A reprimarização das exportações brasileiras em perspectiva histórica de longa duração
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A reprimarização das exportações
brasileiras em perspectiva histórica
de longa duração
The reprimarization of Brazilian exports
in a long-term historical perspective
DOI: 10.21530/ci.v15n3.2020.1029
Victor Tarifa Lopes
1
Resumo
As exportações brasileiras vêm passando por um processo denominado
“reprimarização”, no qual as exportações de produtos primários
passaram a superar as de produtos manufaturados. As principais
análises apontam para causas de curta duração, sejam elas endógenas,
como políticas cambiais, ou externas ao Brasil, como o efeito chinês no
“boom” das commodities. Procurando contribuir para o debate sobre
esse fenômeno, o presente artigo busca identificar o comportamento das
exportações brasileiras na longa duração, resgatando dados estatísticos
do comércio internacional de 1808 até 2019, tendo como cenário a
histórica inserção periférica do Brasil na Divisão Internacional do
Trabalho desde o período colonial, condicionando a economia-política
brasileira para a especialização em produtos primários de menor valor
agregado. Com isso, constatou-se que a especialização em produtos
primários nas exportações do Brasil tem sido a regra desde 1808,
sendo a exceção o período de 1979 a 2009, quando o país exportou
percentualmente mais produtos manufaturados, retornando para o
padrão primário-exportador e permanecendo assim até a atualidade.
Palavras-chave: Reprimarização; Comércio internacional brasileiro;
Economia Política dos Sistemas-Mundo.
1 Pesquisador bolsista CAPES, na área de concentração de Economia Política Internacional.
Doutorando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-graduação em Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Santa Catarina,
Brasil. Pesquisador associado do grupo de pesquisa “Economia Política, Relações
Internacionais e Desenvolvimento”, da Universidade Federal da Grande Dourados.
(victor.tarifa.lopes@gmail.com). ORCID: <https://orcid.org/0000-0003-4371-9237
Artigo submetido em 09/12/2019 e aprovado em 10/08/2020.
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Abstract
Brazilian exports have been going through a process called “reprimarization”, in which
exports of primary products outnumbered exports of manufactured goods. The main
analyzes point to short-term causes, whether they are endogenous, such as exchange rate
policies, or external to Brazil, such as the Chinese effect on the commodity “boom”. Seeking
to contribute to the debate on this phenomenon, in this article, we sought to identify the
behavior of Brazilian exports in the long term, retrieving statistical data from international
trade from 1808 to 2019, taking as a backdrop the historical peripheral insertion of Brazil
in the International Labor Division since the colonial period, conditioning the Brazilian
political economy to specialize in primary products with lower added value. As a result,
it was found that specialization in primary products in exports from Brazil has been the
rule since 1808, with the exception being the period from 1979 to 2009, when the country
exported more manufactured products, returning to the primary-exporting pattern and
remaining so until today.
Key-words: Reprimarization; Brazilian international trade; Political Economy of World-Systems.
Introdução
Nas últimas duas décadas, além de grande aumento no volume e no valor, o
comércio externo do Brasil também se modificou qualitativamente. As exportações
passaram a ser majoritariamente compostas por produtos primários de menor
valor agregado e menor rentabilidade, caracterizando um movimento comumente
denominado de reprimarização das exportações.
O debate sobre as causas de tal fenômeno tem se concentrado em aspectos
de curta duração, sejam eles nacionais ou internacionais. O contato com a
bibliografia permite dividir as interpretações em quatro categorias: a) análises
que enfatizam aspectos nacionais relativos à reprimarização, com ênfase nas
questões sobre a desindustrialização brasileira, o comportamento da taxa de
câmbio e doença holandesa no Brasil. Aqui destacam-se autores de distintas
matrizes teóricas como Bresser-Pereira (2010a; 2010b) Marconi (Bresser-Pereira
e Marconi, 2009; 2010), Cano (2012), Sampaio (2013), entre outros; b) análises
que enfatizam aspectos externos que acarretam a reprimarização, com destaque
para o papel da China e do Leste Asiático na conjuntura internacional do século
XXI, e os constrangimentos provindos da ascensão chinesa (e.g., Cunha, Lelis
e Fligenspan, 2013; Barbosa, 2011; Medeiros e Cintra, 2015); c) reprimarização
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como consequência da relação entre Estado e Agronegócio e das política públicas
empregadas no sentido de priorizar a produção primária em detrimento de
outros setores, culminando em um projeto de poder em termos hegemônicos
que se retroalimenta para sua própria perpetuação (Delgado, 2010, 2012, 2013);
d) análises que tomam a reprimarização como uma tese equivocada, dado o
grau de sofisticação produtiva hoje envolvido na produção de commodities e o
elevado Índice de Vantagem Comparativa Revelada (e.g., Nakahodo e Jank, 2006).
Por mais diversas que sejam, nota-se um ponto comum à bibliografia consultada:
o lapso temporal. Todas as análises adotam a curta duração, ou seja, um espaço
temporal de duas a, no máximo, três décadas. Em geral, o período temporal
coberto se estendeu do pós-Guerra Fria até o final da década de 2000, ou meados
da década de 2010. Com algumas exceções, a década de 1980 também é analisada.
Considerando que o alargamento dos horizontes temporal e espacial de
qualquer fenômeno revela novos aspectos do mesmo, o presente trabalho se
utiliza da ideia braudeliana de que o tempo histórico pode ser segmentado em
tempo curto, tempo conjuntural e tempo estrutural, trabalhando também com a
perspectiva analítica criada por Immanuel Wallerstein (1974; 1979), denominada
Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM). Sob estas lentes conceituais,
a reprimarização, como é demonstrada adiante, deixa de ser um fenômeno
surpreendente.
Os elementos conceituais foram mobilizados para analisar os dados oficiais
sobre comércio exterior, disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (MDIC)
2
para o período de 1808 a 2019. Esses dados
também são utilizados para calcular os Coeficientes de Gini e Gini-Hirschman, que
permitem mensurar o grau de concentração da cesta de exportações brasileiras
em período mais recente (a partir de 1997). Trabalha-se, assim, com a seguinte
pergunta: qual é o comportamento das exportações brasileiras de 1808 a 2019,
i.e., na longa duração?
Essa metodologia sustenta o argumento central, a saber: a especialização
primária do Brasil em seu comércio exterior não é um fenômeno recente, e sim um
processo que perdura há, pelo menos, dois séculos, sendo a recente conjuntura de
“reprimarização” nada mais do que o regresso ao padrão “normal” de comércio
brasileiro. Com isso, argumenta-se que o comportamento encontrado evidencia
inserção periférica do Brasil na Divisão Internacional do Trabalho (DIT), através
2 Incorporado como pasta do Ministério da Economia, criado em 2019.
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da exportação de produtos primários, o que, ao se reproduzir por um longo
período, condicionou o atual perfil produtivo e comercial do país.
Importante frisar que o artigo não visa realizar uma ampla revisão bibliográfica
ou esgotar todas as possíveis interpretações causais do problema em questão. O
objetivo é trazer novos elementos explicativos sobre a reprimarização, contribuindo
para o debate sobre o tema sem negar a relevância de outras interpretações.
Tem-se como axioma uma economia-mundo estratificada hierarquicamente em
Centro, Semiperiferia e Periferia, e organizada pela DIT, com “papéis” específicos
condicionados” (por pressões políticas, de mercado, ou até mesmo por inovações)
entre os Estados, que se especializam em cadeias produtivas globais, de acordo
com a geopolítica da época (Wallerstein, 2004). Ao longo do tempo, a expansão do
moderno sistema-mundo se deu através de hegemonias políticas sob a liderança de
diferentes Estados e grupos de capitalistas, que em grande medida condicionaram
os padrões das relações internacionais, consolidando estruturas históricas. Diante
de tais premissas, analisa-se a reprimarização das exportações brasileiras, tendo
em conta que a mesma ocorreu dentro de um sistema hierárquico, com o Brasil na
posição de nação periférica na maior parte do período analisado, respondendo ao
papel de fornecedor mundial de commodities ao longo de mais de dois séculos,
enraizando padrões de produção, mentalidades e comércio.
Além dessa introdução, o artigo possui mais três seções. Na próxima, são
analisados os dados de comércio internacional brasileiro de 1808 até 2019, sendo
ainda aplicado os coeficientes para mensurar a concentração no intervalo de 1997
a 2019
3
, vinculando as mudanças ocorridas na pauta exportadora com eventos da
economia-mundo capitalista. Na seguinte seção, é realizado um debate entre a
perspectiva adotada no artigo com as principais correntes de pensamento sobre
o desenvolvimento brasileiro. Por último, são tecidas as conclusões.
O comportamento das exportações brasileiras na longa duração
(18082019)
Esta seção analisa o comportamento das exportações brasileiras na
longa duração, e utiliza como instrumental teórico-analítico a Análise dos
Sistemas-Mundo e a categoria de tempo estrutural de Braudel (1998; 2009). Para
3 De forma subsidiária, com os dados mais recentes. Ressalta-se que embasamento empírico dos argumentos
desenvolvidos recai majoritariamente sobre as estatísticas descritivas da longa duração.
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tanto, são analisados dados desde 1808, considerado o marco zero do comércio
exterior brasileiro, até 2019. A comprovação empírica do argumento de que o
atual padrão brasileiro de comércio exterior apresenta o mesmo perfil de “classe
de produtos” encontrado nos séculos XIX e XX se dará através da tabulação e
análise de dados oficiais, e também com a aplicação dos coeficientes de Gini
e Gini-Hirschman no período de 1997 a 2019. Enfatiza-se aqui a expressão
classe de produtos” e não “perfil tecnológico”, pois ainda que a prevalência
de commodities agrícolas na pauta exportadora seja verificável em relação a
bens de capital e bens de consumo duráveis, o perfil tecnológico não pode ser
considerado estanque sob nenhuma hipótese, sobretudo devido às transformações
tecnológicas existentes no histórico da agricultura empresarial do Brasil, fruto
principalmente de políticas públicas de investimento industrial (Hopewell, 2016).
Não obstante a excelência da base de dados disponíveis no MDIC
4
, formulada
em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
(APEX), alguns problemas metodológicos foram encontrados. O primeiro, e
que requer mais atenção, é a classificação. Uma vez que todos os sistemas de
classificação de produtos foram criados a partir da década de 1950, usá-los para
hierarquizar os produtos anteriores a este ano sempre produzirá distorções.
O Sistema Harmonizado, por exemplo, foi criado em 1983. A classificação da
United Nations Commodity Trade Statistics Database (UN COMTRADE) surgiu
na década de 1980. E o sistema de classificação mais antigo, do próprio MDIC,
classifica os produtos em manufaturados, semimanufaturados e primários a partir
de 1950. Por ser a mais antiga, esta última metodologia foi escolhida, tendo sido
os produtos exportados desde o início do século XIX agrupados em uma dessas
três categorias (primários, manufaturados e semimanufaturados).
Conforme nota metodológica elaborada pela Subsecretaria de Inteligência
e Estatística de Comércio Exterior, vinculada à Secretaria de Comércio Exterior
(SECEX) e ao Ministério da Economia (Brasil, 2020b), as mercadorias são
classificadas por fator agregado, divididos em básico ou industrializado, sendo
este subdividido em semimanufaturado e manufaturado. Produtos básicos são
commodities que possuem características semelhantes ao estado em que são
achados na natureza, com baixo grau de elaboração, a exemplo de minérios
brutos e soja em grãos. Por sua vez, produtos industrializados são aqueles que
sofrem transformação qualitativa, e os semimanufaturados aqueles que ainda
4 O MDIC fez uso de múltiplas fontes de dados: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE); Ministério
da Fazenda, Serviço e Estatística Econômica e Financeira; Banco do Brasil; Banco Central; Alice Web.
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necessitarão passar por mais algum processo produtivo para então alcançarem
a forma definitiva de uso. Um exemplo de semimanufaturado, envolvendo um
produto agrícola, seria o óleo de soja bruto, alcançando a forma de manufaturado
como óleo de soja refinado (Mandarino, 2001). Importante notar que tanto a
agropecuária, como a indústria de transformação e a indústria extrativa podem
possuir produtos que se enquadram em qualquer um dos fatores agregados.
A segunda dificuldade se refere aos períodos históricos, pois, uma atividade
primária da atualidade distingue-se radicalmente das observadas em séculos
passados: a produção de café de hoje, por exemplo, é tecnologicamente mais
avançada do que há 30-40 anos. Assim, comparar atividades produtivas de
distintos períodos históricos também se apresenta como um exercício delicado.
Porém, nesses dois séculos, especializar-se na produção e comercialização
de commodities primárias tem se mostrado uma característica da periferia,
envolvendo menos capital, recursos humanos qualificados, desenvolvimento
tecnológico, externalidades e, no geral, menos poder na hierarquia internacional.
E, por mais que tenha se transformado a atividade agrícola ou extrativa, contendo
atualmente elos industriais e incorporando tecnologia, tais setores continuam a
ser a principal atividade econômica de países periféricos, compondo a posição
majoritária da pauta de exportação. Ainda, há casos, como na cadeia mercantil
da soja — um dos principais produtos exportados pelo Brasil — em que parte
da tecnologia mais avançada incorporada na produção provém dos países de
Centro, ou seja, casos nos quais os elos mais lucrativos e tecnologicamente
avançados são também de monopólio dos países desenvolvidos (Medina, Ribeiro
e Brasil, 2016).
Um terceiro problema refere-se aos valores dos produtos comercializados,
pois no período estudado o Brasil adotou diversas moedas (mil-réis, cruzeiro,
cruzeiro novo, cruzado, real) e o comércio internacional experimentou diferentes
padrões monetários: padrão-ouro, dólar-ouro e dólar flexível. Diante disso, deu-
se preferência para a tabulação dos dados em valores percentuais, e, quando
expressos em valores absolutos, os produtos comercializados no período de 1808
a 1938 são classificados em contos de réis
5
, e de 1940 em diante, em dólares FOB.
Com o aporte teórico adotado, coloca-se o “mundo no centro da análise,
[estendendo-se] a discussão sobre questões contemporâneas de desenvolvimento
para uma perspectiva histórica de longo prazo e explorando ampla concepção
5 Herdado de Portugal, o mil-réis foi a unidade monetária brasileira até ser substituído pelo Cruzeiro em 5 de
Outubro de 1942.
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espacial da região” (Arrighi, Hamashita e Selden, 2004, p. 2, tradução própria
6
).
O argumento, assim, é de que para além dos aspectos micro ou macroeconômicos
“nacionais” e circunstâncias políticas internas, o Sistema Internacional é uma
variável independente que condiciona as exportações do país.
Histórico das exportações brasileiras: 1822 a 2019
Embora o Brasil enquanto país independente exista formalmente desde
1822, para o estudo das relações comerciais internacionais pode-se ter 1808
como o ano zero do comércio exterior do país. Além da transferência da sede do
Império Português para o Brasil, ocorre a assinatura da Carta de Abertura dos
Portos às nações amigas por parte de D. João VI. Tal documento régio “quebra o
monopólio comercial, rompe o pacto colonial e inaugura a autonomia econômica
e comercial brasileira” (Brasil, 2020a).
Nos mais de trezentos anos do período colonial, foram criadas estruturas
que condicionam todos os aspectos da vida brasileira no pós 1822. Em uma
perspectiva sistêmica, é possível argumentar que a colonização do Brasil, através
da produção de açúcar, inseriu o país na emergente economia-mundo capitalista,
em um processo de conexão e interdependência com os eventos externos.
[Isso] foi cristalizando a colônia portuguesa da América na posição de
periferia da Economia-Mundo capitalista, tanto pela ausência de Estado,
quanto porque esta região se especializou nos nódulos de produção primária e
menos rentáveis das cadeias mercantis mundiais. Em torno a estes nódulos,
durante o período colonial, foram se constituindo instituições, ideias,
práticas, tecnologias, atividades econômicas (primário-exportadora),
classes sociais (e as relações entre elas). Ao se reproduzirem por gerações
e gerações, estas ideias, práticas, instituições, classes e a própria condição
de periferia do sistema mundial se tornaram estruturas que condicionaram
o processo de formação do Estado […] (Vieira 2015, 90, grifos nossos).
A economia primário-exportadora, base de grande parte da vida colonial,
não deixou de existir a partir de 1808 ou 1822 quando outras instituições foram
criadas como, por exemplo, o Estado nacional, em 1822, conforme os dados
mostram. Para a apresentação, optou-se por concentrar as exportações por média
6 we put [....] the world at large at the center of our analysis […]. By extending the discussion of contemporary
developmental issues to a long-term historical perspective, and by exploring a broad spatial conception
of the East Asian region, we can offer a new understanding of the region’s dynamic across time and space.
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de décadas, ou seja, a média para o período entre 1821 e 1830, 1831 e 1840, e
assim sucessivamente. Primeiramente, analisa-se o intervalo de 1808 a 1950,
período de amadurecimento, financeirização e declínio da hegemonia Britânica
no sistema internacional (Arrighi, 1996).
O gráfico 1 ilustra o comportamento das exportações brasileiras para o período
de 1821 a 1950
7
. Como ao longo de todo o século XIX estas foram dominadas
integralmente por commodities primárias, optou-se por calcular os percentuais
por produto exportado. Sublinha-se como as exportações se concentraram em
apenas cinco produtos (dos quais dois ainda permanecem na lista de principais
produtos exportados): café, açúcar, algodão, peles e couros e borracha; exportados
em sua forma mais bruta, ou seja, sem processamento ou agregação de valor.
Durante todo o século XIX, 5 produtos somados representaram a quase
totalidade das exportações, chegando a 90% na última década do século. Para
tal período, sobretudo até o final da década de 1890, o percentual restante para
se completar 100% é dividido em metais preciosos, tabaco, fumo, arroz, mate,
cacau e outras commodities agrícolas e minerais.
Gráfico 1. Principais mercadorias exportados pelo Brasil em % (1821 a 1950)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
10
0%
Ca úcar Peles e Couros Borracha Soma Algodão
Fonte: Elaboração própria com base em Ministério da Economia (2020).
7 Ainda que a média dos anos de 1808 a 1820 não esteja presente na tabela (não foram encontrados percentuais
para tal período), o MDIC aponta que os principais produtos exportados foram as mesmas commodities
presentes por todo o século XIX. Optou-se pelo período 1821 -1950 por ser a maneira que o MDIC organizou
os dados disponibilizados.
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Diante destes números não parece apropriado classificar os produtos por nível
de tecnologia, por dois motivos: 1) basicamente todos os produtos pertencem à
mesma categoria (produtos primários e, no máximo, processados, baseados em
recursos naturais); 2) no período abordado ainda não existiam as classificações
de manufaturados de média e alta tecnologia, semelhantes às de hoje.
Com exceção do café, que se manteve acima dos 40% ao longo de todo
o período (mais da metade da produção mundial), existiram picos de rápida
expansão e declínio de outras commodities, dentro dos denominados ciclos
econômicos do Brasil. É o caso do açúcar, em 1820, do algodão, em 1860 e
1931/40, e da borracha, em 1901/10.
Na década de 1820, há diminuição das exportações do açúcar e do algodão.
Enquanto o primeiro continuava seu longo declínio iniciado nas primeiras décadas
do século XVIII, o segundo passou por uma rápida expansão nas décadas finais
deste século e iniciais do XIX, devido à interrupção do fornecimento do algodão
estadunidense, perdendo espaço quando este se normalizou. Destaca-se que,
também por um motivo externo, o desmantelamento da produção haitiana, o café
começou a ser exportado. Além de capacidade empresarial, o Brasil dispunha de
abundantes recursos naturais e humanos, estes últimos fornecidos pelo comércio
de pessoas escravizadas, embora este começasse a ser ameaçado pela Inglaterra
já na década de 1830.
Em dois momentos, especificamente nas décadas de 1861/70 e 1931/40, nota-se
a expansão do algodão, diretamente relacionada à demanda internacional por tal
matéria-prima, principalmente por conta dos países europeus que experimentavam
elevado crescimento populacional e expansão da indústria manufatureira têxtil
no século XIX, além das turbulências políticas e econômicas no início do século
XX. Ainda, destaca-se o ciclo da borracha do início do século XX, igualmente
atrelado às pressões de demanda internacional por tal commodity, principalmente
pelo impulso advindo da demanda europeia.
Por último, passa a ganhar proeminência os produtos da categoria “outros”,
sobretudo a partir da década de 1930, quando no Brasil desenvolvem-se os primeiros
projetos embrionários de industrialização e diversificação das exportações. Logo,
a partir da década de 1940, com tal categoria já ocupando aproximadamente
40% da pauta de exportação, faz-se necessária a análise em detalhes dessa nova
gama de produtos presentes no comércio exterior brasileiro.
Com efeito, chama-se a atenção para o fato de tais picos de exportação
ter sido provocados por processos sistêmicos ocorridos na economia-mundo
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capitalista. Pressões advindas do sistema mundial, sobretudo das nações Centrais,
encontraram no país a combinação ideal entre uma elite agrária caudatária e
ampla capacidade produtiva, reforçando o perfil primário-exportador. Destacando
os interesses em torno do setor cafeeiro, o principal produto exportado pelo
país no século XIX, Vieira (2015, 91) mostra a atuação da economia-mundo no
Brasil:
A partir de 1830, o Estado, as atividades econômicas, as classes (e as relações
entre elas) foram mudando em função dos interesses cafeeiros, que estavam
espalhados por três continentes: Europa, EUA e o Brasil, onde se localizam
alguns nódulos da cadeia mercantil mundial do café. Em outras palavras,
os interesses dos consumidores (EUA), dos financiadores e comerciantes
(Inglaterra), fornecedores de equipamentos (EUA/Inglaterra) e também
dos cafeicultores (Brasil) se entrelaçavam para: 1) no Brasil, consolidar
a economia agroexportadora, moldar as classes sociais, o Estado e suas
políticas, e ainda a própria adaptação da sociedade brasileira aos padrões
emanados do centro da Economia-Mundo […]; 2) nos outros Estados, criar
hábitos de consumo e contribuir para desenvolver a indústria (máquinas
e equipamentos para o processamento de café, locomotivas e ferrovias,
etc.) e as instituições financeiras.
Internamente, estes processos foram respondidos por uma elite latifundiária
de origem europeia, que se utilizou, em grande parte do período, da exploração
de outros seres humanos advindos de regiões periféricas do sistema-mundo.
Ou seja, a estratificação internacional das nações e a DIT se refletiam nas
relações sociais encontradas no interior do Brasil. Tal processo se deu por
um extenso período de tempo, antecedendo em muito — precisamente em
três séculos — o marco zero do comércio exterior. Sob a ótica de Braudel, tal
configuração de exploração do trabalho e da terra, que perdurou por séculos
(tempo estrutural), é a base da estrutura econômica brasileira
8
, com sinais de
permanência.
Dentre os fatores sistêmicos ocorridos, destaca-se a mencionada expansão
populacional urbana na Europa (principalmente devido a maior oferta de alimentos
com a introdução da agricultura mecanizada, inovações na medicina e a Revolução
Industrial), e a disputa pela hegemonia mundial caracterizada pelas duas Guerras
Mundiais do século XX, que acabou por deslocar o centro de gravidade das
8 Além, claro, das estruturas sociais e políticas, que se expressam na realidade brasileira de violência, racismo,
pobreza, entre outros aspectos.
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Relações Internacionais para os EUA, que substitui a Inglaterra como principal
parceiro econômico do Brasil
9
(Garcia, 2002).
Logo, o local esteve intimamente ligado ao sistêmico. O gráfico 2 mostra os
dados percentuais dos principais produtos exportados pelo Brasil no período da
década 1950 à de 2010. Para a elaboração, foram somados os valores de todas as
exportações por década, e para se estabelecer o percentual, foram somados os
valores das exportações de cada produto por década, realizando em seguida a
relação de porcentagem. Assim, se, por exemplo, no período 1951/60 o total das
exportações é igual a 100 milhões de dólares, e o de café é igual a 60 milhões
de dólares, o valor de vendas de café no período é de 60%.
Gráfico 2. Principais Mercadorias Exportadas pelo Brasil
em % do Valor Total Exportado (1951 a 2019)
Fonte: Elaboração própria com base em Ministério da Economia (2020).
Figurando como principal produto até a década de 1970, nota-se uma queda
nos percentuais do café a partir de 1960, embora os volumes absolutos tenham
continuado a crescer. Na década 1950, ainda que timidamente, o conjunto de
produtos exportados começa a apresentar diversidade, com novos grupos de
9 Quadro transformado em 2009, com a China ocupando o posto de principal parceiro comercial desde então.
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produtos surgindo. Porém, café, algodão e açúcar representam 70% das saídas
observadas para essa década inicial.
A partir da década de 1960, esse cenário começa a se transformar, com a
inclusão de uma série de categorias de produtos que antes não eram observadas
na pauta de exportação do país, com destaque para os complexos de produtos
metalúrgicos, químicos, máquinas e equipamentos, carnes, soja e calçados e
couros, os quais apresentaram, pela primeira vez na história, percentuais acima
de 1%. O destaque ainda permanece com o café, compondo 44% do total.
A década de 1970 também é marcada pela inclusão de novos conjuntos de
produtos que ultrapassam a faixa percentual de 1%, a saber: papel e celulose,
materiais de transporte e complexo do petróleo e combinados. Além disso, houve
crescimento percentual de todas as categorias, com exceção do algodão, carnes e
café, este último caindo abruptamente para 16% mas, ainda assim, continuando
a principal commodity exportada. O destaque fica para o desempenho do setor
de materiais de transporte (com crescimento de 11 vezes em relação à década
anterior), máquinas e equipamentos (crescimento de quatro vezes) e do complexo
da soja, que cresce aproximadamente 1000%.
Avançando para as décadas de 1980 e 1990, chega-se ao momento da inversão
histórica, com o setor manufaturado tornando-se o principal componente das
exportações brasileiras. Com 14% do total, os produtos metalúrgicos foram os
responsáveis pela maior parcela das exportações brasileiras. Em seguida vêm o
complexo da soja (10%), e máquinas e equipamentos (9%). Pela primeira vez
desde a década de 1830, o café deixa de ser o principal produto, caindo para
7,5%, o que é menos da metade da década anterior.
As décadas de 1990 e 2000 também são marcadas pelo predomínio dos setores
de manufaturados, com produtos metalúrgicos, máquinas e equipamentos e
materiais de transporte apresentando os três maiores percentuais. Entretanto, esse
quadro se transforma na década seguinte, quando, entre 2011 e 2019, minérios, o
complexo da soja e o setor petrolífero passam a serem os três principais clusters
de produtos vendidos.
Observa-se que do século XX em diante, mais precisamente a partir da década
de 1930, torna-se possível utilizar a classificação de produtos por intensidade
tecnológica. Porém, como mencionado, optou-se pela divisão entre bens
manufaturados, semimanufaturados e primários, tendo em vista que ao longo
do século XX novos paradigmas de produção e tecnologia foram introduzidos na
economia internacional, fazendo com que um produto classificado como “alta
A reprimarização das exportações brasileiras em perspectiva histórica de longa duração
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
186
tecnologia” na década de 1940, na atualidade não se enquadrasse mais em tal
categoria.
Gráfico 3. Exportação brasileira por fator agregado em % (1808 a 2019)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1808/1937
1940
1943
1946
1949
1952
1955
1958
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
2006
2009
2012
2015
2018
Básicos Semimanufaturados Manufaturados
Fonte: Elaboração própria com base em Ministério da Economia (2020).
O gráfico 3 apresenta o comércio exterior brasileiro do ponto de vista das
exportações para todo o período de 1808 a 2019
10
. Nota-se que a composição das
exportações brasileiras manteve-se padronizada ao longo de mais de um século
(composta exclusivamente de produtos básicos), e experimentaram acentuada
transformação do ponto de vista da intensidade tecnológica a partir da segunda
metade do século XX, de modo que é possível observar um intervalo de 31 anos
(1979 — 2009) com produtos manufaturados ocupando a parcela majoritária
da cesta de exportações. Entretanto, de 2009 em diante, a composição retorna
ao padrão histórico de produtos básicos compondo a maior parte dos produtos
comercializados pelo Brasil ao exterior.
Destaca-se ainda que a reprimarização ocorre tanto em números relativos
(i.e., em relação ao percentual) como em números absolutos. Ou seja, além
da guinada percentual já demonstrada no gráfico 3, os produtos primários
10 O primeiro marco temporal do gráfico se refere a todo o período de 1808 a 1937, por conta das exportações
terem sido praticamente 100% compostas por produtos básicos.
Victor Tarifa Lopes
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
187
aumentaram também nos valores absolutos (em dólares)
11
, ao passo que os
produtos manufaturados se estagnaram e, mais recentemente no curto prazo,
vêm apresentando queda nos valores.
Gráfico 4. Evolução das exportações brasileiras em número
absoluto — bilhões de dólares constantes (1964 a 2019)
0
200
400
600
800
10
00
12
00
14
00
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
2018
Básico Semimanufaturado Manufaturado
Fonte: Elaboração própria com base em Ministério da Economia (2020).
Portanto, dos 211 anos de comércio exterior analisado, 178 foram
majoritariamente de exportações primárias, e por 31 anos as manufaturadas
apresentaram os maiores percentuais. Na perspectiva braudeliana, tem-se uma
história estrutural de predominância de exportações primárias e uma história
conjuntural de predomínio dos manufaturados. Essa diferença temporal deve
ser levada em conta pois, em 177 anos foram criados interesses, classes sociais,
instituições e, inclusive, conhecimentos, técnicas e mentalidades, que se difundiram
por toda a sociedade, sendo, portanto, mais capazes de continuar se desenvolvendo,
o que tem sido facilitado pelas vantagens comparativas naturais. Já os 31 anos
podem não ser suficientes para que o mesmo acontecesse com os manufaturados.
Na sequência, calcularam-se os níveis de concentração das exportações
brasileiras no período de 1997 à 2019. Inicialmente, aplicou-se o coeficiente
11 Há de se mencionar que a alta dos preços das commodities nos mercados internacionais também influenciam
nos valores de exportação.
A reprimarização das exportações brasileiras em perspectiva histórica de longa duração
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
188
de Gini-Hirschman, utilizado para medir o grau de concentração por produtos
exportados, sendo este assim expresso (Love, 1979, apud Silva e Montalván,
2008, p. 553 e 554):
Onde:
ICP = Índice de Concentração por Produtos
= Exportações do bem i pelo país j
= Exportações totais do país j
Silva e Montalván (2008) destacam que “o valor desse índice está definido
no intervalo entre 0 e 1. Quando um país apresenta índice ICP elevado significa
que este tem as suas exportações concentradas em poucos produtos”. Em
contrapartida, “um índice ICP baixo reflete maior diversificação de produtos
na pauta das exportações. Nesse caso, argumenta-se que o país terá uma maior
estabilidade nas receitas cambiais” (Silva e Montalván 2008, 554). Love (1979
apud Silva e Montalván, 2008, p. 554) aponta que “uma pauta de exportações
mais diversificadas pode significar também indício de trocas mais estáveis”.
Em seguida, foi calculado o Coeficiente de Gini (CG) utilizando-se a ferramenta
Microsoft Excel. Trata-se de um método utilizado para mensurar a distribuição
de valores (e.g., renda ou valores de exportação) entre indivíduos/produtos,
igualmente variando de 0 (igualdade perfeita) à 1 (completa desigualdade com
apenas um indivíduo detendo todo valor). Dentre as diversas maneiras de se
calcular, uma fórmula comumente empregada para dados não agrupados é assim
disposta (Medina, 2001):
Foi identificada tendência de concentração em ambos os indicadores. Com o
ICP, observou-se que em 1997 os 10 principais produtos exportados correspondiam
a 29,8% do total, ao passo que no último ano do período, i.e., 2019, o Brasil
exportou um total de 7703 produtos, dos quais, os 10 principais representaram
48,25%, e os 3 principais (“Soja, mesmo triturada, exceto para semeadura”,
“Óleos brutos de petróleo” e “Minérios de ferro e seus concentrados, exceto as
Victor Tarifa Lopes
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
189
piritas de ferro ustuladas (cinzas de piritas), não aglomerados”) alcançaram
31,28% do total. Em outras palavras, apenas 3 produtos representaram quase
um terço do total exportado, sendo todos os 10 maiores relacionados às cadeias
produtivas agrícola/extrativa (soja e derivados, petróleo, minério de ferro, milho,
madeira, carnes bovina e de aves, café e açúcar).
Aplicando-se o coeficiente de Gini, em um conjunto de dados variando
entre 6629 (menor quantidade, registrada em 1997) e 7763 (maior quantidade,
observada em 2007) commodities exportadas pelo Brasil, obtém-se o resultado
12
expresso no gráfico 5. A classificação utilizada é da Nomenclatura Comum do
Mercosul (NCM), por possuir o maior nível de detalhamento possível de produtos,
e, para o cálculo, foram consideradas apenas mercadorias que apresentaram
valor de no mínimo 1 dólar. Utilizando-se a classificação proposta por Câmara
(1949)
13
, observa-se que o país apresentou, em todo o período, uma concentração
classificada como muito forte a absoluta, tendo aumentado de 1997 à 2019.
Gráfico 5. Coeficiente de Gini das exportações brasileiras por produtos (1997 a 2019)
0,
91
0,
92
0,
93
0,
94
0,
95
0,
96
0,97
Coeficiente de Gini
Fonte: Fonte: Elaboração própria com base em Ministério da Economia (2020).
12 Esse período foi escolhido porque possui o maior número de detalhamento possível em termos de quantidade
de produtos, fato ausente para anos anteriores.
13 A classificação para interpretação do coeficiente de Gini é: 0,101 a 0,250 desigualdade nula a fraca; 0,251 a
0,500 fraca a média; 0,501 a 0,700 média a forte; 0,701 a 0,900 forte a muito forte; 0,901 a 1,000 muito forte
a absoluta.
A reprimarização das exportações brasileiras em perspectiva histórica de longa duração
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
190
Segundo Benetti (2006, 84), o Brasil possui um elevado grau de concentração
das exportações, com uma “estabilidade desse indicador [coeficiente de Gini],
que se posiciona em níveis muito altos”. É possível identificar uma crônica
desigualdade, indicando a formação de uma estrutura histórica de concentração
nas exportações brasileiras, fato diretamente conectado ao papel historicamente
exercido pelo Brasil na DIT.
Análise e discussão
Ao se analisar a trajetória histórica do desenvolvimento econômico brasileiro,
uma série de debates e contribuições teóricas marcou espaço, tanto no âmbito
intelectual-acadêmico, como nas políticas empregadas por policy makers e elites
empresariais.
Como identificado na obra seminal de Bértola e Ocampo (2013), desde
uma perspectiva estruturalista, a história da América Latina é uma história de
constrangimentos de restrição externa, elevados déficits na balança comercial,
elevada volatilidade político-econômica (constrangendo a capacidade de
investimento e inovação) e especialização no padrão de produtos baseados
em recursos naturais. No caso brasileiro, a inserção internacional não se dá de
maneira diferente, dentro de uma lógica de fornecimento de produtos primários —
e com elevada concentração em poucos — e consumo de tecnologia estrangeira,
tornando-se uma economia exposta à volatilidade de preços tipicamente encontrada
no mercado de commodities.
Aliado a este mercado, Bértola e Ocampo (2013) indicam que há uma
dependência externa de economias como a do Brasil, que tendem a sentir
os efeitos de fluxos de capitais estrangeiros que entram e saem conforme o
movimento de demanda e preços dos produtos básicos. Grosso modo, esse é o
cenário observado no Brasil por todo o século XIX, empiricamente demonstrado
na seção anterior: um crescimento ancorado na exportação de bens primários
(Furtado, 1991).
De 1929 a 1980, o país entra na fase da “industrialização dirigida pelo Estado”
(Bértola e Ocampo, 2013), conforme nomenclatura destes autores, também
conhecida como fase do Estado Desenvolvimentista ou ciclo desenvolvimentista.
Trata-se do período histórico em que políticas industriais e o papel do Estado
Victor Tarifa Lopes
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
191
tomam centralidade no planejamento econômico, enxergando-se a industrialização
como principal via de desenvolvimento e empregando-se amplamente a estratégia
de substituição de importações. Não obstante o “ethos” do período ser marcado
pelo desenvolvimentismo, Bielschowsky (1988) identifica que havia, de fato,
uma diversidade de argumentos e um intenso debate sobre os rumos do país,
com correntes de pensamento neoliberal, desenvolvimentista (com suas distintas
vertentes entre o setor privado, o setor público não nacionalista e o setor público
nacionalista), e socialista, com a ideologia desenvolvimentista alcançando seu
apogeu na década de 1950. Não há de se ignorar ainda a influência da Teoria
da Dependência
14
e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
em tal contexto.
A despeito da orientação brasileira pró-indústria, não ocorreu no país um
conflito com os interesses do setor primário-exportador. De fato, como identificam
Bértola e Ocampo (2013), em toda América Latina surge um “modelo misto”, com
a substituição de importações ocorrendo concomitantemente à diversificação das
exportações e integração regional, tendo os produtos primários relevante papel
para arrecadação de capital e financiamento do setor manufatureiro.
A partir da década de 1980, conhecida como a “década perdida”, observa-se
em toda a região uma clivagem na ideologia dominante, com uma reorientação para
o mercado (Bértola e Ocampo, 2013) e abandono dos projetos de industrialização,
com o neoliberalismo destacadamente dominando o imaginário coletivo político
e econômico. Uma vez mais, a constante volatilidade e dependência externa se
fazem presentes, as quais, aliadas à histórica dificuldade de consolidação de um
sistema nacional de inovação, reforçam o padrão primário-exportador.
Com as políticas neoliberais e a promoção da abertura comercial, observou-
se um aumento da capacidade de aquisição de bens de capital e maquinário
estrangeiro, ao custo do desmantelamento de nódulos significativos da cadeia
industrial do país, entrando em um processo caracterizado como desindustrialização
precoce ou negativa. Como já identificavam Medeiros e Serrano (2001) no início
do século XXI, a guinada neoliberal teve impactos diretos na capacidade de
exportação do tecido industrial brasileiro.
14 Importante corrente teórica e intelectual de perspectiva crítica desenvolvida e popularizada na América Latina
durante as décadas de 1960 e 1970, a qual interpretava as Relações Internacionais em termos de Centro e
Periferia, contribuindo tanto no âmbito acadêmico como político sobre trajetórias e políticas de desenvolvimento
em todo o continente Latino-Americano.
A reprimarização das exportações brasileiras em perspectiva histórica de longa duração
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
192
A reespecialização da economia brasileira com redução da diversificação da
sua estrutura produtiva resultou em uma pauta exportadora mais concentrada
em setores de menor conteúdo tecnológico e mais baixo dinamismo na
economia internacional Tendo em vista o elevado crescimento do coeficiente
de importações e o baixo crescimento das exportações, a reespecialização
produtiva transformou um sistema industrial superavitário, num sistema
fortemente deficitário (Medeiros e Serrano 2001, 130)
Evidentemente que esse breve resgate histórico ilustra como o Estado-nação
brasileiro não teve um papel meramente reativo, e tampouco foi um ente
“monolítico”, sem disputas internas entre classes sociais e burocracias estatais.
Como apontado por Poulantzas (1977), não há de se enxergar o Estado como
unidade política livre de contradições, pois há nele autonomia política e a
dinâmica de luta de classes incorporada, atuando como mediador do conflito
entre classes dirigentes (e hegemônicas) e classes subordinadas — podendo
ser, em momentos, disfuncional para os interesses da burguesia. Logo, não se
desconsideram os diversos momentos de agência do país, a exemplo do processo
de industrialização buscado de diversas maneiras desde o período Vargas, como
as estratégias de substituições de importações e substituição de exportações no
Brasil (Suzigan, 2000; Silva, 2003).
Com isso, admite-se que a perspectiva de Análise dos Sistemas-Mundo tende
a silenciar as possibilidades e capacidades de agência que o país possui perante as
janelas de oportunidade que ocasionalmente se abrem em diferentes momentos e
circunstâncias históricas (Soendergaard, 2018). Entretanto, o que se busca neste
artigo não é negligenciar a capacidade de agência do país, mas sim indicar que,
apesar das distintas estratégias empregadas em todo o período, a condição de
primário-exportador e dependência externa permaneceu, consoante o argumento
de Moreira Júnior (2020), o qual afirma que “as diferentes estratégias adotadas
nesse período [2000 a 2019], de diversificação de parcerias e de realinhamento
automático aos Estados Unidos, foram inócuas no que diz respeito à alteração
da nossa condição de país primário-exportador e dependente” (p. 240).
Indiscutivelmente, ocorreram mudanças na DIT, como bem destacaram
Piñeres e Ferrantino (1997)
15
ao identificarem um movimento de diversificação
15 No contexto do otimismo generalizado provocado pelo desempenho acima da média mundial das exportações
dos países latino-americanos no início da década de 1990 (semelhante ao desempenho recente do boom das
commodities).
Victor Tarifa Lopes
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
193
e transformação estrutural das exportações de países Latino-Americanos entre
1963 e 1993. Porém, levanta-se a questão em relação ao controle do excedente
gerado nas cadeias de mercadorias
16
, independentemente da classe da mercadoria
(manufaturados ou primários), uma vez que não existe relação causal obrigatória
entre exportação de bens manufaturados e desenvolvimento econômico (Arrighi,
1997), e pelo fato de atualmente a exploração de commodities primárias também
envolver atividades de ciência, tecnologia e inovação e uso intensivo de capital.
Como sublinha Arrighi (1997, 147), “nenhuma atividade específica (quer definida
em termos de sua produção ou da técnica usada) é inerentemente típica do núcleo
orgânico ou típica da periferia”. Além disso, “uma atividade pode se tornar, em
um dado momento no tempo, típica do núcleo orgânico ou típica da periferia,
mas cada uma tem aquela característica por um período limitado” (Arrighi 1997,
147). É o caso observado na indústria têxtil, por exemplo, que historicamente
já foi uma atividade típica do centro (núcleo orgânico) capitalista, como na
Inglaterra. Em suma, pertencer ou não ao núcleo orgânico não é determinado
pela mercadoria ou mesmo pela fase de sua produção em si, mas sim pela
rentabilidade dessa mercadoria ou da etapa de sua produção que esteja sendo
considerada, pois “as atividades do núcleo orgânico são aquelas que controlam
grande parte do excedente total produzido dentro da cadeia de mercadorias,
enquanto que atividades periféricas são aquelas que controlam pouco ou nada
desse excedente” (Arrighi, 1997, p. 140).
No caso brasileiro, observa-se o típico caso de uma semiperiferia, ou seja,
de “uma combinação mais ou menos igual de atividades de núcleo orgânico
e de periferia” (Arrighi 1997, 157). Trata-se exatamente da situação estrutural
na qual se inserem a economia e o Estado brasileiros e que fazem com que
as iniciativas políticas e econômicas deste último se mostrem incapazes de
transformar a pauta de exportação e resistir aos constrangimentos externos da
economia internacional, mas capazes de obter sucesso no fomento à exportação,
sobretudo para países periféricos, ou seja, localizados mais abaixo na hierarquia
mundial do poder e da riqueza. Ilustrando o conteúdo deste artigo, a Figura 1
sintetiza os padrões encontrados nas exportações do Brasil no longo período
de 1808 a 2019.
16 Conjunto interligado dos processos necessários para a produção de um produto, desde o fornecimento de
matérias-primas até as fases posteriores ao consumo.
A reprimarização das exportações brasileiras em perspectiva histórica de longa duração
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
194
Figura 1. Exportações brasileiras de 1808 a 2019
(síntese histórica)
Fonte: Elaboração própria com base em Ministério da Economia (2020)
e Arrighi (1996).
Victor Tarifa Lopes
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
195
Do ponto de vista da permanência e importância dos produtos primários na
cesta de exportações, pode-se afirmar que, na longa duração, agentes político-
econômicos consolidaram-se atrelados às atividades de comércio internacional
de commodities; ou seja, formaram-se grandes players e acumuladores de capital
essencialmente ligados à exploração e comercialização de commodities agrícolas
e minerais. Isso não apenas moldou as relações de trocas comerciais entre o Brasil
e o mundo, mas a sociabilidade entre agentes públicos e privados nacionais,
condicionando questões como a empregabilidade, formas de trabalho, grau de
urbanização, etc.
É possível considerar que a postura de política comercial e industrial adotada
pelo Estado brasileiro teve papel crucial para a diversificação e transformação da
pauta de exportações, uma vez que a mesma teve o início de sua transformação
justamente a partir da estratégia deliberada de desenvolvimentismo, adotada
pela classe dirigente da época que, por sua vez, foi abandonada explicitamente
na década de 1990, momento em que as exportações voltaram a apresentar
elevado grau de concentração e baixa diversificação.
Além disso, é possível demonstrar como o processo de internacionalização
de um produto manufaturado é, pelo prisma mercadológico, de longo prazo.
Iniciada em 1930 de maneira incipiente, e com maior intensidade a partir de 1950,
a indústria brasileira levou de 30 a 50 anos para se consolidar como principal
provedora de bens exportados pelo país. Tal situação durou exatamente 31 anos,
com o setor de commodities primárias retornando à posição de destaque.
Entendendo conjunturas como “períodos particulares de mudança em uma
estrutura ou como relações não existentes que são criadas e se reproduzem no
mínimo pelo tempo de um [Ciclo de] Kondratieff
17
” (Vieira e Ferreira, 2013,
p. 250), podendo ainda uma conjuntura se transformar em estrutura ou deixar de
existir, o período de 31 anos com a pauta de exportações sendo em sua maioria de
manufaturados não chega nem ao tempo mínimo de uma conjuntura. A despeito
do esforço de industrialização e diversificação das exportações no século XX, as
mesmas não encontraram as condições políticas, econômicas, sociais e culturais
que as fizessem permanecer como principal categoria de bens exportados, não
suportando o “peso” estrutural dos produtos primários.
17 Um ciclo de Kondratieff refere-se à um período de aproximadamente 40 à 60 anos, formulado originalmente
pelo economista Nikolai Kondratiev, o qual postulava que a economia funciona através de ciclos de expansão,
estagnação e recessão.
A reprimarização das exportações brasileiras em perspectiva histórica de longa duração
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
196
Como mencionado, na Análise dos Sistemas-Mundo não há a associação de
determinadas atividades econômicas como sendo necessariamente de núcleo ou
periferia. Nesse sentido, nem mesmo indústria é, por definição, uma atividade
de centro, e, nem a agricultura é uma atividade de periferia, como em geral
temos sido levados a pensar. A comprovação empírica é dada pelos casos da
Austrália, Canadá, Noruega e Dinamarca, que são majoritariamente primário-
exportadores, e pelos EUA, com participação expressiva de produtos como soja
e milho (COMTRADE, 2020).
A questão central é que na cadeia mercantil dos recursos agrícolas e minerais
voltados à exportação, o Brasil e suas empresas capitalistas participam menos
nos nódulos mais lucrativos. Tais nódulos tendem a pertencer a países centrais
ou, ainda que localizados no Brasil, ser controlados por empresas estrangeiras
que remetem o lucro líquido ao exterior, diminuindo o Produto Nacional Bruto.
Há de se destacar que a estratégia deliberada de realizar atividades de
núcleo orgânico (e.g., o beneficiamento de commodities primárias antes de
serem exportadas) significaria a perda de capital excedente controlado por outras
empresas e países, com acirramento da competição e controle de market share.
Além disso, o número de países periféricos e semiperiféricos é muito maior do
que a quantidade de Estados de centro, o que diminui o poder de barganha do
primeiro grupo, devido à elevada competição intercapitalista (Arrighi, 1997).
Um exemplo prático da condição semiperiférica brasileira é a cadeia mercantil
da soja, um dos principais produtos comercializados nas últimas duas décadas.
Existe a produção e exportação de soja em larga escala e com elevada aplicação
de capital e tecnologia, entretanto, a maior parte do fornecimento da semente
de soja (principalmente a transgênica, com maior pesquisa e desenvolvimento
embutidos) está concentrada em poucas empresas multinacionais com sede
fora do Brasil, como Monsanto, Dow, Syngenta, DuPont e Nidera, dominando o
market share brasileiro (Sousa e Tonin, 2013). Além disso, há baixa participação
de capital brasileiro nos setores intensivos em tecnologia ao longo de toda a
cadeia da soja produzida nacionalmente: “a maior parte está na terra e mão
de obra, com 14,3% e 13,3% respectivamente. Já nos itens mais intensivos em
tecnologia e capital (sementes, fertilizantes, defensivos, máquinas e agroindústria),
o conjunto da participação brasileira chega a apenas 12,4%” (Medina, Ribeiro
e Brasil, 2015, p. 27), como destacado no quadro a seguir:
Victor Tarifa Lopes
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
197
Quadro 1. Participação proporcional do capital brasileiro
ao longo da cadeia da soja produzida no Brasil
ITEM
MARKET SHARE DE GRUPOS
BRASILEIROS POR ETAPA DA
CADEIA (%)
PARTICIPAÇÃO PROPORCIONAL
DO CAPITAL BRASILEIRO NO
TOTAL DA CADEIA (%)
Sementes 16,5 2,4
Fertilizantes 33,5 4,8
Defensivos 4,3 0,6
Máquinas 1,9 0,3
Agroindústria 30,7 4,4
Custo da terra 93,4 13,3
Mão de obra 100,0 14,3
Total 40,0
Fonte: Medina, Ribeiro e Brasil (2016, 28).
Segundo Hopkins e Wallerstein (1977), nações periféricas são descritas como
simples reprodutoras de produtos, com a organização da produção e a técnica
em níveis constantemente estagnados. Claramente não é o caso brasileiro e de
seu agronegócio (Hopewell, 2016; Soendergaard e Silva, 2019), a exemplo do que
é visto na cadeia mercantil da soja, que possui uma elevada produção de inputs
tecnológicos realizada nacionalmente, com externalidades para outros setores, e
a exemplo de instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
Porém, no que se refere ao comércio internacional do principal produto
exportado pelo Brasil (i.e., a soja), observa-se baixo nível de agregação de valor,
com o produto exportado em sua maneira mais básica, além de forte presença
externa de inputs e outputs na estrutura mercantil (Soendergaard, 2018). Trata-se
de um processo multifacetado e multidimensional, e dessa combinação deriva
a condição semiperiférica do país.
Por ser explícito o potencial do Brasil como um dos maiores produtores de
soja, minério de ferro, bauxita, carne, pasta de celulose, além de apresentar a
potencialidade de produzir petróleo e cobre para exportação em grande escala
no curto prazo, há de se discutir qual será a estratégia de inserção internacional
do país. Atualmente, o que se observa é uma inserção dentro de um modelo
insustentável do ponto de vista social, econômico e ambiental (Almeida, Silva
e Angelo, 2013), pois a “produção e repartição do excedente econômico” no
contexto de inserção internacional via exportação de recursos naturais e captura de
renda fundiária, “provocam armadilhas produtivas (superexploração de recursos
naturais) e distributivas (concentração da riqueza fundiária), de sorte a constranger
A reprimarização das exportações brasileiras em perspectiva histórica de longa duração
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 174-203
198
o crescimento econômico à reprodução de padrões de subdesenvolvimento”
(Delgado 2010, 111).
Conclusões
Este artigo buscou apresentar o comportamento das exportações brasileiras
em um quadro de longa-duração, analisando-se dados de 1808 a 2019. Para
tanto, utilizou-se da Análise dos Sistemas-Mundo como instrumental analítico e
a base de dados estatísticos de comércio exterior disponibilizada pelo Ministério
da Economia brasileiro.
A compilação de dados permitiu identificar que, de 1808 a 1978, as exportações
tiveram predomínio de produtos primários, com uma mudança observada entre
1979 e 2009, em que exportações de produtos manufaturados foram a maioria.
De 2009 em diante, há o retorno da preponderância das commodities primárias,
dando voz ao argumento de manutenção, ao longo da história de desenvolvimento
econômico do Brasil, da situação de especialização regressiva em produtos de
menor valor agregado. Além disso, constatou-se, pelos Coeficientes de Gini e
Gini-Hirschman, que de 1997 a 2019 a pauta de exportação apresentou uma
concentração de muita alta a absoluta, tendo aumentado neste período.
A crônica permanência de uma pauta de exportações com grande peso das
commodities agrícolas e minerais, aliada à inserção do país na DIT como um
espaço destinado à expropriação e exploração voltada ao exterior, fez com que
estruturas históricas fossem formadas, as quais buscam o equilíbrio no padrão
primário-exportador. O argumento de longa duração e sistêmico é reforçado ao
constatar-se que a reprimarização teve início antes do boom das commodities e
da recente (re)ascensão chinesa, e que se tratou de um fenômeno experimentado
por toda a região latino-americana, ainda que em graus variados, de acordo com
o nível de maturidade industrial de cada país.
Longe de negar as capacidades de agência do Brasil, o que se buscou
demonstrar foi que a inserção do país se dá em uma economia-mundo capitalista
dividida hierarquicamente e com distribuição desigual das riquezas entre as cadeias
produtivas e mercantis. Nesse sentido, faz-se necessário aproveitar janelas de
oportunidade, em que desenvolvimento industrial e o potencial agroexportador
não se anulem, e que um novo modelo de inserção internacional seja pensado,
necessariamente levando em conta a sustentabilidade do ponto de vista econômico,
social e ambiental, distinto do que se observa atualmente.
Victor Tarifa Lopes
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