Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
29
A internacionalização do ensino
superior no Brasil: analisando
comparativamente a mobilidade
internacional de estudantes face
à realidade latino-americana
The Internationalization of Higher
Education in Brazil: A Comparative
Analysis of International Mobility
of Students in Latin America
DOI: 10.21530/ci.v15n3.2020.1064
Cairo Gabriel Borges Junqueira
1
Rafael de Moraes Baldrighi
2
Resumo
A internacionalização do ensino superior, considerada um novo pilar
universitário ou até mesmo um processo que se integra às questões
envolvendo ensino, pesquisa e extensão, adquiriu grande relevância
nas últimas décadas. Dentre suas atividades, este artigo enfatiza
o aspecto de mobilidade estudantil incoming, ou seja, a entrada
de estudantes estrangeiros em determinado país. Nosso objetivo é
analisar o aspecto de mobilidade estudantil internacional no Brasil,
procurando apontar possíveis razões que explicam a seguinte pergunta:
por que o país recebe menos estudantes internacionais se comparado
1 Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago
Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP); Professor do Departamento de Relações
Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (DRI/UFS), Sergipe, Brasil.
(cairojunqueira@gmail.com); ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3753-9769
2 Mestrando em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação do Instituto de
Relações Internacionais na Universidade de São Paulo (IRI-USP), São Paulo, Brasil.
(rafaelbaldrighi@gmail.com); ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7527-3404
Artigo submetido em 10/04/2020 e aprovado em 16/08/2020.
Copyright:
• This is an open-access
article distributed under
the terms of a Creative
Commons Attribution
License, which permits
unrestricted use,
distribution, and
reproduction in any
medium, provided that
the original author and
source are credited.
• Este é um artigo
publicado em acesso aberto
e distribuído sob os termos
da Licença de Atribuição
Creative Commons,
que permite uso irrestrito,
distribuição e reprodução
em qualquer meio, desde
que o autor e a fonte
originais sejam creditados.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
30
a outros da América Latina? Através de estudo de caso comparado com small-n, o Brasil é
relacionado com Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Honduras e República Dominicana,
utilizando-se quatro condicionantes de comparação: idiomas oficiais dos países em questão;
reputação internacional das universidades por país, com base em rankings internacionais;
presença de uma rede civil-científica de migrantes nos países; e a percepção da violência.
A análise visa problematizar a internacionalização no ensino superior na América Latina e
designadamente no Brasil, concluindo que as variáveis relativas ao idioma e à presença de
rede civil-científica são fatores de impacto que podem explicar o porquê do país estar abaixo
da média regional em relação ao número de estudantes estrangeiros nas universidades.
Palavras-chave: Internacionalização; Mobilidade Incoming; América Latina; Brasil; Estudo
de Caso.
Abstract
Internationalization of higher education, considered a new university pillar or even a
process that integrates issues involving teaching, research and service, has acquired great
relevance in recent decades. Among its activities, this article emphasizes the aspect of
incoming student mobility, that is, the access of foreign students into a given country. Our
goal is to analyze the aspect of international student mobility in Brazil, trying to point
out possible reasons that explain the following question: why the country receives fewer
international students compared to others in Latin America? Through a comparative case
study with small-n, Brazil is related to Argentina, Chile, Colombia, Ecuador, Honduras
and the Dominican Republic, using four conditions of comparison: official languages of
the countries; international reputation of universities by country based on international
rankings; presence of a migrant civil-scientific network; and the perception of violence.
The analysis aims to discuss internationalization of higher education in Latin America and
especially in Brazil, inferring that the variables related to language and the presence of
civil-scientific network are impact factors that may explain why the country is below the
regional average in relation to the number of foreign students in colleges.
Keywords: Internationalization; Incoming mobility; Latin America; Brazil; Case Study.
Introdução
Processos de internacionalização universitária de grande relevância e
vinculantes podem ser remontados às últimas décadas do século XX, destacando-se,
principalmente, as iniciativas europeias. A Magna Charta Universitatum (1988) e a
Declaração de Bolonha (1999) são marcos para a padronização de procedimentos
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
31
e fomento da internacionalização de Instituições de Ensino Superior (IES) no
continente europeu. Desde então, o advento da livre circulação de pessoas e
serviços, de uma moeda única e de programas de fomento, como os projetos
Erasmus, no rol de desenvolvimento da integração no continente, contribuíram
para intensificar o fluxo de mobilidades de discentes, docentes, pesquisadores
e programas intra-europeus.
Iniciativas similares, com o objetivo de atrair discentes e pesquisadores
estrangeiros, ganharam grande destaque nas últimas décadas, principalmente
em países anglo-saxões como Estados Unidos (EUA), Canadá e Austrália.
Posteriormente, e ainda que de modo mais incipiente, os países latino-americanos
também apresentam programas e projetos similares para a internacionalização
de suas IES. No caso do Brasil, por exemplo, podemos destacar iniciativas
como o Ciência Sem Fronteiras (2011–2017) e o Programa Institucional de
Internacionalização (PrInt), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES). Expandindo para o espaço latino e ibero-americano,
programas da Fundación Carolina, do Santander Universidades e de Becas Alianza
del Pacífico também merecem destaque.
A par das iniciativas recentes e do fato de a internacionalização universitária
representar um escopo maior de análise, conforme será observado na próxima
seção, o recebimento de estudantes internacionais ainda é muito baixo na América
Latina, especialmente no Brasil, quando comparado a seus vizinhos. De acordo
com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO), em 2017, apenas 0,75% de todos os estudantes matriculados no
ensino superior latino-americano era estrangeiro. Quando comparado a outras
regiões do mundo, como a África Subsaariana (1,71%), os países árabes (2,95%)
e a América do Norte/Europa Ocidental (7,33%), este número mostra-se relativa
e quantitativamente baixo (Unesco 2019).
Ademais, apesar de contar com o maior número de universidades latino-
americanas bem posicionadas em rankings de IES do mundo todo — como o
Shanghai 1000 (Shanghai Consultancy ARWU), o Times Higher Education (THE)
e a Quacquarelli Symonds (Q&S) —, o Brasil recebe menos de um quarto, cerca
de 20 mil alunos estrangeiros, dos estudantes internacionais que a Argentina,
por exemplo, recebe. O país ainda fica atrás, na região, em números absolutos,
do México e, comparativamente, de outros países, como Chile, Honduras e
República Dominicana.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
32
Considerando esses dados iniciais, a problematização central é apresentada
da seguinte maneira: por que, afinal e proporcionalmente, o Brasil recebe menos
estudantes internacionais se comparado a outros países da América Latina?
Buscar-se-á analisar o aspecto de mobilidade estudantil internacional no Brasil,
procurando apontar possíveis razões e fatores que explicam a pergunta central.
O presente trabalho realizará, portanto, estudo de caso comparado com
small-n e terá quatro condicionantes de atração de estudantes internacionais
para averiguação dos resultados. Estes foram escolhidos com base em literatura
internacional consolidada neste tema e são limitados a quatro para evitar problemas
metodológicos de muitas variáveis (Collier 1993). Tais variáveis são: 1) o(s)
idioma(s) oficial(is) dos países em questão; 2) a reputação internacional das
IES por país, com base em rankings internacionais; 3) a presença de uma rede
civil-científica de migrantes no país analisado; e, por fim, 4) a percepção da
violência. Logo, tentar-se-á entender os motivos do baixo número incoming do
Brasil, tanto em um contexto mundial, quanto regional, absoluto e comparado.
Além da introdução e das considerações finais, o artigo está estruturado
em três grandes seções. A primeira procura responder à seguinte questão:
o que compreende o conceito de internacionalização das IES? Aqui o intuito é
contextualizar brevemente os processos de internacionalização e especificamente de
mobilidade incoming no Brasil e na América Latina. A segunda parte compreende
a apresentação metodológica estruturada em estudo de caso comparado com
small-n. Por fim, a terceira seção apresenta a investigação em si, com apresentação
de dados, com destaque para os da UNESCO e da CAPES, e aplicação dos métodos
tanto para o Brasil quanto para outros seis países da região: Argentina, Chile,
Colômbia, Equador, República Dominicana e Honduras. A partir da análise,
concluímos que ‘idioma’ e ‘migrantes’ são variáveis de impacto na mobilidade
incoming e que o Brasil apresenta os piores desempenhos da amostra nestes
dois condicionantes.
Internacionalização no ensino superior: contextualizando e
definindo o conceito
Mesmo tratando especificamente sobre casos de mobilidade acadêmica entre
diferentes IES, a internacionalização do ensino superior representa uma abordagem
mais ampla e que também envolve outras iniciativas e articulações. Assim, é
necessário contextualizar o debate e trazer diferentes abordagens conceituais
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
33
presentes na bibliografia da área, inserindo-o nos pilares universitários, com
ênfase específica para a América Latina.
Em um primeiro momento é interessante pontuar que a internacionalização
não é um fenômeno recente, mas vem se desenvolvendo consideravelmente
desde o último quarto do século XX. Para Santos e Almeida Filho (2012),
a internacionalização enquadra-se, sobretudo, como a “quarta missão” da
universidade, justamente porque as três primeiras são representadas pelo tripé:
ensino, pesquisa e extensão. Assim, mais adiante da construção do conhecimento
através da ministração de aulas, de investigações de cunho teórico e empírico
ou até mesmo dos processos educativos e culturais que transpassam as barreiras
universitárias, a internacionalização acaba tendo como um dos principais objetivos
a construção para consolidação de Espaços Integrados de Conhecimento.
Considerável parcela das investigações a respeito da internacionalização
em IES pontua duas questões centrais para seus desdobramentos: o estímulo
europeu para com a matéria e os desdobramentos da globalização. Nos dizeres
de Altbach e Teichler (2001), a internacionalização tornou-se algo inevitável,
justamente porque algumas universidades europeias, como as de Paris e Bolonha,
criadas no século XIII, eram, em suas essências, instituições internacionais.
Conforme pontuado no início do artigo, as normativas em torno da padronização
da internacionalização universitária nasceram exatamente no âmbito europeu no
final da década de 1980. Anos mais tarde, com o Tratado de Maastricht (1992),
novas políticas educacionais foram colocadas em pauta, justamente no momento
em que se consolidava a União Europeia. Em perspectiva mais abrangente de
sua integração regional, a ideia de criação de uma “cidadania europeia” ou até
mesmo uma “identidade europeia” passaria, necessariamente, pelo surgimento
de novas políticas educacionais, a exemplo dos programas Eramus+ e Horizonte
2020, que dão suporte ao diálogo entre diferentes IES, estimulam a mobilidade
acadêmica (Comissão Europeia 2020) e representam, em grande medida, o
pragmatismo em torno da internacionalização das IES tanto em solo europeu
quanto em outros países.
Em análise de Dutra e Maranhão (2017), corroborando os escritos de Araújo
e Silva (2015), a internacionalização foi vista essencialmente como “filha da
globalização”, sobretudo nas últimas três décadas. Para Qiang (2003), tal impulso
à internacionalização ocorreu como demanda da globalização em termos sociais,
econômicos e trabalhistas, sendo que esses três pilares deram o impulso necessário
para a educação superior transpassar fronteiras nacionais.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
34
Retomando os dizeres de Altbach e Teichler (2001), os autores apontam
que, no início do milênio, as globalizações econômica e acadêmica eram
processos inevitáveis, uma vez que a educação superior carregava consigo
a possibilidade de se adaptar às mudanças de então. Apontam que o uso da
internet, a “harmonização” de normativas que tratam sobre cursos e créditos,
o uso do idioma inglês como base de pesquisas, a geração de um mercado
global acadêmico propício a professores e estudantes e o intercâmbio entre
diferentes campi resultavam em grande estímulo à internacionalização em si.
Mas a dúvida que hoje verificamos é até que ponto essa realidade, pautada em
meio à globalização e sustentada nos pontos acima, pode ser aplicada alhures,
ou seja, para fora do modelo europeu ou até mesmo anglo-saxônico. Não é
objetivo central do texto debater o que é a globalização, mas devemos nos ater
ao fato de que a mesma não opera de modo igualitário em todos os lugares do
mundo, justamente porque depende de fatores técnicos e de conhecimento.
Se, por vezes, ela acaba gerando certas desigualdades perversas (Santos 2003),
é necessário pensar nesse ponto para o caso latino-americano, o que também
sustenta a argumentação aqui apresentada.
Como dito, a mobilidade acadêmica representa apenas uma das atividades
de internacionalização, as quais se desmembram para realização de cursos,
seminários ou eventos diversos com pesquisadores estrangeiros, intercâmbio de
professores para realização de pesquisas envolvendo principalmente doutorado
sandwich e pós-doutorado, estabelecimento de convênios, abertura de centros de
pesquisa ou campus em outro território nacional, estudos de línguas estrangeiras,
dupla titulação, participação em redes de pesquisas internacionais, publicação
de artigos ou livros em coautoria e assim por diante (Qiang 2003; Souza 2018).
Duas das principais e mais clássicas definições de internacionalização aparecem
nos trabalhos de Knight (1994) e De Wit (2010). Para a primeira autora, o conceito
em si é plural e varia de instituição para instituição, podendo ser compreendido a
partir de um conjunto de atividades, políticas e serviços que integram dimensões
internacionais e interculturais no principal tripé universitário: ensino, pesquisa
e extensão — esta última denominada de “service functions” (Knight 1994, 01).
Já para o segundo, além de ratificar a abordagem de Knight (1994) e dizer que o
conceito em si possui diferentes usos, ele representa o processo de integração da
dimensão internacional ao rol de atividades da universidade (Maués e Bastos 2017).
De Wit (2013) aponta que o conceito tem pouco mais de duas décadas de
existência e, a par de sua incipiência, já determina uma série de diferenciações, pois
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
35
antes dos anos 1990 o termo mais comumente usado era “educação internacional”.
O autor propõe que o termo internacionalização seja necessariamente repensado,
uma vez que seu discurso muitas vezes se desprende da realidade. A globalização
também trouxe elementos conflitantes ao mesmo, trata-se de um fenômeno cada vez
menos ocidental e, em muitos casos, acaba sendo um conceito dominado por um
pequeno grupo de pessoas — líderes de ensino, governos e corpos internacionais
—, distanciando-se daqueles que, de fato, são diretamente impactados pela
internacionalização: corpos docente e discente. Complementando:
Todos esses pontos são princípios para se repensar a internacionalização.
O motivo maior é o de a internacionalização ser considerada em boa medida
como um fim em si, e não como um meio para a obtenção de um resultado.
A internacionalização é uma estratégia para aprimorar a qualidade do
ensino e da pesquisa. Este objetivo é muitas vezes esquecido, na busca
por metas quantitativas. Mais do que uma tentativa de redefinir o ainda
jovem conceito da internacionalização, [...] precisa ser um chamado à
ação para trazer de volta ao primeiro plano os valores e objetivos centrais
da internacionalização. (De Wit 2013, s/p, grifo nosso).
Araújo e Silva (2015) também defendem a argumentação de que a
internacionalização não deve ser tomada como um fim em si mesmo. Ou seja,
na análise a internacionalização pode ser observada como um meio para o
fortalecimento do tripé clássico universitário. Tal afirmação é corroborada tanto
pelas definições conceituais pontuadas acima, quanto por outras, a exemplo
da revisão bibliográfica realizada e compilada por Dutra e Maranhão (2017).
Segundo esta publicação, a internacionalização das e nas IES pode ser tomada
como conjunto de atividades para fortalecer a educação, fator de legitimação do
conhecimento científico, bem como processo de cooperação técnica, intercâmbio
e estudos internacionais.
Mesmo assim, outras análises também ponderam que a internacionalização
age como fim, caracterizando-se como um fenômeno duplo que
[...] neste contexto, tem sido fomentado como um meio estratégico para
que os sistemas nacionais de educação superior possam alcançar padrões
de excelência mundial e se consolidarem como núcleos de inovação e de
tecnologia, constituindo vantagem competitiva para os países que neste
campo investirem. Ademais, a internacionalização como fim também
passa a ser impulsionada. (Souza 2018, 194, grifo nosso).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
36
Assim, pode-se assegurar que o conceito de internacionalização no ensino
superior não é unívoco, vem se transformando — e deve ser transformado — a
partir das constantes mudanças de cunho internacional, propriamente dito. Como
exemplo, aqui vale retomar a questão desse processo ser reflexo da globalização,
algo que tinha grande aplicabilidade nas décadas de 1990 e 2000, mas aos poucos
foi perdendo relevância. Além da própria visão crítica assinalada por Santos
(2003) e descrita anteriormente, hoje pontua-se a existência de mecanismo de
“desglobalização”, que considera regras gerais de coordenação internacional
como ineficazes, redundantes ou prejudiciais às relações econômicas e políticas
entre os diferentes países (James 2018).
Por falar em diferentes países, é imprescindível pontuar que a internacio-
nalização depende diretamente dos Estados, conforme assinalam Lima e Contel
(2011, 19):
Assim, pode-se dizer que o atual quadro de internacionalização da educação
se molda em função do comportamento de cada nação, se de forma mais
ativa ou se mais passiva: enquanto alguns países do centro do sistema-
mundo assumem papéis mais protagonistas, a maioria dos demais países
se insere por uma relação de subordinação. Essa forma de inserção ao
sistema de educação mundial reforça o histórico desequilíbrio existente
entre os países do norte e do sul [...]
Tais autores trabalham com a ideia de “geopolítica do conhecimento”,
justamente para abalizar o fato da internacionalização das IES também ser usada
como instrumento de diferenciação e hierarquização entre diferentes países no
sistema internacional. Embora esse não seja o argumento central deste artigo,
pensar a internacionalização na América Latina torna-se um exercício intelectual de
grande relevância porque nos faz refletir sobre esse processo para além do escopo
econômico — um dos principais frutos da globalização — e da matriz europeia.
Afinal, enquanto países centrais possuem um aparato de internacionalização
mais ativo, países em desenvolvimento, por vezes, têm um papel passivo nesse
processo (Lima e Contel 2011), estando à mercê das parcerias estabelecidas com
universidades europeias. Afinal, tradicionalmente, os países da região possuem
mais acordos firmados com universidades europeias, estadunidenses e australianas
do que com IES latino-americanas e caribenhas (Souza 2018), além de que na
América Latina e Caribe persiste a ausência de um projeto de educação superior
capaz de aglutinar concomitantemente a identidade e a diversidade regionais.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
37
Se a internacionalização pode ser compreendida como meio e fim, desde
um mecanismo de auxílio às questões envolvendo ensino, pesquisa e extensão
até uma nova missão universitária, nesse rol insere-se a ótica do intercâmbio
estudantil. E se cada país possui sua realidade particular, podemos dizer o mesmo
sobre as regiões, o que justifica nosso estudo em torno da comparação entre o
Brasil e os países latino-americanos selecionados, especificamente no trato da
mobilidade incoming, cabendo agora descrever a metodologia utilizada.
Apresentando a metodologia: métodos, condicionantes e fontes
Com o intuito de responder ao questionamento central de pesquisa e analisar o
Brasil vis-à-vis outros países da América Latina, são utilizados dois procedimentos
investigativos que se complementam, sejam eles os métodos de Estudo de Caso e
Comparado. Conforme Lipjhart (1971), o Método Comparado não se caracteriza
como técnica, mas sim como método geral, justamente porque é uma estratégia
básica de pesquisa. Isso pode ser aplicado também ao Estudo de Caso, pois
possibilita a avaliação qualitativa do objeto de estudo em questão. Ademais,
ambos podem ser complementares e reforçados mutuamente (Sartori 1991), algo
que é imprescindível à presente análise.
Por se tratar de um viés qualitativo, “[...] o Estudo de Caso possibilita
a penetração na realidade social, não conseguida plenamente pela avaliação
quantitativa.” (Martins e Theófilo 2007, 61). Mas, afinal, o que é um “caso”?
É uma ocorrência de eventos ou fenômenos para os quais podemos reportar e
investigar uma possível conclusão, a partir de diferentes variáveis. Nos dizeres
de George e Bennett (2005): é um exame detalhado de determinado episódio
histórico com o intuito de testar ou desenvolver explanações que podem ser
generalizadas a outros eventos.
Em termos gerais, o Estudo de Caso é uma ferramenta de pesquisa que “[...]
contribui, de forma inigualável, para a compreensão que temos dos fenômenos
individuais, organizacionais, sociais e políticos.” (Yin 2001, 21). Ademais, como
a pergunta central de pesquisa inicia-se com “por quê”, trata-se de Estudo de
Caso explanatório, uma vez que permite investigar um fenômeno contemporâneo,
baseia-se em várias fontes de evidências, tem um arcabouço conceitual e necessitou
previamente do estabelecimento de um número limitado — no nosso caso quatro
— de variáveis ou condicionantes.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
38
Ainda assim, cumpre salientar que o Estudo de Caso em questão terá
como base um small-n, ou seja, um número reduzido de casos a ser estudado,
representados pela internacionalização das IES em determinados países: Argentina,
Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Honduras e República Dominicana. Como o
intuito é problematizar a questão de mobilidade acadêmica brasileira, levando
em consideração a realidade desses outros países mencionados, é aqui que se
torna imprescindível incluir o estudo comparado e as variáveis de pesquisa a
serem averiguadas.
Em primeiro lugar, a comparação em estudos de caso deve envolver
obrigatoriamente um pequeno número deles, o small-n (Bennett e Elman 2006).
Uma vez que pretendemos estudar por quais razões o Brasil recebe menos
estudantes internacionais que seus pares na América Latina, a comparação
aparece como ferramenta de análise, pois é capaz de resultar em diferenças e
semelhanças entre os casos escolhidos (Collier 1993). Assim, sustentando-se
em Azarian (2011), o principal objetivo do estudo comparado é chegar à uma
tipologia baseada nas diferenciações, nas semelhanças e nos paralelos realizados
entre os casos.
Contudo, o mesmo grau de importância em relação às afirmações anteriores
deve ser destinado à seguinte pergunta: o que devemos comparar? Nesse sentido
é imprescindível elencar as condicionantes ou variáveis a serem averiguadas,
conforme mostrado no esquema abaixo:
Figura 1. Esquema metodológico
Casos
Variáveis/
Condicionantes
Conclusões
Comparação
Fonte: Elaboração própria, 2020
Selecionando os sete países, com destaque para o Brasil, e a questão da
mobilidade estudantil incoming, foram escolhidas quatro variáveis investigativas.
Beine, Noel e Ragot (2014) elencam os seguintes condicionantes para o envio de
estudantes ao exterior: distância entre os países, língua oficial comum, vínculos
históricos (com destaque para um passado colonial), retorno em habilidades
acadêmico-profissionais, população, presença de uma rede civil-científica de
migrantes internacionais, número de estudantes no ensino superior, número de
estudantes em rankings internacionais, custos de vida e mensalidades (tuition fees)
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
39
e salários pagos a quem tem maior grau de instrução educacional no país de destino.
Mazzarol e Sutar (2001) apontam que estudantes internacionais são influenciados
principalmente por: reputação da IES, vínculos institucionais estabelecidos por ela,
qualificação do seu corpo técnico e docente, diálogo estabelecido com egressos
(alumni) e número de estudantes inseridos na universidade.
Nesse sentido, o presente estudo selecionou quatro variáveis para serem
averiguadas: 1) o(s) idioma(s) oficial(is) dos países; 2) a reputação internacional
das IES por país, com base em rankings internacionais; 3) a presença de uma
rede civil-científica de migrantes nos países analisados; e, por fim, 4) o índice de
percepção de violência nos países. Estas foram escolhidas com base em extensa
revisão de literatura que apontou diversos condicionantes, em inúmeros estudos,
como relevantes. A limitação a quatro variáveis se dá para evitar inconsistências
metodológicas de many variables, small-n (Collier 1993). Na seção seguinte
cada uma será averiguada de maneira específica, cabendo, por ora, ratificar
que a escolha delas tomou por base, além das referências bibliográficas citadas,
dados disponíveis em diversas organizações especializadas no trato do tema,
destacando-se a própria UNESCO (2019).
Em segundo, mas não menos importante, as quatro variáveis foram
selecionadas com extensa reflexão e considerando a abordagem de Sartori (1991,
254), para o qual, se desejamos tornar um conceito mais geral — no caso,
a internacionalização em termos de mobilidade estudantil nas IES —, devemos
reduzir as suas características ou propriedades. Embora delimitado, o estudo
nos permite apontar considerações e indicar quais fatores de maior impacto na
pesquisa realizada.
Aplicação e Comparação dos Dados
Esta seção propõe-se a aplicar a metodologia descrita para os casos de
Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Equador, República Dominicana e Honduras.
A análise limita-se apenas a estes países, os únicos latino-americanos com dados
completos e atualizados até 2017 na seção Education da UNESCO Institute for
Statistics (UIS). Primeiramente, os gráficos 1 e 2 trazem os números absolutos
(número de estudantes estrangeiros no ensino superior) e relativos (porcentagem
de estudantes estrangeiros no total de estudantes de ensino superior) dos sete
países aqui analisados.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
40
Gráfico 1. Número incoming absoluto Gráfico 2. Número incoming relativo
88.873
20.671
9.607
6.942
4.764
4.708
2.516
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
90.000
100.000
Estudantes Estrangeiros no
Ensino Superior - 2017
2,83
1,73
0,94
0,78
0,75
0,38
0,24
0,20
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
Estudantes Estrangeiros no Ensino
Superior (%) - 2017
Fonte: Elaboração própria a partir de UNESCO (2019)
Fonte: Elaboração própria a partir de UNESCO (2019)
Com estes dados, podemos notar que o Brasil, relativamente, somente recebe
mais estudantes que a Colômbia, estando abaixo da média latino-americana.
Ainda que em números absolutos o país fique com o segundo lugar, este dado
representa menos de um quarto dos estudantes recebidos pela Argentina, o
primeiro lugar. Além disso, o Brasil é o país com a maior população da América
Latina e com o maior número de estudantes matriculados no ensino superior
na região. A Tabela 1, abaixo, dá a dimensão do número total de estudantes
matriculados no ensino superior nos sete países selecionados:
Tabela 1. Número total de estudantes matriculados no ensino superior
País Quantitativo Total (2017)
Brasil 8.571.423
Argentina 3.140.963
Colombia 2.446.314
Chile 1.238.992
Equador
3
669.437
Rep. Dominicana 556.523
Honduras 244.548
Fonte: Elaboração própria a partir de UNESCO (2019)
A partir desta apresentação geral do cenário de mobilidade incoming e das
matrículas no ensino superior por país, adentremos nas quatro variáveis apontadas
3 Para este índice, os dados mais atualizados sobre o Equador, no UIS são de 2016.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
41
na seção anterior: 1) o(s) idioma(s) oficial(is); 2) a reputação internacional
das IES, com base em rankings internacionais; 3) a presença de uma rede
civil-científica de migrantes; e, por fim, 4) o índice de percepção de violência.
1) Idioma Oficial
Mazzarol e Sutar (2001) e Beine, Noël e Ragot (2014) apontam que a existência
de uma língua comum entre o país de origem e o país de destino dos estudantes
internacionais impacta positivamente no fluxo de estudantes. Assim, a língua
de um país pode servir como um condicionante para a atração de estudantes
internacionais. Logo, ter um idioma oficial amplamente falado é uma variável de
forte impacto, tanto nas salas de aula para a produção acadêmica dos estudantes
incoming, como no dia a dia, frequentemente envolto de muitas burocracias
para estrangeiros.
Dos países aqui estudados, apenas o Brasil possui como idioma oficial o
português. Todos os demais, de jure ou de facto, possuem o espanhol como
língua materna
4
. Em dados do Informe do Instituto Cervantes (Instituto 2018), a
língua espanhola é a segunda língua do mundo em número de habitantes nativos
e 21 países a adotam como oficial
5
, possuindo quase 600 milhões de falantes.
Já a língua portuguesa, de acordo com o Instituto da Cooperação e da Língua
Camões (Instituto, 2016) — Portugal, possui pouco mais de 260 milhões de
falantes, sendo idioma oficial em nove países e em Macau (China). Entretanto,
destes 260 milhões, mais de 200 milhões são brasileiros.
Neste ponto, a questão do idioma é flagrante: ao passo que os demais países
hispanófonos da América Latina são acompanhados de diversos outros Estados
com uma língua oficial em comum, o Brasil não conta com grande número
de países ou falantes de sua língua oficial fora de seu território. Ademais, não
apenas o número total de falantes é algo a se levar em conta, mas a relevância
do idioma em questão para os não falantes e futuros estudiosos da língua.
O espanhol, por exemplo, é uma das línguas oficiais das Nações Unidas e, nos
contextos diplomático, comercial e político internacionais, é mais relevante que
a língua portuguesa.
4 Ainda que alguns destes países não possuam o idioma oficial explícito em sua constituição, como é o caso do
Brasil, ou possuam partes de seus territórios que considerem outros idiomas oficiais (majoritariamente, línguas
nativas), o espanhol é a língua mais falada em todos os outros países estudados neste artigo.
5 É importante salientar que existem muitos falantes da língua espanhola que não vivem em um país que esta é a
língua oficial, como é o caso da grande comunidade hispanófona residente nos Estados Unidos da América (EUA).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
42
Entretanto, para comprovar se uma língua oficial comum pode ser considerada
um fator de atratividade de estudantes incoming na América Latina, precisamos
descobrir a composição do corpo de estudantes estrangeiros em cada país.
A Tabela 2 apresenta estes dados (Unesco 2019) por país, com os dez principais
países de origem.
Tabela 2. Dez principais países de origem dos estudantes incoming em 2017
BRASIL ARGENTINA CHILE
1 Angola 1.906 1 Peru 15.751 1 Peru 1.214
2 Colômbia 1.697 2 Brasil 12.789 2 Colômbia 994
3 Peru 1.446 3 Colômbia 11.015 3 Equador 421
4 Paraguai 1.232 4 Bolívia 10.860 4 Bolívia 304
5 Japão 1.111 5 Paraguai 10.283 5 Venezuela 299
6 Guiné Bissau 1.080 6 Chile 6.282 6 Brasil 178
7 Argentina 1.076 7 Equador 3.739 7 Argentina 125
8 Bolívia 974 8 Venezuela 3.202 8 México 103
9 Portugal 713 9 Uruguai 2.967 9 Cuba 77
10 EUA 638 10 EUA 2.362 10 Guatemala 75
COLÔMBIA EQUADOR REP. DOMINICANA
1 Venezuela 1.631 1 Colômbia 2.080 1 Haiti 5.918
2 Equador 566 2 Venezuela 423 2 EUA 1.743
3 México 441 3 EUA 414 3 Venezuela 334
4 Peru 335 4 Peru 265 4 Colômbia 200
5 França 249 5 Cuba 174 5 Cuba 161
6 Costa Rica 136 6 Chile 142 6 Espanha 129
7 Brasil 136 7 Espanha 104 7 Peru 58
8 Argentina 125 8 Argentina 103 8 Itália 48
9 Panamá 119 9 México 96 9 México 46
10 Chile 104 10 Bolívia 74 10 Argentina 34
HONDURAS
1 Equador 327
2 Guatemala 234
3 El Salvador 208
4 Nicarágua 123
5 EUA 112
6 Panamá 57
7 Colômbia 50
8 Bolivia 44
9 Rep. Dominicana 41
10 México 28
Fonte: Elaboração própria a partir de UNESCO (2019).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
43
Este número limitou-se a dez por país, visto que é entre eles que podemos
encontrar a maioria dos estudantes incoming, bem como seria inviável listar todos
os países outgoing com números ínfimos, conforme estes forem decrescendo.
Podemos, portanto, ter uma dimensão do idioma oficial das principais origens
dos estudantes incoming. Três países (Chile, Equador e Honduras) tiveram 9 com
língua comum entre os dez; 2 (Argentina e Colômbia) obtiveram 8; a República
Dominicana obteve 7, e o Brasil apenas 3 (Angola, Guiné-Bissau e Portugal).
Portanto, à exceção do Brasil, ao menos 70% das principais origens nos países
estudados estão em um país com idioma comum. O número de estudantes
advindos de um país de língua comum entre os dez (LC10) e relativo ao número
total apresentado no Gráfico 1 também chama a atenção. A Tabela 3, abaixo,
apresenta tal relação:
Tabela 3. Número de estudantes advindos de um país de língua comum
entre os dez (LC10) sobre o total
País LC10 Total LC10/Total (%)
Brasil 3.699 20.671
17,89
Argentina 64.099 88.873
72,12
Chile 3.612 4.708
76,72
Colômbia 3.457 4.764
72,57
Equador 3.461 6.942
49,86
Rep. Dominicana 1.080 9.607
11,24
Honduras 1.112 2.516
44,20
Fonte: Elaboração própria com base em UNESCO (2019)
Assim, o LC10 do Brasil dividido pelo total de estudantes estrangeiros no
Ensino Superior é menor que o de todos os outros países, exceto pela República
Dominicana. A partir destes dados, portanto, podemos concluir que, à exceção
do Brasil, o idioma comum está presente em, no mínimo, 70% das dez principais
origens dos demais países e inferimos que o número incoming é altamente
dependente de envios de países hispanófonos. Isso corrobora com os achados de
Mazzarol e Sutar (2001) e Beine, Noël e Ragot (2014) sobre a existência de um
idioma oficial comum e, ao menos neste estudo de caso comparativo qualitativo,
contribui para esclarecer, ainda que parcialmente, uma das razões pelas quais o
Brasil recebe menos estudantes internacionais que seus vizinhos, em números
absolutos e relativos. O fato de o idioma oficial do Brasil não ser uma língua muito
falada fora de seu território nacional, ao contrário do espanhol, seja em número
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
44
total de falantes ou de Estados que adotam esta língua como oficial, apresenta-se
como variável de entendimento do fenômeno da mobilidade acadêmica.
2) Rankings Internacionais
Mazzarol e Sutar (2001) afirmam que uma variedade de fatores influencia
a escolha de estudar no exterior e, dentre estes, inclui-se a reputação de uma
instituição por sua qualidade. Entretanto, os autores sustentam que “[...] estudantes
internacionais tendem a selecionar primeiro um país e depois uma instituição
dentro deste país.” (Mazzarol e Sutar 2001, 03, tradução nossa)
6
. Beine, Noël
e Ragot (2014) seguem a mesma direção. Apesar de considerar os palpáveis
benefícios que um ensino superior de qualidade traz a estudantes, sejam eles
internacionais ou não, os autores apresentam a influência desta variável como
limitada. Assim, a qualidade da educação é significante, porém apresenta-se
como fator moderado de atração de estudantes.
Como abordado na introdução, é intrigante o Brasil receber um baixo número de
estudantes internacionais, dada a reputação de suas universidades, principalmente
em uma amostra contendo apenas IES latino-americanas. No estudo de Beine,
Nöel e Ragot (2014), dada a característica quantitativa da metodologia, os autores
limitaram-se apenas a um ranking internacional, o ARWU World University
Ranking, ou Shanghai 500. Como este artigo dedica-se a realizar um estudo de
caso comparado e com um n muito menor, além do ARWU, os rankings Times
Higher Education (THE) e Q&S World University Rankings serão utilizados
7
.
No Ranking da ARWU para 2017, 800 universidades foram classificadas. Do
total, 24 foram IES da América Latina. Destas, 13, mais da metade, são brasileiras.
No Q&S 2016-2017, ainda que a distribuição das 90 universidades latino-americanas
entre as 1000 melhores do mundo tenha sido mais igualitária, o Brasil foi o
país com mais instituições na lista, somando 22. Por fim, no ranking THE de
2016-2017, há um ranking específico para a América Latina, o Latin America
University Rankings 2017, com 82 IES e, destas, 32 são brasileiras. De maneira
resumida, o Brasil é, com grande margem, o país latino-americano com o maior
número de universidades nestes três rankings.
6 Do original: “international students tend to select a country first and then an institution within that country”
(Mazzarol e Sutar 2001, 03).
7 É importante salientar que, como os dados mais atualizados de mobilidade da UNESCO (2019) vão até o ano de
2017, abaixo usaremos os rankings internacionais deste ano na comparação, apesar de existirem classificações
mais recentes.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
45
Tabela 4. Universidades latino-americanas nos rankings ARWU, Q&S e THE (em 2017)
País ARWU Q&S THE
Brasil 13 22 32
Argentina 3 16 2
Chile 4 11 18
Colômbia 1 10 11
Equador 0 2 2
Rep. Dominicana 0 0 0
Honduras 0 0 0
Total (América Latina) 24 90 82
Fonte: Elaboração própria a partir de ARWU (2017), Q&S (2017) e THE (2017).
Dadas as diferentes metodologias, é notável a diferença entre os resultados
obtidos entre os rankings. O caso da Argentina é um bom exemplo disso. Todavia,
a regularidade do Brasil como o país com o maior número de universidades nos
três é destacada.
A partir dos dados, combinando-os com os do Gráfico 2, temos que República
Dominicana e Honduras, respectivamente segundo e terceiro lugares no gráfico, com
valores superiores à média regional, não possuem IES em nenhum dos três rankings.
A Argentina, primeiro lugar, à exceção do Q&S 2016-2017, não apresenta bons números,
quando comparada ao Brasil, Chile e até mesmo Colômbia. Estes três países ocupam
os últimos lugares no Gráfico 2, todos com números relativos de incoming inferiores
à média latino-americana. O Equador conta com baixo número de instituições nos
três rankings e está marginalmente acima da média (0,78 contra 0,75).
Portanto, o único caso em que um país com um índice acima da média na
América Latina (Gráfico 2) apresentou um número substancial de IES entre as
melhores do mundo foi a Argentina no ranking Q&S 2016-2017. Estes dados,
portanto, não apenas corroboram com Beine, Nöel e Ragot (2014) no sentido
de relativizar a qualidade das IES em rankings internacionais como um fator de
atração de estudantes internacionais, como vão além: os casos de Brasil (primeiro
lugar nos três rankings) e Chile (segundo lugar no ARWU e no THE e terceiro
lugar no Q&S), dois países com uma média inferior à da América Latina, mostram
que, comparativamente nesta amostra, a reputação internacional de uma IES não
necessariamente se traduz em um forte fator de atração de estudantes incoming.
3) Rede Internacional de Migrantes
De acordo com Beine, Nöel e Ragot (2014), existe um forte ‘efeito da rede’.
Ou seja, a presença de nacionais no país de destino tende a atrair estudantes
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
46
internacionais. De acordo com os autores, tal rede é definida como um estoque de
todos os migrantes do país de origem vivendo no país de destino. “Esses migrantes
incluem todas as categorias e, em particular, migrantes econômicos, pessoas
sujeitas ao reagrupamento familiar e estudantes anteriores que se estabeleceram
no país de aquisição da educação” (Beine, Nöel e Ragot 2014, 45, tradução nossa)
8
.
Esta variável reduziria consideravelmente os custos de migrar para outro país,
já que uma rede comum de nacionais ajudaria em quesitos como assistência,
informações e facilidade de contatos.
Mazzarol e Sutar (2001) vão na mesma direção e apontam que os custos
da mobilidade internacional são definidores na escolha de um país e de uma
instituição de destino. “A existência de uma população de estudantes internacionais
já estabelecida no país de destino entra no cálculo dos custos da mobilidade.
Isso se deve ao fato da percepção de que esta população ajudará na integração
e na aceitação do estudante” (Mazzarol e Sutar 2001, 12, tradução nossa)
9
.
Em dados da United Nations Department of Economic and Social Affairs
(UN DESA, 2015), o contexto dos migrantes internacionais na América Latina
pode ser resumido nos gráficos abaixo.
Gráfico 3. Número de estrangeiros
residentes por país (mil) em 2015
Gráfico 4. Proporção Estrangeiros/
População Total (%) em 2015
2086,3
716,6
639,7
549,3
387,5
139,1
38,3
0
500000
1000000
1500000
2000000
2500000
5,3
4,8
3,6
2,4
1,8
0,40 ,4
0,3
0,0
1,0
2,0
3,0
4,0
5,0
6,0
Fonte: Elaboração própria a partir de UN DESA (2019) Fonte: Elaboração própria a partir de UN DESA (2019)
8 Do original: “these migrants include all categories and in particular economic migrants, people coming under
family reunification and previous students having settled in the country of acquisition of education” (Beine,
Nöel e Ragot 2014, 45).
9 Do original: “due to a perception that such a population will make it easier for the student to become accepted”
(Mazzarol e Sutar 2001, 12).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
47
Os dados utilizados são de 2015, apesar da UN DESA ter seu relatório mais
recente em 2019. O primeiro motivo é por antecederem o ano de 2017 (ano dos
dados gerais de mobilidade da UNESCO). O segundo relaciona-se à diáspora
venezuelana que se intensificou a partir de 2016. Por exemplo, entre 2015 e 2019,
o número de estrangeiros na Colômbia aumentou quase dez vezes, passando de
um milhão. Tais distorções serão, portanto, evitadas.
Observando os gráficos, percebemos Brasil e Colômbia abaixo da média
latino-americana, Argentina e República Dominicana nos primeiros lugares e
o Equador acima da média da região, conforme indica o Gráfico 2 para o total
de mobilidades. Os países que contrastam são Chile e Honduras. O primeiro,
apesar de apresentar baixo índice no Gráfico 2, possui duas vezes mais a média
latino-americana no Gráfico 4. Já Honduras, terceiro no Gráfico 2, fica muito
abaixo da média no 4.
Todavia, para melhor compreendermos a rede de migrantes como fator de
atração para estudantes internacionais, devemos realizar um exercício similar
ao da seção de idioma comum. Na tabela a seguir, os dez principais países de
origem dos estudantes internacionais são combinados com os seus respectivos
números de migrantes internacionais. Ademais, o número total de migrantes das
dez principais origens é comparado ao total geral de estrangeiros presentes no
país (Porcentagem Top 10
/
Total — %).
Tabela 5. Migrantes internacionais entre as 10 principais origens por país
BRASIL ARGENTINA
Posição Origem Inc. Migrantes Posição Origem Inc. Migrantes
1 Angola 1.906
7.694
1 Peru 15.751
195.320
2 Colômbia 1.697
8.179
2 Brasil
12.789
48.792
3 Peru 1.446
17.931
3 Colômbia 11.015
8.640
4 Paraguai 1.232
46.857
4 Bolívia 10.860
419.048
5 Japão 1. 111
58.564
5 Paraguai 10.283
679.044
6 Guiné Bissau 1.080
1.128
6 Chile 6.282
213.119
7 Argentina 1.076
34.699
7 Equador 3.739
955
8 Bolívia 974
46.336
8 Venezuela 3.202
1.240
9 Portugal 713
164.705
9 Uruguai 2.967
132.749
10 EUA 638
21.068
10 EUA 2.362
5.135
Total entre os 10 407.161 Total entre os 10 1.704.042
Total de estrangeiros (mil) 716,6 Total de estrangeiros (mil) 2.086,3
Porcentagem Top 10/Total 56,82 Porcentagem Top 10/Total 81,68
continua...
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
48
CHILE COLÔMBIA
Posição Origem Inc. Migrantes Posição Origem Inc. Migrantes
1 Peru 1.214 150.885 1 Venezuela 1.631 48.714
2 Colômbia 994 73.601 2 Equador 566 14.872
3 Equador 421 22.146 3 México 441 2.982
4 Bolívia 304 53.244 4 Peru 335 5.271
5 Venezuela 299 54.787 5 França 249 2.154
6 Brasil 178 15.247 6 Costa Rica 136 1.103
7 Argentina 125 56.363 7 Brasil 136 2.441
8 México 103 5.155 8 Argentina 125 3.343
9 Cuba 77 2.051 9 Panamá 119 2.159
10 Guatemala 75 666 10 Chile 104 2.114
Total entre os 10 434.145 Total entre os 10 85.153
Total de estrangeiros (mil) 639,7 Total de estrangeiros (mil) 139,1
Porcentagem Top 10/Total 67,87 Porcentagem Top 10/Total 61,12
EQUADOR REPÚBLICA DOMINICANA
Posição Origem Inc. Migrantes Posição Origem Inc. Migrantes
1 Colômbia 2.080 194.721 1 Haiti 5.918 475.084
2 Venezuela 423 8.901 2 EUA 1.743 14.010
3 EUA 414 26.802 3 Venezuela 334 3.561
4 Peru 265 13.705 4 Colômbia 200 2.838
5 Cuba 174 2.994 5 Cuba 161 3.259
6 Chile 142 11.341 6 Espanha 129 6.967
7 Espanha 104 7.473 7 Peru 58 1.428
8 Argentina 103 5.399 8 Itália 48 4.192
9 México 96 2.258 9 México 46 1.497
10 Bolivia 74 1.528 10 Argentina 34 1.071
Total entre os 10 275.122 Total entre os 10 513.907
Total de estrangeiros (mil) 387,5 Total de estrangeiros (mil) 549,3
Porcentagem Top 10/Total 71 Porcentagem Top 10/Total 93,55
continuação...
continua...
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
49
HONDURAS
Posição Origem Inc.
10
Migrantes
1 Equador 327 461
2 Guatemala 234 4.607
3 El Salvador 208 8.853
4 Nicarágua 123 7.767
5 EUA 11 2 6.799
6 Panamá 57 398
7 Colômbia 50 868
8 Bolívia 44 147
9 Rep. Dominicana 41 135
10 México 28 1.567
Total entre os 10 31.602
Total de estrangeiros (mil) 38,3
Porcentagem Top 10/Total 82,51
Fonte: Elaboração própria a partir de UNESCO (2019) e UN DESA (2019)
Observando as tabelas, percebemos que, apenas com os dados de migrantes
dos dez principais países de origem dos estudantes incoming, todos os sete países
obtiveram uma porcentagem de, no mínimo, 56,82% (o Brasil) do total de seu
estoque de migrantes. Há ainda casos de grande impacto, como a República
Dominicana (mais de 93%), a Argentina (81,68%) e de Honduras (82,51%).
Isso demonstra que, nesta amostra, boa parte dos estudantes internacionais são
originários de países que impactam significativamente no total da rede de migrantes
do país. Esta variável, portanto, apresenta-se de acordo com os achados do estudo
de Beine, Nöel e Ragot (2014) e aponta, uma vez mais, para um desempenho
inferior do Brasil quando comparado aos demais países da amostra.
4) Percepção da Violência
De acordo com Mazzarol e Sutar (2001), o nível de criminalidade de um
país e a percepção da segurança entram na conta dos custos envolvidos em
estudar no exterior. A importância atribuída a “questões de ‘custo social’, como
criminalidade e segurança ou discriminação racial, foi alta, com a maioria dos
10 Inc. = Número total incoming.
continuação...
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
50
estudantes indicando estes fatores como importantes na decisão da escolha do
país de destino” (Mazzarol e Sutar 2001, 08, tradução nossa).
11
Questões como a ‘imagem’ e a ‘identidade’ de um país são encontradas
na literatura sobre o tema, não apenas em Mazzarol e Sutar (2001), mas em
Beine, Nöel e Ragot (2014) e Lesjak et al. (2015). Como este artigo analisa países
latino-americanos, contextualizando o debate e trazendo diferentes abordagens
conceituais, com ênfase específica para a América Latina, um problema endêmico
na região, que muitas vezes traduz-se em estereótipos e em uma imagem negativa
da região no exterior, será analisado: a violência.
Para isso, dois índices são utilizados e comparados: o Internal Violence Index
— IVI (Feindouno, Goujon e Wagner, 2016) e o Global Peace Index — GPI (2018).
O primeiro é um indicador composto por quatro grupos de análise: 1) conflitos
armados internos, 2) criminalidade, 3) terrorismo e 4) violência política. Já o
GPI aborda a violência em três domínios temáticos: 1) conflitos domésticos e
internacionais, 2) nível de militarização e 3) segurança e proteção da societal.
Enquanto o primeiro utiliza uma escala de zero a cem (sendo crescente de acordo
com o aumento da violência), o segundo mantém-se entre 1 e 5 (sendo 1 mais
pacífico e 5 menos). A Tabela 6 resume os dois indicadores nos sete países aqui
estudados.
Tabela 6. Índices IVI (2016) e GPI (2018) por país
País Índice IVI Índice GPI
Brasil 12,41228 2.16
Argentina 4,44123075 1.947
Chile 6,55520025 1.649
Colômbia 50,82409125 2.729
Equador 13,9656425 1.987
Rep. Dominicana 12,686405 2.073
Honduras 25,03701876 2.282
Fonte: Elaboração própria a partir de Feindouno, Goujon e Wagner (2016) e GPI (2018)
Nenhum dos índices possui uma média latino-americana para comparação,
todavia, o GPI apresenta as médias sul-americana (2,09) e da América Central
e do Caribe (2,1), que são virtualmente iguais.
11 Do original: “‘social cost’ issues, such as crime and safety or racial discrimination, was also high, with most students
indicating these factors were important to their host country selection decision” (Mazzarol e Sutar 2001, 08).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
51
A partir destes dados, percebemos: a Argentina como o país menos violento
no IVI e o segundo lugar no GPI; o Chile, com desempenho similar, porém
invertido; o Brasil em terceiro lugar no IVI, porém melhor apenas que Colômbia
e Honduras no GPI, com médias piores que as da América do Sul e América
Central e Caribe; o Equador e a República Dominicana apresentando dados
similares aos do Brasil em ambos os índices, porém piores no IVI e melhores no
GPI; Honduras ficando em penúltimo nos dois índices; e a Colômbia, com larga
vantagem, possuindo os piores resultados.
Comparativamente, olhando pela ótica da literatura, ainda que estes dados
ajudem a compreender melhor os desempenhos de Colômbia e Argentina no
Gráfico 2, não explicam casos como Chile e Honduras. Além disso, com desem-
penhos bastante similares na Tabela 6, Brasil, Equador e República Dominicana
trazem dados muito divergentes no Gráfico 2.
Portanto, ainda que um país com baixos índices de violência e a percepção
desta possua vantagens inegáveis quando comparado a outros mais violentos,
esta variável parece explicar apenas parcialmente determinados casos, falhando
ao se comparar o número de estudantes incoming em países com índices de
violência similares, como nos pares Chile e Argentina, e Brasil e República
Dominicana. Por fim, cabe mencionar a pergunta da introdução — por que o
Brasil recebe menos estudantes internacionais se comparado a outros países da
América Latina? —, identificando o desempenho pior que as médias no GPI e
muito abaixo de vizinhos do Cone Sul como Argentina e Chile no IVI.
Conclusão
Mais além de conceitualizar e contextualizar o debate sobre internacionalização
das IES, este estudo apresentou-se como uma análise das condicionantes de
mobilidade incoming na América Latina, buscando explicar os motivos do
desempenho aquém do esperado por parte do Brasil. Concluímos que, das quatro
variáveis analisadas, a rede de migrantes foi a que possuiu maior impacto, sendo
importante em todos os casos analisados. A segunda variável foi o idioma oficial
comum, que representou impacto em cinco dos casos analisados, à exceção do
Brasil e, parcialmente, da República Dominicana. Tanto a reputação das IES em
rankings internacionais quanto a percepção da violência não foram capazes
de explicar a maioria dos casos. Ainda que se apliquem individualmente a
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
52
alguns dos países, trazem desempenhos similares entre casos dissemelhantes no
Gráfico 2.
Em relação ao Brasil, o país teve baixo desempenho nas duas variáveis de
maior impacto, ficando com os piores resultados nos condicionantes idioma
comum e migrantes. Mesmo apresentando um desempenho próximo à média
latino-americana na percepção da violência, bem como os melhores resultados
de IES em rankings, estas duas variáveis tiveram pouco ou nenhum impacto
neste estudo. Estas considerações ajudam a compreender o fraco desempenho
brasileiro em mobilidade incoming e a responder à pergunta apresentada na
introdução.
Sabemos que todo estudo científico possui fatores limitantes. Futuras pesquisas
sobre o tema, com diferentes métodos e amostras, são necessárias para avaliar
explicações concorrentes. A escolha do Brasil e do restante dos países se deu
em virtude da UNESCO (2019) apresentar dados completos e atualizados até
2017 sobre incoming e outgoing de estudantes na América Latina para os países
selecionados. Faria sentido incluir outros países da região, como o México, na
atual análise. Todavia, por não apresentarem a totalidade dos dados sobre a
origem de seus estudantes internacionais, com informações parciais, estes países
foram excluídos da amostra.
Por fim, como tópicos e questionamentos que surgem deste estudo, podemos
destacar dois. O primeiro diz respeito aos casos de Argentina e Chile: apesar
destes dois países possuírem desempenhos similares em todas as variáveis, os
resultados apresentados no Gráfico 2 mostraram-se muito divergentes. Isso cria
a necessidade de se avaliar a inclusão de novos condicionantes de mobilidade
incoming em trabalhos futuros. A literatura aponta questões como ‘distância’
e ‘custos gerais’ como possíveis variáveis de impacto, por exemplo. O segundo
refere-se a analisar não apenas a relação estudantes internacionais/estudantes
no ensino superior, mas também estudantes no ensino superior/população ou
até estudantes no ensino superior/população em determinada faixa etária. Um
país com baixo número relativo de estudantes em IES pode ter a participação
incoming facilitada. Este aparenta ser o caso de Honduras. Para isso, a plataforma
UIS oferece dados como a taxa bruta de matrícula (gross enrolment ratio)
12
e
esta deve ser utilizada em estudos futuros.
12 Esta taxa pode ser definida como o número de alunos matriculados em determinado nível de ensino, expresso
como um percentual da população em idade correspondente. Para ensino superior, a UIS utiliza população
com faixa etária de 5 anos a partir da conclusão do ensino médio.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
Cairo Gabriel Borges Junqueira; Rafael de Moraes Baldrighi
53
Referências
Altbach, Philip; Teichler, Ulrich. 2001. Internationalization and Exchanges in a Globalized
University. Journal of Studies in International Education, v. 5, n. 1, spring, p. 05-25.
Araújo, Emília Rodrigues; Silva, Sílvia. 2015. Temos de fazer um cavalo de Troia:
elementos para compreender a internacionalização da investigação e do ensino
superior. Revista Brasileira de Educação, v. 20, n. 60, jan./mar., p. 77-98.
Azarian, Reza. 2011. Potentials and Limitations of Comparative Method in Social Science.
International Journal of Humanities and Social Science, v. 1, n. 4, p. 113-125.
Beine, Michel; Nöel, Romain; Ragot, Lionel. 2014. Determinants of international mobility
of students. Economics of Education Review, 41, p. 40-54.
Bennett, Andrew; Elman, Colin. 2006. Complex Causal Relations and Case Study
Methods: The Example of Path Dependence. Political Analysis, 14, p. 250-267.
Collier, David. 1993. The Comparative Method. In: Finifter, Ada (Ed.) Political Science:
The State of the Discipline II. Washington DC: American Political Science Association,
p. 105-119.
Comissão Europeia. 2020. Sobre a política de ensino superior. Disponível em: <https://ec.
europa.eu/education/policies/higher-education/about-higher-education-policy_pt>.
Acesso em: 09 abr. 2020.
De Wit, Hans. 2010. Internationalization of Higher Education in Europe and its assessment,
trend and issues. N VAO , dez., p. 01-27.
De Wit, Hans. 2013. Repensando o conceito da internacionalização. Ensino Superior
UNICAMP, 20 fev.. Disponível em: <https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.
br/international-higher-education/repensando-o-conceito-da-internacionalizacao>.
Acesso em: 09 abr. 2020
Dutra, Isadora Iannini; Maranhão, Roberto Kaehler. 2017. Internacionalização do ensino
superior: um estudo sobre barreiras e possibilidades. Administração: Ensino e
Pesquisa, v. 18, n. 1, jan-abr, p. 09-38.
Feindouno, Sosso; Goujon, Michaël; Wagner, Laurent. 2016. Internal Violence Index.
Fondation Pour Les Études Et Recherches Sur Le Développement International, v. 1,
n. 151, p. 1-32.
George, Alexander; Bennett, Andrew. 2005. Case Studies and Theory Development on
the Social Sciences. Cambridge: MIT Press.
Gpi. Institute for Economics & Peace. 2018. Global Peace Index 2018: Measuring Peace
in a Complex World, Sydney. Disponível em: <http://visionofhumanity.org/app/
uploads/2018/06/Global-Peace-Index-2018-2.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2020.
Instituto Cervantes. 2018. El Español, Una Lengua Viva. Informe 2018. Disponível
em: <https://cvc.cervantes.es/lengua/espanol_lengua_viva/pdf/espanol_lengua_
viva_2018.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2020.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 29-54
A internacionalização do ensino superior no Brasil: analisando comparativamente a mobilidade [...]
54
Instituto da Cooperação e da Língua Camões. 2016. Uma Língua Grande Como os Mares.
Instituto da Cooperação e da Língua Camões (2016), Portugal.
James, Harold. 2018. Deglobalization: the rise of Disembedded Unilateralism. Annu.
Rev. Financ. Econ, 10, p. 219-237.
Knight, Jane. 1994. Internationalization: Elements and Checkpoints. CBIE Research,
n. 7, p. 01-15.
Lima, Manolita Correia; Contel, Fábio Betioli. 2011. Internacionalização da Educação
Superior: nações ativas, nações passivas e a geopolítica do conhecimento. São Paulo:
Ed. Alameda.
Lipjhart, Arend. 1971. Comparative Politics and Comparative Method. The American
Political Science Review, v. 65, n. 3, sep., p. 682-693.
Martins, Gilberto; Theófilo, Carlos Renato. 2007. Metodologia da Investigacão Científica
para Ciências Sociais Aplicadas. 1a Ed, São Paulo: Editora Atlas.
Maués, Olgaíses; Bastos, Robson. 2017. Políticas de internacionalização da Educação
Superior: o contexto brasileiro. Educação, v. 40, n. 3, set-dez, p. 333-342.
Mazzarol, Tim; Sutar, Geoffrey. 2001. Push-Pull Factors Influencing International Student
Destination Choice. CEMI Discussion Paper Series, v. 16, n. 2, p. 1-14.
Qiang, Zha. 2003. Internationalization of Higher Education: towards a conceptual
framework. Policy Futures in Education, v. 1, n. 2, p. 248-270.
Santos, Fernando Seabra; Almeida Filho, Naomar de. 2012. A quarta missão da
Universidade: internacionalização universitária na sociedade do conhecimento.
Brasília: Editora Universidade de Brasília; Coimbra: Imprensa da Universidade de
Coimbra.
Santos, Milton. 2003. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal. 10 ed. Rio de Janeiro: Record.
Sartori, Giovanni. 1991. Comparing and Miscomparing. Journal of Theoretical Politics,
v. 3, n. 3, p. 243-257.
Souza, Juliana de Fátima. 2018. Itinerários da internacionalização da Educação
Superior Brasileira no âmbito da América Latina e Caribe. Tese de Doutorado.
Programa de Pós-Graduação em Educação, Conhecimento e Inclusão Social, UFMG.
Belo Horizonte.
Unesco [Internet]. 2019. Unesco Institute For Statistics. Disponível em: <http://data.
uis.unesco.org/>. Acesso em: 09 abr. 2020.
Un Desa [Internet]. 2019. United Nations Population Division. Disponível em: <https://
www.un.org/en/development/desa/population/migration/data/estimates2/
countryprofiles.asp>. Acesso em: 09 abr. 2020.
Yin, Robert. 2001. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução de Daniel Grassi.
2 ed. Porto Alegre: Bookman.