Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 137-158
142 As transformações do capitalismo contemporâneo e seus impactos na periferia: [...]
evidenciando a tendência descrita por Marx no Livro 3 de O Capital
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(Kliman
2015); crise do padrão de acumulação do tipo fordista e transição para um
padrão flexível (Harvey 1992); ou, ainda, estabelecimento do padrão monetário
dólar-flexível ligado à retomada da hegemonia norte-americana (Tavares 1985).
Para Streeck (2018), a mais recente crise do capitalismo deve ser entendida
como continuidade da crise dos anos 70, quando os capitalistas teriam rompido de
forma brutal o processo de expansão produtiva iniciado no pós Segunda-Guerra,
na medida em que esse modelo se tornava caro demais. Segundo o autor, àquela
altura, uma kaleckiana
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greve dos investimentos teria sido a razão fundamental
da crise, representada por uma ação coordenada entre empresas e empresários
que conseguiram se organizar coletivamente em torno da crítica ao “excesso de
emprego e regulação” (Streeck 2018).
Assim, Streeck afirma que a recente crise do capitalismo, ocorrida em 2007 e
2008, deve ser entendida como continuidade daquele processo de dissolução do
regime do capitalismo do pós-guerra. Ou seja, aquela crise, ao invés de ter sido
resolvida, foi apenas adiada. Esse adiamento se deu mediante: “a inflação; depois
pelo endividamento do Estado; a seguir, pela expansão dos mercados de crédito
privados; e, por fim, atualmente, pela compra de dívidas de Estados e de bancos
pelos bancos centrais”. (Streeck, op. cit, pg. 28). Essas tentativas de adiamento
da crise, por sua vez, contribuem para expandir os mecanismos de acumulação
financeira, gerando novos elementos de crise.
Desse modo, uma espécie de adiamento da crise é justamente a raiz da crise
de 2007-2008. Ou seja, os próprios mecanismos utilizados para lidar com a crise,
via endividamento, por exemplo, geraram efeitos de acumulação financeira que,
em determinado momento, explodiram na forma de bolhas, como no caso da crise
do mercado imobiliário norte americano.
Esta visão apresentada por Streeck remete à passagem fundamental do Livro 3
de O Capital (Marx, 1984), lembrada por Chesnais (2016), que afirma: “A produção
7 A lei da queda tendencial da taxa de lucro, a partir de Marx (1984), deve ser analisada levando em consideração
suas contra tendências, ou seja, mecanismos adotados de forma a compensar a queda tendencial da taxa de
lucro. Dessa forma, a lei em si não garante a queda da taxa de lucro, dadas as contra tendências. Como ressalta
Kliman (2015) essa tendência não leva a um estado estacionário, mas sim à formação de ciclos de crescimento
e queda, não podendo ser, nesse sentido, a causa direta das desacelerações, mas sim indireta, já que reduz a
disposição dos capitalistas para investir na esfera da produção.
8 Streeck se refere ao economista Michal Kalecki, que discute, na famosa palestra intitulada “Aspectos políticos
do pleno emprego” (Kalecki 1944), a importância de se considerar o crescimento econômico como estimulado
ou interrompido por ações políticas, conduzidas por interesses de grupos, como empresários, que atuam no
sentido de atingir seus objetivos, por exemplo, pressionando pela redução de salário.