação dos interesses nacionais norte-americanos. Segundo Junqueira
(2015, 30), desde o início do século XIX, “a US Navy se desenvolveu como
instrumento de garantia da segurança dos interesses nacionais”. Dessa forma,
o governo utilizou-se da Marinha de Guerra para projetar poder e influência
além-mar. Inicialmente, na América Latina e, posteriormente, já no século XX,
em qualquer parte do planeta, como é possível se verificar na atualidade.
A Marinha teve papel fundamental no apoio prestado às expedições científicas.
Assim, mesmo tendo iniciado quase 400 anos após os europeus, os EUA se
lançaram ao mar, em expedições exploratórias, com o objetivo de mapear as
regiões remotas e de criar uma rede de influência que fosse capaz de atender
aos propósitos imperialistas da jovem nação. A partir daí, criavam-se linhas de
comércio marítimo que eram asseguradas pela Marinha de Guerra (Junqueira
2015). Foi dessa forma que ocorreu o projeto inicial do expansionismo dos EUA.
Porém, antes de ser autorizada a primeira expedição, muitas barreiras
internas precisaram ser superadas. Vale ressaltar que os EUA, à época, eram uma
jovem república com muitas disputas territoriais, principalmente, nos Estados
federados mais a oeste que se apropriavam das terras ocupadas pelos índios.
Outro aspecto importante estava na identidade político-cultural dos EUA. A nação
repudiava a prática europeia de estabelecer colônias além do território. Dessa
forma, a elite demorou a se acostumar com a ideia de realizar tais expedições
que poderiam caracterizar a busca por colônias além-mar conforme faziam os
europeus (Junqueira 2015).
A premissa que impulsionou a criação da U.S. Exploring Expedition estava
relacionada, em parte, com a busca pela construção de um saber próprio sobre
o globo. Porém, o fato do “governo dos Estados Unidos, desde o início do século
XIX, se ocupar em habilitar a U.S. Navy com o propósito de assegurar o fluxo
do comércio norte-americano em águas internacionais” muito contribuiu para
fortalecer a formação das áreas militar e científica (Junqueira 2015). Assim,
a jovem nação, ao mesmo tempo que realizava a sua marcha para o Oeste,
também desbravava os mares aumentando seu poder de influência e capacitando
tecnicamente a sua Marinha de Guerra.
6 Marinha dos Estados Unidos. No inglês: United States Navy.
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Cabe ressaltar que a realização dessas viagens caracterizava os países que
possuíam uma Marinha de um determinado porte e que dominavam certas
tecnologias, como os instrumentos de precisão
7
. As viagens exploratórias de
circunavegação tinham a capacidade de colocar o país explorador no rol das
nações detentoras do conhecimento auto adquirido, ou seja, a expedição era a
porta de entrada para a construção de um saber próprio sobre o globo (Junqueira
2015).
Outro aspecto relevante, presente nas expedições, era o seu caráter ideológico,
marcado pelo domínio do “selvagem”. Em outras palavras, o homem branco
anglo-saxão se encontrava em um estágio civilizatório mais avançado do que
o “homem selvagem”, que vivia no desconhecido, no wilderness, local não
civilizado geralmente vinculado à fronteira, que deveria ser explorado pelo
homem branco anglo-saxão. Segundo Junqueira (2001), o wilderness faz parte
do imaginário norte-americano enquanto nação:
O wilderness é considerado um dos elementos básicos da construção da
identidade e do nacionalismo norte-americano. [...] da matéria prima do
wilderness os norte-americanos construíram sua cultura, conferindo-lhe
identidade e significado desde os primeiros colonos (Junqueira 2001, 326).
Na verdade, a ideia faz parte da construção de um mito, entorno do qual se
propaga a superioridade do homem branco da época. Assim, os estadunidenses
trataram, já no início da nação, do lugar dos negros e índios. O mito se desenvolve
em torno da capacidade dos brancos em construir uma nação civilizada que
fosse um farol para as demais. Dessa forma, uma nação liberal e republicana
construída por brancos, anglo-saxões e protestantes seria o melhor exemplo de
país a ser seguido (Junqueira 2015).
O princípio de raça eleita e civilizada, com o melhor sistema de governo
possível, vai orientar a política externa norte-americana pelo restante do século
XIX e XX. A força do mito estadunidense se fez notar, ainda no século XIX,
em situações como: na expansão de suas fronteiras a oeste; nas guerras e
intervenções realizadas nos países latino-americanos; e na propagação da identidade
Pan-americana que foi pauta da primeira Conferência Pan-americana em Washington
(1889-1890).
7 No caso, instrumentos náuticos (bússola, astrolábio, cartas) utilizados para localização espacial e geométrica
durante as viagens
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A Primeira Conferência Pan-americana (1889 a1890) tinha como uma de
suas propostas a união aduaneira entre os países da América. O projeto não
seguiu adiante. Os países latino-americanos não aceitaram em razão da grande
diferença econômica entre eles, o que inviabilizaria a aliança. Entretanto, embutido
no projeto econômico estava um projeto de criação de uma identidade pan-
americana, na qual os EUA exerceriam sua hegemonia sobre os demais países
(Dulci 2013).
Assim, para a surpresa do Secretário de Estado norte-americano James Blaine,
o nível de rejeição ao projeto foi grande, o que demonstrava a desconfiança dos
países latino-americanos em torno do discurso estadunidense de “protetores da
América”. Nesse contexto, a Argentina teve grande expressão, tendo em vista
que, além de não ter concordado com a ideia do pan-americanismo, apresentou
uma nova identidade latino-americana para se opor diretamente à primeira
(Dulci 2013). Assim, Buenos Aires rebateu diretamente a visão hemisférica
da Doutrina Monroe
8
, apresentando uma nova ideia força: “a América para a
humanidade”.
Diante dos fatos, a posição da Chancelaria brasileira, durante as conferências,
mostrou-se, de forma geral, cautelosa, buscando direcionamentos que trouxessem
vantagens ao país. A fim de evitar o enfrentamento com a Argentina, o Brasil fez
uma aliança não-formal com os EUA para conseguir benefícios, principalmente,
econômicos. Sendo assim, a PEB mostrava, já nos primeiros anos da república,
duas características que lhe são peculiares: realista e pragmática (Cervo 2008).
Relação Brasil-EUA (1889-1930)
O início republicano brasileiro foi visto pelos EUA e, principalmente, pelas
potências europeias com certa desconfiança, o que os levou a adotar uma atitude
cautelosa no reconhecimento do novo regime (Cervo e Bueno 2002).
Os EUA levaram algum tempo para reconhecer formalmente o regime
republicano brasileiro. Esse fato causou apreensão na diplomacia brasileira,
que esperava um reconhecimento quase que instantâneo, seguindo o exemplo
de Argentina e Uruguai, que reconheceram ainda no mês de novembro. O fato
8 Anunciada pelo presidente americano James Monroe, em mensagem ao Congresso, em 2 de dezembro de 1823.
Enfatizava que os continentes americanos não deveriam ser suscetíveis a nenhuma colonização europeia.
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de o reconhecimento Washington só ter ocorrido em dezembro de 1889 decorria
do receio de que o novo regime fosse decorrência de uma simples quartelada,
ou seja, sem apoio da vontade nacional (Cervo e Bueno 2002).
Ademais, o antigo regime, apesar de ser caracterizado por uma política
isolacionista e voltada para o Velho Continente (Ricupero 2017), deixara, através
de seu líder monárquico Dom Pedro II, uma boa impressão na opinião pública
estadunidense. Um bom exemplo disso foi a maneira cortês e elogiosa com que
o jornal The New York Times se reportou à figura do monarca por ocasião da
sua morte em dezembro de 1891: “Dom Pedro fez do Brasil o mais livre que
uma monarquia poderia ser” (The New York Times, 5 de dezembro de 1891
apud Teixeira 2014, 123). E acrescentou, no dia seguinte: “é duvidoso que uma
república seja tão adequada ao Brasil quanto uma monarquia” (The New York
Times, 6 de dezembro de 1891 apud Teixeira 2014, 123).
Com o antigo regime, também se foi o isolamento diplomático do Império.
Dessa forma, sob o ideal do americanismo
9
, o Brasil inicia uma aproximação
com os EUA e com os países hispano-americanos. O ministro do Brasil em
Washington, Salvador de Mendonça, não perdeu tempo e logo concluiu com os
EUA o primeiro acordo de comércio celebrado com uma nação de economia mais
poderosa, desde um período remoto do Império (Ricupero 2017). Porém, apesar
da ânsia brasileira, a rápida aproximação não ocorreu de forma automática.
Pelo contrário, na prática foi bem cautelosa, como comprovado nas primeiras
Conferências Pan-americanas.
Enquanto os EUA tentavam criar a “identidade pan-americana”, o Brasil
estava sendo assolado pelas agitações internas. O caráter pacífico do movimento
da Proclamação da República escondeu atrás de si um rastro de paixões,
incompreensões e ambições que agitaram o País na última década do século
XIX (Martins 1997). O povo, ator ausente nesse acontecimento histórico, após
assistir bestificado à queda da Monarquia, presenciaria uma série de agitações,
revoltas e balbúrdias de toda sorte (Alsina 2015). Nesse sentido, no vácuo
simbólico deixado pela extinção repentina do regime monárquico, criou-se um
ambiente político instável, cujo novo representante era um velho chefe militar,
politicamente inexperiente e fisicamente debilitado
10
.
9 Na época, era bastante comum falar de americanismo como abrangendo todo o hemisfério ocidental.
10 Adjetivos utilizados por Hélio Leôncio Martins para descrever o Marechal Deodoro da Fonseca, protagonista
da Proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
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Diante do quadro apresentado, seria normal esperar que a diplomacia
também estivesse desorganizada, mas não aconteceu dessa forma. A diplomacia
brasileira, nos primeiros anos republicanos, conseguiu manter a organização
herdada do período imperial e não somente superou os sobressaltos, mas também
proporcionou “ao novo regime os primeiros êxitos externos que tanto carecia”
(Ricupero 2017, 247)
11
.
Nesse contexto, surgiu a figura emblemática de José da Silva Paranhos Júnior,
o Barão do Rio Branco, que se destacou em duas ocasiões distintas. Na primeira,
quando liderou a equipe que conquistou uma brilhante vitória na questão de
Palmas com a Argentina, arbitrada a favor do Brasil, em 1895, pelo presidente
norte-americano Cleveland (Alsina 2015); e, em um segundo momento, na
questão do Amapá com a França, caso arbitrado pelo presidente suíço Walter
Hauser, cujo laudo pericial foi favorável ao Brasil.
Após o período de convulsão social que marcou a República da Espada
12
,
os governos civis de Prudente de Morais (1894-1898) e Campos Sales (1898-1902)
foram responsáveis pela pacificação da nação, com o retorno dos militares para
os quartéis e a melhoria na economia com a valorização do café, principal
produto brasileiro de exportação (Ricupero 2017). Com isso, passada a euforia
republicana dos primeiros anos, os formuladores da política nacional despertam
para a realidade na qual o Brasil se encontrava: uma república jovem com fatores
internos não solucionados e incapaz de reagir às ameaças externas.
Com isso, foi inaugurada uma nova fase da diplomacia brasileira, que tem na
figura do seu patrono, Barão do Rio Branco, a busca pelo prestígio internacional,
a intangibilidade da soberania nacional, a defesa da agroexportação e a definição
do território (Cervo e Bueno, 2002). Com esses objetivos, a Política Externa
brasileira, na gestão Rio Branco, se apresentou ainda mais realista e pragmática,
principalmente, no seu relacionamento com os EUA e com as nações vizinhas
sul-americanas.
A “grande estratégia” de Rio Branco foi assentada numa visão realista em que
o exercício do poder robusto era o elemento central para se atingir os interesses
nacionais. Para essa estratégia, era inaceitável um Estado se “resignar a assinar
convenções”, pois isso condenaria este país a ser um Estado de terceira, quarta
11 Cervo e Bueno divergem dessa interpretação, argumentando que o início da diplomacia republicana foi
revestido de muitas dificuldades, provocadas, principalmente, pelos ministros das Relações Exteriores que
não eram ligados à diplomacia.
12 Período republicano brasileiro que compreendeu o governo do Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891) e
do Marechal Floriano Peixoto (1891-1894).
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ou quinta ordem. Rio Branco procurava uma sintonia fina entre diplomacia e
defesa, que seria obtida com a articulação da política externa com um poder
militar robusto.
No período da gestão Rio Branco (1902-1912), foi possível notar uma íntima
aproximação brasileira com a República do Norte, que teria começado alguns anos
antes. Porém, essa aproximação, que teve início com o advento da República,
não se configurou em um “alinhamento automático”, uma vez que esta serviu
os propósitos políticos no plano regional da América do Sul.
Já no primeiro ano de sua gestão, Rio Branco demonstrou grande articulação
na questão do bloqueio naval anglo-germânico, “imposto à Venezuela em dezembro
de 1902 a título de cobrança de dívidas” (Cervo e Bueno 2002, 178). O conflito
iniciou quando navios ingleses e alemães, com o consentimento de Washington,
se aproximaram da costa venezuelana, a fim de “cobrar à força a dívida cujo
pagamento havia sido suspenso pelo presidente Cipriano Castro” (Stuart 2011, 33).
A crise, que iniciou com a ameaça de uso da força, evoluiu para um bloqueio
naval em toda a costa da Venezuela, o que representava a declaração de guerra
contra aquele país. “O bloqueio estendia-se a todos os navios, incluindo os
americanos” (Stuart 2011, 41).
Os EUA não se envolveram em boa parte do tempo, intervindo na crise quando
o embaixador Herbert Bowen manifestou seu descontentamento com a atitude
dos aliados em beneficiar navios europeus em prejuízo dos americanos, que
continuavam a ter que respeitar o bloqueio (Stuart, 2011). Com isso, Washington
apresentou o primeiro protesto formal e alterou a forma de conduzir as negociações.
A postura dos EUA diante do ocorrido manifestou grande indignação na
imprensa latino-americana. O ministro das Relações Exteriores da Argentina,
Drago, “dirigiu nota ao Departamento de Estado norte-americano afirmando
o princípio de que dívida pública não podia ser cobrada com o uso da força”
(Cervo e Bueno 2002, 178). Esse fato ficou conhecido como Doutrina Drago.
A reação da diplomacia brasileira foi distinta da argentina, ou seja, não
acompanhou o ministro Drago no seu protesto. No entendimento de Rio Branco,
os EUA foram consultados antes da efetivação do bloqueio e por não se tratar de
conquista de território, não precisavam evocar o poder de polícia internacional
garantido na Doutrina Monroe. Ademais, a Doutrina Monroe não podia “instituir
em favor dos povos americanos o privilégio de faltar impunimente a compromissos
de honra” (Cervo e Bueno 2002).
Em 1904, o então presidente dos EUA, Theodore Roosevelt (1901-1909),
apresentou o chamado corolário Roosevelt da Doutrina Monroe. Pelo exposto, o
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presidente reivindicava aos Estados Unidos o direito de intervir em conflitos entre
países latino-americanos com a finalidade de manter a estabilidade econômica
e a democracia. Ademais, os EUA tomariam medidas sempre que países latino-
americanos não honrassem suas dívidas (Teixeira 2014). Nesse sentido, Theodore
Roosevelt colocou, de maneira unilateral, a América Latina em um subsistema
de poder liderado pelos norte-americanos.
Mais uma vez, Rio Branco não questionou os termos da mensagem Roosevelt
ao se declarar com o poder de “polícia internacional”. O que fazia sentido, uma
vez que a demonstração de força para garantir a paz coadunava com as ideias
do chanceler brasileiro (Cervo e Bueno 2002). O silêncio oficial da diplomacia
brasileira despertava a suspeita de que o Brasil teria se tornado o guardião da
Doutrina Monroe na América do Sul. Um exemplo disso foi a imagem formada
do Brasil na vizinha Argentina.
A Argentina foi o país que mais questionou a interpretação da Doutrina
Monroe e o pan-americanismo. A atitude de Buenos Aires se fundamentava na
tentativa de alçar como nação líder dos países latino-americanos, destacando-se
pela hegemonia da América do Sul (Dulci 2013). Dessa forma, a opinião pública
argentina acreditava que a posição brasileira de anuência com a política externa
dos EUA fazia parte de um acordo entre os dois países. Ademais, acreditava-se que
fazia parte desse acordo o reaparelhamento naval brasileiro. Assim, o entendimento
portenho sobre a aproximação brasileira dos EUA inseria-se num contexto de
busca pela hegemonia regional com o respaldo dos EUA (Cervo e Bueno 2002).
Entretanto, a aliança não-formal com os EUA estabelecida na gestão de
Rio Branco tinha como principal meta auxiliar no atingimento dos objetivos
políticos almejados pela chancelaria, conforme já mencionado. Paranhos Jr.
percebeu rapidamente o papel que o vizinho do Norte exercia dentro do concerto
internacional. O apoio aos ideais norte-americanos estava relacionado com a
busca pela primazia na América do Sul. Por outro lado, para os anseios dos EUA,
o Brasil era peça fundamental no equilíbrio de poder no Cone Sul.
Os alicerces construídos pelo Barão do Rio Branco se mantiveram após a sua
morte em 10 de fevereiro de 1912. Assim, a amizade com o Vizinho do Norte,
ao longo das décadas seguintes, foi fortalecida pelos enlaces econômicos
13
.
Porém, é importante frisar que “[...] a amizade não significou [...] alinhamento
automático da política externa brasileira ao Departamento de Estado norte-
americano” (Garcia 2001, 476 apud Cervo e Bueno 2002, 199, grifo nosso).
13 Nesse período, os EUA se tornaram o maior comprador do café brasileiro, ao mesmo tempo, ocorreu um relativo
acréscimo de produtos norte-americanos importados pelo Brasil, como exemplo pode-se citar a farinha de trigo.
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Como exemplo disso, podemos citar a postura brasileira diante da Primeira
Guerra Mundial (1914-1918). O Brasil adotou completa neutralidade na maioria
do período que compreendeu o combate, mesmo diante das intimidações dos
alemães, no início de 1917, e da entrada dos EUA no combate, em abril do mesmo
ano. Dessa forma, enquanto as nações europeias sangravam nos campos de
batalha, no Brasil, acirravam-se os debates internos sobre a participação brasileira
no conflito. Dividindo, assim, as opiniões entre germanófilos e pró-aliados (Cervo
e Bueno 2002).
Mesmo com toda intimidação alemã proveniente da guerra submarina irrestrita
ao tráfego mercante, o Brasil tentou manter-se no estado de neutralidade o máximo
possível. Em fevereiro de 1917, o governo brasileiro foi notificado oficialmente pelo
governo imperial alemão do estabelecimento de um bloqueio naval ao comércio
marítimo da Grã-Bretanha, França, Itália e Mediterrâneo (Cervo e Bueno 2002).
Adicionalmente, a notificação revelava que o não cumprimento do bloqueio, por
qualquer tipo de navio, seria combatido com ataques sem restrições. Portanto,
estariam sujeitos aos ataques qualquer tipo de navio, não importando a carga,
nem tripulação que estariam sendo transportadas (Martins 1997).
O governo brasileiro não demorou em responder que não poderia cumprir o
bloqueio naval, pois afetava diretamente a economia agroexportadora brasileira.
Sendo assim, navios brasileiros começaram a ser torpedeados por submarinos
alemães, em abril de 1917, porém a declaração do estado de guerra com o Império
Alemão só ocorreu em outubro (Martins 1997). A atitude brasileira gerou uma
boa impressão nos países europeus e nos EUA, que se interessavam por esse
posicionamento, uma vez que poderiam influenciar os demais países sul-americanos.
Segundo Ricupero (2017), o Brasil saiu da Conferência de Paz do pós-guerra
em uma situação de prestígio, principalmente, quando se leva em conta o
tamanho da participação brasileira no conflito e a capacidade de influência
que o País possuía, à época, na arena internacional. O Brasil foi o único país
latino-americano, além de Cuba, que estava sob tutela dos EUA, a participar do
primeiro conflito mundial. A atuação brasileira, mesmo ocorrendo na fase final
do conflito, garantiu-lhe uma posição na Liga das Nações
14
e no seu Conselho
como membro eleito (Cervo e Bueno 2002).
14 A Liga das Nações (LN) foi a primeira organização internacional que englobaria todos os Estados soberanos
que escolhessem compor seus quadros, visando a superar os perigos da anarquia do sistema internacional. Seu
desenho institucional representou a intenção das grandes potências da época em dar continuidade ao status
quo adquirido, mantendo a lógica dos Estados soberanos, concomitantemente a um projeto de transformação
baseado no progresso, na razão e na democratização das relações internacionais.
Marcelo Marcel Felix; Alexandre Rocha Violante
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 1, e1088, 2021
13-24
Entretanto, essa percepção de notoriedade começou a se dissipar conforme
ocorriam as Conferências e os pleitos brasileiros não se concretizavam, uma vez
que as nações mais poderosas impunham seus interesses em detrimento dos
demais membros.
Um exemplo disso ocorreu durante a Conferência de Paz de Washington,
em 1922, na qual ampliou-se para todos os Estados membros da Liga a restrição
de tonelagem do armamento naval, ou seja, a quantidade de tonelagem em
navios deveria ser mantida a mesma, evitando, assim, a corrida armamentista.
A decisão não favoreceu o Brasil, que possuía uma esquadra bem aquém da vizinha
Argentina (Vidigal 1985). Porém, vale ressaltar que, nessa época, o mundo era
varrido por uma onda pacifista, após os horrores da Primeira Guerra Mundial.
Ao final do conflito, a fraqueza do poder militar brasileiro tornou-se evidente.
O ímpeto modernizador se fez presente nas Forças Armadas, que procuraram
o auxílio de outras nações para se modernizarem. Assim, em 1920, o Exército
contratou uma missão francesa e a Marinha seguiu o exemplo, contratando, em
1922, a Missão Naval Americana (MNA) (Waldmann 2015).
A MNA marcou o início de um longo relacionamento entre as duas marinhas
e influenciou várias gerações de oficiais brasileiros (Vidigal 1985). Além disso,
os laços cultivados se revestiriam de importância quando, em 1942, o Brasil e
os EUA se uniram para combater a ameaça submarina no Atlântico.
As ideias modernizantes, fruto dessa parceria, não encontraram ressonância
política em um primeiro momento. Dessa forma, apesar das mudanças realizadas,
com o auxílio da Missão Naval, na organização e estrutura da instituição, estas
não se concretizaram em termos de meios mais modernos para a Esquadra
brasileira, ou seja, as conjunturas políticas, tanto nacional quanto internacional,
não privilegiavam o reaparelhamento naval (Ricupero 2017).
Porém, no início da década de 1930, ocorreu uma mudança nesse quadro.
Começou a ser desenvolvida uma nova percepção do interesse nacional baseada
em uma política externa pragmática voltada à modernização do País (Cervo e
Bueno 2002). A política forte da Era Vargas
15
permitiu ao Brasil desenvolver
diversos setores de base da economia, nos quais foi inserida a modernização
das Forças Armadas, um dos pilares da política de Getúlio Vargas.
15 Período histórico, no qual Getúlio Vargas permaneceu no poder. Vai da Revolução de 1930 até 1945.
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Relação Brasil-EUA na Era Vargas
O mundo, em 1929, estava passando por uma de suas fases mais
turbulentas, inaugurada com o colapso da Bolsa de Nova Iorque seguida da
Grande Depressão (Ricupero 2017). Países periféricos, como o Brasil, não ficaram
imunes às consequências da grande crise mundial. No caso brasileiro, a forte
vulnerabilidade da economia de exportação agrícola gerou pressões internas para
que fossem buscadas soluções que favorecessem a independência econômica e
o desenvolvimento social (Cervo e Bueno 2002).
A situação econômica serviu de estopim para acirrar as rivalidades entre
as oligarquias dos Estados de São Paulo e Minas Gerais colocando um fim na
política do café com leite
16
. As eleições de primeiro de março de 1930 deram
a vitória ao candidato governista Júlio Prestes, então “presidente”
17
do Estado
de São Paulo. Porém, a Revolução de 1930, movimento armado liderado pelos
estados deMinas Gerais,ParaíbaeRio Grande do Sul, culminou com a chegada de
Getúlio Dornelles Vargas ao poder, em três de novembro daquele ano, encerrando
o arranjo político oligárquico.
Segundo Ricupero (2017, 322), o início do mandato de Vargas foi marcado
por uma forte turbulência financeira provocada, principalmente, pelos juros da
dívida externa. Essa turbulência transbordou para a esfera política-ideológica,
onde pôde-se observar a formação de partidos e movimentos de massa. Porém,
Vargas foi capaz de desenvolver uma política de conciliação em nome da unidade
brasileira. Dessa forma, trouxe para o seu lado antigos inimigos ou, pelo menos,
conseguiu limitá-los à neutralidade; e com muita habilidade, evitou alianças
partidárias-ideológicas (McCann Jr. 1995).
O poder de articulação de Vargas se fez notar ao término do período do
Governo Provisório, em 1934, quando ele permaneceu no poder com o apoio dos
militares (CERVO E BUENO, 2002). Esse apoio foi fundamental para a manutenção
de Vargas no poder, tendo em vista o enfraquecimento do sistema oligárquico.
Entretanto, segundo McCann Jr. (1995), a utilização desse apoio não tornava
Vargas subserviente aos desejos castrenses, pelo contrário, ele conseguiu utilizar
as Forças Armadas como instrumento de coesão interna e desenvolvimento do
país.
16 Acordo firmado entre as oligarquias estaduais e o governo federal durante a República Velha, para que os
presidentes da República fossem escolhidos entre ospolíticos de São Paulo e Minas Gerais.
17 Na época, denominação atribuída a quem governava os estados.
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Além disso, fazia parte do jogo político de Vargas agradar os que o sustentavam
no poder, que, naquela ocasião, eram os militares. Dessa forma, segundo Waldmann
(2015), ele garantiu a fidelidade dos oficiais dos mais altos postos com a promessa
de rearmamento das Forças. Assim, foi aprovado, em 1932, um plano de renovação
de maios flutuantes, inclusive com crédito alocado para esse fim conforme consta
no Relatório do então Ministro da Marinha (Brasil 1932).
Apesar do afastamento da Marinha em relação às questões políticas, Vargas
estava consciente de que não possuía a simpatia automática dos Almirantes. Por
isso, precisava conquistar essa fidelidade, alocando recursos para a renovação da
Marinha. Em outras palavras, “era perigoso ficar testando a paciência da Marinha
com promessas não cumpridas” (Hilton 1997, 189 apud Waldmann 2015, 2-3).
A crise econômica e política perdurou até a decretação do Estado Novo em
novembro de 1937. O novo regime tinha como característica a centralização do
poder com a desarticulação do Poder Legislativo, ou seja, Vargas tornou-se um
ditador que passou a organizar a política interna buscando inspirações, pelo
menos parcialmente, nas instituições fascistas (Ricupero 2017).
Para superar os desafios econômicos, Vargas adotou medidas extremas,
como a suspensão do pagamento da dívida externa, justificando-se através da
bandeira da modernização do Brasil. Dessa forma, a suspensão do pagamento
teve como principais beneficiários o reaparelhamento das Forças Armadas e o
desenvolvimento do setor de infraestrutura e indústrias de base. Em diversas
ocasiões, deixou claro seu projeto de construção de uma siderúrgica como base
para o desenvolvimento dos transportes e reaparelhamento econômico do país
(McCann Jr. 1995; Cervo e Bueno 2002).
As demandas pelo armamento e a questão da siderurgia deixaram de
constituir um assunto exclusivamente interno e passaram a ser prioridade dentro
da agenda da política externa brasileira (Alves 2002). Dessa forma, a capacidade
de articulação demonstrada por Getúlio Vargas no campo interno, para manter
a coesão nacional, também foi verificada na esfera internacional.
A diplomacia da Era Vargas se dividiu em dois períodos: i) de 1930 a 1937,
que pode ser considerado como uma continuidade da agenda anterior, tendo
em vista principalmente os problemas de ordem interna, aos quais o governo
Vargas teria atribuído prioridade; ii) de 1937 a 1942, a partir da vigência do
Estado Novo, em que, à medida que a crise mundial caminhava para um desfecho
bélico, a agenda política se alterou, passando a ser dominada pelas apreensões e
desafios diante da guerra e das alianças entre os beligerantes; (Ricupero 2017);
e iii) de 1942 a 45, período em que procurou estabelecer uma política externa
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mais pragmática com os EUA, em face da entrada da potência do Norte na
2
a
Guerra Mundial (Pinheiro 2000; 2010).
Segundo Ricupero (2017), o chamado “jogo duplo”, que caracterizou a política
externa de Vargas até janeiro de 1942, tinha como característica a manutenção
do comércio de compensação, praticado com a Alemanha, ao mesmo tempo
que mantinha um vínculo político mais forte com os EUA. Isso não permitiu,
contudo, que houvesse enfraquecimento de ambas as partes envolvidas. Por outro
lado, os EUA praticaram com o Brasil uma diplomacia de paciência, permitindo
que prevalecesse a antiga aliança não formal construída por Rio Branco (Alves
2002; Ricupero 2017).
Nesse contexto, a presença do brasileiro, Embaixador Oswaldo Aranha, no
exterior mostrou-se fundamental. Uma vez que já se tratava de conhecimento
público que Aranha mantinha com Vargas uma longa amizade, além de possuir
um excelente relacionamento com o Subsecretário de Estado dos EUA, Sumner
Welles (McCann Jr.1995).
Oswaldo Aranha era a pessoa certa para realizar o trabalho de manutenção
das boas relações políticas entre Brasil e EUA, principalmente, durante o período
de desconfiança das intenções do novo regime político brasileiro. Sendo assim,
utilizando-se do seu renomado prestígio junto às autoridades estadunidenses,
Aranha foi fundamental para reforçar a confiança de Washington no Brasil
(McCann Jr.1995).
No entanto, segundo Alves (2002), a relevância atribuída por McCann tanto
ao Embaixador brasileiro quanto à Vargas está inserida no contexto de uma
análise que enfatiza a conjuntura externa da época. Fazia-se necessário ter um
olhar a partir do sistema internacional de modo a se evitar conclusões exageradas
quanto à autonomia brasileira.
Logo, do ponto de vista dos EUA, a aceitação tácita do comércio compensado
Brasil-Alemanha foi vista como uma forma de “ganhar a confiança [...] dos
policy makers brasileiros que acreditavam ser benéfico estreitar relações com
uma potência que, teoricamente, procurava compreender também os interesses
de seus aliados mais fracos” (Alves 2002, 61).
A Conferência Pan-americana de 1933, em Montevidéu, inaugurou uma nova
política de aproximação dos EUA com os países latino-americanos, a chamada
política da “boa vizinhança
18
”, cuja natureza consistia em prestar apoio aos países
18 Criada durante o governo de Franklin Roosevelt para contrabalançar a imagem imperialista deixada pela
política do Big Stick de Theodore Roosevelt.
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latino-americanos com investimentos e tecnologia (Ricupero 2017). Em troca,
esses países deveriam dar apoio à política externa norte-americana. Essa política
criou os alicerces de uma nova aproximação com os países latino-americanos,
que se mostraria fundamental para o esforço estadunidense na Segunda Guerra
Mundial (1939-1945).
Conforme a Wehrmacht
19
varria os campos na Europa no início do conflito
mundial, nos EUA, aumentava a certeza de que o Ocidente se encontrava em
risco. Existia um receio de que os países da América, com mais dificuldades
socioeconômicas e políticas domésticas débeis, poderiam se converter mais
facilimamente ao nazifascismo (Tota 2000). Dessa forma, o governo norte-
americano precisava encontrar uma solução que garantisse a segurança contra
manifestações ideológicas pró-nazistas na América.
Durante a campanha para a reeleição de Franklin Delano Roosevelt, em
1936, dois grupos se destacavam na proposta de política para a América Latina.
O primeiro, liderado pelo subsecretário de Estado Sumner Welles, tinha uma
orientação mais imperialista, que defendia a intervenção nos países que possuíssem
grupos políticos pró-nazistas. O segundo, organizado por Nelson Rockefeller
20
,
defendia uma abordagem mais branda, com base no intercâmbio cultural,
utilizando-se dos meios de comunicação e entretenimento (rádio, revistas, jornais,
cinema etc.) para angariar adeptos à causa norte-americana (Tota 2000).
A abordagem do segundo grupo era a que melhor se encaixava na política da
“boa vizinhança” de Roosevelt. Além disso, ofereciam uma expressiva vantagem
em relação ao outro. Rockfeller possuía um grande poder financeiro e sua
fundação, desvinculada do aparato estatal, já estava presente na América Latina,
atuando em missões religiosas e culturais que faziam apologia antirrevolucionária
(Tota 2000).
Em 1939, quando o Chanceler Oswaldo Aranha foi aos EUA para formalizar
acordos de cooperação, gerou-se uma expectativa nos militares de que seria
possível a aquisição de navios para a Marinha, porém isso não ocorreu (Cervo
e Bueno 2002; McCann Jr. 1995). Na verdade, a força da política isolacionista
estadunidense ainda não permitia a venda de vasos de guerra, o que deixava
Roosevelt de mãos atadas (Waldmann 2015).
19 Nome atribuído às Forças Armadas alemãs na Segunda Guerra Mundial.
20 Membro de uma das famílias mais ricas do mundo, ele foi presidente do Rockefeller Center, Inc., e atuou
como administrador, tesoureiro e presidente do Museu de Arte Moderna, e fundou o Museu de Arte Primitiva
em 1954.
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Na esfera político-militar, Vargas continuou a utilizar as Forças Armadas como
um dos pilares do seu governo, por isso agradar os militares estava dentro dos
seus objetivos, ao mesmo tempo que, para os militares, a questão do armamento
ganhava um enorme peso (WALDMANN, 2015). A Marinha tentou rapidamente
conseguir navios no exterior, tanto através do comércio de compensação europeu
quanto de forma liberal com os EUA.
Com o início do conflito mundial, esse quadro foi alterado. A política
isolacionista norte-americana foi derrubada, ou seja, os EUA passaram a vender
armamentos para beligerantes e para outros países (Waldmann 2015). Por outro
lado, com o envolvimento da Grã-Bretanha no conflito e o consequente bloqueio
naval no Atlântico, o comércio de armamento europeu fechou-se para a América,
afetando o comércio de compensação brasileiro com os países europeus.
A partir daí, os EUA passaram a apoiar a construção naval no Brasil. Iniciando
pela construção dos contratorpedeiros classe Marcílio Dias, incorporados à esquadra
em 1943 (Vidigal 1985). O apoio estadunidense dado à Marinha estava baseado
em uma relação de confiança construída ao longo do tempo. A imagem que os
EUA faziam da Marinha brasileira era de que se tratava de uma das instituições
mais pró-EUA no Brasil (Waldmann 2015). Nesse aspecto, o Exército não usufruía
de tal prestígio, tendo em vista que, suas lideranças, generais Góes Monteiro e
Gaspar Dutra, erem vistos como pró-germânicos (McCann Jr. 1995).
A Marinha, com o apoio da MNA, tentava tirar o maior proveito possível
da aproximação com o governo norte-americano. O problema das bases navais,
por exemplo, era assunto que se arrastava por anos. A criação de uma estrutura
marítima-naval que atendesse os interesses nacionais nunca saía do papel (Duarte
1968). Dessa forma, a componente naval das Forças Armadas demonstrava que
a nova percepção do interesse nacional que caracterizou a Era Vargas estava
presente nas ações castrenses na busca pelo desenvolvimento.
Com a entrada dos EUA na guerra, após o ataque japonês, em 7 de dezembro
de 1941, à base norte-americana em Pearl Harbor, no Havaí, o Brasil se proclama
solidário à causa norte-americana, o que levaria o Brasil, em 15 de janeiro de 1942,
através do pronunciamento do então Chanceler Oswaldo Aranha, a romper relações
diplomáticas com as nações do Eixo (Gama e Martins 1985). Esse ato colocou fim
ao “jogo duplo” e deu início ao alinhamento brasileiro aos Estados Unidos.
A partir daí, o Office colocou em prática um plano de intercâmbio de
comunicação e informação de aspectos culturais, geopolíticos e econômicos
da América Latina. Nesse universo, se enquadrava o Brasil, que protagonizou
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diversos filmes e programas de rádio norte-americanos que apresentavam um
Brasil culturalmente forte e com muitos recursos naturais e humanos importantes
para o esforço de guerra norte-americano (Tota, 2000). Esse material era divulgado
nos EUA e no Brasil, de maneira a tornar as nações mais próximas.
Porém, o alinhamento veio acompanhado da barganha brasileira. O Brasil
acertou os últimos detalhes da construção da siderúrgica e passou a receber
recursos do programa Lend-Lease
21
(Alves 2002). Em contrapartida, Vargas abriu
os portos e bases aéreas e navais às forças norte-americanas no Atlântico Sul.
Além disso, o Brasil fornecia produtos primários como: a borracha, o manganês,
o quartzo e o café, produtos vitais ao esforço de guerra norte-americano.
A parceria evoluiu para uma aliança diplomática-militar formalmente
estabelecida em maio de 1942. Com a escalada da crise, o Brasil entrou formalmente
na guerra em agosto do mesmo ano (Gama e Martins 1985). A participação da
Marinha se deu no apoio à defesa do Atlântico Sul, cuja responsabilidade estava
a cargo do norte-americano, Almirante Jonas H. Ingram (Waldmann 2015).
Vargas deu a Ingram total autoridade sobre a Marinha e a Força Aérea Brasileira,
além de total responsabilidade pela defesa de toda a costa brasileira (McCann
Jr. 1995). Assim, a proximidade entre a Marinha e a U.S. Navy, construída pela
MNA, proporcionou rápidos resultados na questão da defesa hemisférica no
Atlântico Sul.
Graças ao programa Lend-Lease, as Forças Armadas foram reequipadas.
A Marinha adquirira navios mais modernos, com aumento de 20% no contingente.
Isso sem contar com os ensinamentos doutrinários adquiridos. Não obstante,
o Brasil emergia do conflito com a “economia fortalecida, expansão de reservas e
das exportações, dívida externa equacionada, indústria dinamizada e siderurgia
em vias de implementação” (Ricupero 2017). Ademais, o prestígio internacional
do país atingia o mais elevado nível em muitas décadas, só se igualando à época
de Rio Branco.
Conclusão
Neste artigo, apresentou-se, através de uma abordagem histórica, o cunho
da relação Brasil-EUA no período de 1889 a 1942. O esforço foi no sentido de
21 Com o programa de ajuda norte-americana, a Marinha recebeu recursos e apoio para melhorias na infraestrutura
naval.
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demonstrar que, diferentemente do que se imagina, essa relação, na maioria das
vezes, foi revestida de cautela, realismo e pragmatismo pelo governo brasileiro,
investida de paciência e, por vezes, de desinteresse por parte dos EUA.
A historiografia sugere que os EUA se apresentam como uma nação imperialista
desde o início de sua formação como país. Esse imperialismo se revestiu de
interesses econômicos e ideológicos. Nesse sentido, os EUA se expandiram
através de expedições exploratórias em terra, com a marcha para o Oeste; e no
mar, com as esquadras além-mar.
A utilização das esquadras além-mar para garantir a segurança dos interesses
nacionais, em conjunto com as expedições revestidas com o mito messiânico,
permitiu que os norte-americanos construíssem um conhecimento próprio do
mundo, aumentando a rede de influência econômica e cultural. Nessa rede,
estavam inseridos os países latino-americanos.
Apesar da instabilidade política do início republicano brasileiro, a diplomacia
permaneceu organizada, o que contribuiu para uma aproximação cautelosa
entre Brasil-EUA. A herança diplomática deixada pelo Império se revelou em
diversas ocasiões, nas quais o Brasil buscou um posicionamento central, evitando
confrontos diretos com as nações americanas.
Esse período também foi marcado pelo americanismo dentro da PEB, ou seja,
o Brasil, ao romper com o isolacionismo imperial, descobriu seus vizinhos norte-
americanos e demais nações hispano-americanas. Como consequência, foram
celebrados os primeiros acordos de cooperação com as nações vizinhas. Porém,
surgem as primeiras crises internacionais envolvendo as questões fronteiriças,
nas quais Rio Branco e sua equipe conseguem os primeiros êxitos externos para
a jovem República.
Na gestão de Rio Branco (1902-1912) como Chanceler, o realismo e o
pragmatismo tornaram-se os paradigmas da diplomacia brasileira. O Barão do
Rio Branco soube, com cautela, se posicionar nas polêmicas pautas das primeiras
conferências pan-americanas. Evitou, assim, entrar em atrito com a vizinha
Argentina, além de firmar com os EUA uma aliança não-formal, que foi utilizada
como barganha, principalmente, nas questões que envolviam a agroexportação
e o reaparelhamento naval.
O prestígio internacional brasileiro, conquistado na gestão Rio Branco,
permaneceu nos anos seguintes. O reflexo foi verificado nos enlaces comerciais,
principalmente, com os EUA. A projeção internacional foi reforçada com a
participação brasileira na Primeira Guerra Mundial. A contribuição brasileira no
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conflito garantiu uma posição no Conselho da Liga das Nações como membro
eleito.
Após o primeiro conflito mundial, a fraqueza das Forças Armadas brasileiras
era digna de nota. Esse sentimento levou o Exército e a Marinha à buscarem
uma modernização institucional. Dessa forma, em 1922, o Brasil contratou a
MNA com o objetivo de reestruturar a instituição, prestando assistência técnica
e profissional. Era o início de uma relação auspiciosa entre as duas marinhas,
cujos efeitos puderam ser sentidos na forma de pensar e de agir dos oficiais
brasileiros e nos transbordamentos na política externa.
As alterações na política brasileira no início dos anos 1930 não repercutiam,
inicialmente, na esfera internacional. Porém, conforme o governo Vargas
demonstrava certa afeição aos ideais autoritários dos nazifascistas, a preocupação
norte-americana aumenta. Foi um período em que as investidas do governo alemão
se mostram cada vez mais presentes, principalmente, no comércio internacional
de armamento.
A partir de 1933, a política da “boa vizinhança” de Roosevelt alterou a
postura dos norte-americanos em relação aos países latino-americanos. Foi a
maneira encontrada pela política de Roosevelt de superar as dificuldades da
crise de 1929 e concomitantemente alterar a imagem intervencionista deixada
por gestões anteriores.
No Brasil, o governo revestido de um novo ideal modernizante passa a priorizar
as medidas que atendam os interesses nacionais voltados para o desenvolvimento.
Com esse ideário, Vargas inaugura o governo ditatorial do Estado Novo (1937) e
estabelece, na esfera internacional, uma diplomacia de “jogo duplo”. Com uma
desenvoltura que lhe era peculiar, Vargas mantinha o comércio de compensação
com a Europa, ao mesmo tempo que prosseguia com o vínculo político com os
EUA.
A posição isolacionista inicialmente adotada pelos EUA beneficiou o “jogo
duplo” brasileiro. Entretanto, conforme a Alemanha “varria” a Europa Ocidental,
aumentava a certeza norte-americana de que o hemisfério ocidental seria atingido
pela ideologia nazifascista. Para se contrapor à propaganda alemã, Roosevelt
iniciou um projeto sociocultural nos países latino-americanos. O intercâmbio
cultural mostrou-se fundamental, derrubando barreiras entre os governos e
iniciando uma aliança mais profunda entre Brasil e Estados Unidos.
A esfera militar também trouxe sua contribuição para a aliança. A Marinha
do Brasil e a U.S. Navy já possuíam uma longa amizade. Isso permitiu que o
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Departamento de Estado enxergasse a instituição brasileira como pró-EUA, o que
facilitou a ajuda norte-americana na construção de navios e de infraestrutura
naval no Brasil.
Após a entrada dos EUA na guerra, o Brasil rompeu relações com as nações
do Eixo. Dessa forma, se encerrava o período do “jogo duplo”. Entretanto, o
alinhamento brasileiro, representado pelo acordo de cooperação Brasil-EUA, só foi
concretizado após os acertos para a construção da siderúrgica e das benfeitorias
na área de infraestrutura militar. Quando o Brasil entrou na guerra, o acordo
deixou de ser cooperação e se transformou em uma aliança diplomática-militar
entre os dois países.
Assim, no período definido neste artigo, de 1889 a 1942, não foi possível
observar, nas relações entre Brasil e EUA, um alinhamento automático com o
vizinho do Norte. A diplomacia brasileira, nas primeiras décadas republicanas,
revestida de realismo e pragmatismo, soube, na medida do possível, utilizar a
aproximação como elemento de barganha para os objetivos nacionais, haja vista
as condições propícias que o período da 2
a
Guerra Mundial possibilitou em termos
de aproximação política-estratégica e a ajuda ao desenvolvimento econômico
nacional. Por outro lado, os EUA se aproximaram do Brasil com interesses
comerciais, principalmente, nos momentos nos quais o cenário internacional
possibilitava a diminuição de sua influência hemisférica. Dessa forma, sempre
enxergaram o Brasil mais como um aliado nas horas difíceis do que uma nação
débil digna de intervenção.
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