A reprimarização das exportações brasileiras em perspectiva histórica de longa duração
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
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Como mencionado, na Análise dos Sistemas-Mundo não há a associação de
determinadas atividades econômicas como sendo necessariamente de núcleo ou
periferia. Nesse sentido, nem mesmo indústria é, por definição, uma atividade
de centro, e, nem a agricultura é uma atividade de periferia, como em geral
temos sido levados a pensar. A comprovação empírica é dada pelos casos da
Austrália, Canadá, Noruega e Dinamarca, que são majoritariamente primário-
exportadores, e pelos EUA, com participação expressiva de produtos como soja
e milho (COMTRADE, 2020).
A questão central é que na cadeia mercantil dos recursos agrícolas e minerais
voltados à exportação, o Brasil e suas empresas capitalistas participam menos
nos nódulos mais lucrativos. Tais nódulos tendem a pertencer a países centrais
ou, ainda que localizados no Brasil, ser controlados por empresas estrangeiras
que remetem o lucro líquido ao exterior, diminuindo o Produto Nacional Bruto.
Há de se destacar que a estratégia deliberada de realizar atividades de
núcleo orgânico (e.g., o beneficiamento de commodities primárias antes de
serem exportadas) significaria a perda de capital excedente controlado por outras
empresas e países, com acirramento da competição e controle de market share.
Além disso, o número de países periféricos e semiperiféricos é muito maior do
que a quantidade de Estados de centro, o que diminui o poder de barganha do
primeiro grupo, devido à elevada competição intercapitalista (Arrighi, 1997).
Um exemplo prático da condição semiperiférica brasileira é a cadeia mercantil
da soja, um dos principais produtos comercializados nas últimas duas décadas.
Existe a produção e exportação de soja em larga escala e com elevada aplicação
de capital e tecnologia, entretanto, a maior parte do fornecimento da semente
de soja (principalmente a transgênica, com maior pesquisa e desenvolvimento
embutidos) está concentrada em poucas empresas multinacionais com sede
fora do Brasil, como Monsanto, Dow, Syngenta, DuPont e Nidera, dominando o
market share brasileiro (Sousa e Tonin, 2013). Além disso, há baixa participação
de capital brasileiro nos setores intensivos em tecnologia ao longo de toda a
cadeia da soja produzida nacionalmente: “a maior parte está na terra e mão
de obra, com 14,3% e 13,3% respectivamente. Já nos itens mais intensivos em
tecnologia e capital (sementes, fertilizantes, defensivos, máquinas e agroindústria),
o conjunto da participação brasileira chega a apenas 12,4%” (Medina, Ribeiro
e Brasil, 2015, p. 27), como destacado no quadro a seguir: