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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
Entre a criminalização e a vitimização:
Refugiados urbanos nas políticas do ACNUR
Between criminalization and victimization:
Urban refugees in UNHCR policies
Doi: 10.21530/ci.v15n2.2020.1030
André Luiz Morais Zuzarte Bravo
1
Resumo
Segundo estimativas recentes, a maior parte dos refugiados no mundo vive em áreas urbanas.
Em 1997, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) apresentou sua
primeira política oficial sobre o tema. Amplamente criticada por criminalizar o refúgio urbano,
a Agência se viu obrigada a rever suas diretrizes e reconhecer a necessidade de proteção
dessa população em uma nova política lançada em 2009. A partir do estudo de ambas, este
artigo analisa o processo de construção institucional do refugiado urbano. Argumenta-se
que, embora distintas em seu teor, ambas (re)produzem crenças normativas atreladas à
figura arquetípica do refugiado genuíno, a qual enfatiza vulnerabilidade e vitimização como
marcadores de autenticidade da condição refugiada. Na política de 1997, tais traços foram
mobilizados como forma de negar a legitimidade daqueles que se encontravam nas cidades;
e, em 2009, como forma de justificar sua inclusão no espaço de assistência humanitária.
A partir dessa leitura, este artigo sugere o diálogo com outras áreas do conhecimento como
caminho para produção de políticas que rompam com uma visão estereotipada e que atentem
para as múltiplas nuances que o urbano imprime ao refúgio.
Palavras-chave: ACNUR; Cidades; Refugiados Urbanos; Humanitarismo Urbano.
Abstract
According to recent estimates, most refugees in the world live today in urban areas. In 1997,
the United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR) presented its first official
policy on the subject. Widely criticized for criminalizing the urban refuge, the agency was
1 Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio. Professor de Relações
Internacionais do Centro Universitário IBMR. Desde 2018, atua como agente de proteção no CEPRI (Centro
de Proteção a Refugiados e Imigrantes) e pesquisador no CEDPIR (Centro de Estudos em Direito e Política de
Imigração e Refúgio), ambos vinculados à Fundação Casa de Rui Barbosa. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-
2837-7208; email: zuzarte.andre@gmail.com
Artigo submetido em 05/12/2019 e aprovado em 26/05/2020.
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forced to revise its guidelines and to recognize the need for protection of this population in
a new policy launched in 2009. Through the study of both policies, the article analyzes the
process of institutional construction of the urban refugee. It is argued that, although distinct
in their content, both (re) produce normative beliefs tied to the archetypal figure of the
genuine refugee — which places emphasis on vulnerability and victimization as markers of
authenticity of the refugee condition. In 1997 politics, such traits are mobilized as a way of
denying the legitimacy of those in the cities; and, in 2009, as a way to justify its inclusion
in the humanitarian assistance space. From this reading, the article suggests the dialogue
with other areas of knowledge as a way to produce policies that break with an essentialized
view and pay attention to the multiple nuances that the urban gives to the refuge.
Keywords: UNHCR; Cities; Urban Refugees; Cities; Urban Humanitarianism.
Introdução
O mundo está se tornando urbano. Esta é uma sentença rotineiramente
repetida e confirmada por estatísticas e projeções que apontam para a formação de
uma sociedade urbana global em um futuro próximo. Segundo relatório da ONU,
atualmente 55% da população mundial vive em áreas urbanas e a expectativa é
de que esta proporção aumente para 70% até 2050 (FAO, 2019). De acordo com
Soja e Kanai (2007, 62), mais do que nunca, pode-se dizer que “toda a superfície
da Terra é urbanizada em algum grau, das tundras siberianas à floresta tropical
brasileira, até a calota glacial da Antártida”.
Seguindo essa tendência, estima-se que, tal como a população mundial,
mais da metade das pessoas refugiadas no mundo encontra-se hoje vivendo em
contextos urbanos, seja nas próprias cidades ou em suas cercanias. Fenômeno
natural, tendo em vista que o assentamento urbano oferece tanto a refugiados
quanto a solicitantes de refúgio maior liberdade de movimento e perspectivas de
mobilidade social e econômica, em contraste com as restrições e controles impostos
no regime de campos
2
. Em 1997, o Alto Comissariado das Nações Unidas para
2 As menções a “campos” ao longo do artigo referem-se especificamente aos campos de refugiados — instalações
temporárias construídas para fornecer proteção e assistência imediatas às pessoas forçadas a deixar seu país
para escapar à perseguição, conforme descrito na Convenção de 1951 e no Protocolo de 1967, relativos ao status
dos refugiados. Nos campos, esses indivíduos são confinados em um mesmo espaço e submetidos a um rígido
controle que restringe parcialmente ou integralmente sua liberdade de movimento. Refugiados urbanos, por
sua vez, são aqui entendidos como qualquer refugiado que mora em uma área urbana ou periurbana, não em
um campo de refugiados administrado por uma autoridade designada ou pelo ACNUR.
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Refugiados (ACNUR) estimava em 200 mil o total de refugiados residindo nas
cidades. Em 2001, esse número subiu para 1,9 milhões e, segundo dados mais
recentes, chega a 61% do total de refugiados
3
(Marfleet 2007; ACNUR 2019).
Diante dessa realidade, nos últimos anos o ACNUR passou a adaptar suas
políticas para lidar com as oportunidades e desafios enfrentados por indivíduos em
situação de refúgio nas grandes cidades. Os passos iniciais foram dados ao longo
da década de 1990. Em 1995, a temática foi objeto de um discussion paper que
resumia as principais questões colocadas à Agência pelo trabalho em áreas urbanas.
Em 1997, o ACNUR apresentou sua primeira política oficial sobre refugiados
urbanos. Considerado um dos documentos mais controversos já produzidos pela
Agência, sofreu duras críticas e contribuiu para o aprofundamento da discussão
sobre a temática, envolvendo diferentes atores entre governos nacionais, ONGs e
o próprio ACNUR. Mais de 10 anos depois, em 2009, a Agência lançou uma nova
política sobre o tema, buscando romper com as diretrizes estabelecidas por sua
antecessora.
A partir deste quadro, este artigo tem por objetivo analisar o processo de produção
institucional do refugiado urbano
4
. Para tanto, centra-se no uso de bibliografia
secundária, combinada à análise documental das fontes primárias do ACNUR
relativas às políticas para refugiados no espaço urbano, especialmente as políticas
de 1997 e 2009. Argumenta-se que ambas refletem crenças normativas atreladas
à figura arquetípica do refugiado genuíno — a qual enfatiza a vulnerabilidade e
condição de vítima como marcadores de autenticidade da condição refugiada, em
franca oposição à figura (criminosa) do falso solicitante de refúgio. Na política
de 1997, tal condição é mobilizada como forma de negar a legitimidade daqueles
que se encontravam nas cidades e, em 2009, como forma de justificar sua inclusão
no espaço de assistência humanitária.
3 Os números são apenas estimativas. Como será mostrado ao longo do artigo, o assentamento em meio urbano
oferece uma série de desafios ao ACNUR, principalmente a dificuldade na identificação de refugiados, já que
muitos preferem não se identificar como tais. Além disso, há uma enorme mobilidade desses indivíduos, o que
dificulta uma contagem precisa. Mesmo assim, os números ajudam a dar uma ideia do crescimento do refúgio
urbano ao longo dos anos.
4 Desde 2009, a temática do refúgio urbano se consolidou na agenda do ACNUR. No entanto, não houve o
estabelecimento de nenhuma nova política acerca do refúgio urbano, de modo que as políticas de 1997 e 2009
mantêm sua centralidade para compreensão da temática: a de 1997 por ser a primeira política da Agência
a reconhecer e estabelecer diretrizes sobre o refúgio urbano, e a de 2009, por estabelecer compromissos
significativos que marcam um ponto de ruptura com sua antecessora e que servem como diretrizes à Agência
até os dias atuais.
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Ao partirem dessa visão pasteurizada, ambas fornecem respostas homogêneas
que relegam o urbano a segundo plano. Em outras palavras, ao se apoiarem em
uma (pressuposta) universalidade da experiência do refúgio, ignoram as nuances
e desafios impostos pelo espaço em que se inserem. Emerge, assim, um urbano
igualmente universal, retratado ora como espaço não legítimo de proteção, portanto,
ameaçador ao refúgio; ora como espaço a aprofundar velhas vulnerabilidades,
ameaçador, portanto, ao refugiado. Em ambas as leituras, a sombra dos campos
se faz presente: em 1997, como único espaço legítimo de existência do refugiado
genuíno; em 2009, como modelo a orientar a atuação do ACNUR nas cidades.
Será visto que, embora a temática do refúgio urbano tenha ganhado crescente
relevância no âmbito do ACNUR e de estudos acadêmicos, ainda se faz necessário
pensar políticas e práticas moldadas por um olhar mais atento às nuances no que
diz respeito tanto ao refúgio quanto ao urbano. Desse modo, pretende-se iluminar
que a vivência nas cidades, ao contrário do que pressupõe a retórica político-
institucional, não é determinada exclusivamente pela condição de refugiado, mas
por questões mais amplas — fruto da produção de um espaço urbano cada vez
mais desigual, fragmentado e hierarquizado — que extrapolam as populações
refugiadas e são compartilhadas por diferentes habitantes da cidade, especialmente
aqueles localizados às margens. Sugere-se, ao final, o diálogo com outras áreas
do conhecimento que apresentam reflexões sobre processos inerentes ao espaço
urbano como forma de construção de uma compreensão mais ampla sobre essa
temática.
A construção do refugiado genuíno e dos espaços legítimos de
existência
A história do Regime Internacional de Refugiados pode ser dividida em duas
fases principais. A primeira se inicia no pós Segunda Guerra Mundial, quando a
criação do ACNUR, em 1950, e da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados,
de 1951, sedimentaram, em nível internacional, o direito à proteção dos indivíduos
em busca de refúgio. A necessidade de mão de obra para reconstrução da Europa
Ocidental, aliada à economia aquecida dos países do Norte, garantiu a absorção
de contingentes significativos de refugiados por esses países (Chimni 2004). Além
disso, o fato da maior parte dos fluxos ser formada por indivíduos do leste europeu
que fugiam do jugo comunista estimulou ainda mais a abertura das fronteiras: no
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contexto da guerra-fria, a absorção desses contingentes foi usada para reafirmar a
imagem do Ocidente como terra da liberdade, frente ao autoritarismo e às mazelas
do bloco soviético (Loescher 2001).
Em meados da década de 1970, o arrefecimento do conflito entre as duas
potências bem como da economia dos países do Norte mudou esse quadro,
iniciando a segunda fase. O acolhimento de outrora foi substituído por crescente
hostilidade contra a presença de refugiados, especialmente porque os fluxos agora
eram, em sua maioria, provenientes do Sul (Chimni 2004; Fassin 2011). Nesse
contexto, a proteção deu lugar à regulação: os países do Norte implementaram
legislações migratórias restritivas e controles de fronteiras sob o argumento de
frear a imigração ilegal.
É no bojo da consolidação desse viés regulatório que a figura do falso solicitante
de refúgio torna-se dominante nas políticas e discursos midiáticos (Scheel e Squire
2014). Sua construção dá-se em estrita oposição à figura do refugiado genuíno:
se estes migravam por não terem escolha, movidos pelo medo e pela necessidade
de preservar suas vidas, aqueles migravam de forma estritamente deliberada,
movidos pelo desejo e por razões puramente econômicas (Fassin 2011). Dessa
leitura, depreende-se que a Agência é tomada como elemento central de distinção:
enquanto o refugiado genuíno é definido por sua falta de agência política e excesso
de vulnerabilidade, o falso solicitante de refúgio é concebido como imbuído de
uma agência excessiva e até mesmo criminosa, patente na (suposta) violação do
sistema de refúgio. Essa distinção entre vítima/criminoso reflete-se no binarismo
legal/ilegal, que consolida-se como eixo central das políticas migratórias a partir
de então (Scheel e Squire 2014).
Os atores pró-migrantes contribuíram para o acirramento dessa oposição.
Como estratégia para sensibilizar a opinião pública à causa, enquadraram as
populações refugiadas a partir de suas privações e dificuldades (Keck e Sikkink
1998; Landau 2014; Scheel e Squire 2014). A partir dos anos 1980, como nos mostra
Malkki (1996), houve forte tendência no discurso humanitário e nos estudos sobre
migração forçada de retratar refugiados simplesmente como vítimas indefesas
e sem voz, ao invés de sujeitos dotados de agência e desejos. Essa tendência
manteve-se com a frequente invocação de imagens que reforçavam sentimentos
de desespero, desesperança e vitimização como forma de apelar à obrigação moral
e legal dos países em salvar aqueles que arriscavam-se em perigosas jornadas
em busca de proteção (Chouliaraki e Stolic 2017; Fehrenbach e Rodogno 2015;
Scheel e Squire 2014).
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Se, como nos diz Austin (1962), o discurso não é inócuo, mas, sim, prática
(violenta) que constrói a realidade, pode-se imaginar os efeitos concretos da
mobilização desse léxico humanitário para a produção do sujeito refugiado.
A linguagem textual e visual usada para descrevê-los revela-se parte fundamental
de como são interpretados e, consequentemente, de como se age em relação a eles
(Bleiker et al 2013). Do discurso humanitário hegemônico centrado na vitimização
surge, portanto, um refugiado universal a mobilizar intervenções padronizadas,
igualmente universais. “Os refugiados deixam de ser pessoas específicas e tornam-
se vítimas puras em geral: homem universal, mulher universal, criança universal
e, juntos, família universal” (Malkki 1996, 378).
Em suma, cria-se uma corporalidade anônima e sem voz — processo no qual
as nuances individuais são diluídas em uma grande massa amorfa e a-histórica,
definida apenas pelo sofrimento e privação (Malkki 1996, 378). A identificação
do refugiado genuíno passa a se dar em termos extralegais, envolvendo uma
dimensão performativa (Fassin 2001). Nessa perspectiva, é um refugiado genuíno
aquele cujo comportamento atende às expectativas consolidadas no imaginário
coletivo sobre qualidades e atitudes que seriam inerentes a um autêntico refugiado:
silêncio, passividade, aquiescência (Nyers 2006, xv).
O comportamento, assim, torna-se um marcador de autenticidade da condição
de refugiado e todo traço de agência é interpretado tanto como sinal claro de sua
ilegalidade quanto do apaziguamento da condição de refugiado, justificando,
respectivamente, a negação da proteção e a suspensão da assistência. Ambas,
proteção e assistência, saem do campo do direito e tornam-se questão de mérito:
merecem ser assistidos e protegidos não mais os corpos ameaçados, mas apenas os
corpos (mais) sofredores (Fassin 2001; Fehrenbach e Rodogno 2015; Judge 2010).
5
A atuação humanitária nos campos — alçados à condição de solução
preferencial e durável no marco das políticas de fechamento de fronteiras —
reflete, ao mesmo tempo que reforça, o olhar muitas vezes estereotipado sobre
o refugiado. A teoria de Agamben (1998), ao associar esses espaços à noção de
vida nua, tem sido particularmente importante para realçar como, nos campos, a
ênfase no fornecimento do mínimo necessário para manutenção da vida biológica
5 Judge (2010), por exemplo, mostra como homens jovens solicitantes de refúgio têm mais chance de serem
colocados no polo de criminosos, na medida em que as lentes dominantes sobre gênero atribuem aos corpos
masculinos uma potência e agência que se opõem à vulnerabilidade e fragilidade atribuídas aos corpos femininos
e infantis. Não à toa, grupos pró-migrantes frequentemente usam imagens de mulheres e crianças em suas
campanhas, devido ao imaginário de vulnerabilidade atrelado a elas.
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desconsidera qualquer traço de agência e individualidade do refugiado. Desejos e
vontades individuais são diluídos em uma fórmula padrão, que visa a eficiência e
não a singularidade. Desse modo, a prática humanitária, ao se guiar exclusivamente
pela lógica da necessidade, interpreta qualquer desejo e ação para além do mínimo
previsto como sinal a deslegitimar a condição de refúgio
6
.
Assim, o campo contribui para a consolidação da imagem universal do
refugiado que é (re)produzida pelo discurso e pela prática humanitária. Nessa
lógica, a ênfase excessiva/exclusiva no fornecimento de assistência básica, ao
mesmo tempo em que baseia-se no arquétipo do refugiado genuíno, contribui
para reforçá-lo. Desse modo, para além de produzir corpos, o discurso e prática
humanitária atrelam esses corpos a espaços exclusivos de existência: refugiados
de verdade, vítimas, habitam os campos; consequentemente, os que habitam
outros espaços levantam dúvidas sobre sua legitimidade e tendem a ser tratados
como ilegais.
É esse conjunto de expectativas consolidadas em torno do refugiado genuíno
que permite compreender a relação do ACNUR com a questão do refúgio urbano,
a partir da década de 1990. Questões logísticas ajudam a explicá-la parcialmente.
Afinal, a maior possibilidade de movimento e, até mesmo, de anonimato oferecida
pelas cidades representa um desafio à base territorializada, na qual sustentam-se
as políticas do ACNUR, onde a entrega de assistência e proteção é pensada para
espaços controlados, que oferecem maior grau de monitoramento e controle da
população assistida (Crisp 1999; Marfleet 2007). No entanto, como será mostrado,
não se trata apenas de uma questão logística, mas de crenças arraigadas sobre as
expectativas em torno de sua condição.
Como já alertou Van Dijk (2009), as chamadas vítimas perdem facilmente a
compaixão e a empatia dos demais tão logo não exibam o comportamento passivo
considerado normal para elas. Seu alerta é fundamental para compreender não
só o longo tempo que o ACNUR demorou para reconhecer a questão do refúgio
urbano, mas principalmente a postura hostil e refratária que adotou em um segundo
momento, após reconhecê-la. Na seção a seguir, será visto sob quais condições
6 Ao relatar seu diálogo com agentes humanitários trabalhando em campos na Tanzânia com refugiados do Burundi,
Malkki (1996) ilustra com clareza esse ponto. Ao apresentar as demandas feitas pela população refugiada,
ouviu como resposta de um dos presentes: “Eu deveria te mostrar um filme que os noruegueses fizeram dos
refugiados do Burundi quando vieram pela primeira vez. Um apresentava uma ferida de bala, outra pessoa
um corte, roupas rasgadas, sujas ... Eles não tinham nada ... Essas pessoas não parecem mais refugiados. Se
você for a Mishamo [campo de refugiados] como visitante, você achará que esses são apenas aldeões comuns”
(Malkki 1996, 384, grifo acrescentado).
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a Agência viu-se obrigada a inserir o tema em sua agenda e como a negligência
inicial se transformou, posteriormente, em hostilidade punitiva, refletida em um
dos documentos mais polêmicos de sua trajetória.
A ilegalidade do refugiado urbano: a política de 1997
Uma das primeiras menções à temática do refúgio urbano pelo ACNUR foi feita
em 1960, no discurso do seu alto-comissário, Prince Sadruddin Aga Khan (1966-
1977), que a reconheceu como questão que vinha cada vez mais confrontando a
Agência (Crisp 2017). No entanto, foi especialmente nos anos 90 que o tema foi
incorporado à agenda do órgão. Essa incorporação deu-se especialmente em função
da crescente migração de indivíduos em situação de refúgio para as cidades em
busca de alternativas ao enclausuramento nos campos por tempo indeterminado.
O aumento contínuo tornou insustentável a manutenção da postura negligente
adotada pela Agência até então.
O primeiro passo nessa direção ocorreu em 1995, com o lançamento de um
discussion paper onde foram apresentadas as principais preocupações do ACNUR
em relação às operações nas áreas urbanas. O documento visava estabelecer
uma atuação “mais racional e humana” a essa área de trabalho “pequena,
mas complexa” (ACNUR 1995, 2). Apesar de buscar estabelecer as bases para
a construção de uma política global sobre refúgio urbano, o documento deixa
entrever um olhar negativo sobre essa população de refugiados. Nenhuma de
suas cláusulas versa sobre meios para melhorar as condições de vida nas cidades.
A ênfase recai sobre o estabelecimento de medidas preventivas e curativas capazes,
respectivamente, de prevenir futuras migrações e de lidar com os que já haviam
se movido irregularmente.
O uso do termo curativo permite inferir que a presença dos refugiados no
meio urbano não era vista apenas como um problema, mas como patologia a
demandar intervenções capazes de sanar, ou ao menos remediar, seus efeitos. Da
leitura do documento emerge uma visão essencialmente negativa dos refugiados
urbanos — indivíduos oportunistas que se utilizariam da liberdade de movimento
proporcionada pelas cidades para explorar indevidamente os serviços prestados
pelo ACNUR.
A migração para áreas com facilidades de assistência e de proteção é vista como
problemática na medida em que “reforça a percepção comum entre refugiados e
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solicitantes de que a assistência é um direito e que é fornecida automaticamente
a todos” (ACNUR 1995, 14). Por essa razão, pontua, seria comum que refugiados
urbanos se referissem à assistência recebida como salário (ACNUR 1995, 14).
Como consequência, haveria uma relação de permanente dependência em relação
à Agência que, por sua vez, “vinha se tornando cada vez mais paternalista”
(ACNUR 1995, 15).
Essa visão negativa e até mesmo patológica sobre essa população de deslocados
foi formalizada dois anos depois, na primeira política da Agência sobre o tema.
O documento de 23 páginas visava fornecer diretrizes claras para reorientar os
programas de assistência e proteção aos refugiados urbanos, padronizando-os e
racionalizando-os (ACNUR 1997, 1). No decorrer do documento, é dada ênfase às
dificuldades e custos associados ao assentamento urbano. Mencionando a crescente
seletividade dos países doadores no tocante aos programas que apoiam, o documento
sugere que a causa dos refugiados urbanos estaria sendo desproporcionalmente
onerosa: por um lado, por não entrar na pauta de preocupações dos países
do Norte, por outro, porque o número reduzido de indivíduos nessa situação
seria desproporcional aos recursos humanos e orçamentários envolvidos em
sua assistência — segundo o documento, menos de 2% da população global de
refugiados à época viveria em cidades (ACNUR 1997, 1).
Para Marfleet (2007), em tempos onde um fluxo cada vez maior de pessoas
dirigia-se para os centros urbanos, o cálculo fornecido pelo ACNUR representava
uma estimativa grosseiramente subestimada, fruto do desejo de deslegitimar
a assistência a esse contingente populacional, já que, para seus oficiais, “os
refugiados reais eram aqueles de origem urbana adequadamente localizados em
campos nas zonas rurais” (MARFLEET 2007, 40). De fato, essa crença consolidada
sobre os refugiados reais traduz-se na associação entre refugiados urbanos e
migrantes ilegais que a política de 1997 deixa entrever.
Segundo o documento, grande parte do contingente encontrado nas cidades
seria proveniente de países com “longa história de migração relacionada ao
comércio e/ou com uma tradição nômade” ou ainda “com um histórico de
migração dirigida por motivos econômicos” (ACNUR 1997, 2). Por isso mesmo,
frisava, fazia-se urgente uma política globalmente coerente e consistente, capaz
de determinar quem poderia “após uma avaliação rigorosa das necessidades, ser
considerado para assistência” (ACNUR 1997, 2).
O documento prossegue apresentando uma série de generalizações sobre os
refugiados urbanos. Ao contrário dos que viviam em campos, afirma, aqueles
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na cidade gozariam de boas condições financeiras, pois para percorrer grandes
distâncias teriam pago transporte, comida e alojamento ao longo de sua rota.
Desse modo, aqueles que se apresentassem “em um escritório do ACNUR não
deveriam ser considerados ‘destituídos’ e não deveriam receber ofertas automáticas
de assistência” (ACNUR 1997, 16).
A maior parte deles faria uso de seus recursos para mover-se de maneira
irregular de um país/região onde já gozavam de proteção rumo a outra localidade
dotada de melhores condições e serviços. Seriam assim moventes irregulares,
tema central no documento de 1997. O combate à movimentação irregular é
apresentado como medida necessária para se preservar o instituto do refúgio.
Segundo o documento, um movente irregular é
um refugiado, independentemente de ter sido formalmente identificado como
tal ou não, que deixa um país onde já encontrou ou poderia ter encontrado
e gozado de proteção básica, para buscar asilo em outro país, a menos que
o faça por razões imperiosas, tais como ameaça à segurança física de si
ou de membros próximos da família, ou reunião familiar com membros da
família imediata que não sejam eles próprios moventes irregulares no país
atual (ACNUR 1997, 6).
Visando garantir que não tirariam nenhuma vantagem de seu movimento
irregular, o documento estabelece que o ACNUR deveria assisti-los somente em
seu retorno para o país/região de primeiro asilo e que, não sendo possível, deveria
excluí-los de toda assistência material e educacional, assim como de programas
de reassentamento, cuidando apenas de sua regularização, já que o princípio da
proteção é inviolável (ACNUR 1997, 9)
Os moventes irregulares, junto com aqueles que tiveram seus pedidos de
proteção ou assistência negados, teriam maior propensão ao uso da violência
(ACNUR 1997, 20). O tema da violência ganha destaque no documento, onde se
discutem os desafios que as manifestações de refugiados urbanos apresentavam ao
ACNUR e como a Agência deveria agir. Nesse sentido, afirma, aqueles indivíduos
que migraram de uma região para outra, na esperança de obter melhor padrão de
assistência ou acesso a oportunidades de reassentamento, teriam tendência a se
tornar agressivos e violentos se suas expectativas não fossem atendidas. Nesse
caso, o ACNUR não deveria hesitar em recorrer ao uso da força policial para trazer
uma resolução pacífica e breve aos protestos (ACNUR 1997, 20).
Todos esses pontos aqui sintetizados evidenciam que o documento constrói a
presença de refugiados nas cidades como uma anomalia disfuncional, que ameaça
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o sistema de refúgio, a comunidade local e os próprios refugiados. Como realça, “a
vida em áreas urbanas não constituía uma resposta ao problema dos refugiados”
e poderia “ser significativamente mais difícil do que aquela em assentamentos
rurais, onde o apoio comunitário poderia ser gerado mais facilmente” e onde
“o ACNUR conta com programas” (ACNUR 1997, 2).
A assistência, assim, deveria ser reduzida somente aos (ínfimos) casos
legítimos — aqueles reconhecidos como refugiados prima facie, que foram
obrigados a se assentar nas cidades por questões de segurança ou proteção, ou
ainda indivíduos de assentamentos rurais que foram enviados para centros urbanos
seja temporariamente, com a finalidade de obter educação ou assistência médica,
seja permanentemente, para reunião familiar (ACNUR 1997, 10). Mesmo assim,
essa assistência não poderia se estender por mais de três meses e só deveria
ser fornecida com o objetivo único de auxiliá-los a alcançar a autossuficiência.
A assistência a longo prazo seria indesejável porque favoreceria “injustamente
os casos urbanos em comparação com aqueles em assentamentos rurais e
acampamentos” (ACNUR 1997, 5).
Aos demais, deveria ficar claro que “nenhuma assistência estaria disponível”
(ACNUR 1997, 10). Mais do que isso, o documento sugere a exclusão desses
indivíduos dos programas de reassentamento, dos programas de assistência e das
garantias de acesso à educação. Por fim, sugere a criação de um banco de dados
que permitiria rastrear “indivíduos de grupos frequentemente viajando além de
sua região de origem” (ACNUR 1997, 9).
O teor do documento produzido pelo ACNUR ilustra com clareza como o
reconhecimento do refugiado genuíno extrapola o processo jurídico para abranger
uma dimensão extralegal (Malkki 1996). Os refugiados urbanos, ao colocarem-se
fora dos espaços designados para sua existência, explorando as possibilidades de
liberdade oferecidas pelas cidades, rompem com o papel de vítimas passivas que
lhes é imputado pelo script soberano. Deslocados desse polo, são imediatamente
alocados em seu extremo oposto: o de criminosos.
Nesse movimento, os traços identificadores do falso solicitante de refúgio
são a eles imputados: aproveitadores que burlam o sistema a seu favor — o que
justifica a suspensão da assistência. Como Malkki (1996) observa em sua pesquisa
com agentes humanitários, há, por parte desses atores, um monitoramento
contínuo de sinais comportamentais que indicariam (suposto) decréscimo da
condição de refugiado (refugeeness). Nesse sentido, no esforço para direcionar
a assistência para onde julgam ser mais necessária, buscam permanentemente
224 Entre a criminalização e a vitimização: Refugiados urbanos nas políticas do ACNUR
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
por aqueles refugiados cujo comportamento encaixa-se no perfil idealizado de
vítimas exemplares, em oposição àqueles que apresentam comportamentos que
os colocam mais próximos do polo da ilegalidade (Malkki 1996, 384).
A ruptura com os espaços do cuidado pastoral dos campos e a presença,
nas cidades, de refugiados móveis e autodirigidos viola a crença hegemônica de
que devem ser dependentes e vulneráveis (Marfleet 2007). Como consequência,
os refugiados urbanos são vistos como grupos espontâneos que carecem da
legitimidade daqueles refugiados genuínos — vítimas passivas, aprisionadas
por tempo indeterminado em campos precários. Desse modo, o documento, ao
mobilizar um léxico normalmente associado à migração irregular para se referir
aos refugiados urbanos, não o faz de forma despropositada: a autonomia expressa
na migração para as cidades e no uso dos recursos urbanos para construção
autônoma de sua integração surge aqui, como no caso dos migrantes irregulares,
como traço perigoso e deslegitimador de sua refugeeness.
Dentro dessa lógica, a política do ACNUR reproduz em nível local a mesma
lógica regulatória (e punitiva) a orientar as políticas internacionais de mobilidade.
A irregularidade do movimento revela-se, nestas, no cruzamento de fronteiras
internacionais, e naquela expressa-se na frequente mobilidade entre regiões, não
em busca de proteção, já concedida, mas em busca de melhores condições de vida
(ACNUR 1997). O desejo, nesse contexto, surge novamente como traço definidor
da irregularidade: a mobilidade no refúgio só é tolerada enquanto dirigida pela
necessidade e deve cessar tão logo essa seja (minimamente) atendida.
Se em nível internacional, as medidas preventivas visam confiná-los em
seus países de origem e as curativas retorná-los a esses territórios, aqui visam
respectivamente impedir o movimento para além do espaço legítimo (e exclusivo)
em que podem existir enquanto fora de sua pátria — os campos. Em comum a
ambas, o aparato de repressão, especialmente no que diz respeito ao uso da força
policial para normalizá-los. Assim como os mecanismos de regulação e controle
em nível internacional, o controle em nível local visa preservar o instituto do
refúgio, em detrimento do refugiado. No entanto, ao dificultar a efetivação das
políticas de gestão dos corpos refugiados, o meio urbano torna-os uma anomalia ao
sistema e um perigo à ordem: fora do controle estrito dos agentes governamentais
e humanitários, são entendidos como corpos fora de controle — disfuncionais,
violentos e patológicos.
Assim como o discurso humanitário produz um refugiado universal, da
leitura do documento do ACNUR surge um refugiado urbano universal. Através
225André Luiz Morais Zuzarte Bravo
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
de generalizações, cria uma imagem estereotipada a homogeneizar todos aqueles
que buscam refúgio nas cidades e a partir da qual estabelece medidas e práticas
universais para lidar com essa população. A prática, porém, revela um cenário
mais heterogêneo e repleto de nuances obliteradas pelo olhar generalizante. Em
2002, a Human Rights Watch (HRW) expôs parte da complexidade desse cenário
e contribuiu para o aprofundamento das críticas à política do ACNUR, como será
visto a seguir.
Da criminalização à vitimização: A política de 2009
A política formulada pelo ACNUR em 1997 não foi capaz de responder
satisfatoriamente à questão do refúgio urbano. Os rascunhos que circularam entre
ONGs parceiras foram tão criticados que à sua versão final foi anexada uma folha
de rosto onde a Agência enfatizava que a política era um objeto em permanente
construção e que a versão apresentada seria revisada a partir dos comentários e
sugestões feitos pelos demais atores envolvidos com a temática (Dryden-Peterson
2006).
A crítica mais consistente foi elaborada pela Human Rights Watch em
relatório do ano de 2002. Por um mês, os oficiais da ONG situados em Kampala
e Nairóbi conduziram entrevistas com oficiais do ACNUR, membros do governo
nacional/local e refugiados de diferentes nacionalidades para rastrear as condições
de proteção e assistência oferecidas em ambas as cidades. O resultado final
apresentava uma realidade diametralmente oposta às premissas do documento
de 1997.
Por anos, Uganda e Quênia funcionaram como polos de atração para
refugiados de países vizinhos. Seguindo a tradição dominante, os governos de
ambos os países deram prioridade às políticas de contenção dessas populações em
campos localizados em áreas remotas, em movimento respaldado pelo ACNUR,
que considerava mais custosas e complexas as operações em áreas urbanas
(HRW 2002, 19). A predominância das políticas de contenção fez com que tanto
as autoridades governamentais quanto o ACNUR não reconhecessem a presença
dos refugiados nas cidades, deixando-os desassistidos — forma de puni-los por
sua escolha (HRW 2002, 20).
Nessas condições, viviam uma existência precária, marcada por extorsões,
ameaças, linchamento, prisões arbitrárias e violência sexual. O relatório imputa
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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
parte da responsabilidade por essas adversidades ao ACNUR e à sua política de
1997, acusando-os de negligenciar os desafios de proteção em prol de deslegitimar a
presença de refugiados na cidade. Diante desse quadro, a HRW recomenda a revisão
da política, com o intuito de criar um texto sem generalizações, representações
depreciativas ou suposições incorretas sobre refugiados urbanos, que “minam os
esforços para lidar com suas questões de proteção” (HRW 2002, 11).
Críticas desse teor, aliadas ao crescimento constante no número de refugiados
migrando para as cidades, levaram o ACNUR a rever suas diretrizes. Fortemente
inspirada nas sugestões dadas pelo relatório da HRW e nas experiências de
campo dos funcionários de diferentes escritórios da Agência, o ACNUR lançou,
em 2009, uma nova política que, ao contrário de sua antecessora, reconhecia a
realidade evidente: o refúgio, assim como o mundo, estava se tornando cada vez
mais urbano. A postura refratária de outrora quanto à presença de refugiados nas
cidades deu lugar ao reconhecimento de que a urbanização do mundo vinha se
refletindo igualmente na “urbanização do refúgio” (ACNUR 2009, 2). Não só a
população de refugiados urbanos havia aumentado como também ultrapassava
o total daqueles alocados em campos.
O que, em 1997, era apresentado como exceção, surge então como regra a
demandar a ampliação da atenção primária do ACNUR para além dos campos
(ACNUR 2009, 2). A política de 2009 marca o início de “uma nova aproximação
no que diz respeito ao modo como o ACNUR lida com a questão dos refugiados
urbanos” (ACNUR 2009, 3). Em outras palavras, o documento avança a necessidade
de abordá-la de forma mais “construtiva e proativa” (ACNUR 2009, 8) e essa é a
razão de ser da nova política, que nasce com dois objetivos centrais: maximizar
os espaços de proteção disponíveis para os refugiados urbanos e as organizações
humanitárias que os apoiam e garantir que as cidades sejam reconhecidas como
locais legítimos para os refugiados residirem e exercerem os direitos a que estão
habilitados (ACNUR 2009, 3).
No que diz respeito ao segundo objetivo, o documento é permeado por
sentenças que visam reafirmar o urbano como espaço legítimo de proteção
7
.
A hegemonia do campo em detrimento da cidade é assim, ao menos em teoria,
7 Sentenças como: “Essa declaração política é baseada no princípio de que os direitos dos refugiados e as
responsabilidades do ACNUR em relação a eles não são afetadas por sua localização” (ACNUR 2009, 3); “O
escritório considera as áreas urbanas como locais legítimos para refugiados gozarem de seus direitos” (ACNUR
2009, 3); “A Proteção deve ser fornecida para refugiados (...) independentemente de onde estão localizados”
(ACNUR 2009, 4); “Como todos os refugiados, aqueles que vivem nas cidades estão habilitados à proteção e
soluções” (ACNUR 2009, 5).
227André Luiz Morais Zuzarte Bravo
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
relativizada, o que amplia as possibilidades de assentamento para os refugiados
e reduz o estigma sobre os que recusavam o confinamento. Se anteriormente a
ênfase recaía sobre como prevenir e remediar o movimento em direção às cidades,
em 2009 passa a recair sobre como fornecer proteção e soluções aos refugiados,
independentemente de sua localização e da recusa dos países em reconhecer
aqueles localizados em espaços outros que não os campos. Diz o documento
(ACNUR 2009, 3):
Essa declaração política baseia-se no princípio de que os direitos dos
refugiados e as responsabilidades do ACNUR em relação a eles não são
afetados por sua localização, nem pelos meios pelos quais chegaram em
uma área urbana ou por seu status (ou falta deles) na legislação nacional.
O Escritório considera as áreas urbanas como um local legítimo para os
refugiados usufruírem dos seus direitos, incluindo os que resultam do seu
status de refugiados e os que têm em comum com todos os outros seres
humanos.
Enquanto em 1997 não há nenhuma menção a questões de proteção a
partir do espaço urbano, em 2009 foi introduzido o conceito espaço de proteção.
Embora não conte com uma definição legal, este conceito é empregado pelo
Escritório para indicar em que medida existe um ambiente propício para que
os direitos internacionalmente reconhecidos dos refugiados sejam respeitados e
suas necessidades atendidas (ACNUR 2009, 4). Sua indefinição terminológica é
vista como necessária para lhe permitir se adaptar às mudanças nos ambientes
políticos, econômicos, sociais e de segurança (ACNUR 2009, 4). No entanto,
o documento sugere alguns marcadores-chave para medir o grau de proteção
usufruído pelos refugiados, dentre os quais a probabilidade de: sofrer ameaça,
detenção arbitrária, deportação, ameaça ou extorsão pelas forças de segurança e
outros atores; usufruir de liberdade de movimento, acesso a meios de subsistência
e mercado de trabalho assim como de ser protegido de tratamento exploratório
pelos empregadores; usufruir de abrigo adequado; obter direito à residência e
acesso a serviços públicos como saúde e educação; gozar de relações harmoniosas
com a população local, outros refugiados e comunidades de migrantes e, por fim,
estar apto a se beneficiar das soluções duráveis (ACNUR 2009, 5).
Do mesmo modo, a ênfase sobre os chamados movimentos irregulares é
obliterada pela defesa da liberdade de movimento, ainda que com ressalvas.
Reafirmando-a como um direito humano fundamental, o documento encoraja
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todos os Estados a não impor restrições ao movimento de refugiados — mesmo
reconhecendo “as dificuldades que surgem para o Escritório sempre que grande
número de refugiados deixam os campos ou outros locais designados e se movem
para a cidade” (ACNUR 2009, 4). Em abordagem diametralmente oposta à de sua
antecessora, afirma (ACNUR 2009, 8):
O Escritório procurará assegurar que os refugiados que viajam para áreas
urbanas estejam de posse dos documentos adequados e irá defender junto
às autoridades e segurança (o estabelecimento de) serviços para garantir
que eles não sejam penalizados por viagens e que sejam autorizados a
permanecer em uma área urbana pelo tempo que for necessário.
O documento também dá maior ênfase à questão da documentação e dos
processos de elegibilidade. Reconhecendo a importância da posse de documentação
capaz de identificar e de atestar a condição de refugiado de uma pessoa, especialmente
em contextos urbanos, onde há contato frequente com atores variados, como
“policiais, agentes de segurança, agentes governamentais, empregadores, entre
outros”, a Agência compromete-se a garantir sua emissão sempre que os Estados
falharem em sua responsabilidade primária de fornecê-los (ACNUR 2009, 11).
Para facilitar seu reconhecimento, a política prevê a emissão dos documentos
de identificação impressos na língua nacional do país de acolhida e dotados de
informações sobre os direitos a que seu portador está habilitado. No que concerne
ao reconhecimento de status, o ACNUR se compromete igualmente a assumir o
processo sempre que os sistemas nacionais forem disfuncionais ou inexistentes
(ACNUR 2009, 11). A reivindicação por maior celeridade no processamento das
aplicações é reconhecida pela Agência, que estabelece como objetivo “introduzir
arranjos que permitam julgamentos mais rápidos e de qualidade”, tendo em vista
que a longa espera por uma resposta muitas vezes os impedia de trabalhar ou de
obter qualquer fonte de renda (ACNUR 2009, 12).
Todos esses pontos evidenciam a ruptura que a política de 2009 buscou
estabelecer com as diretrizes avançadas no documento de 1997. Aqui, a ênfase
sobre a irregularidade da presença de refugiados na cidade dá lugar à sua
transformação em objeto de assistência humanitária. Em detrimento das medidas
preventivas e curativas previstas anteriormente, o documento debruça-se sobre as
necessidades e vulnerabilidades particulares a que estariam expostos na cidade
por sua condição de refugiados, como forma de justificar e legitimar a intervenção
dos atores humanitários.
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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
Opera-se aqui o mesmo movimento de enquadramento do refugiado como
vítima que, em nível internacional, se contrapôs à sua crescente criminalização.
Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: a produção de um refugiado universal
que, não sendo criminoso, é vítima, e que, enquanto tal, é definido tanto pelas
vulnerabilidades quanto pelas necessidades decorrentes exclusivamente de sua
condição.
A política de 2009, portanto, é informada por estereótipos do refugiado
construídas pelo discurso humanitário, que operam como traço universal de
todos os refugiados. Assim, se por um lado atualiza os termos da proteção em
áreas urbanas, por outro, gera programas e práticas homogêneas que ignoram a
heterogeneidade tanto das necessidades e desejos daqueles a quem assiste quanto
do espaço urbano em que estão inseridos.
Dessa imagem estereotipada decorre a transposição para as cidades dos
modos de assistência e proteção adotados nos campos, sem se reconsiderar os
significados variados que ambas podem adquirir em diferentes contextos urbanos.
Pressupondo que as realidades enfrentadas por refugiados são majoritariamente
determinadas por sua condição de refugiados, o ACNUR busca adaptar o modelo
cunhado a partir de experiências nos campos para prover ajuda aos refugiados
nas cidades. Segundo Kihato e Landau (2016, 413), “isso produziu um tipo
particular de cegueira analítica na qual (...) se foca nos deslocados e em suas
vulnerabilidades específicas de modo desconectado de questões mais amplas de
precariedade, urbanismo e resiliência”.
Nesse sentido, a política de 2009 representa a tentativa de codificar e administrar
de formal universal um processo que é inerentemente ad hoc. As variáveis locais
políticas, econômicas, culturais e de segurança são obliteradas frente à imposição
de um modelo padrão que não abrange a complexidade da experiência do refúgio
em diferentes contextos urbanos. No documento, a transposição desse modelo de
assistência dos campos para o meio urbano expressa-se, principalmente, tanto na
forte ênfase dada às questões de status legal e documentação formal quanto nas
previsões para o estabelecimento de programas de assistência direta e exclusiva
a refugiados (Landau, 2014).
Diferentes pesquisas questionam o impacto de ambos na melhoria das
condições de vida dos refugiados nas diversas cidades ao redor do mundo (Landau
2014; Kihato e Landau 2016; Ward 2014; Monteith e Iwasa 2017). Kihato e Landau
(2016) e Ward (2014) revelam como o status legal e a posse de documentos oficiais,
centrais à proteção de refugiados em alguns contextos urbanos, em outros não
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necessariamente se traduzem no acesso a serviços e direitos ou na expansão
das oportunidades legais na sociedade de acolhida. Suas pesquisas em cidades
do Oriente Médio e da África mostram que, na verdade, status legal e posse de
documentos oficiais possuem impacto prático limitado nos ambientes informais
nos quais a maior parte dos refugiados se insere.
Além disso, enquanto pode haver consequências potencialmente positivas
decorrentes da legalização e do registro formal ou da implementação de programas
exclusivos, a demanda para que os refugiados se identifiquem e usem de sua
condição para acessar direitos e serviços exclusivos pode estimular tanto sua
segregação continuada quanto também a hostilidade contra a população refugiada
— em contextos onde a população local vive em condições socioeconômicas
precárias, a existência de programas paralelos de assistência e proteção para
refugiados não só alimenta o ódio contra eles como também os discursos de
líderes políticos a usá-los como bodes expiatórios para as crises locais (Kihato e
Landau 2016).
Esse imperativo da visibilização, segundo Landau (2014), é herança direta das
operações no campo. Nesses espaços, a identificação e o registro para controle
estrito dos refugiados são fundamentais tanto em termos logísticos quanto para
atração de recursos internacionais. A diminuição de recursos financeiros para
muitos tipos de assistência gerou, no campo humanitário, maior necessidade
de implementar programas capazes de quantificar o número de beneficiários e
fornecer resultados que possam ser medidos e comparados. Isso é evidenciado no
impulso quase universal no campo humanitário por avaliação e relatórios (Kihato
e Landau 2016). A operação nas cidades atende a esse imperativo quantificador.
Ao se pautar pela necessidade de visibilização como caminho para acesso ao
espaço humanitário, cria-se, em algumas situações, o que Landau (2014) chama
de barganha demoníaca, onde os indivíduos são forçados a escolher entre, de um
lado, serviços acessíveis somente para refugiados e, de outro, as consequências
negativas de terem que se visibilizar publicamente para governos e populações
hostis.
O argumento crítico acerca da política de 2009 não deve ser entendido como
forma de deslegitimar a relevância da documentação, status legal e programas
de assistência e proteção criados em prol dos refugiados. O que se quer com
essa perspectiva crítica é realçar a falta de sensibilidade política que perpassa o
documento e, em perspectiva mais ampla, a própria atuação do ACNUR como
um todo no espaço urbano que, ao pautar-se por programas universais criados
231André Luiz Morais Zuzarte Bravo
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
para sujeitos universais, desconsidera a diversidade que pode ser encontrada nas
experiências dessas diferentes populações relacionadas ao seu acesso a serviços
básicos, ao desenvolvimento de estratégias de subsistência etc.
É a partir do olhar atento a esse enfoque universal aqui discutido que se tornam
inteligíveis a maior parte dos dilemas que a política de 2009 vem enfrentando em
sua implementação. Segundo Crisp (2017) e Subulwa (2019), existe um desencontro
permanente entre as expectativas da Agência e a realidade encontrada in loco, de
modo que são frequentes as reclamações por parte dos seus funcionários sobre
a falta de recursos e meios para atender as metas que lhes são impostas. Além
disso, os programas de assistência e proteção no meio urbano têm se revelado
extremamente dispendiosos em termos de recursos humanos e financeiros,
frustrando os cálculos iniciais da Agência, feitos com base em modelos universais,
pouco atentos às dificuldades para implementação local.
Como agravante, as tentativas de estabelecer contato com um universo amplo
de atores como prefeitos, conselhos municipais, sociedade civil, entre outros, têm
se revelado mais complexas e menos substantivas do que o previsto — tanto pela
pouca familiaridade desses atores com a estrutura do ACNUR quanto também pela
existência de populações locais vulneráveis e marginalizadas socialmente, que tem
mobilizado mais atenção das autoridades locais (Crisp 2017). Como agravante, a
proliferação de outras emergências humanitárias em áreas urbanas como desastres
naturais, conflitos armados, epidemias, tem repartido as atenções humanitárias
e governamentais em nome das populações atingidas, inviabilizando cada vez
mais o estabelecimento de programas com enfoque exclusivo para refugiados
(Pavanelo 2012).
Há, no entanto, grande interesse institucional em preservar a abordagem
apresentada pelo documento de 2009. A reiteração da especificidade de direitos e
consequente materialização de programas exclusivos para a população refugiada
garante não só o financiamento para o ACNUR como, em última instância,
justifica sua própria razão de ser. Não se pretende aqui negar as especificidades
e vulnerabilidades que a condição de refugiado de fato gera e que sustentam a
linguagem focada em proteção legal e direitos exclusivos. Mas sim iluminar os
dilemas práticas decorrentes dessa tendência à universalização que poderiam ser
contornados por uma abordagem sensível às especificidades locais cuja dinâmica
não se encaixa em modelos pré-definidos cunhados a partir de uma representação
estereotipada sobre a experiência do refúgio.
232 Entre a criminalização e a vitimização: Refugiados urbanos nas políticas do ACNUR
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
Conclusões
Inicialmente, os desafios colocados pela presença de populações refugiadas
nas cidades traduziram-se em uma postura hostil do ACNUR. Sua política de
1997 pôs em xeque a legitimidade do refúgio urbano, ancorada especialmente
em uma representação universal sobre refugiados, cunhada a partir do discurso
humanitário que, ao reduzi-los a vítimas, tornava-os meros objetos de assistência
e cuidado pastoral expressos no modus operandi dos campos.
A migração para os centros urbanos surge, assim, como forma ininteligível
a essa representação: a mobilização da margem de autonomia conferida pelas
cidades a viabilizar possibilidades inexistentes nos campos é interpretada
como traço comprobatório da ilegalidade/ilegitimidade daqueles que ousavam
romper com os scripts e espaços nos quais sua existência se fazia tolerável
justificando, assim, a mobilização de medidas coercitivas para reinseri-los à ordem
planejada.
Anos mais tarde, o documento lançado pelo ACNUR em 2009 marcou uma
ruptura com essa orientação. Seus termos representaram uma mudança profunda
no ethos operacional da Agência ao reafirmarem as cidades como espaços legítimos
de proteção. A hostilidade que marcara sua antecessora deu lugar a um enfoque
assistencialista, justificado pelas vulnerabilidades exclusivas a que refugiados
estariam submetidos no espaço urbano. Outrora excluído, o refugiado urbano
passa então a fazer parte do espaço humanitário de assistência e proteção.
Como foi mostrado, embora fundamental para pôr fim à negligência sofrida por
essa população, sua transformação em objetos de assistência humanitária através
do enfoque sobre suas vulnerabilidades específicas — condição sine qua non para
a intervenção de Agências e elaboração de programas exclusivos — impede que se
reconheça a rede expressiva de variáveis que moldam as experiências do refúgio
nas cidades. Não se trata de negar as adversidades geradas pelo deslocamento
forçado nem do potencial humanitário para contorná-las, mas reconhecer que
pensar as populações refugiadas de forma universal — como vítimas universais,
como nos diz Malkki (1996) — oblitera a heterogeneidade das vivências de
refugiados no espaço urbano.
Como diferentes estudos apontam, pré-noções de exclusão e segregação
frequentemente são postas em xeque pela observação do cotidiano urbano das
populações marginalizadas nas grandes cidades. Em um espaço urbano em
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Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
constante transformação, marcado pelo crescente fluxo de bens e pessoas, o
acesso dessas populações a serviços e direitos corresponde cada vez menos a
modelos formais pré-concebidos, sendo moldado por expansiva rede de variáveis
(Landau 2014).
Ao gerar uma área autodelimitada, focada no deslocamento no meio urbano,
atores humanitários, em um movimento ecoado por parte das pesquisas acadêmicas
sobre o tema, perdem de vista essa interseccionalidade e, consequentemente,
limitam a possibilidade de impactar positivamente a realidade desses indivíduos.
Ao invés de continuar a tratar refugiados urbanos como uma população distinta,
cuja vivência nas cidades é moldada majoritária ou exclusivamente por sua
condição de refugiados, o olhar sobre o refúgio urbano pode ser ampliado pela
interlocução com outras áreas do conhecimento e suas reflexões acerca de
processos mais gerais que perpassam o urbano e, consequentemente, todos os seus
habitantes.
Afinal, refugiados urbanos não são apenas refugiados, mas também, e
principalmente, habitantes do espaço urbano. Sendo assim, é necessário diálogo
com estudos que examinam processos e experiências de marginalização, exclusão
e controle nas cidades bem como de resistência, subversão e contestação, como
forma de permitir a elaboração de novo espaço conceitual para além do léxico
tradicional associado à questão do refúgio.
Este movimento tem ganhado força nos últimos anos com o aumento de
estudos, muitos de caráter etnográfico, que iluminam como fatores existentes
em contextos locais específicos se interseccionam com a condição refugiada no
dia-a-dia (ver, p. ex, Bhagat 2019; Haydu et al 2020; Tippens 2019) Seguindo
essa linha, em 2018, o ACNUR promoveu o Diálogo do Alto Comissariado sobre
os Desafios da Proteção em situações urbanas, no qual autoridades municipais,
atores locais e refugiados foram convidados a compartilhar suas experiências
como forma de realçar a diversidade de respostas e desafios no acolhimento local
de pessoas em situação de refúgio (ACNUR 2018). A expansão e aprofundamento
dessas iniciativas permitirão adicionar novas dimensões ao estudo do refúgio
urbano, percebendo sua interseção com outros fenômenos sociais urbanos mais
amplos, que são obliterados pela discussão dominada por termos estritamente
humanitários.
234 Entre a criminalização e a vitimização: Refugiados urbanos nas políticas do ACNUR
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 2, 2020, p. 213-237
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