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Gustavo Teixeira Chadid; Pedro Luiz Costa Cavalcante
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Instituições Participativas e
Agenda-Setting da Política de
Assistência Social ao Emigrante
Brasileiro LGBT
Participatory Institutions and
Agenda-Setting of the Social Assistance
Policy for Brazilian LGBT Emigrants
DOI: 10.21530/ci.v15n3.2020.1047
Gustavo Teixeira Chadid
1
Pedro Luiz Costa Cavalcante
2
Resumo
Como as instituições participativas influenciam o processo de montagem
da agenda da política de assistência e inclusão social de emigrantes
LGBT pelo Ministério das Relações Exteriores? Para responder a essa
questão, este artigo desenvolve análise de conteúdo com base na
documentação oficial do MRE, particularmente expedientes telegráficos
produzidos entre 2003 a 2015. Os dados e informações evidenciam
que o Decreto 7214/2010 oficializou maior abertura do Ministério das
Relações Exteriores não apenas aos emigrados LGBT, mas também às
comunidades brasileiras como um todo. Além disso, o artigo demonstra
a abertura de uma janela de oportunidade para interferir na montagem
da agenda das políticas públicas consulares ocasionado pelo maior
engajamento dos emigrantes a partir da criação das Instituições
Participatitvas (IPs), instituídas pela mudança normativa. As análises
1 Mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP),
Diplomata do Ministério das Relações Exteriores, Brasília, Brasil.
(gustavot77@hotmail.com). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6724-8754
2 Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB); Coordenador de
Estudos e Políticas de Estado e Democracia no Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), Brasília, Brasil.
(cavalcante.pedro@gmail.com). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7635-695X.
Artigo submetido em 18/02/2020 e aprovado em 29/07/2020.
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empíricas também indicam que a incorporação de maior quantidade e diversidade de atores
e temas — introduzidos no processo pelos mecanismos de participação previstos no Decreto,
induziu um procedimento de montagem da agenda mais colaborativo, alinhado ao modelo
de governança participativa, fundamental para a construção dos consensos necessários.
Palavras-chave: Instituições participativas; Políticas públicas; Montagem da Agenda;
Diplomacia Consular; Emigração LGBT.
Abstract
How do participatory institutions influence the agenda-setting process of the assistance and
social inclusion policies for LGBT emigrants by the Ministry of Foreign Affairs? To answer
this question, this paper employs content analysis based on official MRE documentation,
particularly telegraphic expedients produced between 2003 and 2015. Data and information
demonstrate that the Decree 7214/2010 made the Ministry of Foreign Affairs not only more
open to LGBT emigrants, but also to the Brazilian communities as a whole. In addition, the
article demonstrates the opening of a window of opportunity to interfere in the assembly
of the consular public policy agenda caused by the greater engagement of emigrants from
the institutionalization of Participatory Institutions (IPs), instituted by normative change.
Empirical analyzes also indicate the incorporation of a greater quantity and diversity of
actors and themes — introduced in the process by the participation mechanisms of the
Decree, which induced a more collaborative agenda setting procedure in line with the
participatory governance model, fundamental for building necessary consensus.
Keywords: Popular Participation; Public Policy; Agenda-setting; Consular Diplomacy;
LGBT Emigration.
Introdução
A política externa trata da defesa do “interesse nacional”, conceito amplo e
vago que abrange preocupações diversas (Oliveira 1994), tais como: as relações
de poder entre os Estados; a paz e a guerra; o desenvolvimento econômico;
a expansão do comércio mundial e dos investimentos; as diversas formas de
cooperação, incluindo a cultural e a científico-tecnológica; a proteção do meio-
ambiente e a defesa dos direitos humanos (Lafer 1987). Outra dessas preocupações
é a proteção de nacionais que migram de um país para outro.
No Brasil, não raramente, há quem possa perceber a política externa como
área diferenciada da Administração Pública. Tal percepção advém da distinção
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entre dois tipos de política: uma de tipo “maior/alto/grande” e outra de tipo
“menor/baixo/pequeno” (Tibau 2014; Macedo 2014). Ao Itamaraty, caberia se
ocupar do primeiro tipo de política, não do segundo (Milani e Pinheiro 2013). Em
Teoria das Relações Internacionais, por exemplo, Morgenthau (2003) reputava
alta” (high politics) a política que tratava de assuntos de segurança e “baixa”
(low politics), a que se ocupava dos demais temas, especialmente os econômicos.
A aceitação da visão da política externa brasileira como um domínio especial
da Administração Pública leva à promoção de sua extrema centralização e
concentração nas mãos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), resultando
em grande insulamento burocrático (Cheibub 1990) e no estímulo à elitização e
à excessiva hierarquização do modelo de gestão (De Faria 2012; Waisbich, Cetra
e Marchesini 2017).
Uma prova da inadequação em considerar a política externa como vertente
separada das demais políticas públicas é a diplomacia consular de proteção,
assistência e inclusão sociais formulada pelo Ministério das Relações Exteriores
para os emigrados brasileiros de orientação sexual LGBT, isto é, lésbicas, gays,
bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Uma das formas possíveis de
atuação diplomática em favor, não apenas da comunidade LGBT emigrada, mas
do conjunto dos nacionais emigrantes, é pelo oferecimento de serviços consulares
de natureza assistencial, como o acompanhamento, orientação e apoio (inclusive
financeiro) em caso de desvalimento, morte, prisão, repatriação, inadmissão ou
expulsão.
Atos jurídicos nacionais e internacionais regulam a prestação dos serviços
consulares. Dentre eles, destaca-se o Decreto nº 7.214, de 15 de junho de 2010
(Brasil 2010), que estabeleceu diretrizes da política para as comunidades brasileiras
no exterior e implantou medidas, como a institucionalização das Conferências
Brasileiros no Mundo (CBM), que vinham sendo realizadas esporadicamente desde
2008, e a criação do Conselho de Representantes Brasileiros no Exterior (CRBE),
que aperfeiçoou a experiência anterior do Conselho Provisório de Representantes
(CPR).
Nesse contexto, uma relevante questão de pesquisa é como as instituições
participativas influenciam o processo de montagem da agenda da política de
assistência e inclusão social de emigrantes LGBT pelo Ministério das Relações
Exteriores? Para responder a essa pergunta, este trabalho propõe estudar a
montagem da agenda (agenda setting) consular do Ministério das Relações
Exteriores no tocante a esse grupo específico, sob o ângulo da participação
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popular, e os desdobramentos desta política na implementação de uma governança
participativa no órgão. Para tanto, o trabalho busca descrever a evolução de
práticas participativas relacionadas a essa política pública e seus efeitos. A
pesquisa concentra-se no período entre 1 de janeiro de 2003 e 31 de dezembro
de 2015, isto é, um recorte temporal de sete (7) anos antes e seis (6) anos depois
da publicação do Decreto.
Do ponto de vista empírico, a pesquisa desenvolve uma análise documental
a partir de registros oficiais do Ministério das Relações Exteriores nesse período,
particularmente expedientes telegráficos e não-telegráficos (memorandos, notas,
avisos, circulares internas, entre outros). A coleta desses documentos foi realizada
no acervo arquivístico do órgão. Quanto aos documentos telegráficos, foi usado
o sistema Intradocs, ferramenta eletrônica de uso interno do MRE pela qual é
possível acessar toda a coleção de expedientes telegráficos.
Além desta introdução, o artigo possui mais três seções principais. A primeira
está subdivida em três tópicos: teoria da participação e da governança participativa,
a montagem da agenda de políticas públicas e a gênese da política consular de
assistência social ao brasileiro LGBT emigrado. Em seguida, a metodologia de
pesquisa é detalhada. Na terceira seção, discutem-se os resultados empíricos da
investigação documental, considerando os atores, temas e procedimentos que
influenciam o modo pelo qual o Itamaraty monta a agenda consular no caso
específico da assistência e inclusão social de nacionais LGBT emigrados. Por fim,
apresenta-se a conclusão e perspectivas para uma agenda futura de pesquisa.
Referencial Teórico
Teoria da Participação e da Governança Participativa
No Brasil, a reivindicação pela participação dos atores sociais na gestão,
elaboração e controle de políticas públicas liga-se ao processo de redemocratização
ocorrido na década de 1980, com o final do regime de exceção militar e o processo
constituinte de 1988 (Faria e Ribeiro 2011 e Albuquerque 2006). Naquele período,
emergiram demandas para “democratizar a democracia”, que pleiteavam a criação
de espaços que permitissem à sociedade civil, especialmente os grupos sociais
em situação de exclusão e vulnerabilidade, deliberar sobre políticas públicas
(Dagnino 2002).
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Nesse sentido, uma característica essencial do sistema político que emergiu
após a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 foi a incorporação jurídica,
no topo do ordenamento nacional, do princípio participativo. Essa participação
ampliada ganhou corpo no Brasil por meio do estabelecimento de ferramentas
próprias, de natureza híbrida, porque constituídas tanto por representantes do
Estado, quanto por representantes da sociedade civil, mesclando elementos
de democracia representativa e de democracia direta (Avritzer e Pereira 2005).
Avritzer (2008) denominou esses mecanismos de “Instituições Participativas”
(IPs), definindo-os como “formas diferenciadas de incorporação de cidadãos e
associações da sociedade civil na deliberação sobre políticas”.
A literatura que aborda a teoria da participação costuma apresentar uma
tipologia das IPs que descreve quatro tipos básicos observáveis na realidade
brasileira (Avritzer 2015 e Cortes 2011). Considerando-se o desenho institucional
participativo, é possível identificar: 1) IPs cuja participação está estruturada de
baixo para cima; 2) IPs cuja participação está montada sobre partilha de poder;
3) IPs estruturadas sobre processo de ratificação; e, 4) IPs de caráter consultivo
com “scalling up” (Avritzer 2015).
Ainda de acordo com Avritzer (2015), o principal exemplo de IP com desenho
institucional de baixo para cima é o Orçamento Participativo (OP). Já os Conselhos
de Políticas ilustram as IPs montadas sobre partilha de poder, enquanto Planos
Diretores Municipais (PDMs) e Conferências Nacionais são representantes,
respectivamente, de IPs desenhadas sobre ratificação e de desenho consultivo
com “scalling up”.
As IPs não são apenas cruciais na formulação e implementação de políticas
públicas, mas importam também como elementos definidores do tipo de
governança. A governança, por sua vez, é aqui entendida como a capacidade de
dado governo fazer e impor regras e de entregar serviços, independentemente de
sua natureza democrática. Ela se liga à ideia de administração como execução de
tarefas por dado governo, não importando os fins ou objetivos por ele estabelecidos
(Fukuyama 2013).
A incorporação de práticas participativas em uma governança estimula
modernização administrativa e, logo, também aumenta a governabilidade.
Quando presentes, configuram um estilo administrativo em que a participação
cidadã ocupa um papel central na gestão pública local contemporânea (Milani
2008). No caso brasileiro, a expansão e consagração de IPs estão ligadas à
tendência de passagem de uma perspectiva técnica e gerencial de governança
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para outra mais democrática e popular, isto é, marcada pela participação cidadã
(De Paula 2005).
A perspectiva participativa da governança, também chamada cidadã ou
popular, é historicamente mais recente, sucedendo ao modelo anterior da New
Public Management (NPM) e surgindo com a pretensão de aprimorar as práticas
administrativas que vinham sendo adotadas até então. É, simultaneamente, uma
reação às fragilidades da NPM e uma tentativa de atualizá-la à nova realidade
da sociedade em rede do século XXI (Martins e Marini 2014).
A governança participativa é uma resposta às demandas dos cidadãos
introduzidas pelas IPs e prima por inovar na prestação de serviços públicos e
nos procedimentos a eles relacionados. Seus princípios e diretrizes básicos são
a colaboração, integração, participação, controle e uso das novas tecnologias da
informação, os quais são combinados justamente com a finalidade de buscar a
inovação (Martins e Marini 2014). Para tanto, ao menos no serviço consular, a
introdução de IPs sinaliza uma tentativa de mudança, no sentido de favorecer
a participação e aproximar-se de uma governança participativa. Esta, por sua
vez, parece apontar para uma inovação na forma pela qual o MRE percebe e
trata a assistência e inclusão social de nacionais LGBT emigrados, tornando-se
mais participativa do que antes.
No que diz respeito à participação popular, o estudo da política consular
formulada pelo Itamaraty, voltada a assistir e incluir socialmente as comunidades
brasileiras emigradas, não pode ignorar a publicação do Decreto 7214/2010. Este
institucionalizou IPs, do tipo Conselho e Conferência, as quais geram efeitos em
todo o ciclo dessa política pública, incluindo a fase da identificação do problema
e sua inclusão na agenda, o que será objeto da seção seguinte.
A Montagem da Agenda de Políticas Públicas
O termo agenda, cunhado por Cobb e Elder em 1971, refere-se a um conjunto
de preocupações que merecem ser legitimamente consideradas pelas autoridades
públicas (Zahariadis 2017). Outra definição muito conhecida é a de Kingdon
que conceitua a agenda como uma lista de questões que são objeto de séria
consideração pelos agentes governamentais e por membros da sociedade civil
a eles associados (Sousa 2016).
Foi o trabalho pioneiro de Cobb e Elder nos anos 1970 que introduziu,
pela primeira vez, o conceito de montagem da agenda (policy agenda-setting).
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Segundo eles, a definição da agenda e o ingresso de temas nela estão diretamente
ligados à natureza dos atores envolvidos no processo e ao modo como disputam
a atenção dos tomadores de decisão.
O modelo de Múltiplos Fluxos, de Kingdon, e a Teoria do Equilíbrio Pontuado,
de Baugartner e Jones, são as contribuições teóricas que mais se destacam na
explicação do processo de montagem da agenda. No modelo de Múltiplos Fluxos,
Kingdon reconhece a atuação de três fluxos sobre a atenção dos tomadores
de decisão, o que explicaria por que algumas questões são consideradas (e
incorporadas) na agenda e outras, não (Birkland 2007).
Sela (2017 apud Kingdon 1995) explica que o primeiro fluxo é o dos problemas
(problem stream), pelo qual um assunto é reconhecido como tal e ganha a
atenção dos atores, ingressando na agenda. O segundo fluxo é o das políticas
(policy stream), que enfoca as alternativas e ideias de soluções disponíveis para
os problemas. Já o terceiro e último fluxo é o político (politics stream), que leva
em conta as coalizões e os processos de barganha entre elas.
Os fluxos seguem roteiros próprios e independentes. Em todos eles, os atores
estão permanentemente tentando construir consenso por meios diversos, que vão
desde o lobby até a coerção. Kingdon (1995) sustenta, contudo, que os fluxos
podem ocasionalmente convergir e quando isso ocorre, abre-se uma janela de
oportunidade (window of opportunity) para a mudança da agenda pela inclusão
de novas questões (Kingdon 1995).
O modelo de Kingdon costuma ser criticado por fazer a montagem da agenda
ater-se excessivamente à eventos imprevisíveis, ignorando a dinâmica de inércia
e mudança inerente ao próprio sistema político-administrativo. A teoria do
Equilíbrio Pontuado, por sua vez, observa a formação da agenda pela ótica da
estabilidade e da mudança, a partir da noção de “monopólio político”, subsistema
em que atores, ideias e instituições se articulam em torno da preservação do
status quo das políticas (Howlett e Ramesh e Perl 2013).
Sousa (2016 apud Baumgartner e Jones 1993) explica que períodos em que
os temas permanecem muito estáveis (e, por isso, as eventuais mudanças que
se verificam acontecem muito lentamente) alternam-se com outros, de ruptura,
em que novas questões ascendem e/ou velhas são redefinidas. As longas fases
de estabilidade são pontuadas por mudanças rápidas, por causa de um feedback
positivo, mecanismo em que alguns temas crescem de importância e atraem
outros em efeito bola de neve, à semelhança do que Kingdon descreve a respeito
da difusão de ideias nas comunidades de políticas.
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Em todos os modelos de formação da agenda, o papel dos atores, os
fatores humanos com capacidade para influenciar o processo, é central. Estes,
por sua vez, não atuam no vácuo, mas sujeitam-se a variáveis simbólicas,
institucionais e culturais, como as ideias, o contexto e a arena política. A partir
desses determinantes, eles incentivam a subida de uma questão para o topo das
prioridades da lista, ou pressionam pela adoção de uma alternativa específica.
Agem ainda bloqueando temas, vetando-os ou criando obstáculos que os impeçam
de serem considerados pelos tomadores de decisão.
Consideradas as perspectivas teóricas aqui apresentadas e discutidas, há que
se analisar os mecanismos pelos quais a participação popular, em especial aquela
exercida por meio de instituições participativas, consegue influir na montagem
da agenda da política consular de assistência social ao emigrado brasileiro LGBT.
A Política Consular de Assistência Social ao Brasileiro LGBT Emigrado
O sistema consular introduzido pelo Decreto 7214/2010 tem na institucionalização
das Conferências Brasileiros no Mundo (CBM) e no Conselho de Representantes
Brasileiros no Exterior (CRBE) seus grandes instrumentos de viabilização da
participação popular. Com base na experiência anterior das CBM, o Ministério
das Relações Exteriores submeteu, em 2010, a proposta do Decreto, nº 7.214,
sancionado em 15 de junho daquele ano.
Esse diploma legal prescreveu princípios e diretrizes de uma nova política
governamental integrada para as comunidades brasileiras no exterior, atribuindo
ao Ministério das Relações Exteriores a coordenação da ação governamental
integrada para assisti-los. O Decreto também dispôs sobre o CRBE, órgão de apoio
às Conferências e ao próprio Itamaraty, atribuindo-lhe o papel de fornecedor de
subsídios e sugestões para a política pública a ser adotada para as comunidades
brasileiras no exterior. A estrutura, funcionamento e estatuto desse Conselho
foram definidos posteriormente, pelas Portarias n
os
376 e 377, ambas de 4 de
julho de 2013.
O Decreto inseriu o sistema de conferências como meio de garantir
a observância dos princípios e diretrizes da nova política consular. As atas
dessas IPs não só passaram a ser mecanismos de aferição de accountability dos
órgãos e agentes públicos, mas também ganharam status de parâmetro para o
estabelecimento dessa política pública.
As Conferências Brasileiros no Mundo (MRE 2011), a I Conferência sobre
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Questões de Gênero na Imigração Brasileira (MRE 2015) e a atuação do Conselho
de Representantes Brasileiros no Exterior (MRE 2011) tiveram implicações nos
efeitos das instituições participativas sobre a formulação da política de assistência
e inclusão sociais de nacionais LGBT emigrados entre 2003 e 2015. Sobre seus
resultados se discorrerá mais adiante. Contudo, há que se levar em conta também
o contexto da agenda transversal que orientou todas as ações para esse segmento
nesse mesmo período.
Destaca-se que tais ações aparecem no bojo de outras políticas com foco
na população LGBT que foram gradualmente implementadas entre 2003 e 2015.
As ações do Itamaraty para assistir os emigrados LGBT, assim como influenciar a
atuação das Conferências Brasileiros no Mundo e do Conselho de Representantes
Brasileiros no Exterior, compõem um sistema único de proteção e inserção sociais
dessa população, conforme se poderá ver na análise da documentação oficial
a respeito do assunto.
Metodologia
Este artigo é resultado de uma pesquisa exploratória e descritiva. A estratégia
investigativa aqui empreendida é, a partir de análise documental e bibliográfica,
identificar a influência de instituições participativas na maneira como a agenda
da política de assistência e inclusão social para a população brasileira LGBT
emigrada vem sendo construída pelo Ministério das Relações Exteriores.
Para tanto, o recorte temporal da pesquisa é entre 1 de janeiro de 2003 e 31
de dezembro de 2015. Trata-se de período de 7 anos antes e 6 anos depois da
publicação do Decreto 7214/2010. Tal período contempla praticamente toda a
gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) à frente do Governo Federal brasileiro,
isto é, os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e quase toda a presidência
de Dilma Rousseff
3
.
O estudo busca comparar o período pré-Decreto, de 1 de janeiro de 2003 a 31
de dezembro de 2009, e o pós-Decreto, de 1 de janeiro de 2010 a 31 de dezembro
de 2015, observando, em cada um deles, o comportamento de três variáveis:
atores, temas e procedimentos.
3 Estão excluídos apenas os 4 primeiros meses de 2016, os quais podem ser abstraídos se consideradas sua curta
duração e a crise política que os marcou, tornando-os muito atípicos. Dilma Rousseff foi afastada após votação,
na Câmara dos Deputados, em 17 de abril de 2016, que decidiu pela abertura de processo de impeachment
contra ela.
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A principal ferramenta utilizada neste trabalho é a análise documental,
particularmente de fontes primárias de caráter oficial do Ministério das Relações
Exteriores. A mais importante fonte dos dados empíricos coletados e analisados
é oriunda de documentação oficial do Ministério das Relações Exteriores,
particularmente expedientes telegráficos com instruções, solicitação ou liberação de
recursos e relatos e balanços de atividades dos consulados brasileiros no mundo;
relatórios de atividades consulares, cartilhas e peças informativas, detalhando
programas, e projetos e narrando “boas práticas” na área.
No caso dos documentos oficiais não-telegráficos do Itamaraty (memorandos,
notas, avisos, circulares internas, entre outros), foi realizada pesquisa presencial
no acervo arquivístico do órgão. Quanto aos documentos telegráficos, foi usada a
ferramenta Intradocs
4
sistema eletrônico daquele ministério, pelo qual é possível
acessar, pela rede mundial de computadores, toda a coleção de expedientes
telegráficos do órgão a partir do ano 2000. Para tanto, foram definidas nele,
de maneira totalmente aleatória, sem qualquer juízo de valor e com finalidade
puramente amostral, as seguintes palavras como termos de busca: “LGBT”;
“homoafetivo”; “orientação sexual”; “diversidade sexual”; “gay”; “lésbica”;
“homossexuais”; e, “homofobia”
5
. Elas foram procuradas em todos os tipos de
expedientes, enviados para e recebidos de toda a rede de postos, no período de
1 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2015.
As correspondências telegráficas transmitem instruções e informações, ora
servindo como normas internas de observância obrigatória para os postos,
ora como canal privilegiado para diálogo e tomada de conhecimento sobre
um determinado tema. Se ela é enviada do Brasil para um posto no exterior,
ganha o nome de despacho telegráfico; de um posto no exterior para o Brasil,
é denominada telegrama. No caso de uma comunicação do Brasil para vários
postos, ou mesmo todos eles, é chamada de circular telegráfica.
Na seção seguinte são apresentados resultados empíricos da investigação
documental na base de dados do MRE, considerando os atores, temas e
4 O programa, de uso restrito a servidores do MRE, permite busca por data, palavra-chave, classificação por
tema, remetentes e destinatários (unidades internas e/ou postos no exterior) e tipo de expediente (despachos
telegráficos, telegramas e circulares telegráficas). Por meio dele, pode-se selecionar e obter com agilidade e
praticidade as correspondências telegráficas sobre o tema da pesquisa a partir do uso de filtros, delimitando
o volume documental a investigar.
5 A escolha desses termos não procurou esgotar o vasto léxico de vocábulos que se relacionam à temática em
tela, antes, porém, pautou-se unicamente por um caráter amostral, utilizando-se de expressões de cunho mais
amplo e genérico do que os mais específicos e restritivos.
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procedimentos que influenciam o modo pelo qual o Itamaraty monta sua agenda
consular no caso específico da assistência e inclusão social de nacionais LGBT
emigrados.
Resultados e Discussões: A Participação Popular na Montagem
da Agenda da Política de Assistência Consular ao Emigrante
LGBT à Luz do Decreto 7214/2010
Os termos de busca — “LGBT”; “homoafetivo”; “orientação sexual”;
“diversidade sexual”; “gay”; “lésbica”; “homossexuais”; e, “homofobia” — geraram
898 resultados, dos quais 740 telegramas, 145 despachos telegráficos e apenas 13
circulares telegráficas. A maior parte tem natureza ostensiva, 742 documentos
ou 82,8% do total, enquanto uma minoria tem caráter sigiloso, 99 reservados
e 57 secretos
6
, que correspondem a 10,9% e 6,3% do total, respectivamente.
Por força da Lei de Acesso à Informação (Lei 12527/2011), somente pode ser
analisado o conteúdo dos ostensivos. Os reservados e secretos, contudo, podem
ser considerados para efeitos meramente estatísticos, desde que seu conteúdo
não seja revelado. O quadro 1, abaixo, apresenta a distribuição de expedientes
ostensivos ao longo do período estudado:
Quadro 1. Quantidade de Expedientes Ostensivos com Termos Relativos
à Temática LGBT, 2003-2015
Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Nº Expedientes 21 28 10 11 20 27 43 46 69 62 137 176 92
Fonte: Elaborado pelo autor 2017.
Um meio analítico de entender o real impacto da participação popular
introduzida pelo Decreto 7214/2010 é fazer a comparação do status quo da questão
da proteção consular de nacionais LGBT emigrados, antes e depois da publicação
daquele diploma legal. Isso requer separar tanto os dados quantitativos (caso dos
6 Expedientes reservados são aqueles cujo sigilo tem duração máxima de 5 anos, a partir da data da produção;
os secretos têm prazo de sigilo máximo de 15 anos. A lei prevê ainda o grau ultrassecreto, com prazo máximo
de 25 anos de sigilo, prorrogáveis por mais 25 anos. Nenhum documento desse último tipo foi gerado como
resultado da busca no Intradocs. Para definir o grau de sigilo, esta pesquisa comparou a data de produção do
documento à data de referência de 31 de dezembro de 2016.
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números acima), quanto os qualitativos (que serão apresentados posteriormente),
segundo o momento a que pertencem, antes do Decreto (2003-2009), ou depois
dele (2010-2015), cotejando esses dados entre si e com indicadores gerais de
todo o período 2003-2015.
Assim, no que diz respeito aos totais numéricos de expedientes identificados
na busca realizada no sistema Intradocs, verificou-se que, em 8 anos, entre 2003
a 2009, foram recebidos ou expedidos 200 despachos telegráficos, telegramas ou
circulares telegráficas, com alguma menção a termo relativo à temática LGBT.
Esse número, porém, saltou para 698 entre 2010 e 2015, ou seja, mais do que
triplicou em 5 anos. Os dados relacionados à evolução do total de expedientes
telegráficos enviados e recebidos pelo MRE podem ser visualizados no gráfico
abaixo:
Gráfico 1. Evolução do Total de Expedientes Telegráficos Enviados e Recebidos
pelo MRE Relativos à Temática LGBT, 2003-2015
Expedientes/ano
250
200
150
100
50
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Fonte: Elaborado pelo autor 2017.
Essa evolução no número de documentos trocados entre o Itamaraty e as
representações diplomáticas brasileiras (Embaixadas, Repartições Consulares
e Delegações junto a organismos internacionais/escritórios de representação),
aponta para uma correlação positiva entre a publicação do Decreto 7214/2010
e o aumento da atenção do órgão à questão da população LGBT desde então.
Embora o crescimento não tenha sido linear, mas oscilado ao longo do
período, alternando picos, como no ano de 2004 e entre 2010 e 2014, e quedas,
como entre 2005 e 2007 e no ano 2015, a aceleração na tendência ascendente, a
partir de 2010, confirma o aumento da atenção do órgão à questão. Nesse sentido,
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 79-104
Gustavo Teixeira Chadid; Pedro Luiz Costa Cavalcante
91
o acentuado desvio para baixo na curva do gráfico 1 no ano de 2015, deve ser
atribuído a um crescimento considerável nos totais da documentação produzida
nos anos de 2013 e 2014. Isso se explica por uma acentuação no ativismo político
do Brasil no plano multilateral, o que inflacionou aqueles números.
Em 2013, intensificou-se fortemente a atuação diplomática brasileira junto ao
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (em razão do protagonismo
assumido pelo país na defesa dos direitos das pessoas LGBT), assim como junto
à Organização dos Estados Americanos (OEA), onde conseguiu aprovar uma
resolução sobre orientação sexual, identidade e expressão de gênero a partir de
proposta própria. Além disso, naquele mesmo ano foi realizado em Brasília um
seminário regional sobre orientação sexual e identidade de gênero.
No que se refere ao ano de 2014, pode-se destacar a participação brasileira na
III Conferência Global de Doadores sobre Direitos Humanos de Pessoas LGBT em
Washington, assim como a adoção do projeto de resolução “Direitos Humanos,
Orientação Sexual e Identidade de Gênero”, proposto pelo Brasil, Chile Colômbia
e Uruguai na 27ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Ressalta-se ainda a publicação de uma edição especial do periódico “Mundo
Afora”, sobre a temática dos Direitos Humanos de pessoas LGBT, que para ser
montada contou com subsídios enviados por diversas missões diplomáticas
brasileiras, além da organização da I Conferência sobre Questões de Gênero na
Imigração Brasileira, que também foi subsidiada pelas contribuições dos diversos
Conselhos de Cidadãos/Cidadania espalhados pelo mundo.
Tal cenário, atipicamente ativo da política externa multilateral nesses dois
anos, refletiu-se no total das comunicações do Itamaraty. Houve um crescimento
de 120% no número de expedientes de 2013 em relação a 2012 e de 184% no
montante de 2014 em relação a 2012, o que representa um incremento de 28,5%
em relação ao ano anterior. Tais valores, por isso, devem ser interpretados
como outliers e, ao não se repetirem na mesma magnitude em 2015, explicam a
oscilação do período 2013-2015.
A distribuição histórica do número de expedientes por tipo de representação
diplomática corrobora o crescimento relativo acentuado, verificado a partir de
2010. As missões que mais enviaram e receberam expedientes com alguma
menção ao assunto foram as Embaixadas com 416 documentos, seguidas pelas
Delegações junto a organismos internacionais que tiveram 331 documentos e
pelos Consulados brasileiros com 138. Os dados podem ser visualizados no
gráfico 2 a seguir:
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 79-104
Instituições Participativas e Agenda-Setting da Política de Assistência Social ao Emigrante Brasileiro LGBT
92
Gráfico 2. Distribuição por Tipo de Missão Diplomática dos Expedientes
Telegráficos do MRE Relativos à Temática LGBT, 2003-2015
Fonte: Elaborado pelo autor 2017.
Do ponto de vista geográfico, a pesquisa constatou que o tema LGBT foi mais
abordado pelos postos diplomáticos na Europa, 392 documentos, e na América
do Norte, 212 documentos, do que seus homólogos na África, que tiveram
44 documentos, América Latina com 145 documentos e Ásia, Oriente Médio e
Oceania que, juntos, perfizeram um total de 92 documentos.
Com relação aos descritores de assunto dos documentos gerados na busca
por palavras-chave, relativas à questão LGBT, foram encontrados 24 diferentes
tipos. Com a finalidade de facilitar a análise dos dados, estes foram divididos em
três naturezas, quanto ao tipo de assunto a que se referem: políticos; consulares
e outros (como econômicos, culturais e sociais).
Pode-se comparar a evolução, ao longo do tempo, do número de expedientes
trocados com alguma menção a termo relativo à temática LGBT, considerando cada
uma das três naturezas da abordagem do assunto, antes e depois da publicação
do Decreto 7214/2010. É perceptível a mesma correlação positiva desta com um
ganho relativo de destaque da abordagem consular, relativamente às demais
abordagens dadas, especialmente após 2010, conforme evidenciado no gráfico 3:
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 79-104
Gustavo Teixeira Chadid; Pedro Luiz Costa Cavalcante
93
Gráfico 3. Evolução da Forma com que a Temática LGBT é Tratada
nas Comunicações Telegráficas do MRE, 2003-2015
Fonte: Elaborado pelo autor 2017.
O comparativo entre os totais contabilizados em cada tipo de abordagem
demonstra inflexão na direção de um ganho de importância relativa da abordagem
consular, após a publicação do Decreto. Embora nos dois períodos a maioria
absoluta dos documentos tenha tratado a temática LGBT como uma questão de
natureza política, percebe-se que, após 2010, esta forma de tratamento começa a
perder importância relativa, diante de uma ascensão mais acentuada do tratamento
consular. Os dados constam no quadro abaixo:
Quadro 2. Crescimento no Número de Expedientes por Forma de Abordagem
da Temática LGBT Pré e Pós Decreto 7214/2010
Forma de
Abordagem da
Temática LGBT
Período
Pré-Decreto
2003-2009
Período
Pós-Decreto
2010-2015
Crescimento na Comparação
Entre os Períodos
Pré e Pós-Decreto
Assunto político 185 expedientes (88%) 483 expedientes (70,5%) 260%
Assunto consular 22 expedientes (10%) 182 expedientes (26,5%) 827%
Outros 4 expedientes (2%) 20 expedientes (3%) 500%
Fonte: Elaborado pelo autor 2017.
Verificou-se que a média anual do número de expedientes obtidos na busca
eletrônica no sistema do MRE, trocados no período de 2003 a 2015 e classificados
como assunto de natureza política, foi de aproximadamente 51 documentos.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 79-104
Instituições Participativas e Agenda-Setting da Política de Assistência Social ao Emigrante Brasileiro LGBT
94
Observando-se apenas o período anterior à publicação do Decreto, 2003 a 2009,
tem-se uma média de cerca de 25 documentos por ano, enquanto o período
posterior, 2010 a 2015, apresentou uma média aproximada de 80 documentos
por ano. No caso dos expedientes classificados como assuntos de natureza
consular, a média anual entre 2003 e 2015 foi de cerca de 15 documentos.
Observando os períodos pré e pós Decreto, têm-se, respectivamente, médias em
valor aproximado de 3 e 30 documentos por ano, respectivamente. Em relação
à documentação resultante da pesquisa eletrônica, classificada como assuntos
de outras naturezas, a média anual aproximada de todo o período 2003-2015,
dos anos que antecederam a publicação do Decreto e dos que a sucederam foi
de, respectivamente, 2, menos de 1 e 3 documentos por ano.
O resultado quantitativo da pesquisa eletrônica por descritor de assunto
revela, portanto, que o Itamaraty encarou o problema da proteção da população
LGBT ao longo de todo o período, como uma questão política, majoritariamente
relacionada à temática dos Direitos Humanos. Adicionalmente, outras formas de
abordagens políticas do assunto, bastante recorrentes, foram o acompanhamento
do tratamento dado à temática LGBT na política interna de outros países e os
relatos de como outros países e organizações internacionais estavam lidando
internacionalmente com esse tema.
No caso da abordagem consular, foram identificadas três vertentes temáticas
específicas: em primeiro lugar, relatos e tomadas de providências no âmbito estrito
da assistência consular, seguida pela classificação “comunidades brasileiras no
exterior” e, por fim, relatos e providências sobre vistos.
A primeira vertente é aquela que, efetivamente, refere-se a alguma forma de
auxílio ou assistência concreta dada ao brasileiro LGBT ou pessoa a ele ligada
(por exemplo, apoio psicossocial por psicólogo/assistente social ou assessoria
jurídica prestada por advogado). A segunda liga-se à atuação dos Conselhos de
Cidadãos, ao Conselho de Representantes Brasileiros no Exterior (CRBE) ou às
Conferências Brasileiros no Mundo (CBM), sendo assim os que mais dizem respeito
à participação popular propriamente dita. A terceira vincula-se à concessão de
vistos a cidadão LGBT, companheiro ou outro membro da família. Em todas as
abordagens, verifica-se um aumento consistente na troca de comunicações a
respeito da questão LGBT a partir de 2010. Esses dados quantitativos sugerem
a existência de uma relação entre a publicação do Decreto 7214/2010 e maior
inserção de questões ligadas a temática LGBT na agenda consular. Contudo, tal
indicativo pode ser mais bem compreendido por meio de uma análise qualitativa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 79-104
Gustavo Teixeira Chadid; Pedro Luiz Costa Cavalcante
95
da documentação obtida na pesquisa junto ao sistema Intradocs do Itamaraty.
Para tanto, consideram-se os resumos descritivos dos assuntos dos expedientes
encontrados na busca eletrônica e as atas dos processos conferencistas.
Os aportes específicos para a questão da emigração LGBT provenientes
das IPs foram notadamente as cinco Conferências Brasileiros no Mundo e a
I Conferência sobre Questões de Gênero na Imigração Brasileira (MRE 2015).
Chama a atenção na listagem de assuntos da Ata Consolidada de Reivindicações
da Comunidade Brasileira e Prestação de Contas (MRE 2011) e dos Documentos
de Base da I Conferência sobre Questões de Gênero na Imigração Brasileira (MRE
2015), a intensa participação popular que impulsionou a inclusão dos temas na
agenda consular.
O CRBE, por exemplo, foi corresponsável pela propositura de todas as
demandas presentes nas atas das cinco CBM, exceto naquelas ações previstas
no item “expansão da rede de apoio social no exterior e aos retornados”, que
se originaram por iniciativa do Itamaraty, em conjunto com outros órgãos da
administração federal. Os Conselhos de Cidadãos/Cidadania, por sua vez, tiveram
a autoria principal das demandas referentes à emigração LGBT agendadas na
I Conferência sobre Questões de Gênero na Imigração Brasileira (MRE 2011 e
MRE 2015).
No que tange ao conteúdo dos telegramas e despachos, ressalta-se que
o período 2003-2009 foi predominantemente marcado por relatos da atuação
brasileira em defesa dos Direitos Humanos das pessoas LGBT em foros multilaterais
como Nações Unidas e OEA, incluindo o apoio a ONGs nacionais atuantes nesse
terreno e com presença em tais organismos. Além disso, verifica-se constante
acompanhamento, tanto da situação da questão nas políticas interna e externa
de outros países, quanto da repercussão internacional das políticas brasileiras
em prol desse segmento.
Há, nesse período, poucas comunicações oficiais de natureza consular,
basicamente narrativas de prestação de serviço de assistência psicossocial ou
orientação jurídica e informação sobre concessão de visto a brasileiros LGBT
ou familiar/amigo. Isto significa que se percebem poucos expedientes sobre
assuntos tipicamente consulares e os temas abordados são pouco diversificados.
Quase tudo o que se transmitiu teve natureza estritamente política, indicando
também que o MRE não interpretava a questão da inclusão social LGBT como
problema que poderia ser tratado pela via do serviço consular, mas unicamente
como tema de Direitos Humanos, conforme mencionado anteriormente.
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Instituições Participativas e Agenda-Setting da Política de Assistência Social ao Emigrante Brasileiro LGBT
96
Embora os dados qualitativos sugiram que essa interpretação tenha se
mantido forte no período pós-publicação do Decreto 7214/2010, ela deixou
de preponderar a partir da inclusão da ideia de que haveria a necessidade de
a emigração LGBT ser atendida também consularmente, a exemplo de outros
segmentos vulneráveis da comunidade brasileira emigrada, como mulheres e
menores. Assim, enquanto o tratamento político do assunto permaneceu, de
modo geral, estável, o tratamento consular expandiu-se na agenda, alterando-a.
Desse modo, observa-se o aumento de documentos a respeito de providências
consulares para assistência e inclusão sociais de emigrados LGBT e uma forte
diversificação dos seus conteúdos.
Foram identificados desde relatos de gestões junto a autoridades policiais
locais, propondo medidas de cooperação no combate ao tráfico de pessoas no
âmbito da comunidade LGBT emigrada, passando pela divulgação de informações
a respeito da publicação, no link “Alertas a viajantes” do Portal Consular, de avisos
sobre homofobia e riscos a viajantes e emigrantes LGBT em determinados países
estrangeiros, até o envio de subsídios para eventos internacionais envolvendo
a temática LGBT.
Contudo, são os resultados dos processos conferencistas e a atuação dos
Conselhos de Cidadãos e do Conselho de Representantes Brasileiros no Exterior
os maiores indicadores de que o período 2010-2015 realmente representou uma
inflexão na forma como o Itamaraty passou a observar a questão da proteção dos
nacionais LGBT emigrados. A Ata Consolidada das três primeiras CBM traz duas
demandas contendo ao todo cinco propostas de ação voltadas a essa população,
às quais foram acrescidas outras três ações nas edições posteriores do evento.
O principal desdobramento das CBM, porém, foi a realização da I Conferência
sobre Questões de Gênero na Imigração Brasileira, em Brasília. Além de Conselhos
de Cidadãos de nove países terem apresentado subsídios próprios, ela contou
com uma mesa específica para debater a situação da comunidade LGBT no
exterior, a qual apresentou quatro propostas calcadas em relatos concretos de
representantes dos emigrantes.
Todas as contribuições das diferentes conferências passaram a integrar
a agenda da política consular, demonstrando a capacidade de influência da
participação popular. Ressalta-se que, antes da publicação do Decreto, verificava-
se basicamente uma atuação insulada da burocracia do Itamaraty no sentido de
defender, em organismos multilaterais, os Direitos Humanos das pessoas LGBT,
sem distinguir entre brasileiros e estrangeiros, emigrados e residentes no Brasil.
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Gustavo Teixeira Chadid; Pedro Luiz Costa Cavalcante
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Quase tudo era decidido intramuros, burocraticamente, havendo concentração
decisória na esfera governamental e baixo envolvimento da sociedade civil.
A partir do Decreto, outros atores, como a Defensoria Pública, o Parlamento
e os representantes das comunidades brasileiras no exterior, passaram a ter voz,
de maneira que novas demandas e linhas de ação foram incorporadas, a partir
do diálogo e da colaboração entre eles. Nesse sentido, o procedimento também
passou a ser menos unilateral e mais negociado com a sociedade, considerando
uma lógica de rede em que o consenso necessário para montar a agenda não
poderia ser imposto (do governo para a sociedade), mas sim construído a partir
da participação dos interessados diretos na política.
O Decreto 7214/2010 estabeleceu nova sistemática participativa na política
consular, impactando o tratamento governamental dado à emigração LGBT.
Considerando tal perspectiva, os dados evidenciam um aumento na participação
popular, contudo é necessário problematizar como isso influiu na construção
da agenda consular.
As políticas domésticas de proteção e promoção dos direitos LGBT, o ambiente
político propício, as reformas burocráticas no Itamaraty e o advento de maior
participação popular, favorecida pelo Decreto, todos esses fatores conseguiram
chamar a atenção dos tomadores de decisão e influenciar a agenda consular.
A partir da criação da Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no
Exterior (SGEB), voltada especificamente às comunidades brasileiras no exterior,
e da Divisão das Comunidades Brasileiras no Exterior (DBR), unidade dedicada
à interlocução com elas, iniciou-se uma mudança em termos de abertura ao
ingresso de novos atores. A implementação de iniciativas como a criação da
Ouvidoria Consular (2010) e a realização das primeiras Conferências Brasileiros
no Mundo (2008 e 2009) foram outros eventos que propiciaram um aumento no
número e na variedade de atores participantes.
Quanto aos temas, é perceptível a existência de um tratamento eminentemente
político antes de 2010, com pouca abordagem consular. Esta, contudo, ganha
enorme impulso a partir daquele ano e os dados apresentados confirmam que
houve uma proliferação e diversificação temática que, por sua vez, adveio do
aumento no número e na diversidade de atores a partir de 2010, que inseriram
novos interesses, perspectivas e valores na pauta de discussão consular.
A correlação entre a proliferação dos atores e o aumento na quantidade e na
heterogeneidade dos temas consulares, especialmente os relativos ao emigrado
LGBT, fica evidente quando se observa a descrição qualitativa dos aportes das
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Instituições Participativas e Agenda-Setting da Política de Assistência Social ao Emigrante Brasileiro LGBT
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Conferências Brasileiros no Mundo e da I Conferência sobre Questões de Gênero
na Imigração Brasileira.
Percebe-se a propositura de várias medidas e ações específicas por parte tanto
do MRE e outros órgão governamentais, quanto dos Conselhos de Cidadãos e do
CRBE. Tais propostas, desde então, integram o conteúdo da agenda institucional
do Itamaraty para a área consular, sendo que algumas, como a criação de cartilhas
e de portais na internet para divulgação de informações, conseguiram ingressar
no círculo mais estrito da agenda decisória do Itamaraty.
Essa abertura de canal a outros atores ganhou caráter oficial a partir de
2010. O parlamento, a sociedade civil e, principalmente, os representantes das
comunidades brasileiras no exterior só começaram a ser ouvidos de maneira
institucional a partir da nova sistemática de Conferências e Conselhos, inaugurada
pelo Decreto 7214/2010. Isso é um indicativo de que a participação popular
também tende a estimular uma reforma do modelo de gestão, em que a agenda
é construída de modo cada vez mais colaborativo e menos impositivo, ganhando
o formato de uma governança participativa.
De fato, a estratégia que se viu adotada a partir de 2010 foi a de tentar construir
consenso ouvindo, além dos agentes estatais, a sociedade civil e, principalmente,
a comunidade brasileira emigrada. Dessa forma, é possível afirmar que houve
uma mudança na forma como se construía a agenda no período 2010-2015, visto
que antes disso o consenso era forjado predominantemente de forma unilateral
pelo Itamaraty, quase como uma imposição para os demais atores. A partir da
publicação do Decreto 7214/2010, esse consenso passou a ser negociado de forma
colaborativa, a partir do diálogo direto com a sociedade civil.
Empiricamente, percebe-se que a maioria dos temas pertinentes à assistência
e inclusão social de emigrados LGBT foi incorporada na agenda por iniciativa
dos Conselhos de Cidadãos ou do CRBE, vale dizer, eles foram propostos e
entraram na agenda “de baixo para cima”, em vez de ditados pelas autoridades
governamentais “de cima para baixo”. O fato de as questões passarem a ser
incorporadas “de baixo para cima”, isto é, da sociedade civil para o governo,
demonstra que os atores passaram a fazer uso de um procedimento fundado
no diálogo e na cooperação na tentativa de determinar o conteúdo da agenda.
A interpretação dos dados da pesquisa empírica também permite concluir que
a publicação do Decreto 7214/2010 representou um ponto de inflexão na forma
como o Ministério das Relações Exteriores veio montando a agenda consular
ao longo do período 2003-2015. Tal inflexão decorre do fato de as instituições
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Gustavo Teixeira Chadid; Pedro Luiz Costa Cavalcante
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participativas, que foram institucionalizadas, terem introduzido efeitos inovadores
no modo de montagem da agenda consular. Esse processo de inovação pode ser
resumido no quadro a seguir:
Quadro 3. Inovações Induzidas pelas Instituições Participativas do Decreto 7214/2010
Processo de Montagem
da Agenda Pré-Decreto
7214/2010
Efeito Inovador das
Instituições Participativas
no Processo
Efeito da Inovação na
Montagem da Agenda Pós-
Decreto 7214/2010
Insulamento e Elitização:
o espaço para novos
atores ingressarem era
restrito e, por isso, a
agenda era montada por
poucos. Ela era composta
por quantidade pequena
de temas, limitados aos
interesses dos poucos
atores envolvidos e a pauta
era pouco diversificada.
Aumento da Participação
Popular: estímulo ao
envolvimento de mais
atores e inclusão de mais
temas, além do aumento
da permissão a interesses
de um número maior de
atores levando à maior
heterogeneidade destes e
dos temas.
Abertura de Janela de
Oportunidade: o ambiente
mais participativo em que a
agenda é montada torna-se
mais favorável à aceitação
e incorporação de novas
questões.
Hierarquização e
Burocratização: a
agenda era imposta mais
discricionariamente,
com pouco diálogo com
a sociedade civil, em
perspectiva gerencial de
Nova Gestão Pública.
Estabelecimento
da Necessidade de
Adoção da Estratégia
Colaborativa: Estímulo à
cooperação, e ao diálogo
com a sociedade civil.
Estabelecimento de uma
Governança Participativa:
a agenda é montada em
colaboração com a sociedade
civil, considerando um
ambiente de redes, na
perspectiva gerencial de uma
governança participativa.
Fonte: Elaborado pelo autor 2017.
Os resultados obtidos indicam que as instituições participativas influenciam
a montagem da agenda induzindo a abertura de uma janela de oportunidade
para a incorporação de novos temas. Isso se deve à democratização do processo
pela participação de mais atores e pela integração de mais temas à pauta.
Esses mesmos resultados também sinalizam que as instituições participativas
influenciam uma mudança no procedimento de montagem da agenda. Elas
induzem, por um mecanismo de feedback positivo, um ambiente gerencial
de governança participativa, baseado na tomada colaborativa de decisões em
lugar de unilateralmente, de modo que a cooperação e o diálogo passam a ser
necessários, não havendo lugar para a persuasão pura e simples e para imposição
unilateral de interesses.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 79-104
Instituições Participativas e Agenda-Setting da Política de Assistência Social ao Emigrante Brasileiro LGBT
100
Em outras palavras, os efeitos inovadores promovem uma mudança no
padrão de montagem da agenda. Quanto maior a participação popular, menor
o estímulo ao insulamento e à elitização e mais se induz a abertura de janela
de oportunidade para o ingresso de novos temas. Da mesma maneira, quanto
maior a necessidade de cooperação e diálogo no procedimento de montagem da
agenda, maior a preferência pela adoção de um formato de gestão de governança
participativa, ao contrário do velho padrão gerencial hierarquizado e burocrático
da Nova Gestão Pública.
Conclusão
Este trabalho objetivou mapear e descrever os efeitos da participação popular
sobre a montagem da agenda da política consular. Do ponto de vista empírico,
os dados apresentados e discutidos ao longo do artigo evidenciam a abertura
de uma janela de oportunidade para interferir na montagem da agenda das
políticas públicas consulares, induzida pela maior participação e pelo aumento
no número e na diversidade de atores e temas a partir da institucionalização
das IPs do Decreto 7214/2010.
De igual modo, os dados demonstram que a incorporação de uma maior
quantidade e diversidade de atores e temas — introduzidos no processo pelas
IPs do Decreto — estimulou que a montagem da agenda seguisse um modelo
de gestão tendente a ser uma governança participativa, levando à adoção de
estratégia mais colaborativa na construção dos consensos necessários.
O artigo evidenciou que houve uma alteração na forma como o Ministério
das Relações Exteriores lidou com a montagem da agenda consular ao longo do
período 2003-2015. Em termos da política pública implementada pelo Itamaraty, tal
mudança se valorizou, principalmente, pela criação de mecanismos institucionais
de comunicação com as comunidades brasileiras no exterior.
É esse o pressuposto fundamental a partir do qual se deve entender o impacto
da publicação do Decreto 7214/2010 sobre a política consular brasileira. Devido
às estruturas deliberativas por ele implantadas, foram abertos novos canais
para que representantes da comunidade LGBT emigrada pudessem expressar
seus anseios e reivindicações, influindo diretamente na deliberação da política
para os emigrados daquela orientação sexual. Comprova isso o grande ativismo
dos Conselhos de Cidadãos do Brasil. Alguns em especial, como os de Zurique,
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Melbourne e Paris, foram muito atuantes em relação ao assunto, uma vez que
contavam com cidadãos LGBT ocupando assentos na direção.
Nota-se que o Decreto oficializou maior abertura do Ministério das Relações
Exteriores não só aos emigrados LGBT, mas ao conjunto das comunidades
brasileiras. O aumento da influência de interessados diretos não só sobre a
montagem da agenda, mas em todas as etapas da elaboração de políticas consulares,
tem sido um fator facilitador imprescindível para a adoção de iniciativas bastante
inovadoras nesse terreno.
Algumas questões, contudo, ainda permanecem inconclusas. Uma limitação
significativa desta pesquisa foi a impossibilidade de comprovar uma relação de
causalidade entre a institucionalização das IPs do Decreto 7214/2010 e o aumento
da participação popular. De fato, os dados levantados e analisados não permitem
inferir isso, mas somente apontam para a existência de uma correlação positiva
entre a introdução de instituições participativas, o crescimento no número e na
variedade de atores e temas, a abertura de uma janela de oportunidade para a
mudança da agenda e a adoção de um modelo de gestão, que se aproxima de
uma governança participativa.
Deste modo, afigura-se como pauta potencialmente fértil para futuras pesquisas
da área, a análise dos fatores que explicam o aumento da participação a partir da
institucionalização das IPs, bem como dos mecanismos pelos quais esse aumento
da participação se reverte em alterações concretas, tanto da agenda em si como do
procedimento em que ela é montada. Nesse sentido, uma primeira possibilidade
investigativa diz respeito às motivações, tanto das que levam à efetiva participação
popular, quanto das que forçam a mudança da agenda e do modelo de gestão.
Outra frente de análise interessante e relevante é a ampliação do leque de atores
e setores que também podem legitimamente influenciar a formação da agenda
consular, tais como transgêneros, representantes de movimentos feministas e
raciais, entre outros.
Por fim, destaca-se a importância de estudos que analisem os limites dessas
instâncias criadas e seu funcionamento, investigando que outros tipos de contexto
(associações, emigrados e outros participantes do processo) permitem entender
o que acaba por entrar ou não na comunicação oficial que consta nos arquivos
do MRE.
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Instituições Participativas e Agenda-Setting da Política de Assistência Social ao Emigrante Brasileiro LGBT
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