Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 1, 2020, p. 80-103
89Ricardo Gesteira Ramos de Almeida
sociedade sem fronteiras, que normalmente se associa à ideia de intensificação
dos fluxos no processo de globalização.
A análise sobre os muros de Ceuta e Melilla, que separam a Espanha de
Marrocos, é exemplar dessa realidade. Antes da adesão da Espanha à União
Europeia, em 1986, as fortificações de separação entre os chamados enclaves
e Marrocos eram descritas como precárias ou, no mínimo, pouco relevantes
(Figueiredo 2012). Com efeito, 1986 é tido como um divisor de águas no processo
de cercamento e nas relações fronteiriças entre Espanha e Marrocos. Nos termos
analisados por Ferrer-Gallardo, o ingresso da Espanha na União Europeia traz
consigo a implicação de que os territórios espanhóis em Marrocos passam
automaticamente a significar a existência de fronteiras europeias na África
(Ferrer-Gallardo 2008), o que impõe, quase que imediatamente, nova relevância
geopolítica a essas linhas divisórias e, consequentemente, uma nova dinâmica de
cercamento, e, de modo mais amplo, a necessidade de imposição de uma nova
dinâmica dos fluxos transfronteiriços sobre tais territórios.
Essa sobreposição territorial — Espanha/Europa–Marrocos — ganha
complexidade ainda maior desde 1991, com a subscrição da Espanha ao Acordo
de Schengen
7
. Isso porque, com a abolição dos controles internos de circulação
de fronteira entre países integrantes do Espaço Schengen, foram adotados, em
contraposição, rigor extremo e maior controle das fronteiras externas dos países
membros. No caso da Espanha essa pressão se torna mais explícita, uma vez que,
como já destacado, suas posições em Ceuta e Melilla representam nada menos do
que a existência das únicas fronteiras externas da União Europeia (e do Espaço
Schengen) na África.
Diante desse novo cenário e sob pressão europeia, em 1993 a Espanha leva
a cabo o projeto de cercamento integral das duas cidades, evidentemente com
financiamento da própria União Europeia. Isso permite a substituição total das
cercas existentes desde 1991, com altura de 2,5 metros, por cercas de arame
7 Conforme descrito no website da legislação da União Europeia, “o espaço Schengen representa um território no
qual a livre circulação das pessoas é garantida. Os Estados signatários do acordo aboliram as fronteiras internas
a favor de uma fronteira externa única. Foram adoptados procedimentos e regras comuns no espaço Schengen
em matéria de vistos para estadas de curta duração, pedidos de asilos e controlos nas fronteiras externas. Em
simultâneo, e por forma a garantir a segurança no espaço Schengen, foi estabelecida a cooperação e a coordenação
entre os serviços policiais e as autoridades judiciais. A cooperação Schengen foi integrada no direito da União
Europeia pelo Tratado de Amesterdão em 1997.” (sic) (European Union 2009). Integram o Espaço Schengen:
Áustria, Bélgica, República Tcheca, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia,
Itália, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Noruega, Polônia, Portugal, Eslováquia,
Eslovênia, Espanha, Suécia e Suíça.